Minha avó ficou possessa quando eu contei que iria viajar novamente. Dentre várias coisas, disse que, pelo menos dessa vez, papai tinha arranjado uma namorada rica.

Achei exagero da parte dela. Agora ela poderia seguir com o plano dela de passar o Natal junto com aquele Almirante que ela anda vendo.

Meu erro foi falar isso para ela. Quase que a terceira guerra mundial estoura dentro dessa casa. Ela defendendo o tal Almirante e eu defendendo o meu pai e a Jenny. Ou seja, as coisas ficaram feias aqui pelos lados de Alexandria.

Porém, antes de partir – ou melhor – arrumar a mala, eu tinha duas provas para fazer. E como concentrar quando a minha cabeça estava em outro lugar? Ou melhor, em dois lugares. Eu ainda não tinha conseguido perdoar Henry sobre o pequeno segredo acerca da família dele.

Bem, com as provas de química e física devidamente feitas, eu poderia me concentrar no que mais me interessava. Tinha exatas oito horas até decolar, vai ser apertado.

Quando cheguei em casa, as malas de minha avó estavam devidamente prontas. Ela me parou na porta e me perguntou se havia algum problema se ela partisse um pouquinho antes de mim. Claramente não havia, achei que ela estava falando de me deixar mais cedo no aeroporto, mas não, ela se foi assim que coloquei os pés em casa.

Minha família é louca, é só isso que sei.

Mesmo com a falação de Meredith, que apareceu com o intuito de me ajudar, mas só estava me desconcentrando ainda mais, consegui deixar tudo certinho e devidamente conferido faltando quatro horas para a decolagem.

Dei outra conferida, só para aliviar a minha ansiedade, minha mala – essa um pouquinho maior, já que vou ficar dez dias com eles desta vez – estava acomodada no pé da escada, meu passaporte, celular e carteira dentro da bolsa e uma mala bem menor com uma muda de roupa, que eu levava em separado, em caso de algum extravio da minha mala maior, perto da porta. Faltava um táxi para me levar.

Estava com o telefone na mão, quando a campainha tocou. Como ainda tinha tempo, resolvi atender.

Era Henry. E ele vinha cheio de pedidos de desculpas.

Sinceramente, hoje? Agora?

— Henry, não agora. Eu estou com voo marcado.

— Vai para onde dessa vez?

— Ver meu pai. – Foi o que respondi. Ele ainda estava do lado de fora de casa.

— Posso entrar? – Ele pediu.

— Não. Minha avó não está aqui. Eu estou sozinha. Você não vai entrar. – Respondi firme.

— Por quê? – Ele quis saber intrigado, acho que a maioria das meninas morreriam por ter uma chance dessas.

— Em respeito ao meu pai que não está aqui e nem te conhece. Com certeza isso seria uma das regras que ele imporia. – Dei outra olhada no relógio e no tempo. A neve começava a cair.

— Posso, pelo menos, te levar ao aeroporto. Da última vez você nem avisou que estava indo.

— Da última vez foi muito em cima da hora.

— E esta não está sendo?

— Henry, já disse, eu não vou conversar com você hoje, eu volto em janeiro, e até lá eu já processei a sua falta de confiança em mim.

— Não é falta de confiança, Kelly. É que eu queria que as pessoas gostassem de mim pelo que sou, não por quem meu pai é. E você foi a única que nunca se importou com status. Eu até quis te contar, mas sabia que isso mudaria a sua opinião.

— Onde você quer chegar com isso? Está me chamando de interesseira? – Eu posso jurar que dependendo da resposta dele eu passaria a virada de ano na cadeia!

— Muito pelo contrário. Você não liga para isso. Você está furiosa porque eu deveria ter te preparado para a minha mãe e não fiz. Apesar de que ela está me pedindo para te levar lá em casa há bastante tempo.

— Outro ponto que não vai acontecer nem tão cedo. Eu só vou até a sua casa, conhecer os seus pais, quando você conhecer o meu! – Disse firme e fechei a porta.

Corri para a cozinha. Eu detestava brigar com ele, mas isso não estava me descendo. Peguei um catálogo e busquei por uma empresa de táxis.

