Acordei com a maior das dores de cabeça. Se eu tivesse bebido, acho que não estaria doendo tanto. Fiz menção de me levantar, mas dois braços me impediram.

Novamente eu dormira fazendo Jethro de meu travesseiro particular. Na verdade, eu nem lembro quando caí no sono. Lembro de chorar e de escutar algumas palavras que foram sussurradas contra meu cabelo.

— Conseguiu colocar tudo para fora? – Ele me perguntou, acariciando as minhas costas.

Respirei fundo.

— Sim. Agora eu consegui. – Me levantei, sentando-me de frente para ele.

— Um dia você vai me contar? - Ele não me obrigava a contar, era só preocupação.

— Sim... mas eu preciso de tempo, Jethro. – Não olhei para ele. Como encarar alguém quando se quer fazer algo que você sabe que ele não irá concordar nunca?

Jethro levantou o meu rosto. Eu deveria estar horrível depois de tanto choro! E me observou.

— Quando for o momento, Jen. Saiba que eu estarei aqui por você. – Ele disse como se fosse uma promessa.

— Sim, Jethro. Eu sei.

Ele entrelaçou as nossas mãos. Eu olhei de seu rosto para as o gesto que ele fazia agora com tanta naturalidade e sorri.

— Eu te devo essa explicação. – Disse por fim. – Só te peço, não me cobre.

— Não vou. – E ele levou nossas mãos até seu rosto e beijou meu pulso. Com esse gesto, meu sangue correu em minhas veias, eu tinha certeza que não demoraria e minhas bochechas ficariam vermelhas. Eu tinha que aprender a me controlar melhor perto dele.

Porém, acho que era o que ele queria, pois quando eu comecei a sentir a pele de meu rosto aquecer, ele abriu um sorriso.

Era a melhor visão para se ter pela manhã. Mas não às minhas custas...

— Isso não é justo!! – Reclamei enterrando meu rosto no peito dele.

Jethro gargalhou de verdade com o gesto.

— Eu ainda posso sentir que você está vermelha, Jen.

O bastardo estava sem camisa. Ótimo! Quando ele a tirou eu nem sei... então eu lembrei de uma coisinha...

Sentei-me na cama de novo, mantendo uma distância considerável dele. Olhei bem para ele. Na verdade, eu o encarei. Com vontade. E ele começou a ficar desconsertado.

Então levantei minha sobrancelha como se estivesse observando uma estátua, ignorando completamente o apelo mudo nos olhos dele de que eu parasse.

— Jen... – Ele começou, mas o tom de voz era de quem estava sem graça.

— Até que dá pro gasto. – Disse por fim. – Fico me imaginando como será que você era, quando mais novo... Eram muitas as líderes de torcida que babavam pelo quarterback bonitão? – Eu tinha a cabeça tombada e consegui ver o rosto dele mudar de cor em tons.

Eu tinha conseguido. Ele tinha ficado com vergonha.

— Jen... – Ele me alertou.

— Você fica muito fofo com vergonha, Jethro!! – Eu ri da cara dele.

Ele revirou os olhos e tentou me constranger de novo.

— Não... é você quem está vermelho. E eu vou....

Eu ia dizer que iria aproveitar o raro momento em que eu conseguia deixá-lo tão vulnerável, mas ele avançou na minha direção e me deu um beijo, daqueles de tirar o fôlego.

— Se você quer jogar esse jogo, Jen. Tem que ser de dois. – Sua voz rouca e seus olhos escuros de desejo me pegaram desprevenida.

Essa não era a minha intenção inicial, mas até que tinha gostado dessa virada de placar!

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— Por que toda vez que temos uma conversa séria, ou algo acontece, terminamos assim? – Questionei para mim e para ele.

— Assim como? – Ele me perguntou, sua voz abafada por ele estar deitado em minha barriga.

— Pelo amor de Deus, Jethro! – Dei um tapa na sua cabeça e tentei tirá-lo do meu colo. – Você sabe muito bem como.

Eu pude sentir o seu sorriso presunçoso.

