Carta para você

Uma Surpresa no Dia Dos Namorados


Eu juro que odeio ser deixada no escuro. Se tem uma coisa que me deixa maluca é quando eu pergunto para a pessoa algo e ela me responde com “Você vai ver.”, isso me deixa com uma vontade assassina de retrucar, bem na cara com o famoso: “Se não iria me contar, para que me deixar curiosa?”.

Acontece que nem por decreto Jethro queria abrir a boca sobre aonde iriamos. A única informação que obtive era o horário da reserva. E, desnecessário dizer que ele havia me informado bem em cima da hora. Eu tinha menos de duas horas para me arrumar para um local que eu nem sabia qual era.

— Como eu posso saber o que vestir se eu nem sei para onde eu estou indo?! – Reclamei alto, com o claro intuito de irritar Jethro.

E ele, que estava saindo do banho olhou para mim e para a pilha de roupas em cima da cama, todas elas escondendo as já escolhidas por ele.

— Quanto tempo você ainda precisa para se arrumar? – Ele me perguntou.

— Como assim?! Eu preciso de mais do que o horário da reserva para saber o que vestir, Jethro! Mulheres não são iguais aos homens, que qualquer coisa que vestem estão bem vestidos.

Ele respirou fundo. Toda a minha falação o estava tirando do sério.

— Jen, você está sempre bem vestida!

Estreitei os olhos na direção dele.

— Eu estou bem vestida, porque eu sei a ocasião para usar determinada roupa, Jethro. – Suspirei frustrada e tornei a vasculhar na pilha de roupa, por alguma que pudesse ser um coringa.

— Aproveita que você mexeu aí, e pega a minha roupa por favor. – Jethro, muito sabiamente, não encostava nas minhas coisas. De vez em quando ele sabe quando manter distância.

Tentei lembrar onde ele havia colocado as roupas, e depois de procurar um pouquinho, encontrei. Um terno escuro – que eu havia comprado na última sessão de compras com Kelly – e uma camisa clara. Nada que me desse muita informação sobre o local do jantar. Dei dois passos na sua direção e entreguei as roupas, tentando fazer a minha melhor cara de pidona que podia. Quando a cara de pidona não funcionou – ele só ficou me encarando com a sobrancelha levantada e um leve sorriso de lado – apelei para a sedução.

— Se você for realmente começar a me beijar para tentar descobrir onde vamos, te garanto que não sairemos deste quarto e que todas as suas roupas vão amanhecer no chão. – Ele disse com um sorriso travesso.

— Jethro, que coisa! – Empurrei-o para longe de mim e ele começou a rir. – Não tem graça. – Eu estava pior que criança que queria abrir os presentes de Natal antes da hora. Foi então que ele me abraçou por trás e apenas disse.

— E se eu escolhesse a sua roupa?

— Como é? Ficou maluco? – Perguntei assustada, mas ele já tinha me soltado e pegava duas peças de roupa na pilha desorganizada em cima da cama e depois um par de sapatos.

Olhei descrente para a combinação que ele criara. Tudo bem, eu tenho que admitir – não que ele vá ficar sabendo disso – que até pensei nessas peças juntas, mas achei que não serviriam. E quando ele as escolheu, fiquei sem saber aonde íamos, pois vestida assim, eu poderia entrar em vários restaurantes de Paris.

— E então, vai ou não vestir?

— Uma saia preta e um suéter lilás? Aonde estamos indo, Jethro?

— Você esqueceu dos saltos, peguei os mais altos que você tem.

Balancei a cabeça negativamente.

— Ainda não acredito que você preferiu correr o risco de escolher a minha roupa a me dizer onde vamos!

— Pelo menos, assim, saímos no horário. – Ele não se conteve e começou a me pressionar.

— Se eu quiser, nós chegamos atrasados, Jethro. Basta eu querer.

Ele me analisou.

