Carta para você

Recuperando o Tempo Perdido


— Vocês viram aquilo?!! – Abby pulava ao lado do meu assento no bar onde estávamos. – Existe uma Jibblet de verdade e ela é linda!! Apesar de que estragaram os cabelos dela. – Ela terminou com um muxoxo.

— Kelly poderia ter nos contado... – McGee falou pela primeira vez desde que chegamos ali.

— Não cabia a ela, McChato. – Tony, surpreendentemente, disse isso e a mão de Abby voou na direção da testa dele para checar se ele estava com febre.

— Anthony DiNozzo dizendo isso? Achei que você seria o primeiro a reclamar que Kelly arruinou as suas chances de ganhar uma grana com uma aposta! – McGee o cutucou.

Eu só escutava os outros três. Sabia por alto algumas coisas que eles não sabiam, inclusive sabia da existência de Sophie, mas por amizade e por não se tratar de algo que se sai falando por aí, nunca falei nada para ninguém, nem no Mossad souberam da existência da pequena e adorável ruiva.

— Ela é uma criança, McGee. E nós não sabemos como foi o relacionamento do Chefe com a Diretora. Tudo o que sabemos até agora era que o Chefe não sabia sobre ela. Kelly sabia, e a pouca coisa que nos informou era que os dois precisavam conversar. E eu acho que, pelo bem da Sophie, isso não é do seu interesse.

— Ain. Você se apegou à Sophie, Tony! – Abby deu um pulo e o abraçou. - Justo você que nunca gostou de crianças!

Tony ficou sem graça e eu olhei na direção dele, levantando uma sobrancelha. Por que ele não explicava para os dois o que ele havia me dito na autópsia? Mas ele somente me lançou um olhar que me pedia para ficar quieta, assim o fiz e escondi meu sorriso atrás do meu drink.

— E agora você está sem graça! – Abby continuou.

— Ela é filha do Chefe e da Chefe do Chefe. Ou seja, é mais do que minha obrigação tomar conta dela. Se a Ruivinha estiver feliz, os dois vão estar felizes e ninguém bate na minha cabeça. – Ele se explicou. E eu notei que era mentira desde o início. Ele se importava de verdade com a menina, talvez porque ela tenha se importado com ele primeiro, talvez porque ela era a única que nunca o julgaria por suas brincadeiras. Eu não sei ao certo, só sei que fiquei curiosa em pensar como Tony agiria quando ele tivesse os próprios filhos.

— Falando sobre os pais de Sophie, o que vocês acham que vai acontecer? – Jimmy perguntou.

Essa era uma boa pergunta. O que Gibbs e Jenny iriam fazer a partir de agora? Era fácil de se notar que ainda existia algo entre os dois. Que ali, enterrado, havia um sentimento forte de um para com o outro. Porém existia segredos ali também, e pelo visto feridas não tão bem cicatrizadas. Será que eles seriam capazes de passar por cima disso?

— Eu espero que eles se acertem. Gibbs e a Diretora formam um belo casal. E ainda tem a Sophie. E Kelly parece genuinamente feliz em ter uma família. – Abby respondeu primeiro.

— Será que podem? Ela é a chefe dele! – Esse foi McGee. E quanto a isso, eu não consegui ficar calada.

— E desde quando Gibbs se importa com algo que não seja as regras dele?

— Mas existe uma regra quanto a isso, Zee-vah! – Tony respondeu me olhando.

— Tem?

— Sim, a regra #12. “Nunca namore um colega de trabalho.” – McGee a recitou.

— Bem... isso muda as coisas. – Dei de ombros. – Gibbs nunca quebrou as próprias regras?

— Que eu saiba, não. – Abby disse, levando seu coquetel à boca.

— E desde quando essa regra #12 existe? – Perguntei curiosa.

— Por que quer saber, Ziva? – Jimmy me olhou curioso.

— Bem, pelo que sabemos, Jenny deixou o Gibbs com uma carta, se o que vocês vieram conversando é verdade... será que essa regra 12 não foi criada por conta dela?

Acho que eu estava certa, se a cara de espanto de Tony servia como parâmetro.

— Ziva, você é uma gênia! – Abby disse. – Se isso é verdade, se Gibbs criou a regra #12 por conta da Jenny. Ele pode aboli-la agora que a Jenny voltou. E, principalmente agora que eles têm um motivo para ficarem juntos.

— Uma criança não é motivo para ninguém ficar junto. – Eu falei.

— Ziva, onde está o seu senso de família? – Abby me xingou.

Parei para pensar em tudo o que eu já tinha vivido, às vezes eu desejava secretamente que meu pai não tivesse se casado com a minha mãe. Ele só a fez sofrer, só nos fez sofrer por muitos anos.

— Existem crianças que vivem muito bem com os pais separados. Sophie pode ser uma dessas crianças, desde que os pais se entendam sobre ela e não descontem nela suas frustrações. – Tentei me explicar.

— Seus pais são separados, Ziva? – McGee percebeu a verdade por trás das minhas palavras.

— Teria sido melhor se nunca tivessem se conhecido. Mas agora não importa mais. – Dei de ombros e me voltei para meu drink.

— Podemos voltar para o assunto em questão que é a Sophie? – Abby não desistiria tão cedo.

— O que mais você quer, Abby? – Tony perguntou cansado.

— Será que a Jenny vai deixar a ruivinha nos visitar? Ir lá no estaleiro?

