Carta para você

Feliz Natal e Feliz Ano Novo


Eu sabia que Jethro e Kelly precisavam de um momento às sós. Afinal, tem coisas e situações que somente um pai ou uma mãe podem resolver. E a primeira briga séria de um relacionamento é um desses casos.

Tinha ouvido Kelly sair do quarto, escutei o tombo, e quase sai do quarto para conferir o que tinha acontecido, o que me impediu foi a risada de Jethro.

E, depois disso, não ouvi mais nada, deixei os dois na sala, e fiquei no quarto, estudando os relatórios e inteligência da missão, por falta de ter o que fazer.

Verdade seja dita, estava começando a planejar a parte final de toda essa aventura. Depois de avistar Zukhov e Svetlana na casa de leilões, recebemos o sinal de D.C. para que nos preparássemos para uma nova aproximação. Sendo que o ponto final era eliminar os alvos assim que toda a rede estivesse desmantelada.

E, quanto mais eu lia como eles queriam que os alvos fossem eliminados, mais nervosa eu ficava. Tudo bem, eu tinha matado aquele contato, mas agi por impulso e crendo ser de maneira a proteger tanto Jethro quanto Ducky. Agora, colocar a arma na cabeça de uma pessoa e atirar a sangue frio? Eu teria que me preparar muito bem para isso. Mesmo que todo o meu corpo e a minha mente fossem completamente contra tal ato.

E, enquanto eu lia, eu tentava me preparar para isso, tentava me convencer que eu tinha que fazer e ponto final. Nada a lamentar, eu já tinha visto o que ela andava fazendo, ela não merecia viver. Todavia eu me pegava pensando no contrário, eu não era Deus para decidir quem vive e quem morre, por mais vil que a pessoa seja.

Respirei fundo e dei uma olhada nos arquivos destinados a Jethro, as mesmas ordens, só mudavam os alvos. E me perguntei como ele conseguia fazer isso sem perder o sono! Mesmo ele tendo sido treinado à exaustão para ser um atirador de elite, alguma coisa TEM que incomodá-lo. O problema é que ele nunca irá falar nada comigo...

Foi quando minha atenção foi atraída por uma nova informação. É, o final dessa missão será muito interessante. Teremos até um baile! Quem diria!

Estava para me aprofundar no perfil da pessoa que era responsável por esse evento quando bateram na porta. Imediatamente amaldiçoei Jethro por não ter escondido as coisas dele, ou tê-las levado para o outro quarto vago. Pois, para estar batendo, só poderia ser uma pessoa.

— Entre Kelly! – Disse enquanto fechava as pastas que continham as informações.

Ela entrou devagar, observando o ambiente. Por mais arrumado que o quarto estivesse, é claro que ela reconheceria o que pertencia ao pai dela aqui. A pobrezinha tinha os olhos vermelhos de tanto chorar, pelo visto o pior ainda não passou.

Ela parou na beirada da cama e se balançando nos próprios pés, algo que eu notei, ela fazia muito quando estava nervosa, me perguntou:

— Bem... eu não tive tempo, ou cabeça, para fazer nenhum roteiro de Paris, igual eu fiz para Londres.... então... – Ela sorriu sem jeito.

— Seu pai abriu a boca e disse que eu adoro essa cidade! – Não era uma pergunta, era uma afirmação.

O sorriso dela agora foi bem maior.

— Exatamente! Ele disse que você é quem sabe se virar por aqui, que essa é a sua terceira vez aqui na França.

Respirei fundo, às vezes eu quero fazer da cabeça de Jethro um alvo.

— Bem, isso é verdade, o que você quer com toda essa enrolação, Kelly? – Joguei verde com ela.

— Eu não estou enrolando! – Ela respondeu de pronto.

— Está sim. O que você quer de verdade?

— Queria ficar encarcerada dentro desse apartamento, enrolada em um cobertor, deitada naquele sofá da sala, comendo um pote de sorvete. – Ela disse em um fôlego só. – Mas papai jura de pé junto que vocês não me trouxeram para cá para ficar trancada em um apartamento, então.... você tem algo em mente?

— Para hoje?

— Pode ser para amanhã... – Ela disse incerta.

— Você não está com fome?

Ela nem precisou me responder, pois na mesma hora escutei o estômago dela roncar alto. Tentei segurar a risada, mas até ela riu da situação, ficando vermelha e sem graça igual ao pai.

— Bem... acho que esse som responde a sua pergunta, não responde? – Ela se sentou na beirada da cama e me olhou sem graça.

— É responde. E eu tenho o lugar perfeito para irmos. É bem perto daqui e a comida é ótima. Quanto ao turismo, pode deixar que eu vou te levar nos principais lugares. Mesmo que nessa época do ano estejam lotados. E não se preocupe em não conseguir uma boa vista dos monumentos, tenho certeza que a cara feia do seu pai pode arranjar o espaço necessário, pois não fica viva alma perto dele quando ele está de mau humor! – Disse um pouco mais alto, pois tinha certeza que Jethro não estava longe.

— Eu ouvi isso! – Ele disse da porta, assustando Kelly que quase caiu da cama.

— Ótimo! Então se prepare, será nosso segurança em todas as armadilhas de turista que existem nessa cidade! – Falei com um sorriso imenso para ele.

Kelly olhou dele para mim e tentou se safar.