— Nah, você está curiosa demais para começar a fazer hora, Jen. Você não vai nos atrasar. – Ele sorriu com convicção para mim, e eu reprimi a vontade de mostrar a língua.

— Você está impossível hoje! – Rosnei na direção dele e comecei a vestir a estranha combinação que ele me passara. Quando estava parcialmente pronta, ele chegou atrás de mim, e, parados na frente do espelho, ele disse:

— Até que não ficou ruim.

— Convencido! – Dei uma cotovelada nas costelas dele.

Seu convencido favorito, Jen! – Ele beijou atrás da minha orelha e me deixou no quarto para terminar de me arrumar.

— O que foi que eu fiz na outra vida para receber um carma desses? – Perguntei a mim mesma. Contudo, ao mesmo tempo em que eu reclamo, eu já sei que Jethro já está enraizado em mim. E, se no início eu achava que era um problema, hoje já não me importava mais.

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Por todo o caminho Jen ficou ou me perguntado onde era mesmo o restaurante, ou prestando atenção no caminho para ver se descobria por ela mesma.

Em nenhuma das duas ela teve sucesso. Eu deliberadamente passei por outras ruas, dei voltas desnecessárias só para confundi-la. Como eu dissera mais cedo, era uma surpresa, e eu queria ver o que ela acharia disso.

Depois de uns quinze minutos andando a esmo pelas ruas movimentadas de Paris, decidi que já estava na hora dela descobrir onde íamos.

Pelo canto do olho vi a expressão dela mudar, ela reconhecera a rua, e depois, quando o restaurante entrou em seu campo de visão, ela abriu um sorriso.

Às vezes era fácil agradá-la. E, ainda mais fácil, lê-la.

— Jethro! Aqui? – Não era uma reclamação. Seu tom de voz emitia a surpresa e a alegria de ter sido surpreendida.

— Algum problema?

— Mas é claro que não! – Ela me deu um beijo. – Nenhum problema. – Continuou quando se afastou, ainda sorrindo.

Desci do carro e abri a porta do carona para que ela pudesse descer. Logo em seguida, oferecei meu braço, ela não recusou e entrelaçou o seu direito no meu esquerdo.

— Eu estou amando isso, Jethro. Mas posso saber o motivo? – Ela sussurrou em meu ouvido logo depois que dei meu nome para confirmar a reserva.

Pelo restaurante só víamos casais, de todos os tipos, de todas as idades. Ela ainda não tinha reparado nesse detalhe. Estava absorta demais no local em si. Assim que o maître nos apresentou nossa mesa e o garçom que nos serviria se apresentou e deixou os cardápios, eu respondi à curiosidade dela.

— Feliz Dia dos Namorados, Jen!

Ela arregalou os olhos e suas bochechas ficaram instantaneamente vermelhas.

Foi uma das reações que mais amei em seu rosto. Principalmente o sorriso que ficava entre o sem graça e o de quem tinha adorado a surpresa.

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Eu tinha deixado passar todos os detalhes. Da data no calendário ao ambiente e as pessoas que ali estavam.

Ele tinha conseguido me surpreender de verdade, novamente. Primeiro no meu aniversário. E agora hoje.

Como eu pude deixar passar o Dia dos Namorados? Como?

A única certeza que eu tinha naquele momento era, eu tinha realmente amado tudo isso. E estava completamente sem palavras para expressar toda a minha felicidade.

— Você não se lembrou, não é? – Ele me provocou.

— Não mesmo. – A esse ponto, eu não conseguia mais esconder o meu sorriso.

-Você é uma das pessoas mais difíceis de ser surpreendida, Jen.

— Eu juro que não sei por que você diz isso, Jethro? Na Inglaterra você fez quase a mesma coisa e nem por um segundo passou pela minha cabeça que você estaria aprontando algo. - E agora foi a vez dele de sorrir. - Muito obrigada. Apesar de saber que só estas palavras não bastam para expressar o quanto eu gostei de tudo isso.

