Carta para você

Um Cachorro Chamado...


Era quase fim de março, o que significava que o aniversário da Ruiva estava mais próximo do que nunca, e tudo o que ela queria era que esquecêssemos isso.

— Tem certeza de que não quer uma festa de arromba, Peste Ruiva? – DiNozzo tentava, pela décima vez, fazer com que Sophie admitisse que queria uma festa.

— Tenho, Tony. Agora vira o disco!

— Vira o disco? – Ziva se intrometeu com uma cara de confusa.

McGee, DiNozzo e Sophie olharam na direção dela.

— Que foi? Eu já disse!

O idioma de vocês é cheio de expressões estranhas!— Os três a imitaram.

— Ainda bem que vocês sabem. Mas o que é isso de “vira o disco”? – Logicamente Ziva não desistiria.

— É quando você quer que uma pessoa mude de assunto, Ziva. – Ducky respondeu.

— Custava muito me responderem?

— Mas Tia Ziva, essa você já tinha que saber! E o caderninho das expressões? – Sophie perguntou.

Ziva ficou calada, olhando com a expressão fechada para todos.

— Vou entender que o caderninho mor-reu... – Sophie murmurou, separando as sílabas da última palavra.

— E, então, vamos ou não ter uma festa daqui há alguns dias?? – Abby apareceu saltitante e com uns dois relatórios na mão.

Sophie gemeu em desespero e se encolheu no chão ao lado da minha mesa.

— Acho que isso é um não! Mas por quê, Jibblet?

— Eu não quero festa, Abbs, só isso.

Abby tombou a cabeça como que não aceitando o fato de uma criança não querer uma festa.

— Tudo bem. Nada de festa, mas a gente bem que podia ir em algum lugar! Que tal um parque de diversões? – Ziva tentou.

— Não. Gente, por favor, eu não quero nada!

— E presentes? – McGee tentou.

— Não precisa, Timmy. De verdade, obrigada pela oferta.

— Mas é o seu aniversário!! – Abby tentou de novo.

— E eu não preciso de nada. Tenho tudo que preciso. Se quiserem me dar um presente, comprem algo e deem para um orfanato ou para um abrigo de sem tetos ou para um dos abrigos que cuidam dos veteranos. – Sophie disse por fim.

— Atitude bonita, mas Jibblet, queremos comemorar o seu aniversário!!

— Abbs, por favor!! Eu não quero fazer aniversário, eu não quero nada! – E a Ruiva se encolheu ainda mais no chão, dessa vez atrás da minha cadeira e abraçou as pernas.

Ducky, Abby e Tim ficaram olhando para ela. Tony e Ziva trocaram um olhar. Depois todos me encararam e eu entendi o que queriam.

Poucos minutos depois, estava preso dentro do elevador com os cinco esperando por uma explicação.

— A Ruiva não está nada bem hoje. Tem três noites que ela tem pesadelos. Ou melhor dizendo, o mesmo pesadelo.

— Ela falou sobre o que é? – Duck me perguntou.

— Não. Contudo creio que seja com Jen. Pois ela praticamente se agarrou no pescoço da mãe e fez Jen prometê-la que não vai viajar para nenhum lugar.

— E o que a Diretora falou?

— Não prometeu nada, Ziver. Jen não pode fazer esse tipo de promessa.

— E, é por conta disso que a Peste Ruiva está naquele desânimo todo?

— Bem, Anthony... enquanto Sophie não falar o que ela realmente sonhou, creio que o seu humor não vai mudar. Gostaria que eu tentasse conversar com ela, Jethro?

— Se ela falar alguma coisa, Ducky.

— Claro, porque tal pai, tal filha, não é mesmo Jethro? – Ducky brincou.

— Boa sorte, Ducky... porque isso vem dos dois lados.

Colocamos o elevador para funcionar e quando chegamos no andar, Sophie não estava mais atrás da minha mesa e nem à vista.

— Mas ela estava aqui quando saímos!! – Abby comentou.

Só tinha um outro lugar onde ela poderia estar, mesmo que a mãe não estivesse lá, assim, subi as escadas e antes que entrasse no escritório de Jen, Cynthia me avisou que Sophie acabara de entrar e que tudo estava bem.

Entrei no escritório e a pequena se sentava na cadeira de Jen, virada para o porto, com o queixo apoiado nos joelhos. De tão concentrada que estava, não me ouviu chegar.

— Hei, Ruiva.

Ela deu um pulo da cadeira e foi quando eu percebi que ela estava chorando.

— Oi papai. – Ela limpou as lágrimas rápido.

— O que foi?

— Nada. – Deu de ombros. – A mamãe já chegou?

Fingi que acreditei nela.

— Não, mas o Ducky está te procurando.

— Para que?