— Não vejo motivos para não deixar. Lá é seguro e o pai dela vai estar lá. – McGee respondeu.

— Falando no Gibbs, vocês viram quando ele a pegou no colo pela primeira vez? – Abby deu uma pirueta enquanto falava. – Foi tão fofa a cena toda. Ele realmente tem um jeito todo especial com crianças, isso já sabíamos, mas vê-lo com a própria criança, é muito mais especial.

Balancei minha cabeça para o que Abby havia dito. No fundo, o que eu disse para Kelly era verdade, Gibbs jamais abandonaria uma filha por ele mesmo.

— Na semana que vem, na formatura de Kelly, poderemos ver mais cenas dessas!! – Abby disse feliz, abraçando McGee. – Vocês vão, né?

— Eu tô dentro. – Tony disse, levantando o whiskey dele.

— Eu também vou. – Palmer respondeu.

— Eu também. – McGee confirmou.

E os quatro olharam em minha direção. Eu ainda era a novata na equipe, não sabia se o convite que Kelly havia me dado era de verdade, ou se foi só porque ela se sentira obrigada, assim, eu não sabia o que fazer.

— Vamos lá, Ziva. Agora que Sophie já foi apresentada a todos nós, e como ela gosta muito de você, acho que você deveria ir. – Jimmy disse ao meu lado.

Pensei na possibilidade, se tudo tivesse muito ruim, pelo menos teria Sophie lá, e ela jamais deixaria ninguém se sentir excluído.

— Tudo bem, eu vou.

— Isso é muito bom, dá para dividirmos a viagem se formos de carro, ou podemos comprar passagens de avião para o mesmo voo. – Abby começou a fazer planos.

— Vocês já pararam para pensar que o namorado da Kelly é rico e que a família dele tem um jato particular? Talvez ele nos dê uma carona. – Tony falou.

— Não sabia que o namorado da Kelly era rico! – Falei sem pensar.

— Ah, ele é. Família de políticos e fazendeiros do Texas. Eles têm muito dinheiro. – Abby enfatizou a palavra muito.

E depois daí eles começaram a planejar outras coisas, entre elas, o aniversário de Kelly.

— Me pergunto quando será o aniversário da ruivinha? – Tony disse de uma hora para outra.

— Isso é fácil de saber, é só pegar o registro de nascimento dela. – Abby disse, já olhando para McGee como que mandando-o a fazer isso.

— Não acho certo. Por que não perguntar para a menina? – Falei.

E os três me olharam. Eles não tinham pensado nessa possibilidade.

— Bem, eu vou fazer isso! – Tony disse e mais uma vez ele deixou escapar o quanto ele já se importava com a Sophie.

Depois disso, a conversa fluiu para outros assuntos, e quando já estava tarde, pedi a minha conta e os quatro me acompanharam.

McGee deu carona para Abby e Jimmy, assim, ficamos eu e Tony para trás. Ele, silenciosamente, caminhou ao meu lado até que cheguei no meu carro.

— É... Ziva... – Ele começou incerto e era a primeira vez que eu via Tony hesitar. – Muito obrigado por não falar nada no bar quando Abby tocou no assunto de Sophie.

Foi involuntário não sorrir para ele.

— Sem problemas, apesar de que eu não entendo o porquê de você não falar os motivos pelos quais você gostou tanto da Sophie.

— Talvez porque tudo o que eu disser, eles não irão acreditar. Para eles eu sou incapaz de gostar de alguém de verdade. – Ele me olhou no fundo dos meus olhos e eu me vi prendendo a respiração.

— Acho que você deveria dizer a verdade, Tony. Não há mal algum em querer proteger a Sophie de tudo. Apesar de que, eu tenho certeza de que quando ela crescer, ela será bem capaz de fazer isso por ela mesma, o Pingo de Gente meio que desperta esse sentimento na gente, porque ela se importa de verdade conosco como pessoas, não com o que somos. – Falei. Eu estava sentada no capô do meu carro, Tony estava escorado ao meu lado.

- Então foi assim que ela te conquistou? Ela viu além da ninja? – Ele me perguntou, tentando ler as expressões em meu rosto.

Não tinha motivos para mentir.

— Ela viu além da mulher estranha e toda machucada que estava parada no meio da sala de estar do apartamento onde ela morava, Tony. Ela me perguntou de primeira se eu estava bem, e não quem eu era ou que estava fazendo ali. E Sophie foi a única pessoa que já me pegou de surpresa, desde que eu terminei meu treinamento no Mossad.

— E como ela fez isso? – Ele estava genuinamente curioso.

— Ela me abraçou quando nem eu sabia que precisava de um abraço. Ela realmente me fez perceber que eu era bem-vinda ali. Que alguém se importava comigo. – Eu parei, antes de me mostrar fraca. - Sophie me mostrou como um sentimento era importante. Como se importar com o bem estar dos outros que estão à sua volta era importante.

Tony não disse nada, apenas olhava para o muro à sua frente.

— Quantos anos ela tinha mesmo?

— Três e alguma coisa.

— Se com três anos ela desarmou uma agente do Mossad, imagina o que ela não está fazendo agora com um Marine Rabugento, tendo cinco anos?

— Gibbs vai ter que ser forte.

— E você conseguiu ser? – Ele me olhou nos olhos de novo.

— Não. Ainda mais quando ela me chamou de tia...

Tony me sorriu e se desencostou do carro.

