Rogue POV

Os raios de sol estavam me incomodando um pouco. Por isso abri os olhos meio atordoado e pisquei duas vezes antes de conseguir focar a visão em alguma coisa.

O primeiro que vi foi Frosch, dormindo profundamente ao meu lado, parecia exausto, foi quando me lembrei. Aonde está Lucy?

Me sentando abruptamente, não reconheci o lugar, não reconheci aquele ambiente de um quarto de solteiro que parecia pertencer à um chalé de madeira, confortável por sinal.

— Lucy? -chamei veemente. Frosch acabou por acordar por eu ter feito barulho.

O pequeno exceed bocejou, então ergueu os olhos para mim, ficou em choque e vi as lágrimas grossas brotarem de seus olhos expressivos.

— ROGUE!! -exclamou ele claramente feliz, e saltando pra cima de mim abrindo um berreiro.

O gato verde nunca foi tão forte ou pesado como esta vez. Talvez eu esteja debilitado demais pra sequer aguentá-lo. Murmurei de dor que foram facilmente abafadas pelo choro do exceed.

— C... Calma Frosch –falei baixinho, fechando os olhos para ignorar as minhas costas latejantes.

— ROGUEEEEEEE! F... FRO... FRO ACHOU QUE ROGUE IA MORRER!! FRO... FRO FICOU COM MUITO MEDO!

Suspirei com um sorriso e alisei a cabeça arredondada dele.

— Mas estou vivo, certo? Não vou deixar você sozinho Frosch. Vai dizer que não confiou em mim? -provoquei. Ele silenciou por uns instantes, enrugando minha camisa com suas patas.

— Fro confia no Rogue. -murmurou teimosamente sem mostrar o rosto. Mas eu sabia que sua expressão deveria ser incrivelmente adorável, com as sobrancelhas tricotadas.

Lancei um sorriso singelo e percebi como eu estava enfaixado e tinham me vestido com uma camisa branca por cima... Branca... Com certeza é branca...

Por um segundo senti meu gosto por roupas pretas seriamente ferido...

Nesse momento, a porta se abriu e antes de eu erguer os olhos, escutei um gritinho de uma voz que conheço muito bem.

— Rogue! -Lucy correu para a beira da minha cama com um sorriso nos lábios. Ela segurava uma bacia rasa de água com dois panos límpidos- V... Você finalmente acordou! -lágrimas brotaram dos olhos dela.

— Bom, eu acho que sim. -respondi retribuindo o sorriso.

— Você devia ter dito que estava sentindo dores! -ela ralhou. Nervosa e numa tentativa falha de parecer zangada. Mas estava feliz demais para esconder o sorriso- Como se sente?

— Eu... -pensei por alguns segundos- Queria uma camisa preta -suspirei decepcionado.

A maga celestial me encarou por alguns segundos sem acreditar no que falei e caiu na gargalhada. A risada dela era bonita, me acalmava.

— Sabia que você não iria gostar de camisas brancas, mas pacientes não usam camisas pretas, Rogue. E pense nisso como uma punição -piscou o olho.

— Lucy -murmurei percebendo uma coisa- Aonde estamos? A quanto tempo estamos aqui?

Ela apertou os dedos e forçou um sorriso.

— Estamos na vila de Tern, por temos você num estado crítico, nos permitiram entrar. Você dormiu por três dias.

Fiquei surpreso. Não é à toa que Frosch parecia tão desesperado, embora agora já estivesse mais calmo e estava sentado em meu colo brincando com as minhas mãos. Fiquei preocupado ao encarar os olhos achocolatados de Lucy. Ela está me escondendo algo. Franzi as sobrancelhas e ela percebeu isso. Meio aflita, abriu um sorriso maior e balançou as mãos.

— Ah! Mas o pessoal daqui só parecem pouco hostis, mas são boas pessoas, não nos fizeram mal nenhum. Não se preocupe! Agora descanse! Você mal acordou e precisa se recuperar -ela mudou de assunto abruptamente- Vou lhe trazer um pouco de comida, okay? Tente relaxar.

Ela sorriu, deixou a bacia que segurava em cima da mesinha na cabeceira e saiu do aposento. Movi os polegares nervosamente. O que é que Lucy está fingindo?

Está certo que devemos ter uma cautela e não há como nos sentirmos bem aqui, uma vez que não somos bem-vindos. Mas o que a loira esconde em seus olhos, não é nada disso. Era como se tivesse preocupada e um tanto nervosa.

— Rogue? -chamou o gato erguendo os olhos para mim, me retirando dos pensamentos alheios- Ainda dói? -perguntou preocupado.

Agora que ele perguntou, me sinto dolorido, mas melhor do que a três dias atrás.

