JANEIRO/99

Logo que Kelly ligou com as notícias sobre como foi a conversa com Henry e o temível encontro com a sogra, Jethro sossegou um pouco. Não era o que ele queria que acontecesse, todavia, se Kelly estava tão feliz quanto ela soava ao telefone, ele ficou tranquilo.

Tranquilo temporariamente, pois de tempos em tempos ele falava em como iria fazer o garoto sofrer quando finalmente o conhecesse.

Eu estava aliviada, tive muito medo de como Kelly reagiria se o namoro acabasse e ela não tivesse o pai ao lado para apoiá-la. Um telefonema era muito pouco quando se tem o coração partido pela primeira vez.

Assim, tendo nosso maior medo resolvido, e estando Kelly feliz e atolada em trabalhos da escola para fazer, nós pudemos nos concentrar no nosso trabalho.

Durante a pausa no final de ano, continuamos recebendo informações sobre nossos alvos. Zukhov tinha sido visto. Ele e Svetlana. E isso era ótimo. Significava que nenhum dos dois desconfiava do que estava por acontecer.

Agora, era conseguir a última aproximação. Certificar quem eram os compradores e negociadores que trabalhavam com os russos para, então, agir. Porém, até chegar nesse ponto, tinha muita coisa a ser feita.

A primeira delas, tínhamos um novo alvo com quem negociar e novas informações para coletar. Tudo isso em um encontro em uma galeria de arte. Nosso novo amigo era um apreciador de arte e dos grandes pintores. E nós teríamos que demonstrar interesse, se quisermos vê-lo preso também.

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Ser um casal no mundo do crime organizado significa que temos que fazer negócios juntos. Até essa parte eu concordava.

Isso só tinha um único problema. Todos os homens queriam negociar exclusivamente com Jen, e sempre cismavam de encontrá-la em lugares que não eram próprios para uma conversa como a que estamos tendo agora.

Onde já se viu falar de compra de armas no meio de uma Galeria de Arte?

Porém era o que estava acontecendo. E o nosso negociante, um Ucraniano de nome impronunciável, estava mais interessado em olhar para a minha falsa esposa do que para as obras de arte em si.

Jen também notou isso, e de tempos em tempos, mencionava o nome do pintor de determinada tela, ou até mesmo me colocava na conversa. E nessas horas eu conseguia ver os seguranças de nosso amigo darem um passo à frente.

Esse cara tem que aprender que estamos negociando armas, não a minha mulher.

Mas Jen é boa nesse quesito de diplomacia e, entre um assunto ameno e uma observação quanto uma outra pintura, ela conseguiu fazer o ucraniano falar, e quando ele ficou à vontade foi a minha vez de interrogá-lo até que ele falasse exatamente o que queríamos.

Como Shepard havia falado, ela amaciava o cara e eu terminava o serviço. E assim foi menos um na nossa lista.

Logo que chegamos ao apartamento, ela repassou as informações obtidas para D.C. e, quando se viu atoa, já que ela tinha aprendido que o escritório central nunca respondia rápido mesmo, ela me disse, sem mais nem menos.

— Você vai dar um ataque de ciúmes para cada homem que me olhar, Jethro?

Repassei o que aconteceu na galeria. Não fora um ataque de ciúmes.

— Pese bem as suas palavras, pois dependendo do que você responder, você pode não gostar do que eu vou falar. – Ela tinha um sorriso nos lábios.

— Só estava mantendo um olho no que me interessa.

Ela levantou a sobrancelha em minha direção e abriu aquele sorriso de lado característico dela. Ela tinha algo se formando em sua mente.

— Nossa, que lisonjeiro, Jethro. Mas saiba que eu não preciso de ninguém para me proteger dos olhares famintos dos homens, eu sei muito bem me virar sozinha.

— Se você se esqueceu, somos casados, e temos que agir dessa forma. Nenhum marido gosta de ver a esposa ser o alvo de olhares e frases cheias de segundas intenções.

— Sobre isso eu não sei dizer. Nunca fui casada. Mas acho que você tem muita experiência no assunto. – Ela me testou.

— Alguma coisa. – Falei sem pensar. Ela estava me interrogando?

— Então uma última pergunta, porque sei que você não gosta de falar sobre isso. Qual das duas te trocou por outro?

Ela é realmente esperta.

— A segunda.

— Que pena... definitivamente ela não tem bom gosto! – Ela falou e escondeu o rosto em um jornal para fazer as palavras cruzadas.