— Até segunda-feira, Ziva David, bom descanso. – Ele falou e para minha surpresa, me deu um beijo no rosto e foi em direção ao carro dele.

Tony, sem eu perceber, tinha me interrogado, e conversando sobre Sophie, acabou por descobrir minha maior “fraqueza”. Sentimentos. Eu nunca soube como fazer quando as pessoas têm sentimentos, sejam quais forem, e sou ainda pior quando estes sentimentos são direcionados a mim.

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Eu fiz questão de deixar Jethro à sós com Sophie. Ele tinha muito o que descobrir sobre ela, e minha miniatura tinha o direito de poder contar para o pai tudo sobre a vida dela, mesmo que de forma atrapalhada. Assim, eu deixei os dois sozinhos na sala, e fui para meu escritório, pouco depois, Kelly entrou.

— Aquilo lá tá muito fofo. Tão fofo, que papai nem me notou passando! – Ela falou feliz.

— Era o que Sophie mais queria quando eu disse que nos mudaríamos para cá.

— Sabe, Tony me contou que papai não sabia da Sophie. Outro dia, Ziva fez a mesma suposição, e vendo como ele está olhando para ela, com medo de que ela seja só um sonho, que ela vá sumir com o raiar do dia, eu acabo por me sentir culpada por não ter dito nada, por ter seguido com a minha vida e deixado para lá.

— Cheguei a pensar assim durante esse dia, Kelly. Principalmente quando vi Jethro vendo Sophie pela primeira vez, me senti verdadeiramente culpada. Porém, talvez se ele tivesse ficado sabendo sobre ela antes, se ele a tivesse visto crescer, poderia ser, de alguma forma, ruim para os dois. Eu não sei nem como começar a pensar em como seria, eu em Londres e ele aqui, e Sophie tendo que viver indo e vindo nos últimos anos. Talvez não fosse possível que nos acertássemos, talvez ela quisesse ficar só com um de nós. Eu não sei. Sei que ambos perderam, e muito, por estarem separados, mas não tem como remediar mais. Eles vão começar do zero, a partir daqui.

— Papai começa do zero. Sophie sabe uma ou outra coisa sobre ele.

- Sim, ela sabe. E isso é o que mais o espanta. Quando ela o reconheceu eu consegui ver a incredulidade no rosto dele. E a cada nova pergunta ou informação que ela solta, ele faz a mesma feição.

— Eu queria ter visto a cena do encontro dos dois... sempre sonhei com isso. Mas me contentei com o que vi na sala do esquadrão. – Kelly disse abraçando os joelhos.

— Não foi uma cena fácil de se ver, Kelly. Mal sabíamos se iríamos encontrá-la viva...

— Foi ruim assim?

— Foi. O medo que eu tive de perdê-la foi real. – Afirmei. – Quando a jogaram naquele buraco, eu não fazia ideia da profundidade, e eu temi por ela.

Kelly assentiu. E resolveu trocar o foco da conversa.

— Falando sobre momentos difíceis... vocês dois conversaram?

Ia respondê-la, porém, fomos surpreendidas pelo som de duas gargalhadas vindas da sala. Eram Jethro e Sophie que riam de algo. O som das duas risadas juntas era tão novo para mim, que não resisti e fui até lá para ver. E aquela cena, de Sophie no colo de Jethro, ele com um braço protetoramente em volta dela para que ela não caísse, e os sorrisos que refletiam nos olhos foi tão linda que eu quis poder gravar para sempre. Kelly pareceu perceber a minha vontade e me trouxe a câmera.

— Você sempre foi boa em tirar fotos quando as pessoas não estão olhando...

E assim o fiz, eu consegui registrar o momento. Dei uma olhada no visor da câmera e depois para os dois. A foto era só uma parcela do que meus olhos viam, mas serviria para eternizar o momento. Antes de voltar para o meu escritório, vi que Noemi também tinha vindo ver a cena, e assim como eu sorria em ver pai e filha finalmente reunidos.

Jethro notou nossa presença, mas preferiu não falar nada, perguntando para Sophie se tinha mais alguma coisa que ele deveria saber. Ela pensou um pouco e disse que sim, que aquele apartamento não era a casa dela, daí eu parei de ouvir, voltei minha atenção para a mais velha das meninas Gibbs e Kelly tinha cara de choro.

— O que foi?

Ela limpou as lágrimas e deu de ombros, fingindo não ser nada.

— Kelly, você não me engana...

— Fazia tempo, sabe... muito tempo desde que eu o vi tão feliz. Isso é bom. Agora sou eu quem tenho que conversar com ele e pedir desculpas...

— Você não tem que pedir nenhuma desculpa, Kelly. Não cabia a você fazer nada. Era o nosso problema e nós dois fomos teimosos demais para tentar resolver.

— Mesmo assim não apaga o fato de que eu sabia, e tive condições de contar para três pessoas que não precisavam saber, contudo não contei sobre a minha irmã para a pessoa que tinha mais interesse, que tinha o direito de saber.

— Kelly, Henry e seu avô foram pessoas às quais você buscou ajuda, precisava desabafar enquanto Jethro não queria conversar. Quanto à agente Todd, bem, ela era a sua amiga, uma pessoa que ajudou a te acalmar quando eu não estava presente. Pelo que ouvi, Kate te ajudou sem nem perguntar quem eu era ou o motivo de você estar pedindo uma ajuda tão estranha. Ducky me mandou um e-mail dizendo que Kate simplesmente se colocou no lugar de Sophie e te ajudou. Ela ajudou a minha filha e eu nunca pude agradecê-la como deveria. E quando você mostrou a ela a foto de Sophie, eu não tenho dúvidas que ela viu semelhanças entre vocês. Até mesmo Ziva viu, quando te encontrou pela primeira vez... contar à Todd sobre Sophie foi inevitável.