— Não sei. Vá lá e veja o que ele quer.

A ruivinha desceu da cadeira e me acompanhou escada abaixo, sua cara de choro não passou despercebida por ninguém, porém nenhum deles falou nada.

Vi ela correr para o elevador interno e sumir por lá assim que as portas se fecharam.

— Será que Ducky vai conseguir arrancar alguma coisa dela? – Tony olhava preocupado para as portas fechadas.

Eu esperava que sim.

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Mal tinha entrado na autópsia quando uma cabeça ruiva começou a pular do lado de fora.

— É seguro entrar, Tio Ducky? Ou o senhor tem um visitante?

— Pode entrar minha pequena.

E a garotinha deu o passo que faltava para que as portas se abrissem.

— O papai me falou que o senhor estava me procurando...

— Estava sim. Primeiro porque preciso de uma companhia para o chá. – Apontei para o bule. – E segundo, quero conversar com você.

— Por favor, não tente me convencer de que eu preciso de uma festa de aniversário... tive uma no ano passado... – Ela falou.

— Não quero te convencer a ter uma festa de aniversário, minha criança. Quero saber o motivo de você não querer uma.

— Eu tive uma no ano passado.

— Você pode se explicar melhor do que isso, Sophie. Qual é o verdadeiro problema?

E a ruivinha parou de olhar na minha direção, achando a sala vazia muito mais interessante. Um gesto muito parecido com os pais.

— Fazer igual ao seu pai e sua mãe, minha querida, não vai te ajudar aqui. O que está acontecendo?

Sophie parou ao lado da minha mesa, nosso chá ainda não estava pronto e depois de brincar com uma das xícaras, resolveu que era muito melhor andar pelo cômodo.

— Sophie?

Ela respirou fundo, parou perto da última mesa e se virou.

— O senhor vai achar um motivo besta...

— Não posso ter uma opinião se você não me contar o que é. – Insisti.

Sophie se balançou nos próprios pés, mordeu a ponta do dedão, suspirou e falou.

— Me promete que não vai contar nem para a mamãe, nem para o papai?

— Sobre o que é? – Não podia prometê-la isso. Eu deveria contar para Jethro o que tanto perturbava a filha dele e, caso fosse realmente o pesadelo e envolvesse Jennifer, também contaria a ela.

— Tive pesadelos. Na verdade, pesadelo. É a terceira vez que vejo a mesma coisa.

— Quando começaram?

— O primeiro foi logo depois que a mamãe voltou de Paris no ano passado. Fiquei um tempão sem sonhar com aquilo. Até que...

— Até que...

— Até que invadiram a nossa casa!

— Você está com medo de voltar para lá?

— Não! Nós já voltamos... papai e mamãe trocaram as trancas, reforçaram um monte de coisa... eu não tenho medo de ficar lá em casa... apesar de estar vindo direto para o Estaleiro... eu tenho medo pela mamãe!— Ela disse nervosa e assustada.

— Você sonhou com a sua mãe, então?

— Sim e não... é... é apavorante demais para lembrar. Eu tenho medo de falar o que é e... acontecer! Tio Ducky, eu não quero que aquilo aconteça com a minha mamãe! – Ela começou a chorar.

— Venha aqui, minha criança. Vamos conversar. – A peguei pela mão e a guiei até uma das cadeiras. Sophie fungava e chorava desesperada.

— Uma vez você sonhou com o seu pai...

— É por isso que estou com medo!! Eu sonhei com um navio explodindo e com o papai lá dentro. Isso aconteceu de verdade! E... bem... muita coisa deu errada para que tudo voltasse ao normal... agora... agora... se o que eu sonhei com a mamãe acontecer de verdade... Tio Ducky... nada vai ficar normal!! Nada... porque... porque.... ela não vai mais estar aqui!— Sophie falou aos soluços e depois correu para me abraçar.

— Xii... calma, minha criança. Sonhos são só sonhos, sejam bons ou ruins.