— Eu disse que preferia o sofá e o sorvete!

— Deveria ter concordado com você – Jethro olhou para filha. Eu pressenti o complô se formando, nem pensar que eu iria passar os próximos nove dias presa aqui.

Para aliviar o clima e antes que Kelly protestasse para ficar quieta, lancei um travesseiro na direção dela.

— Nem pense em seguir a cabeça do seu pai!! Não aqui em Paris!

Foi o que bastou para que ela retalhasse com outro travesseiro. Quando nós duas estávamos armadas, ao invés de uma atacar a outra, olhamos na direção de Jethro que, estando mais afastado, tentou sair correndo, mas foi em vão, logo os dois travesseiros estavam acertando a parte de trás da cabeça dele. Para a minha total satisfação e para a alegria de Kelly.

Eu só espero que toda essa guerra não resulte em um mar de penas espalhadas por aqui.

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— Ai meu Deus!! Parece que uma galinha fez um ninho na minha cabeça!! – Kelly choramingou do quarto.

— Só no seu cabelo, Kells? – Perguntei enquanto tirava as penas de cima de mim.

— Bem... por que essas coisas grudam tanto? – Ela apareceu na porta do quarto e olhou para Jen.

— Não sei... – Jen deu de ombros e estava tentado se livrar das penas também. Na verdade, o cabelo dela estava bem pior que o de Kelly.

— Toda essa bagunça é sua culpa, Jen. Se você não tivesse começado com isso...

— Jethro! A guerra de travesseiros, sim, fui eu quem comecei, mas estourar três travesseiros de pena não era a minha ideia. Aliás, foi você quem os estourou!! - Ela conseguiu virar o jogo contra mim.

— Eu acho que nós nunca vamos conseguir limpar esse lugar! – Kelly disse se sentando no sofá e fazendo mais um monte de penas voarem.

— O aspirador deve resolver...

— Para o chão, sim. Já para os nossos cabelos.... – Jenny disse rindo.

— Será que o secador tira essas penas? – Kelly disse.

— Pode ser que sim... mas tem que ser na potência máxima! – Shepard respondeu, já se encaminhando para o quarto, com Kelly logo atrás dela.

— Hei! Onde vocês vão?

— Tirar essas penas de nossos cabelos! – Elas responderam juntas.

— É mesmo? E essas aqui na sala?!

— Bem... pode ficar bem à vontade e limpá-las, Jethro. Você sabe onde está o aspirador!

— Você apronta a bagunça e sai de fininho, Jen?!

Como resposta eu só ouvi a risada dela e depois o secador foi ligado, ela me deixou falando sozinho.

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Por mais que eu não estivesse animada para fazer turismo, eu não posso negar que Paris tem lá o seu charme, mesmo quando o seu humor não está ajudando muito.

Como Jen havia prometido, ela nos levou em um local realmente muito bom. Era quase vazio, aconchegante e o melhor de tudo, a comida era ótima. Eu vou ter que voltar para a América em um avião cargueiro ao invés de um voo comercial! Porque se eu continuar comendo desse jeito, nenhum avião comum vai conseguir decolar comigo dentro.

Assim, depois de um primeiro dia dos mais estranhos que tive, porque comecei chorando, consegui perceber que eu estava um tanto errada no que fiz, quase virei um ninho de galinha de tanta pena que ficou grudada em mim, meu segundo dia, a véspera da véspera de Natal, foi, para ser bem sincera, atípico.

Nos outros anos esse era o dia em que eu tirava para sair e comprar os presentes de Natal. Nunca foram muitos, mas eu nunca esqueci de ninguém. Aqui na França, eu não teria que dar nenhum presente no dia 25, assim, ao invés de encarar as filas intermináveis das lojas, os provadores sendo disputados à tapa e a população de uma cidade espremida dentro do shopping, nós fomos apenas passear pelo centro da cidade. Nada de lugares lotados, nada de pessoas pisando no seu pé e jogando a culpa em você.

E eu nunca percebi como caminhar à margem de um rio pode ser cansativo. Nós demos uma boa volta perto do Rio Sena, e o único ponto que eu realmente quis ir foi em Notre Dame. Uma igreja, estilo gótico, em uma ilha, no meio do Rio Sena. De longe a vista já era maravilhosa, de perto era de tirar o fôlego. A igreja, a ilha, a marcação da linha rosa... tudo ali te convida em se perder na história do lugar.

Acontece que ainda tinha uma atração especial. Era permitido subir até o telhado e chegar no caminho que levam às gárgulas. Aquelas estátuas sempre me fascinaram de duas formas, primeiro, eu tinha um medo danado daquilo, sempre as achei assustadoras, e, segundo, eu sempre me perguntei como puderam esculpi-las em um pedaço de pedra e coloca-las no alto de uma igreja, quando não existia todos estes equipamentos. Resumo da ópera, era um caso de medo e fascínio que eu tinha por estas estátuas.

Quando eu mencionei subir, papai olhou para cima e fechou a cara, tudo bem, as escadas não são nada fáceis, porém Jenny topou na hora. Bem que papai me disse que aqui em Paris ela toparia fazer qualquer coisa.