— Eu queria que a Sophie e a Kate tivessem se conhecido. Eu sei que elas seriam amigas de primeira, assim como foi com a Abby.

— Sophie tem o estranho dom de saber quando uma pessoa é boa e quando não é. Você tinha que ter visto como foi quando ela conheceu Ziva.

— Eu fiquei passada quando ela chamou a Ziva de tia, achei que a israelense iria decepar a cabeça dela com uma faca! – Kelly falou horrorizada.

— Sophie tem Ziva nas mãos dela. Assim como tem Tony também.

— Tá aí uma coisa que eu não entendi. Como ela pode se apegar ao Tony? Justo ele? Ele é um playboy metido...

— Tony não hesitou em pular no buraco para tirá-la de lá, Kelly. E foi super cuidadoso com ela até que ela estava segura do lado de fora. Além disso, Sophie deve ter visto por trás dessa fachada de playboy que ele tem. Ela conseguiu ver isso, exatamente como seu pai fez.

— Papai falou que uma criança atrai a outra.... – Kelly fez um bico.

— Isso também é verdade. Mas ali, naquela equipe, eles não precisam de uma criança para agirem como uma.

— Unh... vejo que essa carapuça também me serviu... – Ela brincou e se levantou.

— Vai aonde? Já está com saudades do seu pai? Ou é ciúmes?

— Só queria ver se ele está longe... parece que estão no quarto dela.

— Isso não é bom. O que você quer saber...

— Vocês dois se acertaram? – Ela me perguntou de supetão.

— Diria que conversamos, que sabemos que temos muito o que resolver. Mas vamos tentar, por nós e por vocês duas. – Fui honesta.

— Vocês vão mesmo tentar? – O sorriso de Kelly era imenso.

Tive que respirar fundo para não falar besteira.

— Vamos.

— Então eu não viajei na maionese quando eu vi os olhares que vocês trocaram na sala do esquadrão? Eu não imaginei que vocês eram um casal em Londres e Paris! Vocês realmente foram algo e vão tentar ser algo mais?

— Sim. Nós fomos algo, Kelly, ou Sophie não teria nascido. E ainda temos que nos acertar para podermos afirmar que estamos juntos de novo, ou pela primeira vez, não sei ao certo.

— Eu vou ser obrigada a deixá-los a sós nessa noite... – o sorriso no rosto de Kelly não era nada inocente e eu tive que conter a minha vontade de rolar os olhos.

— E vai fazer o que?

— Henry já deve ter chegado de NY. Tenho que contar as novidades para ele e tenho que procurar Mer e Maddie para ver se elas vão conseguir ir à minha formatura. Ou seja, vou sair depois do jantar.

— Aproveita que estamos no clima de família e chame Henry para jantar.

Kelly parou, levou a mão até o rosto, mordendo a ponta do dedo...

— Melhor não. Ele já morre de medo de papai, e de você também. Isso separados. Imagina o que vai virar se ele tiver que jantar com vocês dois juntos... Eu amo meu noivo, Jen, mas isso ainda é muito para ele. Além do mais, tem alguns meses que ele não te vê e nem à Sophie. Ele vai querer mimá-la com presentes e papai vai odiar!

Tive que reprimir um sorriso diante da naturalidade com a qual Kelly falou a palavra noivo.

— Falando em noivo... será na semana que vem que vocês vão dar a notícia do noivado?

— Sim. E eu vou deliberadamente usar a minha irmã mais nova como escudo para Henry. Com ela presente, papai não vai atirar nele. E eu conto com a sua ajuda nisso...

— Eu não foi encobrir ninguém. – Brinquei com ela e Kelly fez uma cara de desespero tão grande que tive que informá-la que se tratava de uma brincadeira.

— Sabe Jen... desde o início do meu namoro, lá em 98 que você está sempre filtrando as notícias para papai... nem sei como te agradecer.

— Sendo feliz já me basta. – Respondi sincera.

— Sophie pode ser a minha daminha de honra, não pode?

— Você tem certeza disso? Ela pode ser bem bagunceira às vezes, ou pior, pode soltar alguma das pérolas que sempre solta.

— Mesmo assim, eu quero. Quero ver aquela ruiva toda linda em um vestido de daminha... – Ela divagou. – E você de madrinha!

— Eu?! Madrinha?

— Sim, quem mais seria? Acabei de te falar que você é quem segurou as pontas em muitos momentos comigo, principalmente quando eu achei que estava grávida.

— Você sabe que isso vai passar pela cabeça do seu pai, não sabe?

— Sei. Vai ser a primeira coisa que ele vai perguntar. E eu posso afirmar, ele não terá netos nem tão cedo. Depois daquele susto... eu estou prevenida! – Ela me afirmou.

— Espero que seja verdade, vai ser estranho ter um bebê chamando a minha filha que só tem cinco anos de tia...

Kelly riu alto.

— Acho que papai enlouqueceria... – Ela falou depois de um tempo.

— Por enquanto sim, mas um dia ele vai te pedir.

— Não imagino esse dia chegando não.

— Você vai ver.