— Mas esse me apavorou. Mamãe se despediu de mim na porta de nossa casa, ela parecia triste e determinada a fazer algo... depois foi viajar. Não sei para onde... só sei que três dias depois a Kells chegou lá em casa, e antes que eu pudesse perguntar alguma coisa, ela me abraçou apertado, muito apertado e me disse, “eu sinto muito, Moranguinho! Mas eu fiz tudo o que eu podia!”, quando ela falou isso, eu a soltei e olhei para ela, mas Kelly chorava e logo atrás dela estavam papai, Tony e a Tia Ziva, todos três estavam tristes e vestidos de preto, então papai me pegou no colo, e eu vi que ele tinha lágrimas nos olhos... ali eu soube que tinha algo muito errado, mas muito mesmo.... foi quando ele me falou: “Ruiva, eu preciso que você seja muito forte e me entenda.”, eu me lembro de ficar olhando para o papai, Kelly se sentou na escada e começou a soluçar, Tia Ziva subiu a escada e, por alguma razão, eu sabia que ela tinha ido para o meu quarto. – Sophie tentava me contar o seu estranho sonho em meio às lágrimas. – Foi quando eu perguntei para o papai o que tinha acontecido, o motivo de eu precisar ser forte. Ele não falou nada e me levou para o meu quarto, o tempo todo ele murmurava “Ah, Jen... por que, Jen?”. Chegamos no meu quarto e a Tia Ziva tinha pegado um vestido todo preto para mim, e um par de sapatos todo preto também, eu não entendi. Ela pediu licença e desceu, me deixando com papai lá dentro. Papai se sentou na minha cama, olhou para o vestido, depois para mim e só me disse assim: - aqui ela parou de falar e me abraçou. – “Preciso que você se arrume e coloque esse vestido.” Perguntei para onde íamos, nunca tinha saído toda de preto assim. E perguntei da mamãe, se ela ia também. “Sua mãe não vai com gente, Ruiva. Mas ela vai estar lá.” Fiquei aflita, estava com saudades da mamãe, mas papai me olhou nos olhos e falou: “Sophie, eu tenho que te falar uma coisa, quando chegarmos no cemitério, você vai ver a sua mãe dormindo, eu só quero que você saiba que ela vai estar bem, onde quer que ela esteja, ela sempre, sempre estará do seu lado, assim como ela sempre falou.” Quando papai me contou isso, eu entendi. E perguntei: “A mamãe... a mamãe virou... virou estrelinha? A mamãe tá no céu, junto com o vovô Jasper, a tia Shannon, a Kate e a vovó Ann, agora???” – a ruivinha parou e me encarou, os olhos cheios de água. – Então eu acordei, tio Ducky... eu sonhei que a minha mãe tinha virado estrelinha e me deixado igual a Tia Shannon deixou a Kells, igual a vovó Ann deixou o papai!! E eu tenho muito medo disso acontecer. Eu não quero que aconteça! Eu não quero não ver mais a minha mamãe. Eu quero a mamãe comigo até o fim do mundo!! Agora eu tô com medo disso acontecer, porque o meu outro sonho se tornou real!! – Sophie estava desesperada.

— Calma Sophie! – A abracei. – Calma. Como eu te disse, sonhos não são reais. Você não prevê o futuro pelos sonhos, minha criança.

— Mas...

— Tudo isso é só o subconsciente dizendo que você está com medo. Que tudo o que aconteceu há algumas semanas te assustou, mesmo que você ache que não se importa. Sophie, você viu o seu quarto revirado, perdeu algumas das suas coisas, o medo é normal, e você está transferindo esse medo, em seus sonhos, para a sua mãe, porque você acha o trabalho dela perigoso e tem medo de que algo possa acontecer com ela. Isso é normal, o que não é normal é você não falar sobre isso.

— Mas e se for o oposto de um desejo de aniversário? – Ela me perguntou.

— Não entendi.

— A Abby me falou que a gente nunca pode contar qual desejo nós fizemos, senão ele não se realiza. E se com pesadelos for o oposto? E se a gente contar o pesadelo e ele se tornar real??

— Isso não tem a menos possibilidade de acontecer, Sophie. Acredite em mim.

— Eu não gosto de promessas, mas me diz que isso é verdade, que o que eu sonhei não vai acontecer.

— Sonhos não se tornam realidade, você tem a minha palavra, minha pequena. Agora, vamos lavar esse rosto e tomar um chá para que você se acalme?

Ela concordou comigo e correu para o banheiro mais próximo. Parecia mais tranquila, contudo, eu conhecia essa garotinha, ela não deixaria a mãe viajar nem tão cedo.

Sophie voltou minutos depois, já composta e logo que servi o chá, ela começou a me contar como estava indo na escola e seus avanços no seu ensaio para a peça.

— O senhor vai, não vai, Tio Ducky?

— Primeira fila!

Ela deu uma risada e disparou a falar sobre o seu tema preferido, história mundial. Ficamos assim por um bom tempo, talvez tempo até demais, pois a certa hora, Jethro e Jennifer apareceram para levá-la para casa.

Sophie me abraçou apertado e me agradeceu por não achá-la uma maluca. Jethro me encarava, querendo saber o que ela havia me falado, não tinha condições de contar na frente da menininha e ele sabia disso, e, com certeza, no dia seguinte, viria cedo até a autópsia para saber tudo o que a filha havia desabafado.

Jennifer saiu de mãos dadas com Sophie e Jethro apenas perguntou:

— Ela vai ficar bem?