E pela primeira vez, Jethro não quebrou o clima com alguma tirada. Ele apenas sorriu para mim e me puxou para um beijo.

Talvez, só talvez, essa noite pudesse rivalizar com a noite de meu aniversário.

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Ela estava genuinamente feliz. E apesar de ter declinado o que eu disse sobre ela ser difícil de ser surpreendida, Jen soou sincera quanto a tudo. Às vezes até demais, mesmo que não fosse por palavras.

Seus gestos, olhares e sorrisos me diziam o que sua voz não verbalizava. E, ao mesmo tempo em que isso me deixava feliz, eu ficava preocupado.

Jen já tinha se mostrado uma pessoa que cai de cabeça em um relacionamento. Ela era passional até demais. Tão passional que não mediu esforços para construir uma amizade com a minha filha, sendo que as duas só foram se conhecer pessoalmente depois de muito tempo.

Já eu, eu não saberia dizer se poderia dar ela o que ela precisava, o que ela queria. Não depois de dois casamentos fracassados.

— Está tudo bem, Jethro? – Sua voz preocupada me tirou do rumo que meus pensamentos tomavam.

— Sim, por que não estaria?

Ela tombou a cabeça e mordeu o lábio. Tinha pegado no ar a minha mentira.

— Você não estava neste planeta. – Foi a resposta que ela me deu.

— Neste planeta eu estava com certeza. – E a puxei para mais um beijo, se eu não pensasse nos “ses” era fácil estar com ela. Fácil até demais.

— Você, realmente, não consegue tirar a cabeça de dentro do quarto! – Ela sussurrou com um sorriso quando nos afastamos.

— Não quando eu tenho você como companhia.

E Jen corou. Seus olhos brilhando pelo elogio sem lugar. Ela demonstrando o que sentia em cada gesto.

Alguns casais foram para a pista de dança que ficava no centro do restaurante, por um segundo pensei em chamar Jen, mas ela apenas trouxe a sua cadeira para mais perto da minha e encostou sua cabeça no meu ombro e entrelaçou nossas mãos.

— Obrigada. – Ela disse antes de beijar a minha bochecha.

Meu sorriso acompanhou o dela.

— Ainda não terminou. – Disse a ela. E isso bastou para que o brilho de seus olhos significasse outra coisa. Era pura curiosidade.

Como não falei mais nada, ela se desencostou e me encarou.

— Jethro, não comece com isso. – Ela me alertou.

— Você não está raciocinando direito hoje, Jen. Não baixe a guarda! – Falei no ouvido dela.

— Você está me distraindo! – Ela me usou como sua desculpa.

— Estou? Ou será você que não consegue parar me olhar? – Sorri para ela, e meu sorriso se aumentou quando vi que ela ficara sem graça. E foi nesse momento que ela notou o que havia em cima da mesa. Na verdade, já estava ali há um tempo, ela que não tinha notado.

— O que é isso? – Ela apontou para a caixa de veludo.

— Se você não abrir, nunca vai saber. – Falei como se não me importasse.

— Você não fez isso de novo! Lá vou eu ter que me virar para tentar superar o presente!! – Ela falou, contudo o seu sorriso já dizia que ela estava bolando algo.

— Não vai abrir? – Pressionei.

— Alguma dica? – Jen pediu,

— Você só vai saber quando abrir.

Ela levantou a sobrancelha para mim quando eu entreguei a caixinha em suas mãos. Sua respiração ficou presa na garganta pelos poucos segundos que ela levou para abrir e realmente olhar o que tinha lá dentro.

— Eu não acredito! Como você pode saber que era justamente esse? Tinham vários conjuntos naquela vitrine! – Ela perguntou claramente feliz.

— Você está falando sobre o dia em que você ficou petrificada em frente a uma vitrine da Tiffany’s em Londres?

— Foi só um dia, Jethro. E como você sabia que era justo este aqui o que eu mais gostei?

Eu poderia ter falado a verdade, todavia deixei que ela ficasse curiosa. Jen não precisava saber o quanto eu já conseguia ler a suas expressões.