Quando minha carona paga chegou, Henry ainda estava do lado de fora de minha casa. Meu coração ficou apertado, mas eu tinha que entender o motivo dele não ter confiado em mim, mesmo que nós já estamos juntos há quase seis meses...

Pensei nisso por todo o caminho até ao aeroporto, e enquanto esperava o voo também. E decidi que agora, era mais do que na hora de pedir um conselho ao meu pai e a Jen sobre isso, até porque meu avião acabou de pousar. Espero que os dois tenham vindo me receber, estou precisando de um abraço duplo.

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— Jethro, você não precisa correr tanto! Ainda faltam duas horas para o voo dela aterrissar e eu não quero morrer esmagada em uma árvore em um dia gelado e completamente nevado! – Pedi pela milionésima vez, e pelo mesmo tanto de vezes ele não atendeu. Eu podia jurar que tudo estava passando perto demais do carro.

Não adiantava, desde que eu consegui a passagem ele não sossegou uma única vez. Seja pensando na filha viajando sozinha ou sobre o motivo dela ter implorado tanto para vir. Jethro não estava nem um pouco feliz de ver Kelly fugindo do momento “vamos conhecer a família do namorado”. E, para amanhecer hoje, foi ainda pior. Ele não dormiu um minuto sequer e não me deixou dormir também. Ele não disse, mas foi fácil perceber que ele estava nervoso. Eu só queria saber o motivo de tanto nervosismo. Por mais megera e louca que a sogra de Kelly possa ser, tenho certeza que a garota vai ser muita mais diplomática que o pai em todos os três casamentos dele.

Chegamos ao aeroporto em tempo recorde e Jethro mal havia dito dez palavras pelo trajeto. Vai ser difícil, espero que ele fique mais falante quando Kelly chegar.

Dessa vez era completamente diferente de Londres. Tinha um pouco mais de um mês que ele tinha visto a filha, mas hoje não teria surpresas, não teria a cara de espanto dele. Mas talvez eu tenha me enganado... acho que todo e qualquer pai fica espantado quando não vê os filhos há um tempo.

Esperamos dentro do carro pelo que pareceu horas, tínhamos chegado muito antes do voo pousar, culpa da direção alucinada do meu parceiro, e, em silêncio ficamos vendo os jatos descerem e subirem.

— Quando eu era criança era um dos meus passatempos preferidos. – Soltei sem querer.

Jethro me olhou como se eu fosse doida.

— Ver os aviões decolarem e aterrissarem. Eu sempre dava um jeito de ficar vendo... um dos poucos privilégios de se morar em uma base militar. – Respondi à sua pergunta muda.

Ele deu um sorriso de lado, daqueles que eu amo, porém continuou calado.

— Hoje tá difícil. Aliás, impossível. – Perdi a paciência. – Eu vou para o saguão. – Falei saindo do carro. Já não estava aguentando o silêncio dele por todo aquele tempo.

Não tinha me afastado muito do carro quando senti a mão dele envolver a minha e ele me puxar para mais perto. E eu achei estranho que ele precisasse segurar a minha mão para conter a ansiedade para ver a filha. Geralmente sou eu quem faço isso. Sempre o achei mais forte do que eu no final das contas... Mas não hoje.

Caminhamos assim, lado a lado, de mãos dadas pelo estacionamento, achei que ele soltaria a minha quando chegamos na porta do saguão, mas tudo o que ele fez foi me colocar ainda mais perto e me guiar pelo meio da multidão que chegava para passar as festas na Cidade das Luzes.

Já no saguão, eu busquei pelo painel de informações de voos. O de Kelly estava um pouco atrasado. Uma hora ainda para aterrissar.

— Parece que ainda vai demorar... quer que eu busque um café para você? – Perguntei meio incerta.

Ele negou com a cabeça e olhou em volta. Claramente observando o local e se não tinha ninguém nos assistindo também.

— Viu algum rosto conhecido? – Questionei, já olhando em volta também.

— Não, mas nunca é demais dar uma olhada. Acho melhor irmos para um local mais afastado. – Ele disse, já procurando o melhor esconderijo.

Conseguimos sair do meio da multidão e ficamos bem fora de vista dentro de um bistrô. Jethro fingia ler um jornal e eu fazia as palavras cruzadas, mas nada tirava da minha cabeça que ele tinha, de fato, visto alguém.