— O que você está querendo dizer...

— Pelo que me informaram, casamento requer paciência, a Segunda Esposa não teve, e olha o que ela jogou fora. Azar o dela! – Ela deu de ombros.

Eu a encarei. Ela estava realmente falando isso? Mas quando eu ia perguntar o que ela queria com essa conversa sem nexo, ela voltou ao ponto principal.

— Na próxima vez que você quiser bancar o ciumento, por favor, faça com um pouco mais de controle. Só hoje você quase foi um alvo certo umas quatro vezes. Nem sempre eu vou conseguir mudar o foco das pessoas para salvar a sua vida, Jethro. – Ela falou e saiu da sala.

— Eu não preciso de você para salvar a minha vida, Jenny! E eu não estava com ciúmes. – Falei alto para que ela pudesse escutar de onde ela estava.

— É mesmo? Não foi o que me pareceu! – Ela disse bem próxima ao meu ouvido. – Se aquela era a sua cara de quem não estava com ciúmes, eu me pergunto qual deve ser.... – Ela não se afastou.

Toda essa falação já estava me deixando louco, e, sem ela perceber que eu faria esse movimento, consegui segurá-la e a puxei para o sofá, prendendo-a ali. Pega de surpresa, Jen gargalhou.

— Vai me mostrar a sua cara de ciúmes agora, Jethro? – Ela tirou o dia para testar os meus limites?

— Não, Jen, vou te mostrar outra coisa. – Falei tão perto do ouvido dela, quanto ela havia falado perto do meu, e pude ver o corpo dela reagindo à minha voz.

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Eu precisava testar uma teoria. Já fazia tempo que Jethro agia de forma possessiva ao meu lado, e ele nem se dignou a esconder esse comportamento perto de Kelly. E, após o que aconteceu hoje, eu tive que confrontá-lo.

E o que eu tinha como teoria, se provou realidade. E eu comecei a ter a nítida esperança de que, após todo esse teste, poderíamos ter algo realmente sério quando voltássemos aos EUA.

E a perspectiva de ter alguém que eu amo ao me lado me deu segurança suficiente para fazer o que me foi ordenado. Agora eu tenho certeza de que, mesmo que eu fique com a consciência pesada, Jethro estará ao meu lado para poder me ajudar.

Eu confio nele a esse ponto. Eu sei que ele será aquele quem me estenderá a mão quando eu precisar.

Eu sei que vai. Ele já demonstrou isso inúmeras vezes.

E, depois de muito sofrer, de muito pensar eu sabia que tinha chegado a hora. Creio que não há momento certo, mas quem liga?

Olhei para Jethro do outro lado da cama, ele dormia tranquilo. E essa era uma visão que eu queria ter pelo resto da minha vida.

Contudo, antes que eu pudesse tê-lo só para mim, toda essa missão teria que terminar.

E eu daria o meu melhor para poder fazer tudo certo e poder voltar para um lugar onde eu finalmente chamaria de lar.

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FEVEREIRO/1999

Cada alvo que identificávamos era logo posto sob vigilância constante, não somente a nossa, mas de outras agências e da Polícia francesa.

Assim, um por um eles iam caindo. Sem aviso, depois de muito tempo de terem feito contato conosco, os negócios deles eram descobertos, o dinheiro congelado e, dependendo do valor do alvo, ou com o que ele poderia contribuir com alguma outra forma de inteligência, eles eram mantidos presos ou alguns, conforme ordens expressas, era executados.

E a cada um que caía, nossa posição ficava mais em evidência, não que nossos disfarces estivessem comprometidos, mas que, naquele ramo de negócio, estávamos nos tornando os únicos que poderiam fornecer o que todos precisavam, sem ter o risco de sermos descobertos.

Em resumo: o plano traçado em D.C. estava funcionando muito bem, pois era nessa posição que eles nos queriam, no coração do mercado negro de armas, pessoas e drogas. O passo final da missão estava desenhado e pronto. Cabia a nós dois não estragarmos nada ou dar um passo em falso.

Sediamos jantares, fomos convidados para outros tantos, sempre as mesmas conversas, a mesma dúvida que pairava no ar:

— Quem seria o próximo?

Nem eu ou Jen sabíamos. A surpresa das prisões ou das notícias de que alguém foi preso ou encontrado morto era a mesma entre todos. Desse jeito nosso disfarce era mantido, assim como a confiança que começamos a construir.