Não consigo me lembrar de quantos degraus eu subi, ou melhor, praticamente escalei, a única certeza que tenho é que toda a dor que eu estou sentindo valeu a pena, a vista é linda!! Daqui se pode ver vários pontos da cidade, e, de todos eles, um se destaca, na verdade, ela vem se destacando durante todo o dia, mas daqui de cima era possível ver a Torre Eiffel em todo o seu esplendor.

Por alguns segundos eu acabei ficando muda, mas, me lembrei de uma pequena coisinha.

— É muito bom você estar agindo como a minha fotógrafa particular, Jen, porque eu vou precisar de muitas fotos para conseguir mostrar o que é estar aqui em cima, já que palavra nenhuma vai conseguir descrever o que eu estou vendo.

Ela deu uma risada, mas falou:

— E você ainda tem dúvida de que eu não estou fazendo isso? Kelly, cada passo que eu dou nessa cidade é um flash disparado!

— Então é muito bom você pegar essa vista da Torre Eiffel para mim!

— Tudo bem, eu pego, mas saiba que tem um lugar onde a vista da Torre é ainda mais bonita!

— O Trocadéro? – Falei de uma vez.

— Sim. De lá. E o nome certo é Jardins du Trocadéro. – Ela me garantiu, enquanto tirava algumas fotos das gárgulas.

— Alguma chance de ainda dar tempo de irmos lá hoje? – Perguntei, agora eu precisava ir até esse local.

— Por mim, ainda dá, mas acho que o seu pai já está meio sem paciência com todos os lugares que entramos... – Ela apontou com a cabeça para baixo, bem onde meu pai estava parado, tomando um café.

— Paciência não é lá o forte dele mesmo, né? – Disse rindo.

— E nunca será! – Jenny me acompanhou na risada.

Ainda ficamos um bom tempo lá em cima, queria aproveitar o momento e alongá-lo o máximo que podia. Mas, avisaram que já iam fechar essa parte da igreja, e fomos obrigadas a descer.

Quando chegamos ao nível da rua, foi que percebemos, toda essa escalada iria nos deixar cheias de dores.

Papai estava nos esperando escorado em um lugar, e uma cara de quem queria ir para casa naquele exato momento. Jen não perdeu a oportunidade e teve que cutucá-lo.

— Perdeu a paciência que não tem, Jethro?

Ele só a olhou de lado e deu outra golada no café, para achar o copo vazio.

E depois dessa eu declarei o passeio encerrado! Eu tenho amor à minha vida, por mais que não pareça.

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E a véspera de Natal chegou. Kelly estava com um humor bem melhor, parece que já tinha se conformado que todo relacionamento passa por turbulências, e, entre ela e Henry faltou diálogo. Muito. Mas não a culpo, tem certos segredos que são difíceis de engolir e confiança é tudo.

E hoje ela está igual a um carrapato no pai, querendo, porque querendo ir até a Torre Eiffel. Jethro está dando todas a desculpas existentes, mas parece que não vai ter jeito, ela acabou de contra-atacar de maneira que eu consigo ver as engrenagens da cabeça de Jethro se movendo, atrás de uma resposta.

— Eu só tenho mais oito dias aqui, pai. É só a Torre Eiffel!! E são só oito dias, e depois disso, sabe-se lá quando eu vou te ver!! – Ela implorou.

Jethro, que está sentado no sofá, apenas encarou a filha.

— É véspera de Natal, Kelly. – Ele tentou pela milésima vez.

— Pai... não é como se nós fossemos fazer uma Ceia de Natal ou nada parecido. O apartamento nem está enfeitado. A menos que algum de vocês dois tenha feito uma reserva em algum restaurante. – Ela continuou.

— Não me coloque no meio dessa bagunça, eu só estou de bobeira aqui na cozinha. – Tentei me defender.

— Mas a culpa é toda sua! – Jethro tentou se livrar. – Se você não tivesse cismado de subir no telhado daquela igreja com ela, nós não estaríamos tendo esta discussão.

— Não comece, Jethro. Ela quer ir à Torre Eiffel. Esse é o ponto turístico mais falado da França, junto com o Louvre, eu não coloquei nenhuma ideia na cabeça dela. – Respondi.

Kelly estava parada entre nós dois, assistindo à briga com muito interesse e um sorriso no rosto.

— E então, quando saímos? – Ela perguntou.

Eu comecei a rir. Duvidava que Jethro fosse ficar preso dentro do apartamento com a filha falando na cabeça dele.

— É véspera de Natal, Kells. Não deve ter onde pisar lá fora.

— É a minha véspera de Natal na França. Em Paris. Quando isso vai acontecer de novo, pai?!

Eu tentei segurar o riso. O que só resultou em Jethro me encarando de mau humor.

Depois de uma competição de encaradas entre pai e filha, Kelly saiu vencedora. Ela conseguira fazer o pai se levantar do sofá e fazer as vontades dela.

Mas a verdadeira pergunta é, quando que Jethro não faria as vontades da filhota?

Assim, debaixo da neve que caía e de uma torrente de reclamações de Jethro, saímos para o ponto turístico mais movimentado da cidade.

Isso vai ser interessante!

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Tudo bem, a vista de cima da Notre Dame era linda. Mas esta daqui? Nada pode se comparar. Meu Deus. E eu sempre achei que essa torre era apenas isso, uma torre.

Não. É mais do que isso. Ela é linda, imponente e, sim. Eu tenho que ir lá em cima. Porém, antes, é melhor eu tirar as fotos daqui de baixo, aproveitando que nem tem tanta gente assim por aqui.