— Aliviando a pressão...

— Não tem uma desculpa melhor, não? – O desafiei.

— Qualquer outra que eu disser você vai me deixar aqui e vai ficar observando o céu de Paris da cadeira da cozinha, Jen.

Ponderei o que ele disse. Alívio da pressão... pode até ter sido nas primeiras vezes, mas agora? Eu não tinha tanta certeza. Não quando os olhos dele diziam tanto quando me fitavam...

Resolvi ficar calada. Quanto mais eu pensava sobre nós, mais confusa eu ficava. Então fiquei acariciando as costas dele até perder a noção do tempo.

E realmente perdermos. Despertei com o som da campainha. Alguém nesse mundo não gosta dos nossos momentos de preguiça.

— Quem pode ser? – Perguntei quando ele se levantou depois de me beijar de novo.

— Qualquer um... – Ele deu de ombros. – Que não tem o que fazer! – Ele grunhiu a última parte.

Estava pronta em segundos. Chegamos perto da porta e tudo o que pudemos ver pelo olho mágico era um chapéu e um sobretudo.

Jethro me olhou, questionando se eu conhecia o homem. Dei uma outra olhada, ele não estava na nossa lista de alvos. Fiquei pensando por uns dez segundos, até que ele tirou o chapéu e uma gravata borboleta vermelha se destacou.

— É o Ducky. – Disse com animação.

— Eu acho que vou ter que deixar o Duck sem graça hoje, para ele aprender a nunca mais nos incomodar... – Jethro disse com cara feio.

— Não. Você não vai fazer com ele! – Sibilei na direção dele.

Jethro deu de ombros e abriu a porta.

— Ah, bom dia, Jethro! Bom dia, minha querida! Espero não estar atrapalhando nada. - Ducky disse à moda costumeira.

— Não atrapalhou em nada, Ducky. E bom dia para você também. – Disse antes que Jethro pudesse falar qualquer coisa que comprometesse nosso caso ou que ofendesse ao bom doutor escocês.

- Bem, estou passando para verificar se está tudo bem com vocês dois, depois de ontem... – Ducky falou olhando de Jethro para mim. Em mim, ele fixou sua mirada por um tempo maior. E, assim que as sobrancelhas dele se uniram em sinal de espanto, eu entendi a sua cara de assustado. Meus olhos ainda deveriam estar vermelhos – muito vermelhos – afora o cansaço de termos deitado quase pela manhã.

— Tem certeza, minha cara?

— Sim, Ducky, eu estou bem. Estes olhos vermelhos são por outra coisa. Sabe, aquela época do mês...

Ele compreendeu no momento em que eu fechei a minha boca.

— Então, vocês dois resolveram seus problemas?

Se Ducky queria uma resposta completa, era melhor ele dizer os parâmetros corretos. Pois havia várias conotações sobre essa pergunta dentro deste apartamento.

— Em partes, sim. Resolvemos, Ducky. – Foi Jethro quem resolveu falar por nós dois.

Mais uma vez o escocês nos encarou. Pesando as opções que ele tinha e as conjecturas de como foi realmente a nossa noite.

Mal sabia ele que o mau-humor de Jethro em nada tinha a ver com uma briga...

— Bem já que tudo parece resolvido entre vocês, algo que me deixa bem feliz, tenho as suas novas designações. – Ele disse enquanto tirava um pacote de dentro do bolso interno de seu sobretudo e o entregava a mim.

— Mas essa não é a função de Will? – Questionei assim que peguei o embrulho.

— Bem, ele ficou sabendo do que aconteceu ontem e me pediu esse favor. Creio que o pobre William não gosta muito de interromper vocês dois quando as coisas não vão bem. – Ele me respondeu com um sorriso.

Pensei no que Ducky tinha acabado de dizer... Will escutou nossas discussões enquanto estávamos em Londres. E não foi só uma vez que ele murmurou qualquer coisa como “arranjem um quarto!” e teve aquela vez na Sérvia...

— Decker só é preguiçoso. – Foi Jethro quem pôs fim à conversa. – Apenas usou de sua boa vontade, Duck.