— Você podia contar quem foi que viu. Assim fica até mais fácil que eu te ajude.

— Não vi nada, nem ninguém.

— Não me faça repetir isso. – Sibilei em sua direção.

— Um dos capangas de Zukhov, daqueles que estavam no iate quando fugimos. – Ele falou por fim.

Os pelos de minha nuca ficaram de pé. Isso era uma péssima notícia.

— Onde? – Perguntei mantendo o meu disfarce de quem estava concentrada nas palavras cruzadas.

— Estava há alguns passos de você enquanto você olhava o painel. Não chegou perto, e não tenho certeza se ele te reconheceu, mas é melhor não arriscar.

— Merda... justo quando vamos pegar a Kelly. – Conferi o relógio. Ainda faltavam vinte minutos para que ela chegasse. E Jethro continuava a verificar os arredores.

— Vou dar uma volta. Você fica aqui. É bem provável que não me reconheçam com facilidade, pois eu estava usando uma peruca no dia. – Avisei e me levantei, Jethro me puxou pelo braço e disse:

— Não baixe a guarda. Estarei aqui vigiando as suas costas.

Assenti e saí. Dei uma longa volta no saguão, prestando bastante atenção nos rostos. Não vi ninguém demais. Eram todos desconhecidos para mim. Dei uma conferida minuciosa no portão de desembarque, ninguém ali também.

Antes de voltar para a falsa segurança do bistrô, dei uma última olhada no painel. Kelly já tinha chegado e estava, muito provavelmente, passando pela imigração. Apressei meus passos para encontrar Jethro bem no meio do caminho. Ele tinha notado que eu mudara de expressão lendo as informações.

Ficamos perto de uma das pilastras do local, com, pelos menos nossas costas protegidas, ou melhor dizendo, as de Jethro, pois eu tinha as minhas protegidas por ele, que me abraçava por trás.

A imigração francesa sendo mais atenta nesta época de festas, nos deu ainda mais tempo de espera, e depois de quase quarenta minutos que o voo tinha pousado, avistamos Kelly entre o mar de gente que fazia seu caminho para o saguão principal.

Ela, por sua vez, demorou para nos notar. Só pelo seu andar, dava para notar que ela estava para lá de distraída, um claro sinal de que o seu namoro com Henry não estava bem. Mas assim que o fez, abriu um sorriso e veio correndo na nossa direção.

Assim como tinha feito em Londres, dei espaço para pai e filha se encontrarem. E essa cena não foi nem um pouco diferente da outra. Kelly, quando levantou a cabeça e conseguiu ver o pai parado no meio do aeroporto, disparou a correr e, tão rápido quanto um piscar de olhos, estava com a cabeça enterrada no peito dele e o abraçava forte. Jethro não deixou por menos, abraçando a filha com a mesma intensidade e, aproveitando que ela era bem mais baixa que ele, deu um beijo no topo de sua cabeça.

— Oi pai!! – Ela disse feliz, assim que desfez o abraço. – Eu estava morrendo de saudades. – O sorriso no rosto dela era imenso.

— Eu também, Kells. Eu também. – Jethro respondeu abraçando a filha mais uma vez. – Vamos, a viagem até onde estamos é longa. – Ele completou, querendo tirá-la de qualquer perigo que pudesse ter ali dentro.

— Vamos, mas antes... – Ela disse e correu na minha direção. – Oi Jen!!!! – E o abraço que urso que recebi quase me deixou sem ar.

— Oi Kelly!! Fez boa viagem? – Retribui o abraço.

Ela só confirmou com a cabeça. Os Gibbs estavam atacados hoje, para o meu completo desespero!

Quando Kelly me soltou, vi que ela queria dizer algo, mas não conseguia, pelos menos ainda não. Dei o menor aceno que pude, para que ela compreendesse que quando quisesse estaria aqui para ouvi-la, quando Jethro chegou e, nos abraçando pela cintura, nos guiou porta afora, até onde o carro estava estacionado.

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— E então, dessa vez eu vou poder turistar também?? – Comecei com o assunto mais ameno que podia assim que entramos no carro.

Meu pai só me olhou pelo retrovisor. Droga...

— É sobre isso mesmo que você quer conversar Kells? – Ele disse. Jen estava estranhamente calada.