— Não muito. Vou ficar bem -sorri para tranquilizá-lo.

Frosch assentiu com a cabeça.

Não demorou muito para Lucy voltar com uma bandeja contendo frutas e uma tigela de sopa. Ela colocou na mesinha na cabeceira, retirando a bacia e apoiando-a na cama. A loira pegou um dos panos úmidos e gentilmente pegou minha mão, limpando-me.

Eu não sabia como reagir à sua gentileza. Eu deveria deixá-la me tocar assim, mesmo com o meu coração se acelerando? Tentei deixar meu rosto o mais inexpressível possível, mas por dentro eu estava espantado e nervoso.

— Quer comer algo? -ela perguntou gentilmente- Precisa de energia, sabe?

Não quis contrariá-la, então peguei uma maça que a loira trouxe e comecei a mascá-lo lentamente. A fruta era vermelha e muito doce, devo confessar que estava muito boa.

Á essa altura Frosch estava brincando sozinho com a ponta do cobertor em algum tipo de briga imaginária. Então observei a maga celestial encostar a bacia no chão, dar volta na minha cama, rumando à janela para encarar a vila, mas os olhos dela pousaram muito alto que os telhados das casas, ela na verdade olhava para as nuvens.

— Não acha que o Grande Dragão foi impressionante em se apaixonar por alguém tão diferente dele? -ela murmurou extremamente baixo, perdida em pensamentos. Para uma pessoa comum suas palavras passariam despercebidas, mas não por mim, um Dragon Slayer- Ele amou e não tinha medo de amar uma humana.

Já estava na metade da maçã, pensei no que ela falou e lembrei de algo bem antigo, algo que Skiadrum me disse uma vez.

— Meu pai... -comecei a lhe responder, ela virou os olhos achocolatados para mim- Disse que os dragões entregam seu coração à apenas uma parceira pela vida... Se apaixonam apenas uma vez e quase sempre são correspondidos, caso não forem correspondidos, vivem solitários pelo resto de suas vidas. E eles têm o costume de se casarem, não com uma formalidade de anéis de ouro ou festas cheias de enfeites, o casamento dos dragões é apenas uma promessa e uma marca mágica que não pode ser desfeita ou apagada.

Lucy ergueu as sobrancelhas surpresa por eu ter lhe contado tal costume, então de seus olhos brotaram lágrimas para o meu espanto.

— L... Lucy? -chamei. Frosch parece que se cansou de brincar e já dormia profundamente outra vez.

— D... De... Desculpa -se apressou em enxugar as lágrimas- É que de repente me bateu uma admiração... Ele... Mesmo sabendo que era um amor que nunca daria certo, mesmo sabendo que ela era completamente diferente dele, mesmo assim, ele a quis. Quando penso que ele acabou se apaixonando por alguém que viveria tão menos que a si próprio, sabendo que ainda poderia ver centenas de anos pela frente sem ela... Mesmo assim a amou de verdade a ponto de concordar com acordos com coisas que ela nunca poderia lhe dar... Fazer coisas por ela sabendo que não seria retribuído... E dar até mesmo sua vida a ela... Isso fez o meu coração se apertar muito.

Fiquei pasmo, Lucy passou por péssimos momentos por causa do que o Grande Dragão arquitetou na esfera vermelha, mesmo assim, ela não sentia mágoas ou raiva. E mais uma vez, pensei em como ela era surpreendentemente forte, sem culpar o Dragão pelo o que ela sofreu na montanha.

— Você é impressionante Lucy... -murmurei, ela não escutou. Estava voltada à janela mais uma vez e olhava dessa vez, para as pessoas da vila- É como se brilhasse e não pudesse ser corroída pela escuridão. Diferente de mim que mora no mais negror da noite.

Fechei os olhos meio cansado, em algum momento, acabei deitando e dormindo sem perceber.

Lucy POV

Rogue acaba de dormir mais uma vez, por um instante tinha ficado apreensiva pelo moreno ter dormido por tanto tempo. Deixei-o com Frosch. Não parecia, mas o gato verde ficou acordado por dois dias, preocupado e foi agora pouco que consegui dormir, assim que o Dragon Slayer acordou, é quando o exceed acordou também.

— Oh, Lucy! -uma voz feminina me chamou. Me virei e encontrei com uma bela mulher de olhos acinzentados e longos cabelos arroxeados.

— Olá Karoline-san -sorri de volta. Era a mãe de Tern.

— Parece que seu parceiro acordou, ele está bem? -questionou amigavelmente em tom preocupado.

— Sim -assenti- Acaba de dormir de novo, mas me pareceu bem, muito obrigada por se preocupar.

— Fico feliz em saber -suspirou aliviada- Será que poderia trazer Tern para mim? Ele deve estar em algum lugar lá fora.