— Então era esse? – Eu ri da forma como ela passava a mão sobre o cordão e a pulseira.

— Me ajude com o cordão, por favor! – Ela pediu, e eu entendi como um sim a minha pergunta.

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Se eu me lembro bem, tinha mais de dez conjuntos de cordão, pulseira e brincos naquela vitrine naquela tarde. Todos lindos, mas somente um tinha esta pedra. Topázio azul clara, idêntica aos olhos dele.

Ou ele realmente já sabe o meu gosto ou ele me lê muito bem. Ou talvez sejam as duas coisas, ou eu quem sou transparente demais. E, parada na frente desse espelho eu não posso deixar de pensar em tudo o que anda acontecendo na minha vida.

Ou melhor, eu posso dizer que dessa vez eu tive sorte. Muita. Restava saber se esse conto de fadas continuaria depois que Paris fosse apenas uma memória. Uma lembrança.

Eu torcia para que sim, já que, depois dessa noite, eu já tinha a plena certeza de que não poderia mais viver sem ele.

De jeito nenhum.

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MARÇO/1999

— E você tome cuidado! Por favor! – Jen pediu depois de me dar um beijo. Ela estava claramente nervosa nessa noite, suas mãos ora brincavam com o pingente do cordão que eu havia dado a ela, ora com a pulseira.

— Eu vou tomar, Jen. Você sabe disso. – Prometi a ela depois que beijei sua testa. – E você descanse. Sua tarde foi movimentada.

Pela primeira vez desde que essa missão começou em fevereiro, nós dois saímos separados. Jen teve uma tarde de encontros com outros negociadores, enquanto eu arrumava as últimas entregas. Quando chegou, estava com mais informações do que nos foi pedido.

Tinha olhado espantado para a quantidade de dados que ela tinha coletado. E Jen, vendo o meu espanto, apenas retrucou:

— Você não faz ideia do quão fácil é tirar informação de uma mulher enquanto ela está retocando a maquiagem! – Ela disse com um sorriso. Que logo desapareceu de seu rosto quando ela lembrou que era a minha vez de ir.

Reuniões em galerias de arte são muito mais civilizadas do que uma em um armazém no meio da noite. Enquanto que durante o dia somente os seguranças – e Jenny – andam armados, em um local afastado da cidade é difícil descobrir quem deu o tiro que te derrubou.

Eu sabia disso, e Jenny também. Por isso ela estava me olhando toda preocupada.

— Isso não é certo. Parceiros existem para cobrir o outro, ainda mais em situações assim. – Ela falava, andando de um lado para outro dentro do quarto enquanto eu me arrumava.

— Jen, foi a escolha dele.

— Que nós não deveríamos ter aceitado.

— São coisas que acontecem! – Tentei convencê-la pela terceira vez.

Ela parou a sua andança e me olhou.

— A gravata está torta! – Disse com um muxoxo e veio arrumá-la. – Jethro, eu entendo isso, o que não significa que eu aceite! Na Sérvia éramos três e tivemos que sair de lá correndo. Agora, você! – Ela parou, não sei se para pegar fôlego ou se para tentar evitar de chorar. – Você vai estar sozinho, no meio do território inimigo, sem saber para onde correr! Você me entende?

E como! Eu passei a tarde inteira preocupado com ela e em como ela estava.

Ela me acompanhou até a porta do apartamento. Braços cruzados e olhar preocupado. E essa feição iria ficar na minha mente até que eu voltasse.

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Eu já sabia que não poderia viver sem ele. E vê-lo ir sozinho para uma reunião do outro lado da cidade, sem nenhum apoio, estava me deixando nervosa.

Nervosa não, desesperada de preocupação. E se algo acontecesse com Jethro? Eu jamais me perdoaria por tê-lo deixado ir sozinho.