— Tudo bem, você venceu. Contra esse sorriso aí, eu não aposto nada! – Ela se rendeu. – Vou ver se o jantar já está pronto, Henry já está me mandando mensagens para irmos.

— Tudo bem, vá lá. Eu vou dar um banho na sua irmã.

— Boa sorte para tirá-la de perto de papai. Ouvi dizer que ele tem um imã para ruivas... – Ela brincou.

— Acho que é o contrário. As ruivas é que são um imã para ele. – Falei indo em direção ao quarto de Sophie.

Alguns passos antes da porta, parei para escutar o que os dois conversavam. Jethro tinha perguntando alguma coisa sobre o que era o favorito de Sophie. Presumi que ele perguntava sobre algum brinquedo ou alguma das miniaturas.

Vi Sophie ficar de pé na cama dela e pegar os dois porta-retratos que ficam no criado mudo ao lado da sua cama.

É claro que seriam aqueles.

Cheguei um pouco mais perto, só para escutar Sophie se explicando. Jethro parecia estupefato com o fato de a filha ter escolhido duas fotos. E depois começou a perguntar quando era o aniversário dela. E Sophie fez hora para responder. Ela falou do de Kelly, do meu, do dele. Divagou sobre quando seria os aniversários daqueles que formavam a equipe de Jethro. E só depois que ele insistiu novamente que ela disse. E eu sabia, era uma data que ele jamais esqueceria.

Foi nessa hora que entrei no quarto. Eu realmente precisava dar banho na pequena e eles ainda teriam muito tempo para conversar. Quando eu terminei, Jethro ainda estava ali, sentado no mesmo lugar, com o álbum de Sophie no colo.

E assim que ela saiu, vi que ele passou a prestar atenção nos cabelos da filha. Realmente era uma pena que os tivessem cortado, antes estavam batendo no meio das costas, agora não passavam dos ombros.

Kelly entrou na conversa, depois que Sophie explicou que queria um cabelo comprido igual ao da Anastácia. Era hora de parar a conversa, senão ainda teria que assistir a esse desenho hoje.

Jethro não gostou que eu interrompesse, mas entendeu que, além da hora da janta, ninguém queria ver desenho animado hoje, por mais que Sophie amasse cada frame dele.

O jantar foi tranquilo, a ruivinha já demonstrava todo o cansaço que estava, levá-la para escovar os dentes foi mais fácil do que previ, e achei que Jethro poderia colocá-la na cama, caso ele quisesse.

E não deu outra, ele apareceu no corredor com ela nos braços, Sophie já quase adormecida com a cabeça em seu ombro.

— Quer fazer as honras? – Perguntei e ele não acreditou que no que eu disse,

- Posso? – Ele me questionou, incapaz de esconder o sorriso.

Eu dei um beijo na testa da minha filha e pronunciei as palavras que falo desde que ela estava na minha barriga:

— Eu te amo e nunca vou sair do seu lado, ruiva. Boa noite.

Sophie me respondeu como sempre, dessa vez com um toque de sono:

— Te amo mais, mamãe. Boa noite.

Assim, Jethro entrou no quarto, e ajeitou a filha na cama, vi ele ficar confuso quando se deparou com o Mushu e o Mike Wazowski. Eu quis rir da cara dele, mas indiquei que era para deixar os dois. Assim ele fez e depois de beijar o topo da cabeça dela, ainda ficou ali, sentado, esperando ela cair em sono profundo.

Eu me escorei na porta e tentei gravar essa imagem em minha memória. Quando ele se levantou, Sophie, mesmo com sono, o pegou pela mão e disse as quatro palavras que acabaram por conquistá-lo ainda mais:

— Eu te amo, papai.

Jethro ficou sem acreditar no que tinha ouvido. Eu pude vê-lo sem reação e isso era raro. Demorou um tempo, ele ficou ali, olhando para a caçula, vendo-a dormir, até que disse:

— Eu também te amo, Ruiva. E é muito bom saber que você é mais do que um sonho.

Eu tive que esconder a lágrima que desceu por minha bochecha quando ele caminhou para a porta.

— E então? – Perguntei assim que ele parou do meu lado.

— Tem certeza de que ela só tem cinco anos? – Foi a resposta atônita que recebi.

Eu ri.

— Sou suspeita para falar, Jethro.

Ele ainda hesitou, olhando para a porta, como quem queria voltar lá para dentro e ficar velando o sono da pequena.

— Ela não vai sumir, Jethro, amanhã, logo cedo, ela vai levantar perguntado por você, aposto meu cargo nisso. Acho que ainda temos algumas coisas para conversar, não temos? – Falei para poder garantir que eu não tiraria Sophie de perto dele.

— Sim, ainda temos. – Ele me olhou de volta.

— Procurando alguma coisa? – Fiquei sem graça com o olhar insistente dele.

— Ela se parece mais com você.

— Só está falando isso por conta da cor do cabelo. – Falei me encaminhando para a sala.

Ele me parou com uma mão em meu pulso, me fazendo virar para encará-lo.

— Não. Ela tem mais de você do que de mim... mas não ligo.

— Espere para ver a personalidade dela... você vai se ver nela muitas vezes.

— É mesmo? – Ele pareceu genuinamente feliz em ouvir isso.

— Sophie toma conta das pessoas da mesma maneira que você faz. A única diferença é que ela adora abraçar para trazer conforto, algo que eu sei que você não faz muito.