Dr. Mallard deu uma risada e olhou com significado entre nós dois. E algo, no seu olhar, me disse que ele sabia. Ele sabia muito bem que tipo de “conversa” eu e Jethro tivemos durante a noite.

Nosso romance estava tomando proporções ainda maiores. Se isso chegar nos ouvidos do Diretor...

— Sendo assim, vou deixá-los analisando este novo arquivo. E Jennifer, mais uma vez, muito obrigado por ter nos tirado da prisão. O que, aliás, não foi reportado por nenhum noticiário e, por conseguinte, não chegou aos ouvidos do pessoal do Washington. Foi um excelente modo de consertar as coisas, minha cara. – Ele me congratulou. – Tenham um bom dia, e saibam que se precisarem, estarei há um telefonema de distância.

— Um bom dia para você também, Ducky. – Disse feliz. Eu não era uma viciada em elogios, mas foi bom ouvir um tão sincero.

— Adeus, Ducky! – Jethro cumprimentou, já saindo da sala.

— Esse mau-humor pega... – Ducky brincou comigo quando já estava colocando seu chapéu e se encaminhando para a porta.

— Acho que ele só precisa de sua dose diária de café injetado na veia! – Respondi no mesmo tom. Jethro era péssimo em esconder sua cara de quem não gostou da visita.

Ducky saiu rindo da minha resposta, e antes de desaparecer escada abaixo me avisou.

— Cuidado só para não pegar a mania dele, Jennifer. Não precisamos de dois murmurando pelos corredores do NCIS!

Fechei a porta ainda rindo. Eu não tinha visto Jethro trabalhando dentro de um escritório, mas aposto que ele deve virar uma fera acuada quando não tem um caso e o nível de cafeína em seu sangue abaixa de setenta e cinco por cento. E, para tentar melhorar o clima dentro deste apartamento, fui direto para a cozinha e fiz o café da manhã. Talvez, assim, ele passasse do mudo funcional ao Agente Especial Infiltrado....

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Escutei a risada de Jen que vinha da porta. Pelo menos para isso a visita de Ducky serviu. Achei que ela ficaria com o humor sombrio por todo dia.

Estava esperando que ela voltasse para o quarto, mas ao invés de ela voltar com a clara intenção de retomar o que estávamos fazendo antes de sermos interrompidos, ela entrou segurando duas xícaras de café e o arquivo recém recebido.

— Não adianta fazer essa cara, Jethro! Tome – Ela me entregou a xícara. Tomei um gole e acabei por queimar a língua.

— Esperto, está quente! – Ela não conseguiu fazer uma cara séria.

Apenas olhei na direção dela, sem falar nada. E isso, ao invés de repreendê-la, pareceu ter o efeito contrário.

— Vamos logo, temos que dar uma olhada nessa papelada. Depois de ontem, temos que bolar um novo plano para pegar Zukhov. – E ela esvaziou o conteúdo do envelope pardo sobre a cama, sentando-se apoiada na cabeceira com as pernas cruzadas.

Observei os dois arquivos grandes, porém, outra coisa me chamou a atenção. Jen pegava duas coisas douradas em suas mãos. E, ao mesmo tempo em que ela as encarava, notei que suas sobrancelhas se erguiam.

— Isso aqui é interessante.... – Ela disse me mostrando um par de alianças douradas.

Não que em Marselha não tenhamos usado nenhuma, mas aquelas estavam de acordo com o personagem que interpretávamos. Estas novas identidades eram para ser um casal, mas, até então, não tínhamos a prova do casamento, por assim dizer.

Peguei as duas alianças da mão dela e analisei. Não tinha nada gravado por dentro. Nenhuma data, nenhum nome.

— Isso te incomoda? – Perguntei, tentando ao máximo disfarçar a minha curiosidade.

Ela deu de ombros.

— Usamos alianças em Marselha.

— Era um fato diferente. Aqui vamos ter que ser o casal tradicional pela vizinhança e agir como parceiros nos negócios sujos.