— Ela está com medo, Jethro, as últimas semanas não foram fáceis para ela. Lembre-se, Sophie tem apenas sete, quase oito anos. Uma invasão domiciliar para você pode não ser nada, mas para ela, é muita coisa. Converse com ela, tente amenizar o clima que ela vai ficar melhor.

Jethro meneou a cabeça e logo se foi, pois Sophie chamava por ele.

No fundo, no fundo, eu me preocupava com Sophie e com toda a família, pois algo tinha se instalado no meu peito, como se realmente um futuro não tão bom pudesse estar à espera do trio.

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Sophie continuou com a ideia fixa de não querer presentes ou uma festa, para a tristeza de Abby e Tony. A única comemoração que ela aceitou foi um jantar, nós três, e toda a equipe. Uma noite na pizzaria preferida dela. Essa resolução pareceu deixar Tony mais animado, mas não tanto assim.

E, os dias passaram, e o oitavo aniversário de minha filha chegou. Oitos longos anos desde a noite enevoada de Londres e o tiro que tomei, desde a cesárea de emergência que a salvou e, por que não, a cirurgia que me permitiu ter uma segunda chance.

Todas as memórias dos últimos anos pipocaram na minha mente assim que abri os olhos e o calendário me informou que dia era. Os momentos felizes, as primeiras palavras, os primeiros passos, o dia em que ela viu Jethro pela primeira vez. Os momentos de desespero, quando achei que nunca mais a veria, a primeira vez que a deixei na escola, o sequestro, os meses em que vi minha miniatura triste e com saudades do pai e não podia fazer nada para animá-la... muitos momentos... vários, que, de uma forma ou de outra, nos trouxeram até aqui.

Virei na cama, crente que Jethro estaria ali rindo da minha cara de desespero, como tinha feito por toda a última semana, ver Sophie ficar mais velha significava que eu estava mais velha também, só que ele não estava ali. Levantei assustada, será que o tinham chamado durante a madrugada e eu não tinha escutado? Não, não tinham, pois o distintivo e a arma estavam no criado ao lado da cama.

Abri a porta do quarto procurando por ele e vi que o quarto de Sophie estava claro e já com as cortinas abertas. Coisa rara de acontecer, pois ela é sempre a última a se levantar. Cheguei na porta para encontrar pai e filha sentados no chão, Jethro tinha Sophie no colo e ela um álbum de fotos, tentei entender o motivo para isso, mas antes que eu pudesse exprimir a minha curiosidade, Jethro me viu e fez o sinal para que me juntasse a eles. Me ajoelhei ao lado e abracei minha filha.

— Oi mamãe! – Ela me abraçou de volta. – Tudo bem com a senhora?

— Eu quem te pergunto, é você quem está ficando mais velha. – Dei um beijo no alto da cabeça dela. – Feliz aniversário, filha!

Ela fez uma careta.

— Obrigada... e não diga que eu estou ficando mais velha... papai jura que já viu cabelo branco na minha cabeça!

Segurei a risada.

— Que forma de começar o seu dia, hein?

— Nem fala... - Fez um bico.

— Então, qual é a programação de hoje?

Sophie saiu do colo do pai e se sentou abraçada ao ursão Ben.

— Por mim não tinha nada... mas vamos na pizzaria, né? Senão é bem capaz do Tony e da Abby começarem a chorar! Do jeito que os dois estão, eu não vou ficar surpresa se eles quiserem brincar em algum playground por aí...

— Isso não deve ser muito difícil de acontecer.... – Jethro comentou.

Sophie fez outra careta...

— Pior que não é mesmo... sabe o parque que tem aqui perto de casa? Então.... não foi nem uma ou duas vezes que os dois cismaram de brincar também...

— Me diga que eles não estavam com os distintivos!! – Pedi.

— O Tony tava.... e todo mundo ficou olhando pra ele. Tia Ziva disse que era de mentira e que ele tinha uns probleminhas....

— E alguém acreditou nisso, Ruiva?

— É claro que não! - Ela sorriu. - Aí tiramos o Tony de lá e prometemos comprar sorvete para ele... só para disfarçar... – Ela falou rindo. – No final das contas, ninguém ganhou sorvete porque tava frio pra caramba... mas nesse ano a marmota acertou, né? – Ela apontou para a janela onde era possível ver a neve que tinha se acumulado durante a noite.

— E você gosta desse frio todo, né? – Brinquei com ela.

— Claro... o inverno e o frio só tem um defeito.

— Que é? – Jethro não pareceu muito animado com o discurso da filha.

— Não dá para pular na cama elástica, tirando isso, tudo é perfeito. E falando em perfeição... – Ela se animou e começou a pular, Jethro fingiu que não viu e continuou a olhar o álbum de fotos.

— Lá vem você... – Murmurei.