Jenny, só para variar, está atuando como a minha fotografa particular. E eu fiz ela tirar cada foto que eu queria, até com o meu pai que odeia fotos.

Sim, eu consegui colocar aquele rabugento para tirar uma foto comigo em frente à Torre Eiffel. E quando eu consegui tirar uma foto dele com a Jen, - os dois abraçados com a torre de fundo, bem lua de mel mesmo!! – e eu tenho certeza que essa foto ficou mais bonita que qualquer uma que se tira no dia do casamento, eu soltei a bomba.

— Beleza, já tenho as fotos que queria. Todas elas. – Fiz a minha cara de inocente e vi meu pai respirar fundo, ele estava pronto para ir para o apartamento. – Eu agora vou lá em cima.

Os dois se viraram para a torre e acompanharam o local para onde eu apontava. E eu queria o topo. Não o restaurante que tem lá, mas o topo, mesmo.

Sim, eu queria subir os trezentos metros, ou seja lá até onde se pode ir.

Os dois olharam para a fila – enorme – para se comprar o ingresso e se voltaram para mim.

— Tem certeza? – Jenny perguntou incerta.

— Não. – Papai foi mais direto.

— Mas nós vamos. Até o topo. – Eu afirmei.

Papai passou a mão no rosto, creio que pensando que aquilo era um pesadelo, já Jen apenas desceu as escadas e seguiu para fila, ela era mais fácil de ser convencida.

Ficamos mais de três horas só para comprar os ingressos. E depois mais uma para poder chegar até os elevadores.

Mas, depois de 324 metros de subida, estávamos no topo dela. Teve muita gente que não conseguiu arredar o pé de dentro do elevador, já eu? Eu dei a volta no local e peguei a câmera de Jen para tirar as fotos do que eu estava vendo. Quase que eu gritei igual ao Leonardo Di Caprio em Titanic, quase soltei que era a rainha do mundo. Porém me contive, já basta as fotos, não preciso ficar dando uma de turista louca.

No topo de Paris estava frio pra caramba. De congelar mesmo. Todavia a vista e a sensação de se estar perto do céu faziam com que eu me esquecesse de sentir frio.

Por um tempo, eu parei e fiquei observando a cidade, imaginei o que minha mãe diria se ela pudesse ter subido aqui, o que ela falaria sobre a vista, e o tanto que ela ficaria preocupada para que eu não escorregasse na neve. Talvez estar tão perto do céu me deixou um pouco mais perto dela também.

Eu nem notei que Jen tinha tirado a câmera de minha mão, só notei o flash. Ela tinha me pegado desprevenida. E, isso não era para me assustar, já que em Londres ela tinha feito várias fotos assim.

Papai chegou perto de mim, mesmo sem dizer nada, eu soube que ele já queria descer, mas eu não resisti e tive que perguntar.

— O que senhor acha que a mamãe diria se ela pudesse ter vindo aqui? – Era a pergunta errada a se fazer, pois eu sabia que Jenny estava por perto, e que o assunto “mamãe” sempre deixa meu pai chateado, mas era impossível não a imaginar aqui.

— Eu não sei, Kells. Eu sei que ela teria adorado a vista. – Ele falou me abraçando.

— É, ela teria mesmo. – Eu o abracei de volta e nós dois paramos, observando a vista que, ao fundo, era possível ver a mesma Notre Dame que desencadeou essa visita.

Porém, cedo demais, nos avisaram que era hora de descer. Relutantemente fiz meu caminho até o elevador, onde Jenny já estava. Essa mulher tem o dom de dar o espaço necessário quando eu e papai precisamos.

Quando chegamos no solo, eu olhei para cima e os 324 metros se tornaram ainda mais imponentes de lá. A Dama de Ferro se assomava sobre mim e eu não queria esquecer essa imagem jamais.

Ainda ficamos um tempo passeando pelos jardins, apesar de ser inverno, estar frio e nevando, ainda era lindo o lugar, e, agora, coloquei na minha lista de lugares para conhecer Paris. Sim, eu queria voltar aqui, porém na primavera ou no verão. Queria ver as flores e as fontes jorrando água.

Paramos em um café, pedi um chocolate quente, mais para esquentar meus dedos que estavam petrificados havia tempo, enquanto papai e Jen ficaram no café mesmo. Notei que ela já começava a se adaptar com o gosto de papai e estava tomando do mesmo, preto sem açúcar. Ah, esses dois. Depois que eu tive a certeza absoluta que eles estavam dividindo o quarto, passei a observá-los melhor. Desde a sincronia de alguns movimentos até os olhares trocados.

Ou eu estava sofrendo com um coração que não tinha sido irremediavelmente quebrado ou eu era uma romântica incorrigível, porque eu vi todos os sinais ali. T-O-D-O-S. Resta saber se os dois notaram.

Eu torço que sim. Jen faz bem para meu pai. E pelo visto ele também faz bem a ela. E eu adoro vê-los juntos. Mas gosto ainda mais de pensar em ter uma família de verdade.

Devo ter ficado muito tempo presa nos meus pensamentos, pois quando voltei a esse mundo, os dois me encaravam. Jenny com uma sobrancelha levantada e papai com aquela cara de “lá foi você para o mundo da Lua de novo, Kelly?”