— E o par de alianças significa que somos casados. Só isso! – Ela disse sem muita animação.

— E que quem faz negócios com um, é obrigado a fazer com o outro. – Complementei. – Parceira completa.

Ela deu um sorriso de lado.

— Então, querido, vamos ter que fingir muito bem um casamento de verdade e uma excelente parceria nos negócios. – Jen esticou a mão para pegar a aliança menor e colocá-la em seu dedo, mas, por alguma razão, eu me vi fazendo isso. Eu quis colocar a aliança no dedo anelar esquerdo dela, como se aquilo realmente significasse um casamento.

— Não vai beijar? – Ela se fingiu de ofendida, mas seus olhos eram brincalhões.

— Tenho lugares melhores para beijar do que uma aliança, Jen... – Eu disse puxando o seu braço e a prendendo em um abraço.

— E onde seria? – Ela disse em tom de flerte.

Joguei os arquivos no chão, acho que seria uma ótima hora para uma lua-de-mel bem tradicional.

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— Desse jeito não vai dar certo!! – Eu reclamei. – Jethro, nós temos que trabalhar!! E não me olhe assim!!!

Droga!! Eu tenho que aprender a dizer não a ele, mas é tão difícil negar o sentimento, a força gravitacional que emana dele e me puxa loucamente e, essa química inexplicável que temos.

— Só estamos seguindo o que eles nos disseram para sermos! – Ele fingiu uma inocência que nunca teve.

— Ah, claro! E nós dois dentro desse quarto, o dia inteiro, vamos ter notícias como? Telepatia? Vão nos dar de presente? – Eu tentava me concentrar no arquivo à minha frente, mas Jethro, que tinha se sentado atrás de mim e brincava com a barra da minha camisa – na verdade era a camisa dele, aquela velha do NIS que eu peguei em Marselha – estava me distraindo muito.

— Então vamos fazer um trato, você trabalha, Jen, e eu me divirto. – Ele disse com uma risada em meu ouvido.

— Seu divertimento impede o meu trabalho. Agora solta a barra dessa camisa e presta atenção nas informações desses arquivos. Parece que o pessoal da casa de leilões tem um novo lote para leiloar... – Falei mostrando a folha para ele.

E foi só assim que ele parou de me atormentar. Não que uma de suas mãos não estivesse apoiada em minha cintura, por baixo da blusa, mas ele tinha se concentrado no caso.

— Neste nós iremos fazer os lances? – Ele disse desconfiado.

— Você entrou no subsolo deles. O que nos espera lá? – Perguntei.

— Você só verá as armas. O tráfico de pessoas não é a sua área. – Ele disse apoiando o queixo no meu ombro.

— Parece que será um evento de Natal.... – Olhei a data em que teríamos que agir. Apenas uma semana antes do dia 25.

Jethro respirou fundo e seu aperto ficou muito mais forte em minha cintura, eu teria uma marca ali em poucas horas.

— Não gosto nem de pensar no que eles leiloarão agora. – Sua voz era fria. Tão fria que me arrepie não só com o pensamento do que seria vendido, mas pelo próprio tom usado por ele.

— Eu posso ficar do seu lado na hora do seu leilão, se você quiser, é claro... – Ofereci, não muito certa de como ele reagiria a isto.

— Você está preparada para odiar mortalmente pessoas que nunca viu apenas pelos atos que elas acabaram de cometer? – Ele me perguntou com a voz abafada.

— Não, mas acho que nem você, Jethro. Lembre-se da regra 10. Por favor. – Pedi.

— Fácil de falar, difícil de fazer. – Ele me respondeu.

— E quanto a regra 15? Você não se esqueceu desta, não é?

— Não, Jen.

— Então, como sempre temos que trabalhar em equipe, eu vou estar do seu lado, parceiro.

Tentei me virar para ficar de frente para ele, mas fui impedida, não só pelos seus braços, que me abraçavam com um aperto de aço, como por sua própria cabeça que agora estava apoiada no início de minhas costas. Eu queria ler os seus olhos, queria que ele soubesse que não estava sozinho. Mas ele mesmo me impediu de fazê-lo ao enterrar a cabeça em minhas costas.