Acontece que tinha certos tipos de negociação que somente eram feitos pessoalmente e sem testemunhas. Afinal, este não era o mercado que tínhamos que pôr abaixo?

E as informações coletadas hoje já eram com o intuito de finalizar a missão. Finalmente estávamos infiltrados nos ciclos mais densos desse mundo. A grande maioria confia em nós e acreditava piamente que éramos da mesma laia que eles.

E era bom que isso permanece desse jeito elos próximos três meses e meio.

Diante da minha total incapacidade de ficar calma e quieta, eu queria fazer algo. Pensei em ligar para Kelly, afinal, já tinha tempos que ela não escrevia, contudo qualquer mudança no meu tom de voz e o fato do pai dela não estar por perto para conversar, denunciariam que estávamos em um momento crítico da missão.

E foi pensando em Kelly que eu me perguntei quanto tempo tinha que nenhum de nós dois olhava a caixa de correio. Se eu conheço Kelly, se ela tivesse mandado mais de uma carta sem nenhuma resposta, nesse momento ela estaria surtando nos Estados Unidos. Assim, corri até o térreo e abri a nossa caixa de correios.

Envelopes sem remetentes, claramente uma atualização que nós precisaríamos nos debruçar, e ali estavam. Com data de um mês atrás, duas cartas com endereço de Alexandria nos esperavam. Kelly, sem saber, salvara a minha noite e minha saúde e sanidade!

Subi correndo os lances de escada e, antes que pudesse fechar a porta, já tinha aberto o envelope e tirado as folhas de papel.

Me sentando no sofá e sabendo que poderia ter qualquer reação que fosse permitida, pela ausência de Jethro, me preparei para ler o que Kelly tinha para me falar.

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Alexandria, 28 de fevereiro de 1999

Carta 08

Oi Jen!

Eu queria ter escrito mais cedo. Mas está impossível arranjar tempo para poder me sentar e escrever. As coisas estão tão corridas. Tão loucas. E olha que ainda é o meio do semestre. Resumindo, minha vida tá uma loucura e, bem, precisei de tempo para absorver o que tenho que te contar, porém te peço, não fale nada com papai.

Bem, eu queria ter te contado com detalhes como foi o meu encontro com a família do Henry, porém papai estava por perto e escutando tudo, e eu não quero que ele fique chateado.

Assim, não aconteceu nada demais. Os pais dele são super simpáticos, ou se aquilo era fingimento, atuaram muito bem. Me receberam bem e não me julgaram pela minha aparência ou nada disso. Eu gostei deles, apesar de ter ficado um tanto deslocada na enorme mansão.

Henry tem duas irmãs mais novas. Uma, Claire, é gente boa, fez o possível para me deixar à vontade, mas Alicia... Ela é a mais nova, tem doze anos, e conseguiu me deixar mais sem graça que tudo.

Alicia foi desagradável desde o começo. Começou julgando a minha roupa, depois os presentes que dei. Por fim, disse claramente que não sabia que a família estava convidando os pobres da redondeza almoçarem no domingo com a família do Congressista.

A senhora Sanders até colocou a filha no lugar, mas o estrago estava feito. Eu perdi o apetite na hora e Alicia apenas me encarava com um sorriso arrogante.

Confesso que a resposta veio parar na ponta da minha língua, eu tinha a resposta certa para calar aquele sorriso petulante e aquele olhar superior, Todavia, preferi manter as aparências. E, desse momento em diante, tudo o que eu pude fazer era contar os minutos no relógio para poder sair dali.

Por um breve tempo eu quis acreditar que Henry não havia me contado sobre a família dele para me proteger do veneno da irmã. Mas minhas esperanças foram para água abaixo quando ele começou a pedir desculpas por ela e a dizer que ela sempre tinha tido a opinião muito forte sobre todos.

Eu quase perguntei o motivo dele não querer falar comigo ou aceitar que eu seria o assunto da semana cada vez que a família se reunisse.