— Já terminaram? – Perguntei tentando esconder meu constrangimento de ter sido pego sonhando acordada.

— Sim. Nós já terminamos. – Papai disse.

— Estamos esperando você tomar o seu sorvete de chocolate... – Jenny completou indicando o meu chocolate quente que agora tinha esfriado a ponto de ser tomado com colher.

— Bem... eu acho que eu posso tomar isso enquanto a gente volta. – Falei levantando o mais depressa possível e tomando a frente. Tudo o que eu vi, pelo reflexo do vidro, foi um rindo para o outro, como se conversassem sem falarem uma única palavra.

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Nossa volta não foi demorada, porém quando abrimos a porta do apartamento, fomos pegos de surpresa pelo cheiro de um peru assado. Eu não tinha a menor intenção de fazer uma ceia. Jenny não tinha dito nada sobre o assunto. Só restava uma pessoa para ter uma ideia dessas.

— Ducky?! – Jenny disse assombrada. – Você está cozinhando uma Ceia?

— Ah, minha querida Jennifer. Sim. Na verdade, era para convidá-los para a Ceia onde eu estou ficando, porém William está com a mais nova namorada lá e a moça não comemora o Natal, então, tomei a liberdade de vir para cá e fazer a ceia por aqui mesmo. A senhoria, muito simpática por sinal, fez o obsequio de me emprestar uma cópia da chave. – Ele respondeu à Jen.

Kelly olhava abismada o que estava acontecendo. Jen estava petrificada.

— Ducky!!! – Kelly falou feliz quando saiu do estado de total surpresa em que se encontrava.

— Minha querida! Não esperava te encontrar aqui em Paris! Que bom revê-la! – Ducky a abraçou. – Conseguiu convencer o seu pai a te trazer para cá?

— Isso eu sempre consigo! – Ela respondeu feliz, quando deu um beijo na bochecha dele. – Precisando de uma mãozinha?

— Ajuda é sempre bem-vinda! – Ele respondeu.

Jen me encarou, depois olhou para a cena à sua frente. Seus olhos verdes arregalados. Eu quis rir da expressão dela, mas me contive. Isso chamaria muita atenção para a ruiva e só Deus sabe como ela iria retaliar. Então fiz um sinal de que tudo iria ficar, porém o olhar que recebi em resposta me dizia que nada estava normal ali.

Não demorou muito, e Jenny foi ajudar na cozinha. Não era o que ela tinha em mente, mas ela também não quis fugir do trabalho, e, quando eu dei por mim, Kelly me rebocava para o cômodo para ajudar também. E tudo aquilo me lembrou em como era passar um Natal em família.

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Depois do susto de ver Ducky parado no meio da cozinha, eu acabei por perceber o que tudo aquilo significaria. Tinha deixado de ser uma noite qualquer – igual a eu e Jethro estávamos tentando parecer que seria – e passou a ser uma Ceia de Natal em família. Cada um ali tendo um papel. E as coisas pioraram de vez quando Kelly puxou Jethro e o ordenou que ajudasse.

Ninguém percebeu. Mas eu sim. E aquilo não poderia me acontecer. Eu não estava preparada para encarar uma Noite de Natal em Família. Não nestas circunstâncias.

Porém, foi o que aconteceu. E eu só fui me dar conta de que estava gostando mais do que devia, quando acabou. Por toda a preparação e durante a Ceia, Ducky tinha um caso para contar. Seja do peru que saiu correndo segundos antes de ser morto, ou como ele tinha certeza que tinha sido passado para trás em um Natal, quando lhe venderam um frango comum no lugar do peru. E eu me peguei acompanhando a risada de Kelly e rindo dos casos absurdos que só Ducky poderia saber.

Na hora do brinde, Ducky quis passar o momento de agradecimento à Jethro, que disse não querer. Então, o bom doutor foi econômico nas palavras e agradeceu àquele momento, desejando que fosse o primeiro de muitos. Ao final, brindou não só a nós, como também os que nos deixaram.

Um jantar que não era para ter acontecido, mas que foi exatamente o que todos nós precisávamos. E, mesmo depois que acabou, ainda passamos um bom tempo conversando na sala, nada de importante, mas coisas tão amenas que seria impossível de serem conversadas em qualquer outro dia.

Já era bem tarde, quando Ducky se prontificou a ir. Eu o impedi. Além da hora, era até perigoso que ele saísse depois da quantidade de Bourbon que ele tomou, ainda mais tendo sempre que olhar por sobre o ombro. Eram três quartos no apartamento. Ele poderia ficar por ali.

Assim que Ducky se retirou, Kelly foi a próxima. Nos desejou um Feliz Natal e agradeceu pela Ceia mais inusitada com os casos mais doidos que ela já teve na vida. A garota, depois de tanto chorar nos dois últimos dias, foi dormir feliz.

Restaram na sala, Jethro, uma garrafa de Bourbon quase vazia e eu. Ele pegou o meu copo, o encheu e me devolveu, fazendo o mesmo com o dele. Eu ainda tinha um pé atrás com Bourbon, não tinha esquecido aquela ressaca dos infernos que tive na Sérvia, mas aceitei mesmo assim. Ele levantou o copo e brindou àquele momento. Não teve como eu não acompanhá-lo. Era um momento único e diferente de tudo o que aconteceu nos últimos anos comigo, ou, se formos olhar o motivo de nós dois estarmos em Paris, chegaria a ser impossível. Mas ali estávamos nós, passando uma Noite de Natal em família.