— Bem.. eu nem sei. Tá tudo tão confuso. – Respirei fundo. Minha cabeça doía de pensar no que tinha acontecido, eu estava morta de cansada, tinha mil e uma dúvidas para serem tiradas, mas eu também queria poder curtir o meu pai, a cidade, o passeio. Ser despreocupada, algo que não deu para ser nos últimos meses.

— Confuso em que área, Kelly? – Jen me perguntou se virando no banco para poder me olhar.

— Eu não sei por qual motivo ele não confiou em mim! Sei lá, Henry poderia ter me contado quem eram os pais dele. Eu falei para ele o que o papai faz. Eu confiei nele! E ele não fez isso comigo! – Finalmente estava colocando para fora o que eu queria gritar já há algum tempo.

— Ele tentou se explicar? – Foi papai que perguntou.

— Depois que trombamos com a mãe dele e os dois seguranças dela? – Disse debochada.

— Sim. Em alguma hora...

— Ele se fingiu de besta, não disse nada na época. Mas eu reconheci a mãe dele. Pelo amor de Deus, ela e o marido, o Senador Andrews, estão em todos os noticiários e jornais. Só sendo muito alienada para não a reconhecer, né pai? - Disse ainda mais chateada. E papai apenas levantou as sobrancelhas.

— E depois? Ele tentou conversar com você? – A voz de Jenny me informava que ela estava me entendendo mais que meu pai. Acho que eu o estava armando contra Henry sem ele ao menos conhecer quem meu namorado é.

— Sim. Me mandou um monte de mensagens, me ligou incontáveis vezes. Mas eu estava ocupada com as provas, eu tenho que manter as minhas médias altas se quiser ganhar uma bolsa para alguma faculdade da Ivy League, então eu não atendi. Quando foi hoje, ou ontem... eu tô confusa com o fuso horário, - bem, antes que eu saísse para o aeroporto, ele apareceu lá em casa. Queria conversar, acho que acertar tudo. Eu nem o deixei entrar!

— E por que não? Não seria melhor vocês terem esta conversa dentro de casa do que na porta? – Papai me olhou espantado.

— Eu estava sozinha. Vovó foi viajar e saiu alguns minutos antes. Eu não ficaria sozinha com ele lá em casa. Não é algo que o senhor aprovaria. – Falei para meu pai o mesmo que disse a Henry.

Jen abriu um sorriso e cutucou o meu pai com o cotovelo.

— Não te disse para confiar na sua filha, Jethro?

Papai não respondeu nada, também nem precisava, eu consegui ler na expressão dele que ele tinha ficado orgulhoso com a minha linha de raciocínio. Pelo menos nisso eu não o tinha decepcionado, já que no quesito fugitiva...

— Mas vocês conversaram? – Ele continuou.

— Não. Eu não conseguiria conversar com ele agora. Ainda tá muito fresco e... bem, eu preciso de ajuda, de conselhos, sei lá... – Dei de ombros.

— E ele não tentou dizer nada na defesa dele? Nadinha?

— Tentou, Jen. Disse que queria que as pessoas gostassem dele por quem ele é, não pelo que ele tem... e que eu fiz isso.

— E você não acreditou? – A voz de papai estava entre o espanto e a dúvida.

— Sinceramente? Não sei. Uma parte de mim sim, já outra está muito magoada com ele para acreditar em qualquer coisa que ele diga. Por isso pedi para vir para cá. E, também, para fugir da famígera Ceia de Natal na casa dele.

— Sendo covarde, Kelly? – Papai perguntou desconfiado.

— Sim, e não. Como eu posso conhecer uma pessoa, ou melhor, a família dele inteira quando eu mal soube quem ele é de verdade? E outra, ele não conhece o senhor!! Achei injusto. – Levei minhas pernas ao banco e as abracei.

— Com toda certeza essas mini férias vão te fazer bem, Kelly. Você está precisando respirar fundo e pensar. – Jen disse.

— Mas vocês não têm nada para me dizer que possa me ajudar?

Os dois se olharam. Eles tinham algo, mas, pela cara deles, eu não iria gostar do que eles iriam falar.

— Vocês estão do lado dele?! – Falei derrotada.

— Não. Ele deveria ter te contato desde que o namoro ficou sério, Kells. Mas...