— Bem que hoje podia ter chocolate quente no café da manhã, né? Tá frio, é um dia especial...

— Dia especial, Ruiva?

— Papai! É meu aniversário... e só por isso já é um dia especial.

— Você vai ter chocolate quente só se conseguir se arrumar, arrumar o seu quarto sem atrasar ninguém. – Barganhei.

Não precisou de dois minutos e ela já estava nos ajudando a levantar, e nos escoltava para fora do quarto para arrumar tudo.

— Interesseira é pouco, hein? – Jethro brincou.

— Eu quero o melhor chocolate quente do mundo, que é o seu, papai!! – Ela deu um beijo no pai e voou quarto adentro para começar a se arrumar.

— Só assim para ela não atrasar ninguém! – Comentei.

E em menos de quinze minutos, uma Sophie completamente desperta e arrumada se sentou na mesa da cozinha, esperando pelo “melhor chocolate quente do mundo”.

Acho melhor começar a acreditar que palavras mágicas realmente existem.

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Então era isso que eles queriam? Já trouxeram o cachorrinho sabendo que iriam sacrificá-lo. NÃO! MIL VEZES NÃO!! Eu não vou deixar que sacrifiquem o Jethro. Não vou mesmo. E para isso eu vou recrutar a melhor ajudante do planeta. E esse é o motivo de eu estar aqui fora, nesse dia gelado.

Tenho quase certeza de que não falta muito tempo para que a aniversariante do dia chegue e, assim que ela descer do carro eu vou arrastá-la para o meu lab e vou fazer dela a minha melhor aliada contra todos que querem o fim desse bom garoto que está do meu lado!

E lá vem ela!

— JIBBLET!!! JIBBLET!!!

Ela se virou assustada na minha direção, mas essa expressão só durou um segundo, pois logo ela viu.

— ABBS!!! VOCÊ TEM UM PASTOR ALEMÃO??? – E veio correndo para o meu lado.

— Eu preciso da sua ajuda, Jibblet! E rápido. Venha! – Agarrei a guia de Jethro e puxei Sophie pelo braço.

— Mas por que você está assim, Abbs? O que aconteceu?

— Te explico quando estivermos em segurança.

— Mas o Estaleiro é seguro! – Contra-argumentou.

— Na segurança do meu lab, Soph... você vai entender.

— Tudo bem! – Ela apressou o passo para me acompanhar e logo estávamos entrando no meu lab e dentro do meu escritório, onde, depois de passar pelas portas, as tranquei.

— Por que trancar as portas? – Sophie perguntou já ajoelhada ao lado de Jethro, fazendo carinho nas orelhas dele.

— Porque querem levar o Jethro embora.

A ruivinha parou o carinho e me olhou assustada.

— Esse doguinho lindo tem o mesmo nome do meu pai??

— Eu que dei...

— Mas Abbs... isso não é legal!

— O nome dele é Jethro! – Bati o pé.

Sophie fez uma careta.

— Acho que o papai não vai gostar da homenagem...

— Ele já sabe.

— E não falou nada?

— Bem....

— E se a gente desse outro nome para ele? – A Jibblet tentou.

— Eu gosto de Jethro!

— Por que não J? ou Jet? Eu gosto de Jet! É fácil de chamar! Né, Jet?? – Ela perguntou toda carinhosa com o cachorrinho, que só lambeu a cara dela! – Eita... por essa eu não esperava!

— Ahn! Ele gosta de você!!! – Me ajoelhei ao lado dela para acariciar o cachorro.

— É porque eu gosto de cachorros, só não tenho nenhum!

Encarei a pequena do meu lado.

— ISSO!! ISSO!!! – Gritei.

— O que?? – Ela se assustou e caiu sentada no chão.

— Jibblet, é você quem vai salvar o Jet!

— Por que salvá-lo?

Foi aí que eu percebi que eu não tinha contado o que estava acontecendo.

— Então... esse cachorrinho lindo aqui está sendo acusado de assassinato. E, como é o protocolo dos Marines, todo cão que morte ou mata o Fuzileiro que toma conta dele, deve ser sacrificado. E eu estou tentando provar que o Jet não fez isso.

Sophie abraçou a cabeça do cachorro.

— Mas ele não fez! Não tem como um cachorrinho dócil desses ter matado o treinador dele!

— Tá vendo, você, pelo menos, concorda comigo!

— Quem não concorda?

— Até agora, todo mundo!

— O QUE?? O meu pai e a minha mãe vão deixar que um cachorro seja sacrificado??? Desde quando?

— Desde que esse cachorro é o culpado, Pequena. – McGee apareceu do outro lado da porta com aquela sargento de quem eu não fui com a cara. E logo Jet começou a rosnar violentamente do meu lado.