— Claro! -sorri.

E fui me afastando pelo corredor, deixando Karoline para trás. Todo o povo da vila nos encarava friamente e em um olhar de como se fôssemos animais que eles deviam temer e enjaular. Já me foi avisado para não nos afastarmos muito da nossa hospedaria, uma casinha de madeira meio afastada do centro da vila.

Mas Karoline era diferente, ela nos tratava bem, nos vendo como pessoas, humanos comuns que não precisam temer ou relutar. Era uma mulher gentil e forte, e pelo que aprendi nos poucos momentos que fiquei na presença dela nesses três dias, descobri que o pai de Tern estava sumido e Karoline cuidou do rapaz sozinha.

Ao sair pela porta da frente da casa. Logo vi o menino de cabelos brancos trazendo uma grande quantidade de sacolas de palha, tendo uma certa dificuldade de abrir o portãozinho da entrada do jardim. Corri para ajudá-lo.

— Obrigado -sorriu ele.

As poucas pessoas que davam para ser vistas, nos encararam receosos e temerosos. Fingi não reparar.

Outra coisa diferente naquela vila, era que todos tinham cabelos arroxeados, menos Tern, mas os olhos do menino eram iguais os da mãe, acinzentados e fortes, mas agora, tremulavam de vez em quando, como se estivesse preocupado com algo.

Ajudei a carregar algumas compras que o rapaz levava. Fiquei pensando em minhas chaves que entreguei aos vigias da vila, suspirei. Não tive a coragem de contar isso para o Cheney, que pela nossa passagem para dentro da vila, tive de sacrificar minhas chaves. Me sinto péssima, meus espiritos não devem estar satisfeitos também.

Quando menos esperei, o menino albino se apoiou na mesa bruscamente. Eu arregalei os olhos e toquei em suas costas.

— Tern!? Você está bem!?

Os olhos acinzentados me encararam, estavam a ponto de chorar.

— O... O que houve Tern? -me assustei.

Ele se apressou em enxugar seus olhos com a manga da camisa e forçou um sorriso, um sorriso que eu sempre fazia quando me perguntavam se eu estava bem enquanto eu desviava o olhar do feliz casal Lisanna e Natsu.

— Não é nada. Desculpe por isso...

— I... Imagina... -murmurei ainda em preocupação.

— E como está o seu parceiro? -questionou, com os olhos acinzentados me encarando.

— Está bem -respondi com um sorriso.

Ele desviou o olhar. Pensativo.

— Ehm... Aconteceu algo, Tern?

— Ahm!? -ele balançou a cabeça negativamente- N... Não... Apenas...

— Apenas?

— Apenas me perguntei como você pôde ir tão longe por alguém... Se humilhar e entregar algo tão precioso como suas chaves mágicas... -ele murmurou. Eu apertei meu braço, forcei um sorriso doloroso.

— Tern, esse é o normal. Eu e Rogue somos companheiros, quando ele se deu tudo por mim, eu apenas tive que corresponder e dar tudo de mim também.

— ... É assim que as coisas funcionam no mundo fora dessa vila?

Não compreendi muito bem o que ele queria dizer com aquelas palavras. Mas assenti.

— É assim que deveria funcionar com todos os seres humanos.

Ele abaixou o olhar e fechou o punho.

— É assim que deveria funcionar com todos os seres humanos... -murmurou, repetindo minhas palavras.

Estou preocupada... O que é que perturba tanto essa criança? Ele tem a idade de Wendy, mas crianças de sua idade não deveriam demonstrar esse tipo de sentimento em seu rosto... Como se o seu mundo estivesse sempre errado e não pudesse fazer nada para repará-lo.

— A propósito Tern, sua mãe me pediu para encontrá-lo, acho que ela está precisando de algo.

— Minha mãe? -ele se surpreendeu- Vou ir procurar ela, obrigado Lucy.

E então fui deixada sozinha. Abri a geladeira para guardar as coisas que estavam na sacola que Tern trouxe. A geladeira em si não era uma coisa complexa igual se viam nas cidades como Fiore, mas mesmo sendo antiga até mesmo um tanto medieval, era claro que fazia seu trabalho bem. Guardei os ovos que ainda estavam um tanto quentes, recém colhidos provavelmente. As verduras como alfaces que eram um verde vivo, de folhas crocantes, rígidas e um tanto molhadas, mal saídas da plantação, suponho. Uma sacola vermelha com um pedaço farto de carne avermelhada, consistente de bela cor, provavelmente vinda do açougue que tem por perto.

Depois que guardei tudo com satisfação, fui para a pia e lavei as minhas mãos. Depois de secá-las, me virei para o corredor, indo atrás de Karoline ou Tern. Percebi uma porta entreaberta, a porta de madeira que levava para a sala de estar. Ia bater na porta e abrir, mas escutei duas vozes numa conversa em sussurros.