Só houve uma vez em que eu achei que iríamos por tudo a perder. Tinha chegado um outro negociante de armas. Não me recordo do apelido, mas seu nome era Rene Benoit.

Ele entrou no salão da casa onde estávamos como se fosse o dono. Cumprimentou velhos conhecidos, e se apresentou para aqueles aos quais ele não era familiarizado.

E foi nessa hora que vi Jenny dar um passo atrás. Toda a postura dela mudara. Quando ela notou quem entrara, ela ficou tensa, a conversa amena que ela participava deixou de importar, e, por incrível que pareça, fui eu quem consegui contornar a situação. Em um momento Jen ria de algo que um dos homens havia contado, no segundo seguinte, ela praticamente tinha ficado muda.

— Você conhece aquele ali? – Uma das mulheres bem vestidas perguntou para Jen.

— Já ouvi falar. – Foi a resposta seca e praticamente inaudível que ela deu.

— Terá o prazer de conhecê-lo pessoalmente! – A mulher continuou animada. – Ele é praticamente uma lenda, não é, querido?

O Sul Africano com quem conversávamos confirmou.

— Rene Benoit ficou muito mais conhecido depois que conseguiu trapacear o Governo Americano e culpar um figurão do exército ao invés dele. E, para finalizar, para ter certeza de que o Major ou Coronel não fosse falar nada, Benoit o matou e forjou uma cena de suicídio. Os americanos caíram que nem patinho na história. – Ele disse com certa reverência, como se o traficante ali fosse o seu maior ídolo.

— Interessante. Ele deve ser muito bom mesmo. – Continuei a conversa. E notei que Jen não tirava os olhos do homem e, após o que foi contado, parecia que o sangue havia sido drenado de seu rosto.

— Está tudo bem? – Perguntei em sua direção.

Ela balançou firmemente a cabeça e respirou fundo. Os outros dois a olharam com curiosidade, e Jen logo arrumou uma desculpa:

— Deve ser a bebida, acho que para mim já é o suficiente por hoje. – Ela disse, voltando ao seu estado de espírito de antes.

Eu acompanhava suas reações discretamente. Algo estava errado com ela, e isso tinha a ver com o homem que havia chegado àquela festa.

Nossa conversa desinteressante avançava, até que em determinado momento, Benoit em pessoa, se juntou a nós, cumprimentou o outro casal e se apresentou a nós.

— Rene Benoit. – Ele disse com forte sotaque francês enquanto estendia a mão em minha direção.

— Robert Spears. – Apertei a mão do homem, que olhava com interesse para a mulher loira ao meu lado.

— Por um segundo achei que te conhecia. – Ele falou em direção à Jen.

Ela abriu um sorriso, e respondeu polidamente, mas sem apertar a mão dele:

— Posso te garantir que nunca nos vimos antes, mas a sua reputação lhe precede, Monsieur Benoit. Sou Melissa Fleming.

Para quem não estava familiarizado com as expressões de Jen, ela era uma autêntica negociadora. Contudo, eu a conhecia, e ela não estava nem um pouco à vontade com a aproximação daquele homem.

Benoit a estudou por um minuto e concluiu que, definitivamente nunca tinha cruzado o caminho de Melissa. E, achando que nossa conversa era a mais interessante de todo o salão, ficou mais alguns minutos ali, do lado de Jen, que sempre que podia, dava um passo a mais em minha direção, até que ficamos com os braços enroscados e ela tinha me empurrado para o mais longe possível do homem que o nosso grupo permitia sem que alguém desconfiasse.

Pegamos todos os dados que pudemos coletar, tanto de informação quanto de localização de alvos quanto foi possível, e quando Benoit veio caminhando em nossa direção, Jen tinha uma desculpa bem plausível para se livrar de ter que ficar novamente ao lado daquele homem.

— Querido, - Ela começou e eu previ que ela iria me pedir algo impossível, só pela forma como ela está me olhando. – Será que podemos ir, eu não estou muito bem. Toda essa troca de clima e fuso-horário deve ter acabado com a minha saúde. – Jen disse a parte final como se precisasse se explicar aos nossos amigos.

— Mas é claro. - Soltei o seu braço e deixei minha mão recostar na base da coluna dela, assim, eu poderia saber exatamente quando ela estava nervosa de verdade.