— A justificativa dele é plausível. Muita gente é interesseira Kelly. Ainda mais com os filhos as pessoas poderosas. – Jenny concluiu o raciocínio de papai.

— Não me digam que eu fiz errado de ter batido a porta na cara dele e ter vindo para cá? – Eu gemi em frustração.

— Você bateu a porta na cara dele?! – Os dois me perguntaram juntos.

— Sim. – Enterrei minha cabeça entre os joelhos para não ter que ver a reação deles. – E ele ainda estava lá quando eu sair para pegar o táxi. - Não me diga que.... – Eu comecei a chorar. Muito. Será que eu tinha arruinado tudo??

- Não Kelly. Todo relacionamento passa por uma crise. Ele sabe o seu motivo. E você tem razão em querer se afastar para pensar. Foi falta de confiança dele em você e, bem, ele deveria saber que a sua reação seria essa, já que você contou sobre sua família a ele... – Jenny tentou me confortar, me tirando de dentro do carro, me abraçando, e me levando para o apartamento onde eles estavam.

— Mas Jen! E se quando eu voltar...

— Se ele realmente gosta de você, ele vai saber te dar esse tempo. E não é porque a família dele quer te conhecer agora que isso tem que acontecer. Eles não mandam em você, Kells. – Papai disse, assim que entramos no apartamento.

Jen me guiou até um sofá - onde eu poderia dormir de tão confortável que era - e se sentou do meu lado, papai do outro. E eu estava uma miséria. Como foi que consegui estragar tudo tão rápido? Eu recomecei a chorar, agora mais forte. Eu nunca entendi por que as pessoas choram quando um relacionamento não dá certo, mas agora eu estava vendo, dói. É estranho porque é um sentimento, mas a dor é física, realmente parece que seu coração foi quebrado e estilhaçado, e eu só estava imaginando um término. E, se nosso namoro acabasse, quem iria me abraçar como esses dois estavam fazendo agora? Quem? Em quem eu poderia me apoiar, sendo que o meu pai e a minha mãe substituta estariam do outro lado do oceano?

Por que a vida tem que ser tão complicada?!

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Kelly chorou até dormir. E eu nunca me senti mais impotente na vida. Vê-la daquele jeito, por conta de um garoto era demais para mim. Se ele estivesse do outro lado da rua, e não em outro continente, eu teria ido até lá só para fazê-lo sofrer, na mesma intensidade, o que a minha filha estava sofrendo.

Jen vinha do quarto dela, tinha ido até lá para verificar como ela estava e para deixar as malas e as coisas dela que ficaram pela sala.

— Respira fundo, Jethro. Kelly precisa de alguém que a ouça agora, não que jogue na cara dela os erros que ela cometeu. – Jen disse enquanto passava atrás de mim para fazer uma xícara de chá para ela e uma de café para mim.

— Você quer que eu me acalme, quando a minha filha está daquele jeito? Eu não posso, Jenny!

— Querer culpar o garoto não vai fazer nenhum bem a ela. Acredite em mim, a forma como as mulheres sofrem é completamente diferente da forma como os homens sofrem. – Ela me assegurou.

Dei o benefício da dúvida a ela. Afinal, o que eu sabia como uma garota de dezesseis anos agia ou pensava? Nada. Jen deve ter tido as próprias experiências para falar desse jeito.

-Você tem certeza que ela vai ficar bem? – Perguntei.

— O namoro não acabou, Jethro, pelo menos eu acredito que não. Henry tem culpa sim, e ele vai querer conversar. Já Kelly, ela estava e está precisando desabafar, pelo que ela disse na carta que me escreveu, ela não está tendo muito tempo para pensar, e isso também influencia. Afora que ela parece confiar mais em você do que na avó, assim, ela não está podendo desabafar com ninguém. E tem certos tipos de assunto que a resposta tem que ser dada na hora, não quase um mês depois, por isso ela não falou muito nas cartas que nos mandou há duas semanas. Dê tempo ao tempo... e muita diversão a ela enquanto ela está aqui.

Concordei com ela. Afinal, eu não tinha nada para fazer a não ser ouvir o que Kelly tinha para contar.

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Eu dormi pelo que pareceu dias, não fazia a menor ideia de que horas eram, mas, pelo menos estava descansada, apesar da dor de cabeça. Me pergunto se a dor de cabeça de uma ressaca deve ser igual a esta...