— Mãe, nós devemos sair daqui! O mundo fora dessa vila é incrível e eu sei que você sabe disso...

— Desculpa Tern... Mas eu não posso abandonar o seu avô... Não de novo...

E então um soluço veio da voz de Tern. A mulher murmurou:

— Eu fiz você sofrer meu filho... Te trazendo para esse mundo, justamente para essa vila cheia de superstições e preconceitos... Sua mãe sente muito -a voz da mulher falhou- Mesmo assim... Mesmo eu sendo assim... Te amo muito, meu filho. Por isso, quando aqueles magos saírem, você precisa ir também.

— Podemos ir juntos, mãe...

Espiei pela fenda e vi Karoline dar um pequeno beijo na testa do rapaz.

— Vou preparar o jantar... Poderia me ajudar?

O rapaz assentiu, um tanto cabisbaixo. Eles vinham para a minha direção, ambos enxugando as lágrimas. Na ponta dos meus pés, corri para a cozinha, me sentando silenciosamente em uma das cadeiras de madeira, esperando a mãe e filho virem.

Mas o que significava aquilo que vi agora? Era como... Eu não sei... Parecia uma despedida?

Mas antes que eu pudesse completar meu raciocínio, os dois apareceram na cozinha. Karoline estava de bom humor como sempre e Tern fingia que estava bem.

— Ora Lucy -sorria a mulher de cabelos roxos- Gostaria de ajudar a preparar o jantar?

— No que posso ajudar? -concordei na hora com um pulo e um sorriso no rosto. Karoline estava sendo muito gentil naquela hospitalidade sem ganhar nada em troca, como recusar um pedido desses?

Eu cortava a cenoura enquanto Tern descascava as cebolas e Karoline esquentava a panela no óleo. Ela optou por fazer um cozido de carne moída com cenoura e batatas, um refogado de repolho, vagem cozinha com molho de temperos. De certa forma a noite se estendia e ligamos as luzes, a cozinha passou a cheirar incrivelmente bem.

— Por que não chama o seu amigo, Lucy? Talvez ele esteja bem para vir comer conosco -a mulher falou.

— É, acredito que sim -sorri ao ver a mesa tão farta e bonita- Vou ir chamar ele.

Com isso, subi as escadas rumando para os quartos que ficavam no segundo andar. O fato em que Tern estava silencioso me incomodava um pouco, mas o que poderia fazer? Questionar coisas pessoais? Coisas de Tern e Karoline, me intrometendo seria o certo?

Resolvi deixar o que vi de lado.

Com cuidado virei a maçaneta do quarto em que Rogue estaria descansando. No segundo em que vi a cama dele com o moreno dormindo tão inocente, suspirei. Mordi o maxilar e me aproximei. É culpa minha do Cheney estar neste estado.

— Rogue? -chamei gentilmente, tocando em seu ombro.

— Fada-san? -Frosch que cochilava ao lado do Dragon Slayer acordou imediatamente.

— Oi Frosch -sorri com o luar entrando no quarto.

Seus cílios faziam sombras, eu ruborizei encantada com a vista. Puxei delicadamente com a ponta dos dedos a sua franja que escondia um dos seus olhos, porém como se ele fosse rebelde, escondeu metade do seu rosto novamente. Dei uma pequena risada. Mas por conta da pressão do exceed me encarando, me forcei a ser séria novamente.

— Rogue, vamos, acorde.

— Hmm...? -o moreno se mexeu, frisando as sobrancelhas e então abriu os olhos lento- Lucy?

Frosch se sentou e esfregava os olhos, Cheney bocejou me encarando.

— Como se sente, Rogue?

— Melhor -foi sua resposta.

Ele fez menção de querer se sentar, eu me apressei a ajudá-lo.

— Consegue se levantar? Queria que fosse jantar conosco.

O moreno me fitou por alguns instantes e esboçou um sorriso.

— Claro.

Cheney retirou o cobertor e se levantou, cambaleou um pouco segurando a cabeça. Corri para que ele apoiasse em meus ombros.

— Rogue!? T... Tem certeza que quer vir? -me preocupei muito.

— Sim... Só senti um pouco de tontura, mas estou bem.

Eu acredito que é porque Rogue passou muito tempo deitado... E não teve tempo de repor todo o sangue que perdeu aquela noite...

— Vamos, Frosch -chamei o exceed que parecia tombar de sono mais uma vez, mas de certa forma estava muito fofo.

Com a minha ajuda, saímos do quarto. Frosch havia acionado Aera e flutuava meio torto ao nosso lado. Desejei rir, mas me contive, apenas sorrindo.