Jen só meneou a cabeça em minha direção para, logo em seguida, se despedir do casal que acompanhava a nossa caverna. Quando passamos perto de Benoit, Jen praticamente agarrou o meu braço com o intuito de quebrá-lo, mas não disse uma só palavra e isso estava me deixando maluco.

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Que existia a possibilidade de que eu o encontrasse no meio de todas estas pessoas, disso eu sabia, todavia eu esperava que não. E, sem nenhum aviso prévio, ele apareceu, e junto com ele todas as memórias dolorosas vieram também.

Benoit se julgou o rei da festa, todos pareciam idolatrá-lo. O casal que conversava conosco o tinha em um pedestal. E tudo o que eu queria fazer era gritar, era pegar a minha arma e atirar bem na cabeça dele. Eu queria que ele pagasse pelo que havia feito e queria naquele momento.

Porém, eu tinha uma missão para cumprir, eu tinha um disfarce para manter e tinha um segredo para manter. Assim, eu continuei onde estava, mesmo sabendo que Jethro havia percebido cada uma das minhas reações.

Ele me conhecia a esse ponto agora.

Eu tentei ignorar a presença dele. Eu tentei fingir que ele não estava ali, contudo não era isso o que o destino queria. E Rene Benoit veio exatamente para onde eu estava. E com aquela classe fingida, aquela falsa educação, cumprimentou os seus conhecidos e se apresentou a nós. Por um segundo eu achei que ele tinha me reconhecido, algo como uma lembrança passou pelos seus olhos, mas logo ele concluiu que nunca havia me visto.

Notei que Jethro sabia a verdade, sabia que tinha algo. E eu não poderia explicar nada disso.

Eu não estava pronta para contar tudo o que havia me acontecido há quatro anos. Tudo o que eu queria nesse exato momento era esquecer. E para evitar qualquer pergunta, quando o nosso trabalho havia terminado, eu pedi para ser levada para casa, com a desculpa mais comum de todas. Era essa a minha única saída. Simplesmente utilizei ao meu favor a regra 11, quando o trabalho está pronto, caia fora.

Eu tinha me livrado da presença e da pessoa de Benoit. Agora eu tinha que encarar um par de olhos azuis que me examinavam sem pudor algum em busca de respostas.

— O que deu em você naquela casa, Jen? O que foi tudo aquilo? – Ele começou assim que entramos na segurança do apartamento. E eu me surpreendi por ele não ter começado o interrogatório mais cedo.

— Jethro, por favor. – Sim, eu implorei que ele parasse.

— Não, Jen! Tente entender, você quase pôs tudo a perder naquela festa, por que você reagiu daquele jeito? Você conhecia aquele cara?

Eu o deixei falando sozinho na sala e corri para a cozinha, dei uma olhada ao redor, eu precisava de algo que me acalmasse. Pensei em comer o pote de sorvete que estava no freezer, mas isso não me faria esquecer. Então meus olhos pararam na garrafa de Bourbon. Isso sim me faria esquecer. Peguei um copo e estava a ponto de colocar uma boa dose, quando a mão de Jethro me impediu.

— Será que você pode responder às minhas perguntas? – Ele demandou.

— Não. Eu não posso. E me deixe em paz! – Tentei tomar o copo da mão dele, mas sem sucesso. Quando ele queria, ele sabia usar a nossa diferença de altura ao seu favor.

— Jen... aquilo não foi normal. Você nunca reagiu daquela forma.

— Gibbs, me deixe em paz. Eu só reagi mal. Só isso. – Desisti de pegar a bebida e, mais uma vez o deixei sozinho. Eu precisava me acalmar se eu fosse continuar com o segredo.

Contudo Jethro não desistiria tão fácil e me seguiu. Sua mão prendeu em meu braço e ele me virou na sua direção. Eu não sei o que ele viu em meu rosto, porém, seja o que for, o fez recuar. E seus olhos assustados me disseram mais do que ele poderia falar com qualquer palavra.

E nós dois ficamos ali, um encarando o outro. Ele queria dizer alguma coisa, mas não conseguia encontrar as palavras certas, e eu queria poder desabafar com alguém, todavia ainda não estava preparada para isso.

Por fim, depois de um bom tempo, ele apenas disse:

— Você sabe, se quiser falar, eu... eu estou aqui Jen.

— Um dia Jethro, mas, por favor, não hoje! – Pedi. Ele compreendeu a mensagem, como sempre, e me seguiu para o quarto.