Dei uma olhada em volta, estava em um quarto, e eu nem me lembrava de como vim parar aqui, minhas coisas organizadas perto do guarda-roupas... não sei se foi o papai ou a Jen, mas agradeci a ajuda.

Escutei um barulho vindo da sala, ou do quarto ao lado, não sei, resolvi que, se tinha gente acordada, eu poderia me levantar também. Então, peguei o que iria precisar e rumei para o banheiro – sim isso aqui é uma suíte imensa e eu vou ficar muito mal acostumada com tanto luxo.

Quando abri a cortina do quarto, notei que ainda era dia, apesar da pouca luminosidade, mas o inverno é assim mesmo! Assim, fiz cara de forte, respirei fundo e sai do quarto, esperando que eu não chorasse mais por hoje e nem pelo resto da viagem.

Logo que abri a porta me vi na mesma sala onde tinha chegado, e aquele sofá super confortável me convidava a dar um belo pulo nele para aterrissar deitada. Eu sei, isso é coisa de criança, mas era confortável e tentador a esse ponto o bendito do móvel.

Dei uma olhada no ambiente, só para confirmar se não teria nenhuma testemunha da minha criancice, não vi nem ouvi nenhum dos dois, então preparei para correr. Estava no meio da sala quando a voz de papai me deu um tremendo de um susto.

— Quantos anos você tem, Kelly?

Eu não sei o que pensei na hora, estava perto demais para desistir do pulo e rápida demais para conseguir parar. Não deu outra, o susto foi tanto que meu instinto foi parar. Em cima de um tapete – que eu não visto. O resultado?

Tomei um tombo e caí sentada no chão. Meu adorado pai, ao invés de vir me socorrer, apenas começou a rir da minha cara.

— Isso não é justo, não era para você estar me ajudando ao invés de ficar rindo? – Disse emburrada enquanto me levantava. Com certeza esse tombo deixaria uma marca, imensa! Ainda bem que é inverno e ninguém usa short com esse tempo horroroso!

Quando finalmente papai parou de rir às minhas custas e decidiu me ajudar, eu já tinha me levantado e estava sentada no sofá, olhando para ele com cara de emburrada.

Sem tirar o sorriso da cara, ele se sentou do meu lado e, depois de se certificar se eu estava viva e sem nenhum machucado aparente, ele começou:

— Não tem um roteiro pronto para esta cidade? – Ele se recostou no sofá e me puxou para que eu pudesse apoiar a minha cabeça em seu ombro.

Pensei por um momento. Diferentemente de Londres, que sempre foi um lugar que quis conhecer, Paris já não estava no top três da minha lista e, assim, eu não tinha outros lugares para conhecer a não ser os famosos pontos turísticos, o Museu do Louvre e a Catedral de Notre Dame.

— Não muitos, pai. Na verdade, só as armadilhas para turista mesmo. – Dei de ombros. Se eu conhecesse só a Torre Eiffel já estava feliz. No fundo, eu não tinha vindo para Paris para curtir os pontos turísticos ou a decoração de Natal. Eu vim para ficar com o meu pai o máximo de tempo possível.

Papai levantou a cabeça e fingiu conferir se eu estava com febre ou se eu tinha batimento cardíaco. Depois de ficar feliz em descobrir que a filhota estava viva e respirando, soltou uma gargalhada e apenas disse:

— Só não deixe Jen saber disso... ela ama essa cidade e, se depender dela, seus dez dias aqui serão lotados!

Fiquei com a sensação de que, de algum modo, decepcionaria Jen, mas, para falar bem da verdade, eu realmente não queria sair do conforto desse sofá e do abraço do meu pai. Isso fazia tudo parecer mais fácil. Assim, só suspirei cansada.

— O senhor realmente faz falta lá em casa... – Eu disse triste e escondi meu rosto no ombro dele, estava quase chorando de novo.

Ele fez o que ele sempre fazia quando eu estava triste, afora o abraço apertado que poderia me quebrar no meio, papai beijou minha cabeça e me disse que tudo iria ficar bem. Sempre ficava no final. E eu aproveitei a oportunidade para tentar esquecer tudo o que estava passando.