— À família. – Ele disse.

— À família. – Respondi sorrindo.

Ficamos ali em silêncio, até que tomamos todo o conteúdo da garrafa e, quando eu dei a última golada eu rezei que não amanhecesse de ressaca.

— Um último aviso, Jethro. Se eu estiver de ressaca amanhã, a culpa é única e exclusivamente sua!

Ele me olhou espantado.

— Por que raios é culpa minha?

Eu tinha uma boa resposta para dar. Mas não me lembro se consegui respondê-lo à altura.

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Depois de uma Noite de Natal inesperada, porém ótima, a manhã de Natal também não me decepcionou. Claro, não tinha árvore, mas conseguiram me surpreender com presentes que eu não esperava de jeito nenhum.

Nosso dia de Natal passou devagar e preguiçoso. Ducky ficou até um pouco depois do almoço, e, assim que nos ajudou a organizar tudo, disse que precisava ir e trazer o William de volta a esse mundo. Sobramos nós três. Eu estava escorada no sofá, lendo um dos livros que tinha ganhado, e, de vez em quando dando uma olhada no meu casal favorito – que já estava me deixando com raiva por conseguirem ficar tão longe um do outro na minha presença, - quando eu pensei no que eu estaria fazendo se não estivesse aqui em Paris.

Eu estaria na casa do Henry. Com toda a família dele. Muito provavelmente estaria tão sem graça que nem conseguiria abrir a boca. Foi quando eu me lembrei que eu não tinha comprado nada de Natal para ninguém. Fiquei tão desorientada com a briga, com tudo o que aconteceu que nem me importei em comprar presentes para meus amigos e para minha família.

Ia abrir a boca para comentar isso, quando papai falou.

— Nem comece com isso!

Jenny, que também lia um livro, só levantou a sobrancelha inquisidoramente para nossa direção.

— Mas pai! Eu nem falei nada!

— Não. Pelo menos dessa vez.

— Mas eu preciso!

Jen parecia perdida no meio da nossa conversa.

— Eu preciso comprar os presentes de Natal que eu não comprei! – Falei na direção dela e ao mesmo tempo eu buscava um apoio para uma saída às compras.

— Não dê ouvidos a ela. – Papai tentou cortar o assunto.

— Pai, eu não comprei nenhum presente nesse ano. Eu preciso.

— Quando você voltar já será outro ano, Kelly. Ninguém vai se importar.

— Amanhã é Boxing Day. Capaz de ter muita coisa com desconto. - Eu disse.

— Nem pensar que eu vou sair em uma espécie de Black Friday pós Natal. – Papai ainda tentava me tirar de cabeça.

Foi quando eu notei o sorriso de Jen. É nós iriamos às compras ele querendo ou não.

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O restante do ano passou tranquilo. Depois de arrastarmos Jethro para um dia de compras, com as lojas lotadas de verdade, demos um refresco a ele, e resolvemos passar um dia sem fazer nada. E foi aí que fomos surpreendidas com ele querendo sair.

Às vezes eu tenho dificuldade de entendê-lo.

Kelly estava melhor, tinha até ligado para as duas amigas mais próximas para desejá-las um Feliz Natal muito atrasado. E, depois de muito pensar, chorar, desistir antes que a ligação fosse completada, ela ligou pra Henry.

De início, ela queria que ficássemos na sala, disse que não demoraria, mas quando a conversa entrou no assunto do afastamento dela, tanto eu quanto Jethro arrumamos algo para fazer e deixamos ela na sala. Se Kelly precisasse de algo, ela chamaria.

E, o único lugar onde o telefone de Kelly não era ouvido, era no quarto. Ótimo, como se ela já não estivesse lançando olhares divertidos na nossa direção. Sem nada para fazer e tentando esquecer que um namoro poderia acabar por telefone, nós dois pegamos nossas pastas com as atualizações de nossos alvos. Não é por ser época de festas que os bandidos tiram férias, apesar de todos estes estarem mantendo uma discrição nesse tempo. Muito provavelmente tentando entrar na lista de bons meninos do Papai-Noel.

Estava concentrada no arquivo que tinha em mãos, quando ouvi Kelly na porta.

— Atrapalho? – Ela tinha os olhos vermelhos. A longa conversa tinha que ter chegado a um ponto.

— Claro que não. – Jethro disse e deu espaço para a filha se sentar do lado dele na cama, eu estava na cadeira, um pouco afastada, mas olhava para ele com expectativa.

Ela respirou fundo e resumiu tudo em duas frases.

— Não terminamos. Mas assim que eu voltar, e antes de retornamos às aulas vamos conversar.

— Eu não sei se é algo bom ou ruim, Kelly. – Disse sincera.

— Eu tenho certeza que não vamos terminar. Sabe... eu... – ela foi ficando muito vermelha. – Eu gosto muito dele para deixá-lo ir por conta disso. – Ela disse completamente envergonhada.

Jethro olhou para a filha. E, pela primeira desde que o assunto “Henry” era mencionado, ele não tinha um ar de quem está com ciúmes ou que quer matar o garoto. Ele olhava para a filha com o olhar de quem entendia o que ela queria saber. Ele, no fundo, sabia o que ela esta sentia sobre esse garoto.