Assim, eu sei, meu relacionamento é com ele. Mas convenhamos, eu tenho que ter, no mínimo, a simpatia da família. Sei que Claire se não gosta de mim, pelo menos não vai atrapalhar. O congressista, bem, eu posso passar por ele amanhã, que tenho certeza de que ele não vai lembrar da minha cara. Agora, o quanto Alícia pode influenciar a mãe a não gostar de mim, ou a ver defeitos inexistentes? E se a Sra. Sanders realmente cair na conversa da filha, e começar a me ver como a “pobre e interesseira”, meu namoro já era, Jen.

E sabe o que mais me dói. Eu amo o Henry. Sim, amo. Não é um outro tipo de sentimento. É forte, e quase dói só de pensar que eu posso não ficar ao lado dele só por causa da irmã mais nova e mesquinha dele. E eu só fui perceber isso quando fiquei longe dele nas Festas de Final de Ano.

Jen, eu não sei como eu vou suportar se ele terminar por conta dos preconceitos da irmã.

Sim, eu sei, não sou uma beldade, não sou rica ou moro em uma mansão na parte chique de D.C. Mas também não estou com ele por conta de dinheiro. Eu não preciso disso. Eu estou com ele por ele ser quem ele é. Você me entende?

Você deve estar pensando que eu sou louca ou no mínimo sou uma pessoa que adora sofrer, ou te dar trabalho. Mas é só com você com quem eu me sinto confortável o suficiente para me abrir. Para falar sobre isso. Se eu comentar com papai o que a irmã de Henry disse, eu tenho certeza de que ele vai lá tirar satisfação. Ele é assim. Sempre foi superprotetor. Porém, eu não sei se ele vai entender o que eu sinto pelo meu namorado. Eu não sei se ele vai entender que eu não me vejo ao lado de mais ninguém a não ser de Henry.

Eu espero que você entenda. Sinceramente. Porque eu preciso que alguém me diga que amar uma pessoa assim é possível.

Bem, eu não vou mais me alongar. Precisava contar isso para alguém. Estava a muito tempo agarrado em mim.

Passando para um assunto mais leve. Quero saber, como foi o Dia dos Namorados de vocês dois? O papai te fez uma surpresa?

Henry me deu um anel. E sei que papai vai surtar, mas eu não vou deixar de usá-lo de jeito nenhum. Não coloquei no dedo anelar para não levantar suspeitas onde não existem, assim eu posso usá-lo todos os dias. Junto com o que papai me deu de presente de formatura.

Uma última novidade. Já escolhi meu curso para a faculdade. A Diretora disse que posso tentar me inscrever nesse ano, porém não vou. Vou tentar a bolsa integral no ano que vem, tenho notas para isso e quero melhorá-las. Toda ajuda é bem-vinda! E sei que papai vai ficar orgulhoso.

Vou ficando por aqui, tenho que pensar no que vou escrever para papai, não pode ser nenhum dos tópicos que escrevi aqui, vou ter que ter criatividade.

Não me esconda nenhuma informação sobre o Dia dos Namorados de vocês. Apesar de que eu sei o que ele te deu... Sim, eu vi quando ele comprou!

Obrigada por sempre me ouvir, Jen. Espero a sua resposta.

Beijos.

Kelly. (Aquela que não vê a hora das férias de primavera chegarem para poder DORMIR!!, eu só queria entrar em um coma temporário e acordar depois que esquecesse todas as coisas desagradáveis!!)

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Paris, 20 de março de 1999

Carta 08

Kelly,

Eu nem posso imaginar o que você passou naquele almoço. Já não basta o seu nervosismo natural de estar na presença de pessoas que você sabe que vão te julgar imediatamente, agora ser obrigada a ouvir esses julgamentos? Você foi uma heroína em não ter respondido à altura. Pois eu teria.

Gostaria de ter um conselho sobre a sua situação, porém não tenho. Não passei por nada parecido, minhas sogras (fui apresentada a duas) não eram lá rainhas da gentileza comigo, mas também não me maltratavam. Quanto às cunhadas ou cunhados, nunca falaram nada que me colocasse na situação que você foi posta.