— O Jet não é culpado! – Sophie bateu o pé chegando perto da porta.

— O nome dele é Butcher! – Disse a Sargento.

— O nome que você acha que ele merece, mas esse nome não combina com ele. E o Jet— Sophie frisou direitinho o novo nome de batismo. – Vai ficar aqui até que a Abbs prove que ele não matou fuzileiro nenhum.

— Soph.... você sabe que o Chefe não vai gostar nada disso! – Tim alertou.

— Uma vez Fuzileiro, sempre Fuzileiro. E o NCIS investiga crimes contra a Marinha e a Corporação. Além do mais, Tim, todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Assim, o Jet é inocente até que a provas que a Abbs analisar, digam que ele não é. E nós duas vamos ficar aqui até que o resultado saia! Pode falar isso para o meu pai! – Ela deu as costas para a porta e veio se sentar perto do cachorro.

— Isso não vai prestar... – Tim murmurou ao deixar o meu lab.

Até poderia dar encrenca, mas eu estava muito mais do que preparada para ficar aquartelada naquela sala em defesa do meu novo amigo peludo!

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Voltei para a Sala do Esquadrão tentando pensar em um jeito de contar para o Chefe que Abby e Sophie não tinham liberado o cachorro. E, antes mesmo de ganhar um tapa minha cabeça já estava doendo.

Assim que entrei, vi que o Chefe não estava ali, mas em nada ajudava na minha vida, já que a Sargento Perelli ainda estava atrás de mim e queria levar o cachorro de qualquer jeito.

— Onde está o Chefe? – Perguntei para Tony.

— Lá em cima, ao que parece o Comandante de Pax River está enchendo a paciência da Diretora e ela quer respostas para que tudo isso acabe logo, e....

— E o Pingo de Gente ainda não chegou... e dada as circunstâncias, os dois já estão preocupados.

— Bem... eu sei onde a Pequena está... – Comentei.

— Então nos fale, Agente McGee. – A voz da Diretora soou do alto da escada.

Me virei e vi tanto ela quanto Gibbs descendo a escada.

— Ela está com Abby.

— E onde está o cachorro? – O Chefe quis saber.

— Sophie e Abby estão presas no laboratório dizendo que o cachorro é inocente e que só saem de lá quando mostrarem isso, assim como o Jet... é... o cachorro.

— Abby ainda insiste que o cachorro é inocente? – O Chefe quis saber.

— Sim... e convenceu Sophie disso.

O Chefe respirou fundo e a Diretora seguiu para o elevador. Creio que direto para o laboratório da Abby.

— Ela vai trazer o Buchter? – Perelli quis saber.

— Essa é a intenção, Sargento Perelli. – O Chefe disse.

E eu fiquei com a consciência pesada de ter jogado a culpa na dupla que estava no penúltimo subsolo.

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— Agora que o Tim já foi e aquela Sargento mal encarada também, o que vamos fazer, Abbs? – A Jibblet se sentou no chão e colocou a cabeça de Jet no colo.

— Você vai ficar aqui e tomar conta dele. Enquanto eu vou pensar em um jeito de salvá-lo da morte, já que as pulgas que eu achei não foram uma prova muito boa...

— Pulgas???

— Sim, ele tinha algumas... mas já está sem elas... achei um cemitério de cachorros na base... e lá também tinha pulgas... com sangue diferente... mas não vou entrar em detalhes.

— Tudo bem... eu vou ficar quietinha para que você possa pensar... – Sophie me prometeu e começou a fazer carinho no cachorro. – Será que a mamãe vai me deixar ficar com você, Jet?? Você seria um excelente cão de guarda pra gente... apesar de achar que você não está assim muito bem...

Olhei para o cachorro, ele realmente parecia mal.

— Será que o Palmer não tirou a bala direito?

— Bala? Atiraram nele? – Sophie perguntou alarmada.

— McGee. Ele disse que foi em legítima defesa... o cachorro atacou.

— Que maldade!! Quem atira em uma coisinha fofa como você, hein Jet?

Foi nessa hora que escutamos alguém bater na porta.

— VAI EMBORA, MCGEE!!! – Gritamos.

— Não sou o McGee!

Sophie arregalou os olhos e eu olhei para ela que me olhou.

— Eita... agora lascou!

E do outro lado da porta de vidro, parada, com uma expressão não muito boa, estava Jenny.

— Ahn... oi Jenny! – Eu a cumprimentei, mas não abri a porta.

— Oi, mamãe! – Sophie disse.

Ela só apontou para a porta.

— Me desculpe, mas se você for levar o Jet embora, eu não vou abrir, Jenny.

— E quanto tempo vocês duas pretendem ficar aí dentro? – Ela perguntou com uma sobrancelha levantada.