— Sinto muito por te preocupar tanto, Lucy -o moreno murmurou. Não compreendi.

— Por que está pedindo desculpas? Você ficou assim por eu ter sido precipitada lá na montanha... Quem deve pedir desculpas sou eu... -respondi, minha voz tremeu.

— ... Mesmo assim achei que tinha que pedir desculpas... Não pretendia causar tanto alvoroço.

Balancei a cabeça negativamente.

— Rogue... Não precisa pedir desculpas ou coisa assim, é normal nos preocuparmos pelas pessoas que nos é importante.

E com isso, o Cheney emudeceu, pelo canto do olho eu o vi sorrir.

— Ah... Você está certa -por fim respondeu.

Assim que chegamos à cozinha, os pratos estavam arrumados junto aos talheres e vi Karoline e Tern sentados nas cadeiras.

— Ora! Fico feliz que nosso hóspede esteja bem -Karoline sorriu confortavelmente.

— Ehm... -Rogue pareceu confuso e eu me apressei a falar:

— Rogue, essa é a mãe de Tern. Foi ela quem cuidou de nós no tempo que ficamos por aqui.

— Ah! -ele compreendeu e abaixou um pouco a cabeça em cumprimento- Muito obrigado pela hospitalidade, agradeço profundamente pela sua gentileza.

Me surpreendi um pouco com a formalidade do rapaz. Mas bem, eu imaginei que Cheney seria uma pessoa assim, séria e bem formal quando queria.

— Meu deus! -a mulher exclamou sorrindo.

— Rogue, aqui não precisa dessas formalidades -riu Tern.

— Vamos -Karoline se levantou e puxou uma cadeira próxima- Sente-se e vamos comer.

— Obrigado -o mago das sombras murmurou, eu o ajudei a se sentar.

Me acomodei na cadeira ao lado da dele. E Frosch se sentou em um canto da mesa onde um prato com vários peixes fritos havia sido preparado a parte.

— Pode pegar o que quiser -a mulher sorriu. E realmente, aquela comida estava uma tentação que eu poderia pegar um pouco de tudo.

Fui me servindo e percebi que Rogue havia apenas colocado pouca comida no próprio pato.

— Vai comer só isso? -questionei. Ele me encarou, pegando um garfo e revirando as batatas.

— Não sinto muta fome -sorriu ele tentando não me preocupar.

— Ora! Que bobagem! -Karoline se levantou da cadeira, agarrou com vigor uma das conchas e foi pegando fartamente a carne com legumes, derramando tudo no prato do moreno- Você é um homem que está precisando se alimentar direito!

— Huh!? -o Dragon Slayer ficou meio sem saber como reagir enquanto assistia o próprio prato se encher e virar uma montanha.

— Mãe! -Tern exclamou- Não judie do Rogue, ele não vai conseguir comer tudo isso!

Eu analisei e realmente, o prato de Rogue estava uma montanha tão grande de comida que nem mesmo duas de mim dariam conta...

Karoline, que parecia uma criança, inflou as bochechas e olhou para o prato do moreno. Meio teimosa, os olhos dela denunciavam que ela também achou que exagerou na dose de comida do prato dele.

— Desculpa pessoal... Minha mãe às vezes exagera -Tern bateu a mão na testa- Não precisa comer tudo, Rogue... Só o que conseguir comer e tá bom.

Karoline limpou a garganta um tanto sem jeito e sussurrou para o moreno, mas um sussurro bem audível:

— Rogue, essa comida quem fez foi a Lucy, com certeza você não vai desperdiçar ela, né?

E com isso o moreno me olhou surpreso. Meu rosto corou e gaguejei:

— E... Eu só ajudei um pouco... Nem... Nem fiz muita coisa...

A mão do moreno agarrou o garfo gentilmente e eu engoli seco, ansiosa. Por causa de Karoline ter falado isso, meu coração ficou todo acelerado! Que nervoso...

O encarei comer a comida, então ele sorriu.

— Está deliciosa -comentou.

Por alguma razão mágica me senti muito feliz. Vi a mulher sorrir, voltando a dar atenção ao próprio prato, comendo cuidadosamente. Eu resolvi fazer o mesmo. A comida estava deliciosa, assim como Rogue disse. E aquilo que ele diz ser tão bom, nem que tivesse sido um pouco, fui eu quem fiz. Fiquei um pouco orgulhosa e satisfeita.

Conversamos sobre coisas bem animadas até bem depois de terminarmos de comer, acreditei que não seria bom falar muito sobre magos e magia pela vila ser bem preconceituosa embora Karoline parecesse uma pessoa completamente diferente do resto do povo dela.

Foi quando Frosch bocejou pela barriga cheia que falei:

— Acredito que está na hora de irmos para a cama.