Em Marselha fui eu quem tive que viver sobre a constante ameaça de ter que passar por cima do que eu mais prezo e acredito, quase fui até um ponto de onde eu sabia, não sairia.

Agora era Jethro quem enfrentava algo semelhante. Algo que, dependendo do que acontecesse, o acompanharia para todo o sempre, mesmo que ele negasse até o fim.

Essa missão estava nos saindo cara demais!

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Duas semanas depois de termos recebido as informações sobre o novo leilão, estávamos prontos para agir.

Passamos este tempo entre nos preparar para o que temos que enfrentar e seguir outros da mesma laia de Zukhov. Alguns acabaram presos pela polícia francesa, outros o escritório do NCIS deu um jeito, e o cerco se fechava.

A rede de Zukhov ainda estava impenetrável, mas, tendo ele perdido contatos importantes e, também, negociantes, agora seria mais fácil para agirmos de dentro.

Nossa esperança era poder encontrá-lo nesse “jantar”. Como Jen havia dito, era, de fato, uma comemoração antecipada de Natal. Fomos informados que os melhores lotes estariam disponíveis para quem pagasse mais.

Só de pensar no que eu teria que ver, já queria era mandar esse disfarce para o inferno e prender cada uma das pessoas que se julgavam acima de qualquer um para poder comprar outras vidas.

— Jethro.... – Ouvi a voz suave de Jen me chamando. Ela tinha os olhos verdes preocupados. – Está na hora....

Acenei com a cabeça concordando com ela. Não estava em um humor para conversas e ela, como sempre, percebeu isso, me deixando à sós com meus pensamentos.

Nos dirigimos para a porta, e antes que ela alcançasse, peguei o casaco dela – o mesmo que eu havia dado a ela em seu aniversário – e segurei para que ela o vestisse.

O sorriso que recebi de volta era um misto de agradecimento com o gesto e brincadeira, como ela sempre gostava de fazer. Quase pude ouvi-la me chamando de chauvinista.

A “casa de leilões” não era longe, mas para mantermos o disfarce, fomos de carro e fizemos todas aquelas cenas de pessoas ricas chegando a um evento importante.

Um falso sorriso na cara, um aceno de cabeça para alguns já conhecidos e estávamos dentro do local. Quem não sabia o que acontecia nos subsolos poderia realmente achar que toda aquela decoração sofisticada, todo aquele requinte era realmente com o intuito de fazer com que os ricos fossem abençoados com o espírito natalino e abrissem as suas carteiras e bolsas em prol dos pobres. E, ali dentro, tinha muitas pessoas que acreditavam piamente nessa fachada.

Demos uma volta pelo salão, primeiro para nos mostrarmos e segundo, para observar o ambiente. Sempre temos que ter certeza das saídas e pontos de fuga. Cada vez que passava pelos rostos das pessoas que eu sabia que haviam dado lances e comprado as crianças no último leilão no qual eu estava presente, meu aperto na mão de Jen ficava mais forte. Ela, muito pacientemente, cumprimentava o alvo de minha raiva ao mesmo tempo em que fazia círculos com o dedão no topo da minha mão, tentando me acalmar e mesmo tempo dizendo que estava do meu lado.

Em um determinado ponto da noite, me vi cercado de pessoas que nunca tinha visto, mas que tinham um ponto em comum, todos tinham interesse nas armas que vendíamos. E cada uma destas pessoas seriam muito bem identificadas e, em um futuro muito próximo, presas.

Jenny manejava cada uma delas diplomaticamente, com um refinamento e uma classe para os negócios que até pareciam naturais para ela. E como eu havia falado há duas semanas, as alianças só serviram para provar uma coisa. você faz negócio com Melissa, automaticamente, negocia com Robert também. Era um mundo estranho esse.

O leilão beneficente começou. Era até cômico ouvir os lances de certas pessoas. Para a sociedade convencional eram valores astronômicos, contudo, se estas pessoas vissem os valores que estes mesmo bondosos seres estavam dispostos a gastar mais no final da noite...