— Eu tenho tudo planejado. Tenho um estoque de CAF-POW! e salgadinhos para mim, ração para o Jet e tenho tudo o que a Sophie vai precisar! – Respondi e a Jibblet atrás de mim só concordou com a cabeça.

— Abbs, abra a porta. – A Diretora pediu.

Sophie deu de ombros.

— Ela deve ter a chave em algum lugar, Abby.

Destranquei e abri a porta. Jenny entrou e foi direto acariciar a cabeça do cachorro.

— Jet, hein? – Foi a primeira coisa que ela perguntou.

— Foi o meio termo entre Jethro e J.... – Sophie disse. – Não dá pra chamar um cachorro pelo nome do papai.

Jenny continuou a acariciar a cabeça de Jet.

— Vocês sabem que todas as provas dizem que ele é o culpado, não sabem?

— Mamãe... não podem matar ele!! – Sophie suplicou. – Olha a carinha dele! Ele é inocente!!

Me juntei as duas ruivas no chão e fiz a mesma carinha de pidona que Sophie estava fazendo.

— Ele matou um fuzileiro, Sophie. E assim mandam as regras da Corporação.

Sophie começou a chorar e Jet ganiu, levando a cabeça dele ao colo da menina.

— Ele não parece muito bem... – Jenny comentou ao passar a mão pelo focinho dele.

— Não parece mesmo... Deve ser porque ele sabe que está no corredor da morte... não tem como ter ânimo sabendo que se vai morrer. – Falei.

— Não acho que seja isso, Abby. Ele parece com dor... – Jenny comentou e eu vi que o lugar onde ele tinha tomado um tiro estava sangrando.

— Tem algo muito errado com ele! – Gritei. Nós três pegamos o cachorro e o levamos para a autópsia. Ducky e Jimmy estavam lá.

— Ele precisa de ajuda!! Rápido! – Pedi colocando Jet na mesa.

— Abigail...

— Tio Ducky... o Jet tá morrendo!! Faz alguma coisa! – Sophie pediu chorando.

Foi uma bagunça e ainda bem que Jimmy tinha trabalhado em uma clínica veterinária, ou Jet teria morrido.

No fim das contas, o que estava matando o cachorro era a ponta de uma faca de combate. E quando Ducky e Jimmy liberaram Jet para ir para casa, ou pelo menos para o meu laboratório, já sabíamos quem era a verdadeira traficante e assassina. A sargento Perelli. O que deveríamos saber desde o início, pois Jet sempre rosnou para ela quando ela aparecia.

— Tudo bem... temos nossa culpada. O que vai ser dele agora? – Tony perguntou quando todos desceram para informar para mim e para Sophie que Jet não estava mais no corredor da morte.

— Ele precisa de um lar... e operado assim ele não pode mais voltar a serviço. – Falei.

A Jibblet, que estava com metade do cachorro no colo só abriu um sorriso.

— Eu acho que vou sim, querer um presente de aniversário. – Ela falou e me olhou. Eu comecei a pular.

— Sophie, não! – Jenny a alertou.

— Eu quero um cachorro. Eu quero esse cachorro! – Ela disse e deu um beijo na cabeça de Jet.

Jenny não fez uma cara boa, todo mundo estava olhando para ela e para Gibbs.

— Sabe que até que não é má ideia, Jen? Pelo menos vai ter um Fuzileiro guardando a casa...

— Isso é um sim? – Sophie perguntou animada.

Jenny encarou Gibbs e depois suspirou.

— Sim, filha. É um sim, mas será você quem vai tomar conta dele.

Sophie nem estava prestando atenção, já estava abraçada ao cachorro dizendo que ele iria dormir com ela, na cama dela.

— E o nome dele será realmente Jet? – Gibbs perguntou olhando para mim e para a filha.

— Por que não?? É fácil de guardar e de chamar! – Sophie deu um beijo no focinho do cachorro.

Essa foi a única parte da barganha que Gibbs não gostou. Contudo, pelo menos, dessa vez, tivemos um final bem feliz!

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E o aniversário de Sophie terminou do jeito mais inesperado, ela gritando com Kelly ao telefone que tinha ganhado um cachorro. Como a ligação estava no viva-voz, tanto Jethro quanto eu pudemos escutar o interrogatório completo que Kelly estava fazendo.

— De que raça é o seu filhote?

— É um Pastor Alemão. E ele não é um filhote, Kells.

— Como não? Você já ganhou um cachorro adulto?

— Sim... na verdade, como a Abby disse enquanto estávamos comendo pizza, ele é mais ou menos um cachorro resgatado, já que não iriam mais aceitá-lo na Corporação.

— Corporação?! – A cada pergunta, Kelly ficava ainda mais alarmada.

— Sim... Jet é um Fuzileiro. Era um cachorro que procurava bombas.