E essa foi a minha vez de ter pesadelos, eu tentei ficar o mais quieta possível, me encolhi o máximo que pude e tentei pensar em outras coisas, e mesmo assim foi em vão. Quando eu vi que dormir não era uma opção, tentei me levantar sem acordar Jethro, e foi quando eu senti os braços dele envolvendo a minha cintura e me puxando para a cama de novo, na verdade, ele me abraçou até que eu ficasse com a cabeça apoiada em seu peito e, beijando o topo de minha cabeça disse:

— Apenas respire Jen.

Foi o que eu fiz, e escutando o coração dele bater, finalmente conseguir dormir sem sonhar.

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Jen agiu de forma estranha por quase uma semana. E toda vez que eu tentava trazer o assunto à tona, ela se fechava ainda mais, mas seus olhos, que nunca me engaram, me diziam que algo tinha acontecido, algo que a marcara permanentemente e do qual ela se recusava a falar.

Quando ela passou todas as informações para Washington, vi que ficou esperançosa de que pudessem acrescentar Benoit na nossa lista, contudo ele foi deixado de fora e continuamos com o plano original.

Enquanto isso, nosso tempo passava, e as informações das novas prisões e apreensões iam chegando e o cerco se fechando.

Tom Morrow, em uma rara reunião na sede de Paris, nos deu uma dada final. Tudo teria que ser encerrado, em sincronia, até quinze de julho.

Era quatorze de fevereiro. Tínhamos mais cinco meses para fazer o reconhecimento de todos que pertenciam à organização e a localização de todas as casas seguras que eles usavam.

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Eu não sabia se eu ficava irritada com as tentativas de Jethro de me tentar fazer falar ou se eu ficava irritada comigo mesma por ter sido tão transparente.

Eu não tinha jurado que conseguiria superar isso? Eu não tinha prometido a mim mesma – e ao meu pai – que eu não me deixaria ser influenciada por ele, que ele não afetaria mais nenhuma escolha minha?

Se eu tinha feito isso, por que eu ainda estou tendo pesadelos com a presença dele naquela festa?

Por quê?!

Teve momentos em que eu queria contar tudo o que me havia acontecido, teve momentos que eu achei que se eu não falasse com alguém sobre aquilo eu acabaria por me matar.

Todavia, eu me mantive firme. Aquela noite não seria revivida em palavras com ninguém. Era o meu segredo e somente meu.

Com o passar dos dias, eu consegui voltar a focar no que era estritamente importante. Agora tínhamos uma data. Um limite. E eu tinha que me concentrar no que me fora ordenado.

Era isso que me importava agora. E assim eu o fiz.

Um dia, à noite, estávamos sentados no sofá, e do nada, perguntei a Jethro, discretamente, como ele conseguira fazer aquilo tantas vezes. A resposta que obtive?

— Você nunca esquece uma morte, Jen. Nunca. Mas posso te garantir que não perdi nenhuma noite de sono por eles. Às vezes, quando fecho meus olhos, seus rostos passam por minha mente, um lembrete do que fiz. Contudo, não posso dizer que me arrependo.

Balancei positivamente a cabeça. Acho que com isso eu conseguiria viver.

— Posso saber o motivo da pergunta?

Demorei um tempo maior para tomar o meu chá e o encarei pela borda da xícara.

— Só curiosidade.

— Ou você está acumulando informações para saber como você vai reagir depois que encerrarmos a missão? – Ele disse, e um sorriso de canto se formou em seu rosto.

— Eu entreguei a verdade de novo? – Perguntei irritada.

— Você não, seu olho direito sim.

— Cada vez que eu conversar com você, a partir de hoje, vou usar óculos escuros. – Murmurei.

E ele riu mais uma vez.

— É quase imperceptível, quase não dá para notar. – Jethro falou como se aquilo pudesse fazer eu me sentir melhor. – Só quem te conhece muito bem sabe disso, Jen.

— Você sabe e, isso, já é um problema. – Praticamente rosnei as palavras.

— Em um jogo de pôquer, eu ganharia, se você se estivesse blefando. – Cada palavra foi dita com uma certeza tão grande que ele soou até arrogante. A única coisa que fiz foi encará-lo com o meu pior olhar.

Mas Jethro estava de bom humor, e continuou a me perturbar.

— Mais um pouco de treino e você vai ficar boa nesse tipo de olhada, Jen.