Pela caridade Jen deu alguns lances. Acabou que em um ela ganhou. Um quadro, de não sei qual artista, que retratava Paris vista do alto. Era até bonito, mas eu não sabia o que ela faria com aquilo e muito menos porque ela pagaria tão caro por ele se nas ruas havia pinturas quase idênticas.

Com o final dos objetos e, por conseguinte do leilão, a escória começou a se unir para o evento principal.

Era a hora de descer para as masmorras.

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Para quem estava odiando cada segundo dessa festa, Jethro até que estava se portando muito bem. Mesmo quando o real motivo desse encontro era mencionado, ele conseguia disfarçar e dava uma resposta vaga, mas carregada de significado sobre as possíveis compras que ele iria fazer.

Eu sei que eu deveria me manter no disfarce, mas acabei não resistindo e participando do leilão beneficente. Ali tinha certas peças que eu realmente queria muito. Acabei conseguindo uma, que com certeza sempre me remeteria a essa parte da minha vida. Minha eterna recordação da Cidade Luz e de tudo o que eu vivi aqui.

Com o fim deste leilão, o jogo começava. Depois que os civis foram embora, na casa luxuosa só restou os verdadeiros interessados, cada um com uma história pior que a do outro e uma ficha criminal mais extensa do que a do bandido ao seu lado.

Fomos encaminhados para os subsolos. Como eu tinha interesses diferentes dos de Jethro, fiquei em um dos andares inferiores enquanto ele desceu mais alguns.

Era hora de começar a ser a negociante de armas que me mandaram ser.

Os lotes foram apresentados. Armas de todos os tamanhos, calibres. Para toda e qualquer finalidade. Cada vez que uma pessoa dava um lance, eu olhava em sua direção. Tinha que confirmar se era um de meus alvos, ou se era um novo interesse para as agências americanas.

O mais interessante de se observar era que, enquanto no leilão beneficente os lances não passaram dos milhares de dólares. Aqui, os menores lances já eram na casa das centenas de milhares. Cada um tem lá a sua prioridade, e ajudar quem necessita não é a destas pessoas.

Dei os meus lances, acabei por comprar o que deveria, mas, mesmo assim, algo me incomodava. Não era a podridão desse mundo, isso eu já tinha ficado calejada de saber, era a sensação de que talvez, isso não passasse de encenação, para algo ainda maior.

Quando o meu leilão acabou, eu sabia que o de Jethro estava apenas começando, e, conversando com a esposa do anfitrião, ela me indicou o local para onde deveria ir. Minha desculpa para tamanha intrusão, eu deveria me certificar de que Robert, não levasse gato por lebre. Ela riu de minha brincadeira e se foi dizendo que tinha que tomar conta dos filhos.

Desci mais três andares, e, quando perguntei para um dos empregados onde meu marido estava, tive um sobressalto.

Saindo da porta bem ao lado de onde Jethro estava, Zukhov e Svetlana apareceram. Fiz o possível para não demonstrar o meu espanto com a presença do casal, tentei ao máximo parecer natural e rezei para não ser reconhecida, quando eles passaram por mim. Por sorte, nem me notaram, mas também, eu não era mais a mercadoria exposta para que Anatoly me comprasse.

Assim que os dois viraram a curva do caminho e saíram do meu campo de visão, abri a porta da saleta onde Jethro estava e entrei, para encontrá-lo concentrado, não no que estava à venda, ou melhor, em quem estava à venda, mas sim nas pessoas que faziam os seus lances.

Ele não esperava a minha presença ali. Mas tenho certeza que não se importou, pois assim que ele notou que estava ali, ele estendeu a sua mão na minha direção e pegou a minha, apertando forte e sussurrando.

— Se você quiser ficar de costas, será melhor. – Seu tom de voz desprovido de qualquer emoção.