— Se você tem tanta certeza. Saiba que eu torço muito para que tudo dê certo. – Me levantei e fui em direção a ela. – Mesmo não conhecendo Henry pessoalmente.

Ela se levantou em um átimo e me abraçou, depois de um tempo, afrouxou o abraço e disse com um sorriso.

— Se a ideia de conhecer a família dele me assusta, como será que ele reagiria se ele tivesse que conhecer vocês dois?

Olhei para Jethro, ele tinha um sorriso diabólico no rosto. Eu fiquei com pena do menino. Isso não é coisa que se diga perto do pai que anda armado.

Eu não sei se vou ver essa cena, mas eu tenho medo do que pode acontecer quando Jethro finalmente conhecer o genro.

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Depois da minha conversa com Henry, eu me senti muito mais leve. Acho que as coisas dariam certo no final.

Aproveitei meus últimos dias como bem queria, fui só ao Louvre, mesmo não tendo me demorado lá. E o restante do tempo passei ao lado de papai e Jen.

Era até normal agora ficar entre os dois. Dava uma sensação de família de verdade. E assim, o último dia do ano chegou. Estávamos a poucos minutos do início do último ano do século e do milênio. Quantas pessoas podem dizer isso? Ou melhor, quantas pessoas vivas viram isso acontecer?

E esse sentimento de ver algo tão raro de se testemunhar me dava a sensação de que 1999 seria um bom ano. E eu esperava ansiosamente por isso.

Faltavam um par de horas para a virada, eu aproveite e liguei para minhas amigas, para Henry e para Vovô Jackson. Até tentei de todas as formas fazer papai falar com ele pelo telefone, mas não deu. Às vezes não se pode ter tudo.

Quando estávamos todos prontos, saímos. Iriamos receber o ano-novo com uma Ceia, em um restaurante que tinha uma linda vista para a Torre Eiffel, e, assim poderíamos ver os fogos.

O clima era de clara expectativa. Eu não sei o que muda, mas parece que a virada do calendário anual sempre é capaz de trazer esperanças de um algo melhor para todos.

Vimos quando a contagem regressiva começou. A iluminação da torre foi trocando de cor a cada segundo mais próximo do ano que estava para nascer. E quando faltavam dez segundos, foi impossível de ficar sentada. E isso não foi só comigo, todos do restaurante fizeram o mesmo e, assim, que a nossa contagem – em francês!! – chegou no zero e os fogos começaram, eu só soube abraçar as duas pessoas mais importantes na minha vida naquele momento.

Eu abracei papai e Jen ao mesmo tempo e, como desejo da virada, eu pedi que nós pudéssemos ser uma família um dia. Era tudo o que eu queria. E assim, no meio dos dois, eu assisti ao show de fogos e luzes que vinha da torre mais famosa do mundo.

Foi mágico e eu nunca mais esqueceria esse réveillon!!

Era primeiro de janeiro de 1999. E eu tinha certeza que esse ano mudaria a minha vida.

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Infelizmente não tinha como congelar o momento da virada, por mais que eu quisesse. Ver os olhos de Kelly brilhando quando os fogos começaram, o sorriso de Jen. Eu desejei que o tempo parasse ali. Mas era um desejo impossível. E, mais rápido do que eu gostaria, o dia primeiro passou.

Kelly ficou o dia inteiro arrumando a mala, uma reprise do que acontecera em Londres. Ela vinha e ia o tempo todo, procurando por suas coisas, ora era um casaco, ora o celular ou os presentes.

Jenny a ajudou no que pode. Era fácil de ouvir as duas reclamando que a mala não ia fechar se aquele casaco fosse lá dentro. Ou era melhor deixar tal coisa na bolsa de mão. Preferi não me intrometer. Era até divertido ver isso acontecer.

E elas demoram. Foi praticamente a tarde toda para arrumarem as três malas e a bolsa de mão. E quando elas terminaram, simplesmente voltaram para a sala com cara de cansadas e se jogaram no sofá, Kelly no meu lado esquerdo e Jen no direito.

— Arrumar mala é a coisa mais complicada que existe! – Kelly protestou. – E eu tenho certeza de que eu estou esquecendo algo.

— Você não pode estar esquecendo nada, Kelly. Nós já rodamos esse apartamento todo, não tem nada ficando para trás!! – Jenny respondeu, enquanto encostava a cabeça no meu ombro.

— Acho bom mesmo. Não quero chegar em Alexandria e descobrir que algum dos presentes que comprei ficou do outro lado do oceano. – Ela disse emburrada e imitou o gesto de Jen.

Eu estava literalmente no meio da conversa das duas e ambas pareciam ignorar a minha presença.

— Se, e olha que isso é um “Se” bem grande, algo ficou para trás, eu te mando pelo correio. Não se preocupe, ainda mais se for o presente da sua sogra. – Jenny brincou.

— Nem me fale em esquecer o presente dela aqui! Com que cara que eu vou chegar na casa dela, sem ter nada para entregá-la e distrai-la? – Kelly disse apavorada.

— Aí você me pegou. Mas confie em mim, está tudo nas malas.

— Malas... eu vim com uma grande e uma pequena e estou voltando com duas grandes e uma média... Jenny você é a descontrolada das compras!!! Em Londres foi igualzinho.