— Mais alguma coisa? – Ele finalmente soltou meu pulso e enlaçou minha cintura enquanto cruzávamos o corredor.

— Tem outras, muitas outras... mas vou deixar para você descobrir, assim como foi comigo. – Sorri para ele.

— Algo que eu não vá gostar? Por favor, me diga que ela não puxou a sua péssima mania de gostar de sapatos.

Mordi o lábio inferior ao encará-lo.

— Jen, não faça essa cara.

— Que cara?

— Essa de que você sabe de algo do qual eu não vou gostar. Eu me lembro muito bem desse meio sorriso estampado no seu rosto quando estávamos na Sérvia. Depois que eu te pressionei, você acabou me falando que Kelly estava namorando. O que Sophie puxou de você?

— Sabe aquele vestido que eu usei no jantar de comemoração à formatura de Kelly há algumas semanas e do qual você tanto gostou?

— Sim, eu realmente gostei. – Ele falou sem nem ficar vermelho.

— Foi Sophie quem escolheu toda a minha roupa. Dos sapatos até como eu fui com meu cabelo. E ela vem escolhendo a minha roupa para o trabalho quase todo dia... Sua filha é uma pequena fashionista.

— Tudo menos isso. – Ele gemeu.

— E foi ela quem escolheu o vestido de Kelly para a formatura...

Jethro escondeu o rosto nas mãos.

— De todas as suas qualidades e defeitos, ela tinha que puxar exatamente esse? Por que ela não ficou só com as qualidades? – Ele disse chateado.

E me foi impossível de não provocá-lo.

— Ora, Jethro, pense bem, pelo menos sua filha não vai sair de qualquer jeito por aí.

— Esse é o ponto, Jen. Sophie vai levar o dobro do tempo para se arrumar toda santa vez que for sair...

— Se serve de consolo, ela é bem mais rápida do que eu no quesito escolha.

— Uma boa notícia, pelo menos. – Ele escorou a cabeça no sofá e olhou para o teto. – Onde está Kelly?

— Saiu com o Henry. Eu o convidei para vir jantar, mas ela disse que encarar a nós dois ao mesmo tempo era demais para ele.

Jethro deu um sorriso de lado e me olhou:

— Você perdeu quando eu o conheci.

— Fiquei sabendo que foi em um restaurante, na presença da família dele.

— Mais tarde ele foi lá em casa.

Foi a minha vez de me escorar no sofá e encarar o teto.

— Pelo que Kelly me contou, ele ficou quase dois meses sem nem passar na rua de vocês, o que você vez para assustar o garoto, Jethro?

— Só fiquei limpando a minha arma...

— Só? – Eu ri. – Ele sabe que você foi um atirador de elite e você diz ? Ele deve ter ficado apavorado!

— Nem falava direito.

— Coitada da Kelly. E hoje? Como você está tratando seu genro?

— Ele tem sorte de estar vivo.

— É mesmo. E por quê?

— Porque eu estava muito cansado para pensar em matá-lo quando voltei da Rússia, Kelly acha que eu não sei que ele estava escondido dentro do guarda-roupa...

— Então você sabia que ele estava lá? – Me sentei normalmente e o olhei.

— Ah, então ela ainda te conta essas coisas?

— Contou. E eu nunca acreditei que você tinha perdido a presença dele dentro daquele quarto. Se isso servir para alguma coisa, é claro.

— Não perdi. O carro dele estava parado do outro lado da rua, Jen! Tinha dois copos na mesinha de centro da sala. Eu não sou cego. Só não quis brigar com a Kelly.

— E ela aprendeu a lição, pelo que me contou ela não levou mais o Henry para passar a noite...

— Mas eu quase voltei no quarto dela e joguei o moleque pela janela... – Ele se arrependia genuinamente de não ter feito isso.

— Ainda bem que não fez, Kelly te odiaria por isso...

— A história de Sophie ter batido nele é verdade? – Ele me perguntou, interessado até demais no fato de que agora ele tinha uma aliada para fazer da vida de Henry um inferno.

— Sim. Ela deu um tapa na parte de trás da cabeça dele, no meio do aeroporto de Heathrow. Henry a olhou mais assustado do que nunca.

— Essa é minha garota... - Jethro sorriu.

— Sua garota bagunceira... – Falei.

— Ela apronta tanto assim?

— Só quando está cheia de açúcar... mas me colocar em saia justa é com ela mesma. – Afirmei.

— Notei... então quando ela fala “mamãe”...

— Pode ter certeza de que lá vem uma bomba.

— Eu ainda não consigo acreditar que ela é real...

— Por quê? Ela está bem ali no quarto. – Curiosa como sou, tive que perguntar.

— Eu sonhei com ela, Jen. Por todos esses anos, ela virava e mexia aparecia nos meus sonhos, me perguntando o porquê de nunca a ter conhecido...

— Jethro, eu não posso mudar o passado, mas vocês têm tempo. Ela só tem cinco anos, e a cada dia descobre algo novo... e ela não vai te deixar de fora.

— Mas tem tanta coisa que eu não sei? E nem sabia a data do aniversário dela! Eu não sei de quais desenhos ela gosta, qual é a cor favorita, qual foi a primeira palavra que ela falou, com quantos anos andou... Eu perdi tudo isso!