— Oh! Já está tão tarde? -se surpreendeu Karoline ao ver um relógio de madeira que estava próximo. Um objeto bem curioso para mim, já que eu sempre usei uma placa mágica para ver as horas- Vamos Tern, querido, para cama.

— Hmmm? -Tern murmurou abrindo os olhos, pois havia cochilado na cadeira desconfortável. Ele coçou os olhos e Karoline disse amavelmente:

— Vá para a cama, meu amor -deu um selinho na testa dele. Por alguma razão vi o rapaz fechar os punhos e parecer mais tenso... Com uma cara que poderia chorar a qualquer momento. Mas logo sorriu e disse:

— Boa noite... Boa noite Lucy, Rogue e Frosch... Boa noite mãe -pareceu cansado.

— Boa noite, filho.

E Tern subiu as escadas.

— Vou pegar os pratos para lavar -falou Rogue.

Rogue fez menção de se levantar, mas cambaleou e fez uma careta de raiva, segurando a cabeça, parece que ele não estava nada bem.

— Não mesmo -Karoline se levantou e o reprovou com o olhar- Mocinhos doentes precisam descansar.

— Ela tem razão, Rogue. Vem, eu te ajudo –falei, pegando-o pelo ombro.

O moreno não tinha escolha e suspirou.

— Boa noite -ele disse.

— Boa noite -Karoline sorriu.

— Venha Frosch -toquei no exceed que já tombava desmaiando pelo caminho.

Com uma mão carreguei o gato esverdeado e com a outra mão segurava a cintura do Cheney enquanto o mesmo se apoiava nos meus ombros.

Subimos as escadas e abrimos a porta do quarto de hospedes. Ajudei ele a se deitar e coloquei Frosch ao seu lado.

— Obrigado Lucy -ele murmurou.

— De nada, Rogue -respondi.

O exceed já dormia profundamente, e Rogue também logo fechou os olhos. Acredito que ele estava mais cansado mais do que parecia. Nas pontas de meus pés saí do aposento e desci as escadas. Karoline guardava as sobras na geladeira e eu peguei os pratos da mesa.

— Vou te ajudar a guardar essa bagunça -me apressei em dizer, quando ela me encarou surpresa.

— Tudo bem, obrigada Lucy -sorriu.

— Eu que agradeço -balancei a cabeça, recolhendo os talheres sujos- Você foi muito gentil conosco.

— Eu apenas fiz algo que qualquer pessoa deveria ter feito. No momento em que alguém precisa de mim, devo ajudá-lo... É assim que penso.

Karoline é bem diferente dos outros do povoado. Foi o que pensei.

Tern POV

Olhei a lua pela janela do meu quarto, estava bonita por sinal, mas uma coisa me incomodava. Algo que me impedia de dormir.

No tempo em que os magos que chamamos para nos ajudar com o nosso problema... Acabei por escutar uma conversa escondida por trás de uma porta semicerrada. Posso lembrar de cada palavra.

Eu sou Tern, e sempre soube que era diferente... Que meu avô me odiava terrivelmente. Ah, meu avô é o líder atual da nossa vila...

— O que pretende fazer, líder? -escutei um dos homens mais velhos da vila murmurar irritado.

— Cometemos um erro... Eu cometi um terrível engano... -era a voz do meu avô. Ele era velho, porém bem saudável, se alimentava bem, caminhava ereto embora fosse um pouco baixo de estatura.

— As pessoas vão passar a dizer que magos são pessoas boas. Vão se iludir mais uma vez -grunhiu o homem com quem meu avô conversava.

— Isso se aqueles magos conseguirem terminar a missão -se apressou o líder.

— E se conseguirem?

— Então teremos que apagá-los. Toda manhã em que Tern sair para procurá-los, prepare uma emboscada na floresta pelo caminho em que eles usarão para ir embora depois de virem aqui para pegar o dinheiro. Vá você e os homens mais confiáveis do grupo de caça. -e a sua voz se tornou mais fria- Lembre-se... Isso tem que ser segredo.

— O... Grupo de caça? Armadilha? -não compreendeu.

— Sim, vocês vão sair para caçar algumas corças e então os magos irão atacar vocês, porque a nossa pobre vila não pôde fornecer tanto dinheiro quanto eles queriam... Não acha? -murmurou o líder.

— Ahh... Sim... Sim... Eles são magos tão gananciosos afinal... -riu o homem compreendendo o que o líder quis dizer- Mas eles são magos, nós não temos chance contra... Não sabemos o que eles podem fazer contra nós.

— Não se preocupe, são só dois magos e vocês homens armados. E quem sabe, assim finalmente vou poder me livrar daquele monstro.