E ruiva que estava do meu lado direito apenas começou a rir.

— Você não me viu na minha melhor forma e com tempo suficiente, Kelly. Quando isso acontecer, você vai saber o que é carregar sacolas de verdade!

— Então vamos combinar assim: quando eu for rica, nos duas saímos para um passeio desses. Que tal?

— Só não demore para ficar rica. – Foi o que Jenny respondeu. E as duas caíram em um silêncio bem atípico para elas.

Quando fui perguntar porque elas ficaram tão quietas, notei que as duas tinha caído no sono e me usavam de travesseiro.

— Obrigado pela preferência. – Falei para as duas dorminhocas e as ajeitei melhor.

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— Posso parar o tempo?! – Perguntei enquanto enterrava a minha cabeça no peito do meu pai.

— Eu tentei fazer isso, Kells, não tem como. – Ele me respondeu depois de dar um beijo na minha cabeça.

Eu cheguei a Paris querendo passar meus dias enterrada dentro de um apartamento comendo sorvete e agora não quero deixar a cidade. Correção, eu não quero deixar nenhum dos dois para trás.

Eu detesto despedidas, e dessa vez eu sei que não posso pedir como uma desesperada para vê-los, já que papai me disse que eles estão entrando na fase final da operação.

O que significa que a comunicação vai diminuir e que está é a parte mais perigosa também. Assim, tudo o que me restava era ter esperança de que tudo iria sair bem e torcer para que, em breve, eu pudesse ver o meu casal favorito, dessa vez em solo americano.

Estava fazendo hora no saguão principal do Charles de Gaulle, minhas malas devidamente despachadas, sem pagar nenhum centavo de sobrepeso tudo porque Jenny conhece uma pessoa muito importante da companhia, tudo isso para não ter que esperar sozinha o voo ser chamado na sala de embarque.

— Quando que isso vai parar? Eu detesto despedidas!

— Ninguém gosta de despedidas ou de aeroportos, Kelly. Ninguém. – Jenny disse e me entregou um copo de chocolate quente.

— É. São horríveis mesmo. – Concordei com ela. – Quanto tempo mais por aqui? – Não dei detalhes, mas ela entendeu.

— Até julho. Não passa disso. Pode ser que seja mais cedo até. – Ela deu de ombros.

— Vocês vão escrever, não vão? – pedi.

— Não é o que estamos fazendo sempre? – Papai quem me respondeu.

— É. Quando eu mando a carta. Pois vocês não têm nenhuma iniciativa de começar uma! – Reclamei.

Os dois fizeram caras de culpados.

— Tá vendo, acabaram de entregar a culpa!

Meu voo foi chamado. Faltavam quinze minutos para o embarque. Meu estômago se apertou. Algo me dizia que aquele era um adeus definitivo. Não entendi o motivo.

— Eu tenho o telefone do apartamento. Se não derem notícias, eu vou ligar!! Vocês sabem que eu sou capaz disso! – Alertei.

— Eu não duvido de você! – Jenny me disse.

— Isso é muito bom!! – Respondi. – Pois eu ligo mesmo!!

— E vai ligar, quero saber como foi o encontro com a sogra e como foi a conversa com Henry. – A ruiva me falou. Estávamos aos poucos indo na direção das portas de revistas da sala de embarque.

Quando paramos na porta, papai foi conversar com um dos policiais que estavam por lá, mostrou o distintivo e com um aceno me chamou, mais uma vez ele tinha conseguido entrar na sala de embarque comigo.

— Eu te espero nos EUA em julho, hein? – Falei ao abraçar Jen.

— É você quem vai estar dirigindo? – Ela brincou, tentando me animar.

— Quem sabe? Isso se a pick up sobreviver às aulas! – Devolvi no mesmo tom. – Eu vou sentir saudades de você!

— Eu também, Kelly. Mas é para isso que telefones e cartas servem. Agora você tem que ir. - Ela me entregou as minhas coisas.

— Tome conta do meu pai! – Pedi a ela, depois de último abraço.

— Eu vou devolver aquele Marine rabugento inteiro, Kelly! É uma promessa.

E eu a deixei ali, no meio do corredor, podia jurar que ela estava segurando o choro, já eu, nunca fui boa em esconder as minhas lágrimas. Na segurança, passei direto, e papai, que me esperava do outro lado, me ajudou a carregar tudo.

Quando não teve jeito, e eu tive que embarcar, dei um último abraço em papai, e a mesma sensação de medo de não ver os dois juntos me assolou.

— Eu te espero no aeroporto. E quero poder abraçar vocês dois quando desembarcarem, ouviu? – Falei.

— Vamos estar lá, Kells.

— É muito bom. Então... – eu não queria desfazer o abraço. – Até julho, papai. Te amo. – Eu chorava de dar dó, se fosse olhar pela expressão da aeromoça responsável pelo portão de embarque.

— Até julho, Kells. – Ele me soltou e me guiou até o portão. E, até onde eu conseguia ver, notei que papai não arredou o pé. Ele com certeza ficaria ali, naquela janela até que não pudesse mais ver o avião.

Antes de entrar em definitivo, ainda tive um vislumbre dele, acenei minha despedida e me preparei para os sete meses mais longos da minha vida, com a certeza de que ao final eu teria o meu pai de volta e, por que não? Talvez pudesse ter uma família também.