— Eu vou deixar algumas perguntas para ela responder, é divertido vê-la explicar as coisas. Quanto à primeira palavra, foi “mama”, e ela falou no dia dos namorados de 2001. Papai virou “babaia” e veio logo em seguida, ensinar papai demorou um pouco. Kelly sempre foi Kell, depois virou Kells. Ela tinha grande dificuldade de falar a letra “r”, assim, irmã, virava imã. E você era o papa, ou quando ela queria falar o seu nome saía “Jetho”. Ela andou no aniversário de um ano, estávamos na EuroDisney. Ela estava vestida de Minnie e eu tinha conseguido tirar uma foto dela do lado da verdadeira Minnie poucos segundos atrás, e decidi que era hora da mamadeira. Sophie acabou de mamar e eu a sentei na toalha que tinha estendido debaixo de uma árvore. Dois segundos depois ela se levantou e deu quatro passinhos, caindo sentada, não desistiu e se levantou, dando mais seis passinhos e caiu de novo. – Contei.

Ele me encarava, creio que tentando visualizar tudo.

Jetho? Babaia? – Ele falou depois de algum tempo.

— Sim. Demorou que ela aprendesse Jethro. Não sei porquê... Mas era fofo, ela olhava sua foto e dizia “papa” e quando alguém perguntava o nome do pai, ela sempre apontava para a foto e falava “Jetho”... – Falei nostálgica.

— E quanto a peça em que ela foi a Fadinha? Ela parece orgulhosa de ter feito esse papel...

— Eu não vi ao vivo, foi quando me mantiveram presa no Cairo. Sei que era uma adaptação infantil de “Sonho de uma Noite de Verão” de Shakespeare. Noemi me contou que ela era a única criança com cabelos vermelhos naquele palco, e que foi uma fofura. A escola gravou toda a apresentação, fui ver com ela nas nossas noites de sexta. Foi difícil, porque ela cismava de comentar por cima da fala dos outros personagens, sempre impaciente para que chegasse a vez dela de se apresentar... Me arrependo profundamente de não ter podido ir. Eu ensaiei com ela por um bom tempo, e ela estava com todas as falas decoradas. – Suspirei em pesar.

— Quanto tempo você ficou lá? No Cairo? – Ele pegou a minha mão.

— Quase quatro meses. Foi o maior tempo que eu fiquei separada dela. E foi péssimo para nós duas. – Tive que conter a vontade de chorar. – Quando voltei, fiquei com ela no meu colo por quase o dia todo. E ela também não queria me soltar. Depois vivia me perguntando se eu iria deixá-la de novo. Cheguei a considerar sair do NCIS depois disso, mas aí veio a promoção para Vice-Diretora Internacional. Eu continuaria viajando, mas estaria de volta em pouco tempo.

E me surpreendendo, Jethro me puxou para perto dele e me abraçou pelos ombros, minha cabeça vindo a descansar no ombro esquerdo dele.

— Você me falou que ela teve que ficar hospitalizada quando ela nasceu. O que aconteceu? – Ele queria saber de tudo, dos mínimos detalhes que havia perdido. Instintivamente levei minha mão até a cicatriz que tinha no abdômen.

— Eu estava de oito meses e em uma tocaia dentro do carro. Eu só precisava de uma foto de um traficante de pessoas e pronto, mandaria minha equipe vir pegá-lo. Eu não vi o atirador, quando vi, o vidro do para-brisa se estilhaçou e eu senti algo quente, levei minha mão na minha barriga, sangue escorria de lá. Só tive tempo de ligar para a linha segura, eu não estava acordada quando ela nasceu. Foi uma cesárea de emergência. Para me salvar, tiveram que tirá-la e ela foi para a incubadora, na UTI Neonatal. Eu acordei dois dias depois, e não a senti aqui – Apontei para minha barriga, - entrei em desespero, achando que ela havia..., bem, me disseram que ela estava bem, que tinha se ferido, mas estava bem e crescendo e ficando mais forte a cada dia. Só pude vê-la depois que passei por exame detalhados, mas posso me lembrar até hoje, ela era miudinha no meio da incubadora, enrolada em um cobertor rosa. Não era para isso ter acontecido, mas Natalie, a enfermeira, tirou ela lá de dentro para que eu a segurasse. Nunca achei que fosse possível amar tanto uma pessoa como naquele momento. Contei os dedos dos pés e das mãos e notei que ela tinha cabelo castanho avermelhado e quando ela me olhou pela primeira vez, ela tinha os seus olhos, um par de olhos azuis idênticos aos seus. – Olhei para ele pela primeira vez desde que começara a contar sobre o nascimento de nossa filha. – Ela tinha um curativo no braço esquerdo, se ela não estivesse naquela exata posição dentro do meu ventre, eu teria morrido, Jethro. Sophie salvou a minha vida, da mesma forma que você fez na Sérvia. – Eu não consegui não chorar e ele me apertou mais forte, beijando a minha testa, já que não tínhamos desviado os olhos um do outro e, protetoramente, sua mão veio a ficar na minha barriga, como se ele soubesse que era ali onde estava a cicatriz.

— Eu sinto muito por ter sido um teimoso que não abriu a carta, que não ouviu o que você tinha a dizer, Jen. Isso custou muito a nós três. – Ele falou contra a minha testa.

— O importante é que ela está aqui, Jethro. E que vocês se conheceram, apesar de tudo.

— Você que a conhece melhor, acha que ela vai me aceitar na vida dela que ela...

— Vai respeitar a sua autoridade de pai? – Completei.

Ele balançou a cabeça.

— É claro que vai, Jethro. Ou então eu fiz um péssimo trabalho nos últimos cinco anos.