Você disse que tem medo de que Jethro fique sabendo disso, já que conhece a reação dele. Isso porque você não sabe a vontade que eu estou de pegar essa pirralha e mostrar uma boa lição. Onde já se viu, te chamar de... – eu não vou repetir as palavras. Você não merece ouvi-las de novo.

Quanto à reação de Henry, pedir desculpas pela irmã é uma reação natural. No fundo ele queria que tudo corresse bem, não correu. E ele sabe que isso pode te afastar da casa dele. O que, com certeza, já o fez.

Se tem algo que eu posso te dizer é que você precisa voltar lá, mostrar para a Alicia que você é muito melhor que ela, e, só assim, você vai ter a maldita aprovação da sogra.

Eu torço muito para que vocês dois possam lidar com esse problema. Porque eu sei o que você está sentindo, essa sensação de desespero da qual você falou só de pensar em não ter mais a pessoa. Eu te entendo, e, ao contrário do que muitas pessoas vão te dizer, não se tem a idade certa para encontrar a pessoa da sua vida.

Uma vez eu ouvi que existe o amor da sua vida e a sua alma-gêmea, às vezes eles são a mesma pessoa, outras vezes podem ser duas pessoas diferentes, e somente o coração vai saber para qual deles ele vai bater mais forte.

No meu caso, coincidiu de ser a mesma pessoa. E até que se aceita isso, até que você deixa o medo de lado, demora. Requer paciência, coragem e uma certeza tão grande que chega a dar medo. Assim, Kelly, se Henry é tudo isso para você, eu sei que vocês vão conseguir ficar juntos no final.

E eu torço por isso. Muito.

Agora, quanto a pergunta que você me fez, eu te jogo outra. Quando foi que ele comprou o presente que eu não vi?! Como vocês fizeram isso comigo?! Achei que você estava do meu lado. E, se eu souber que tem dedo seu na escolha do restaurante, eu juro que um dia você vai me pagar. E, sim, teve uma noite especial. E não, eu não desconfiei de nada. Seu pai consegue esconder as coisas muito bem. E pelo visto, você herdou essa péssima mania dele.

Você é uma pessoa felizarda, vai entrar no último ano do ensino médio sabendo o que quer fazer. Nem todo mundo tem essa sorte. Já te desejo toda sorte do mundo com as inscrições e os concursos de bolsas. Elas salvam vidas e muitos juros de empréstimos infinitos.

Gostaria de escrever mais, contudo seu pai está chegando aqui no apartamento, e, ao contrário de você, eu vou manter a minha palavra, e ficar do seu lado, o que significa que não vou contar nada para ele.

Como sempre, você sabe que pode contar comigo. Mesmo que por telefone. Eu dou um jeito dele não escutar nada.

E, antes que as férias de primavera cheguem, dê um jeito de se acalmar e respirar, nesse ritmo você não vai aguentar. Tire um tempo só para você!

Beijos,

Jenny.

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Ainda estava tentando absorver tudo o que Kelly me disse e tentando me recompor do meu surto de raiva e de susto. Como eu tinha previsto, a garota era muito mais observadora do que eu previa. Ela já sabia de nosso relacionamento – será que posso chamar assim? - e estava pedindo detalhes.

Dá minha parte era fácil de dar. Já estava difícil de esconder no fim das contas, agora tento imaginar o que foi que ela comentou com Jethro. Meu único medo é saber que Kelly, com essa ideia fixa na cabeça é capaz de fazer muitas coisas, e, se isso aqui não tiver futuro, tenho receio de como ela reagirá. A garota é mais passional do que eu.

Perdida em pensamentos como eu estava, não ouvi Jethro se aproximar. E, quando senti a sua presença perto de mim me assustei.

Eu deveria ter ido com ele, nem que fosse para ficar escondida dentro do carro!