E ao ouvir estas palavras, eu quis fazer três coisas, ao mesmo tempo. Gritar com ele por ele ter conseguido me tirar do sério, estapear a cabeça dele, porque ele estava inconvenientemente falante nessa noite e jogar o meu chá quente na cara dele para ele deixar de me lançar aquele sorriso presunçoso de quem sabe que me tem na mão. Contudo, eu sabia que qualquer uma dessas reações só aumentaria o seu ego, já inflado, por estar tão certo sobre mim. Assim, com toda a elegância que possuía, apenas me levantei do sofá, peguei as pastas que eu ainda tinha que ler, e segui para a cozinha. Sem falar uma palavra, sem mudar a minha expressão, sem, sequer, olhar para ele.

— Como é, Jen? Nem uma resposta ácida? – Ele continuou.

Eu tive que respirar fundo para não dar a ele o gostinho da vitória.

Contudo, ele não estava pronto para desistir. Aliás, acho que ele só pararia de me perturbar nessa noite quando eu o esfaqueasse, ou atirasse nele, depende de qual arma estivesse ao meu alcance no momento. E, assim que me sentei, ele puxou a cadeira do meu lado e se sentou ali, pousando seu braço em meus ombros e falando qualquer coisa sobre eu ser uma péssima perdedora.

Aguentei a inimaginável falação de Jethro por quase quinze minutos. Ele nunca tinha falado tanto! E, preocupada com a saúde mental de meu parceiro, fui obrigada a perguntar:

— Você tem certeza de que não colocaram nenhum soro da verdade ou qualquer outra mistura nesse seu Bourbon?

Ele foi pego de surpresa.

— Por que isso?

— Você está falante demais!! Está falando mais do que a Kelly quando está nervosa! E isso não é o seu normal. Geralmente quem fala, na nossa dupla, sou eu.

— Mas como você resolveu bancar a muda funcional hoje, Jen. Eu tomei o seu posto. – Jethro me respondeu me encarando.

— Ha! Sério?! Você começa a se vangloriar em cima de um tique que eu tenho e ainda quer que eu entre na brincadeira com você?! Você não existe, Jethro. – Soltei sem pensar que isso era exatamente o que ele queria. Jethro estava fazendo aquela maldita brincadeira que ele adorava fazer enquanto estávamos em Marselha, ele me perturbava até o ponto em que eu estourava e depois usava a minha falta de controle para conseguir o que ele queria. Que normalmente terminava com nós dois na cama. E a forma como seus olhos brilharam me disseram exatamente isso.

— Seu bastardo!! – Bati em seu ombro com toda a força que tinha, quando o sorriso dele me confirmou tudo. Ele gargalhou alto, mesmo que estivesse esfregando o dito ombro. – Eu não vou fazer o que você quer!!

Eram nessas horas que eu realmente queria ter o sangue frio de conseguir ficar o mais longe possível ou de ser capaz de realmente o machucar fisicamente, sei lá, um tiro na perna ou no braço não mata ninguém, era só eu mirar com cuidado, mas quem disse que eu conseguia fazer isso?

Eu sentia o meu rosto corar de ódio (e, em partes, eu estava brava comigo também por cair nesse papo dele) e Jethro apenas abria um sorriso ainda maior. O mesmo sorriso que me remetia a nossa primeira noite em Marselha.

Resolvi jogar o joguinho dele – apesar de estar claramente em desvantagem agora, devido a todas as emoções que eu já esboçava – então, fiquei de pé, cruzei meus braços e comecei a encará-lo na mesma intensidade.

Jethro não se deu por vencido, e, ainda rindo da forma como as minhas bochechas demonstravam tudo o que eu estava sentido, ele se levantou e invadindo o meu espaço pessoal – o que também não é novidade! – disse ao pé do meu ouvido.

— Vê se você se acalma um pouco, vamos jantar fora hoje.

— O que?!! – Perguntei surpresa, desde quando Jethro tem a ideia de jantar fora como um programa, ainda mais que hoje não é aniversário de ninguém?!

— Jen, só esteja pronta. – Ele me pegou em um beijo de tirar o fôlego e quando terminamos ele me deixou parada no meio da cozinha, completamente sem reação.

— Mas onde vamos? – Perguntei depois de trinta segundos.

— Você vai ver. – Ele falou sem me dar nenhuma pista e, finalmente, me deixou sozinha.

É, ele me deixou sozinha, mas eu tinha mil perguntas para ele agora. Ou seja, ele tinha conseguido ganhar o round de hoje.

Esse homem ainda vai me deixar maluca!