— Monstro? Você diz o seu neto, Tern?

— Não ouse chamar aquela aberração de meu neto! -berrou o velho, com raiva- Ele é um ser que a minha filha ingrata deu à luz... Se eu pudesse teria me livrado dele faz muito tempo.

— D... Desculpe, líder...

E com isso corri e contei para a minha mãe... Ela me disse para ficar em silêncio que ela mesma iria dar um jeito... E então todo dia em que eu ia procurar Lucy, Rogue e o gato voador, minha mãe saia escondida para poder ajudar os magos a fugirem em segurança... E eu era para fugir com eles e quando pedi para ela vir comigo, minha mãe se recusou a sair da vila... Mas um imprevisto aconteceu.

Um dos magos estava terrivelmente machucado.

De uma forma ou outra as coisas mudaram de rumo... E eles pararam na minha casa com a mamãe. Essa noite foi agradavelmente animada, com o mago finalmente se despertando...

Mas eu não consigo dormir. Simplesmente não consigo dormir.

Foi então que escutei a porta do meu quarto se abrir lentamente, fechei meus olhos rapidamente fingindo dormir. Ouvi passos e então uma voz sussurrou:

— Te amo, meu filho. Eu irei resolver isso.

E me deu um beijo na minha bochecha, saindo silenciosa. Senti um tremor no meu estômago. Algo estava errado. Foi por isso que eu a segui.

Escutei a porta da casa se abrir e vi a silhueta dela vagar pelas ruas vazias, enquanto eu espiava pela janela. Escapei pela porta de entrada, seguindo-a. A lua brilhava mostrando o meu caminho. A maioria das casas estavam escuras, todos dormiam a não ser por um ou outro que ainda estavam virando as suas noites por alguma razão.

Mamãe encaminhou até a casa mais grande da vila, depois da igreja. Ali era aonde meu avô sempre ficava. Era o lugar em que as pessoas da vila se reuniam para discutir os problemas, tomar decisões que eram necessários para a aprovação e consentimento de toda a vila. O grande salão.

Ali tem um pequeno quarto de dormir para o líder, mais um grande salão para que coubesse todas as pessoas importantes da vila e a sala particular em que as pessoas pudessem consultar o líder sem precisar se preocupar com terceiros escutando.

Ela entrou e eu a segui como uma sombra. Passou pelo salão e subiu as escadas, para o segundo andar onde havia uma luz acesa no escritório particular. No momento em que ela abriu a porta e entrou, deixou a porta semiaberta onde pude ver a feição surpresa do meu avô.

— Karoline? O que faz aqui a esta noite?

— Trabalhando até tarde, pai?

E se encararam por um instante.

— Diga logo o que quer, Karoline. Estou ocupado.

— Pai. Isso tem que parar.

— O quê?

— Pai, a culpa foi minha por ter sido uma jovem tola. Mas mesmo assim, esse preconceito sem sentido tem que acabar. Por que quer fazer mal aos magos que nos ajudaram? -ela estava séria, nunca a vi assim antes.

— Mas... Como... Você descobriu?

— Isso não interessa. Eu fui tola, mas você está sendo fraco. Fraco por não querer sair dessa jaula que te é tão aconchegante e deixar as novas oportunidades entrarem para a nossa vila. O mundo mudou pai. Temos que parar com essa besteira de que magos são ruins!

— Espera... Foi aquele monstro infortúnio que você deu à luz, não é? Ele que descobriu? -meu avô questionou.

— Não chame meu filho de monstro! -ela berrou- Monstro é o homem que te deixou assim! Mas Tern é um bom rapaz! Devia se orgulhar dele! Ele tem nada a ver com essa história toda!

E então o rosto do velho se endureceu.

— Nunca vai aprender, Karoline? Sua mãe se retorceria no caixão de tanta amargura se soubesse disso. Mas você não vai me impedir... Eu irei mostrar para essa vila que nunca mais devemos confiar nos magos.

— O que você está tramando?

Vi o sorriso no rosto dele. Um sorriso maligno.

— Fique quieta Karoline... Finalmente... Finalmente irei limpar o nome da nossa família. Tirar essa monstruosidade das nossas vidas.

— Você... Você... -ela murmurou, em alerta, então ergueu a voz mais uma vez- NÃO PENSE EM TOCAR EM TERN! PAI, O MONSTRO AQUI É VOCÊ! VOCÊ QUE QUER PREJUDICAR O PRÓPRIO NETO!

— CALE A BOCA, KAROLINE! AQUILO É UMA ABERRAÇÃO! ELE ESTÁ TENTANDO NOS MATAR POR DENTRO! ABRA OS OLHOS, GAROTA IDIOTA! NÃO COMETA O MESMO ERRO DUAS VEZES! TRAZENDO DESGRAÇA PARA NÓS! -ele rangia os dentes em fúria. Batendo a mão na mesa.