Não sei porque, mas ergui o meu olhar para o lote da vez. Uma linda garota loira, com grandes olhos azuis era oferecida para quem quisesse comprá-la. Meu estômago se fechou e eu tive vontade de vomitar.

Fiz o que Jethro me disse, virei minhas costas para o vidro da sala e sentando no braço da poltrona onde ele estava, me concentrei somente nele, tentando ignorar os valores que subiam, à medida que cada um dava um lance, em um valor astronômico, para comprar a pobre menina.

Enquanto observava a testa de Jethro se vincar de ódio e raiva, eu pensei na família da garota. Em todos aqueles que, certamente, estavam procurando por ela, na mãe que rezava toda noite que a filha voltasse para casa, no pai que queria ter a sua garotinha de volta...

Quando o martelo foi batido, Jethro apertou ainda mais a minha mão. A soma era absurdamente alta e o destino da linda menina era terrível.

— Falta muito? – Sussurrei. Mesmo assim minha voz saiu alta.

— Mais três lotes.

— As coisas só pioram no final, não é?

— Sim... – Ele disse quando anunciaram o antepenúltimo lote.

Eu respirei fundo ao escutar como a nova garota era anunciada... eu precisava trocar de assunto...

— Vi Zukhov! E Svetlana! – Disse de supetão. E bem alto. Para abafar o som das ofertas.

Jethro desviou a sua atenção dos potenciais compradores e olhou para mim. Na verdade, ele me puxou pelo braço para ficar de frente para ele.

— Onde? – Sua voz era urgente.

— Bem do lado de fora, os dois saindo da cabine ao lado da sua. Finalmente eles deram as caras novamente.

— Eles te viram? Te reconheceram? – Ele parecia preocupado.

— Não. Dessa vez eu estou devidamente vestida, Jethro, não tem nada de mais sendo mostrado.... então não atraí a atenção do russo.

Ele concordou com a cabeça. Nós dois nos viramos para acompanhar os dois últimos lotes e seus respectivos lances.

Quando acabou, eu estava enojada em como as pessoas podem ser podres. Jethro tinha toda razão em ter saído revoltado do último. Isso era o pior tipo de programa ou de negócio que alguém poderia pensar em fazer.

Vimos os vencedores do leilão se encaminhando para os porões para pegarem as suas mercadorias, alguns rostos novos seriam devidamente identificados mais tarde, e, quando estávamos quase na porta do elevador, ouvimos uma voz conhecida.

Era Zukhov. Não poderíamos ser descobertos logo agora... ou nossa missão acabaria.

Melhor dizendo, se Zukhov nos visse e nos reconhecesse, estaríamos mortos, pois, com certeza, ele entregaria nossos disfarces e seríamos alvos fáceis para os demais nos caçarem.

Olhei para Jethro, até onde eu notei, não havia saída ou lugar para fugirmos. Estávamos há mais de cinco andares do nível da rua.

Ele olhou de volta para mim, a mesma expressão de concentração no rosto. Foi quando eu vi.

Um outro casal havia acabado de abrir uma porta. Eu não tinha ideia do que havia lá dentro, mas era o único lugar que tínhamos para nos esconder.

Com o intuito de cobrir o rosto dele, o trouxe para mais perto de mim e o beijei, aquele tipo de beijo que qualquer pessoa fica constrangida de ficar olhando, e o empurrei em direção à porta que estava quase se fechando.

Foi a conta... assim que o empurrei para o quarto escuro, vi o casal russo passando.

— Essa foi por pouco... – Disse à meia voz, ainda tentando ouvir a movimentação externa.

— Sim.. foi. – A voz de Jethro era, para dizer o mínimo, estranha.

— Que foi? – Perguntei sem nem olhar em volta.

— Você sabe onde estamos?

— Salvando nossas vidas? – Falei sarcástica.

— Também, mas...

Foi quando eu olhei em volta. Eu realmente olhei em volta. Na mesma hora meu rosto esquentou. Eu me senti como uma menina de quinze anos contando sobre o primeiro beijo... só que esse quarto era bem mais constrangedor do que um beijo...

— Céus!! Quem são essas pessoas?!