— Jet??? Fuzileiro??? Como assim?

— É isso que você ouviu, Kells! Meu cachorro foi uma vítima de uma fuzileira maluca... ela matou o treinador dele e Jet quase morreu, se não fosse por Jimmy, ele teria morrido porque comeu a ponta de uma faca de combate. Por conta da cirurgia, tiveram que dar baixa nos anos de serviço dele. Agora, Jet é um Fuzileiro Aposentado de cinco anos de idade... e é meu!! - Cantarolou a minha filha.

— Minha nossa.... isso é que presente de aniversário! Um pastor alemão de cinco anos de idade, treinado para achar bombas pelos Marines!

— Sim... agora aqui em casa tem DOIS fuzileiros! Nunca mais vão colocar os pés aqui! – Sophie garantiu animada.

— Só se quiserem morrer!! – Kelly riu alto. – Espero que, pelo menos o Marine de quatro patas seja um pouco mais simpático com Henry do que o Marine Mal-Humorado que conhecemos...

— Só vamos saber no dia em que Henry aparecer aqui, Kelly... até lá, Jet só gosta de mim, da mamãe, do papai, da Abby, do Jimmy e do Ducky... ainda tem algumas brigas com o Tony e com a Tia Ziva... e não é lá muito fã do Tim!!

— Moranguinho... só você mesma!! Um cachorro?? Sabe quantas vezes eu implorei para o papai para me dar um?

— Ele falou que todos os anos desde que você tinha dois anos. E disse que só não te deu um, porque você queria um Chihuahua, e ele falou que não ia ter um rato em casa!!

— Isso é injusto! Um Chihuahua não ocupa o mesmo espaço e nem faz a mesma bagunça que um enorme Pastor Alemão!

— Kelly... não implica com o Jet... você nem o conhece!!

— Só estou indignada!

— Reclame com o papai... ou melhor, você já tem a sua própria casa, compre um para você. – A Ruivinha foi prática ao responder à irmã.

— Henry não gosta de Chihuahuas...

— Compre outro! Que tal um Border Collie? São inteligentes! Beagles são fofos! E tem o husky, o Spitz, o Pastor Belga... e tem os corgis!

— Corgis!!! – Kelly gritou. E a cada grito que as filhas davam Jethro respirava fundo, doido para encerrar a barulhenta ligação e colocar a mais nova na cama, já que ela estava correndo dentro do quarto e pulando em cima da cama a cada resposta.

— Com suas perninhas curtas e sempre requebrantes!! – Sophie riu.

— Tenho que conversar com o Henry.... mas ter um cachorro não é má ideia.

— Nunca é!! – Minha Miniatura aterrissou ao lado do pastor alemão e começou a acariciar a cabeça dele.

— Só não pode ser um cachorro chamado Jet! – Kelly garantiu.

— Você escolha o nome que ache melhor, Kells.

Kelly ria alto do outro lado da linha e depois de desejar um ótimo aniversário para Sophie, desligou, era chegada a hora de por a elétrica garota de oito anos na cama.

— Jet pode dormir comigo? – Ela pediu, e o cachorro que já estava deitado ao pé da cama só levantou a cabeça e olhou em direção à sua nova dona.

— Se eu falar não.... – Jethro começou.

— Ele vai amanhecer onde ele está... afinal, minha porta não dorme trancada. – Sophie deu de ombros.

— Nada de cachorro em cima da cama. O lugar dele é naquele tapete! – Avisei.

— Ele vai ser um bom Marine e vai ficar bem aí, não é Jet? – Sophie correu para o cachorro e deu um beijo entre as orelhas dele. Em resposta recebeu uma lambida. – Viu, ele acaba de confirmar que vai ficar ali.

Jethro só indicou a cama, Sophie pulou animada no meio de seus bichinhos de pelúcia, pronta para escutar a história do dia.

Agitada do jeito que estava nem o colo do pai a acalmou e foi só depois de longos cinco capítulos que ela começou a brigar com as pálpebras que pesavam, precisei de mais algumas páginas e ela dormia tranquila nos braços do pai.

— Agora foi? – Jethro me perguntou.

— Creio que sim. Tente colocá-la no travesseiro...

Ajeitamos Sophie e nos despedimos dela, que mesmo sonolenta disse:

— Amo vocês mais.

Porém antes de fecharmos a porta, Jethro chegou perto do novo morador da casa e falou em tom autoritário:

— Ela é sua responsabilidade durante a noite, cuide dela!

— Com coisa que ele vai entender... – Comentei quando fechei a porta.

— Te garanto que ninguém encosta na Sophie nunca mais, Jen.

Quem era eu para duvidar da lealdade de um Fuzileiro, mesmo um de quatro patas.