— Você não fez um péssimo trabalho, Jen. É só olhar para ela, para tudo o que ela sabe, para como ela conversa conosco, para saber que você fez um ótimo trabalho. Eu te disse isso, não disse? Que você seria uma ótima mãe?

E eu voltei no tempo... ele realmente dissera algo assim.

— Sim, você disse. – Inconscientemente me escorei mais nele.

— Sophie só tem um defeito... – Ele falou.

— O sotaque britânico? – Perguntei segurando a risada.

— Sim, o sotaque britânico... é até irônico que a filha de um Marine e da Diretora do NCIS tenha sotaque britânico. – Ele disse fingindo uma incredulidade ímpar.

— É a americana mais inglesa que eu conheço.

— Logo, logo ela perde esse sotaque. – Jethro falou esperançoso.

— Se você está dizendo...

— Por que você não cortou?

— Era difícil. Escola inglesa, professora inglesa, ela morando em Londres, ouvindo esse sotaque durante todo dia... não tinha muito o que fazer... e ela virou membro da Realeza... – Dei de ombros.

— Ela vai perdê-lo um dia, e eu vou sentir falta... – O sorriso perceptível na voz dele.

— Eu também, assim como sinto falta de cada fase que ela já passou, até mesmo dela bebezinha, só não sinto falta de ficar com cheiro de leite azedo.

Jethro riu do meu comentário.

— Ela chorou muito?

— Sim, só não chorava em um único lugar, outra manifestação pura do seu DNA... – Falei.

— Onde?

— Dentro do avião, é entrar dentro de um e Sophie apaga como se tivesse tomado um remédio para dormir, e eu passo o voo inteiro acordada sem ninguém para conversar.

— E você deve se sentir péssima, já que tem a necessidade de falar... e isso, Sophie herdou de você.

— Deus me livre ter uma criança emburrada e calada dentro de casa! – Disse ofendida.

— Não sou emburrado!

— Não?! – Olhei para ele. - Tem certeza? Eu morei do seu lado por quase dezoito meses e tinha dia que você mal abria a boca! Jethro, você está mentindo para si mesmo, porque a realidade é muito diferente!

— Mas é claro que eu ficava calado, você não me deixava falar! – Ele se defendeu.

— Eu?! – Olhei para ele com a pior encarada que tinha e Jethro tinha um sorriso vitorioso nos lábios.

— Ah, não! Eu não acredito que caí nessa, de novo!! – Me soltei dos braços dele e me levantei. – Você não vai fazer isso comigo nunca mais!

E ele gargalhou!

Eu estreitei meus olhos na direção dele, o problema é que não era o que eu falava, era como eu reagia ao que ele havia acabado de fazer. Tudo o que Jethro queria era me irritar e ele sempre fazia isso e depois ficava rindo de como eu estourava fácil, de como minhas bochechas ficavam da cor do meu cabelo... e era exatamente assim que eu deveria estar agora, a julgar pelo sorriso e pelo olhar dele.

— E as bochechas vermelhas voltaram... – Ele comentou se levantando.

— Fora! – Eu tentei mandá-lo embora. Mas a minha tentativa era tão fraca que ele se limitou a levantar a sobrancelha e rir de lado.

— Não. Você me falou que minha filha vai me procurar pela manhã, vou ficar. – Ele estava ficando perigosamente perto de mim.

— Eu te ligo quando ela acordar, ela vai entender que você foi dormir, já que ela adora dormir. – Quando acabei de falar ele estava invadindo o meu espaço pessoal. Ele adorava isso. Dei um passo para trás e esbarrei na poltrona.

— Tchau, Jethro. – Tentei mais uma vez fazê-lo ir embora.

— Olhe bem para mim e me responda: você realmente quer que eu vá embora? – Ele pegou meu queixo e levantou o meu rosto até que nossos olhos estivessem na mesma altura. Eu olhei por sobre o ombro dele. – Jen? – A voz dele me deu arrepios, eu já o ouvira assim, com esse tom de voz perigoso e rouco. E se eu não soube resistir daquela vez, não seria capaz de fazê-lo agora.

— Merda! – Xinguei meu fraco autocontrole que não resistia quando se tratava de Jethro e seus malditos olhos azuis e seu jeito de chamar o meu nome. Pelo canto do olho, vi que ele tinha um sorriso presunçoso no rosto. E só tinha uma coisa que eu poderia fazer para tirar dele a sensação de que tinha ganhado nosso joguinho. Olhei no fundo dos olhos dele, fingi que iria me afastar dele, Jethro, imediatamente, prendeu minha cintura com mais força e era isso que eu queria, pois assim seria mais fácil de prender o rosto dele em minhas mãos e beijá-lo. Ele foi pego de surpresa. Ficou alguns segundos sem reação, até que me correspondeu com a mesma paixão que eu o beijava. Terminei o beijo quando eu quis e, com um sorriso presunçoso que imitava o dele quando ele achou que tinha ganhado, falei:

— Não se esqueça, na nossa guerrinha particular, Jethro, eu sempre ganho.

— Mas não mesmo! – Ele disse e tentou me arrastar para o quarto, beijando o meu pescoço.

— Silêncio. Tem uma criança nesse apartamento, Jethro. E eu não quero que a nossa filha acorde.

— Eu tranco a porta. – Foi o que ele respondeu.

E eu torci para que esse foi o nosso recomeço de verdade.