— PARE COM ISSO! ABRA OS OLHOS VOCÊ! PRETENDE DERRAMAR MAIS SANGUE DA NOSSA FAMÍLIA!? SE VOCÊ NÃO TIVESSE ESTRAGADO TUDO, MAMÃE NÃO TERIA TIDO AQUELE INCIDENTE! NÃO BASTA ELA, AGORA QUER MATAR O NETO!? QUEM ESTÁ COMETENDO ALGUM ERRO AQUI É VOCÊ! -ela apertou os braços, olhando em descrença.

— CALE A BOCA!! -seus olhos se saltaram mais e mais.

E com isso, o velho surtou. Pegou uma pequena estátua branca de pedra em formato de cavalo, que servia para dar peso nos papeis da mesa do escritório. Num vulto, ele atingiu o pesado objeto contra a cabeça da mulher e ela caiu com tudo ao chão, seu rosto virado para cima.

Fiquei paralisado. Queria gritar, queria chorar, mas o que estava acontecendo? Eu não estou entendendo... Não queria acreditar nos meus olhos. Não queria acreditar naquela cena.

Meu avô arfava. Então o cavalo marfim que estava um tanto manchado de vermelho, escorregou de sua mão.

— Karoline? -chamou, mas ela não respondia- Karoline! -ele chamou mais alto.

Ele cambaleou para trás, colocando a mão na testa. Seu rosto estava branco como papel. Os olhos desfocados e sua respiração sem ritmo.

— N... Não... Não é minha culpa... Não é... Foi... Foi esses magos sempre, sempre, sempre, sempre, sempre trazendo a tragédia nessa vila! Sim... Não me culpe Karoline! Foram eles! Eles que sempre vem aqui nos arruinar de novo e de novo!

Mas é claro, ela não se moveu nem um pouco. Suas pálpebras não se moveram nem um centímetro, como se ela estivesse dormindo profundamente.

Os cabelos roxos dela estavam se misturando ao sangue que fluía da lateral de sua cabeça e a luz das velas brilhavam o incidente que desenrolava na minha frente. A quantidade de líquido era aterrorizante, logo se tornou uma poça carmesim.

Então meu avô, com os pés arrastando, veio para a minha direção. Corri para me esconder atrás de um gigantesco vaso próximo da porta, o perfume das flores plantadas me incomodava, mas fiquei em silêncio. O velho saiu e quando virou a esquina do corredor, me apressei para dentro da sala.

— Mãe! -chamei e me joguei de joelhos ao lado dela, pegando sua cabeça, para tentar levantá-la no meu colo. Mas toquei em uma coisa molhada.

Vermelho, era completamente vermelho. Foi quando minhas lágrimas começaram a cair.

— Tern...? -escutei um sussurro.

— MÃE! -senti felicidade por ela estar me chamando. Ela acordou!

Mas então a mão dela passou pelo meu rosto tocando nas minhas lágrimas.

— Tern... Meu querido Tern... Não deixe que seu avô faça mais coisas más...

— Uhum! Eu não vou deixar! -concordei veemente- Agora vamos chamar por ajuda e...

Mas o dedo dela pousou nos meus lábios.

— Esse é o meu gentil Tern... Não deixe ninguém te tirar essa qualidade sua, meu filho... Mesmo o seu pai tenha sido um homem terrível, você é a prova... Prova de bondade... Agora vá, antes que seu avô volte.

— Mas... Mãe... -murmurei, negando com a cabeça.

— Vá! -ela mandou de uma forma que eu estremeci. Com medo, com lágrimas, meu coração saltou quando escutei passos no corredor- Está tudo bem, meu filho, eu vou ficar bem.

Eu sabia, eu sabia que era mentira dela. Mamãe não ficaria bem. Eu sabia. Mesmo assim, fingi que ela ficaria bem e me esgueirei até o armário mais próximo, entrei nele e observei por uma pequena fresta, minha mãe continuou a olhar para cá, com um sorriso e seus lábios se mexeram num murmúrio:

— Eu queria tanto poder te ver crescer... Ver o homem incrível que você será... Conhecer os netos maravilhosos que você me dará... Mas hoje, só posso te dizer: Mesmo que todos te odeiem e te digam que você não tem nenhum valor, você sempre será o meu maior tesouro... O filho que tanto me orgulho. Que amo... Muito...

Seus olhos se fecharam lentos, com uma lágrima caindo em despedida. E mesmo que tivesse sido minha imaginação, consegui escutar seu último respiro, era o som mais triste que escutei em toda a minha vida.

Por isso, com as duas mãos, tampei minha boca para não gritar.