Caminhantes

Chuva, o amanhecer


Rogue POV

Ainda era o começo da noite, mas eu não sabia sobre as coisas que a lua prateava poderia estar presenciando naquele momento, eu apenas estava tão cansado, sentia que poderia dormir por mil anos e meu corpo ainda não estaria no seu cem por cento.

Frosch está do meu lado, eu posso senti-lo mesmo com meus olhos estando fechados. Mas acordei repentino quando escutei uma gritaria lá fora.

Como a janela era próxima da cama, espiei por ela apenas me sentando e vi uma multidão de pessoas de cabelos roxos e rostos zangados.

— ASSASSINOS! -bradou um dos revoltados.

— MONSTROS! -berrou o outro.

— QUEREMOS MORTE A ESSES TRAIDORES!

— CONFIAMOS EM VOCÊS! E É ASSIM QUE TRATAM AQUELES QUE LHES ACOLHE!

Frosch acordou e ao escutar os berros zangados iluminados pela lua, o pequeno gato me abraçou.

— O que está acontecendo? -chorou o exceed. Eu apenas pude balançar a cabeça, confuso.

A porta do quarto se abriu e vi a loira de sobrancelhas frisadas, arfando e apoiando uma mão no joelho.

— Tern e Karoline-san sumiram. O que está havendo? -ela disse com dificuldade.

— Lucy... Tem uma multidão lá fora, nos xingando de assassinos.

O rosto dela ficou tenso, ela caminhou para a janela e deu uma espiada. Olhei também e vi um grupo de homens abrindo a porta da frente.

— O que faremos? -ela mordeu os lábios.

Escutamos o som dos homens arrombando a propriedade. E num pulo, eu saí da cama. Mal conseguia me mover muito bem. Mas sinto-me mais forte do que antes.

— Rogue? -ela me segurou, apressada para ajudar.

— PEGUEM ELES! -escutei claramente o grito de um dos homens que já se encontravam no andar de baixo.

Seus passos eram pesados e pelo seu caminho estavam quebrando coisas da casa. Os sons de vidros se rachando e madeiras rangendo ecoavam tristemente no meio da noite.

— DEVEM ESTAR NO SEGUNDO ANDAR! -alguém berrou. Ao ouvir isso, senti Lucy tremular.

Quando as figuras rapidamente chegaram na porta aberta do quarto que eu estava hospedado, ergui meu braço para conjurar magia, porém a mão da loira segurou firmemente meu pulso, me parando.

— Não. -ela disse calmamente, encarando os homens zangados.

Não compreendi o porquê de ela parar minha conjuração. Estou fraco, eu concordo, porém estou forte o suficiente para criar algumas magias que facilmente derrotaria aqueles caras inexperientes.

Como se ela sentisse meu sentimento incrédulo, Lucy sorriu e pegou Frosch para seus braços. O exceed estava pálido e lacrimejante.

Os homens nos agarraram de forma bruta, e nos empurraram para o primeiro andar, passando pela escada velozmente. Quase tropeçamos, porém forcei o pouco das minhas forças, impedindo que nós três nos machucássemos.

— Vão logo, monstros. -sibilou um dos homens, batendo os dentes.

Estou mancando um pouco, mas não recebi nenhum tratamento especial.

— Você está bem? –a loira murmurou preocupada, ao ver como nos empurravam. Um braço ela segurava Frosch e o outro ela ainda me apoiava pela cintura.

Eu só pude assentir com minha cabeça, ignorando os protestos do meu corpo que só queria deitar um pouco mais.

Eles nos levaram para fora, aonde fomos cercados por ao redor de dez a quinze homens e mulheres com tochas, iluminando rudemente nossos rostos. Era tão brilhante que precisei desviar o olhar.

Eles grasnavam e nos xingavam. Nos oprimiam de forma barulhenta, gritando em como deveriam nos machucar, decidindo se iriam cortar-nos ou queimar-nos vivos.

— Mas o que foi que nós fizemos para receber esse tratamento? -falou Lucy em tom alto, com o sentimento injusto.

Os homens riram em deboche.

— Não se faça de trouxa, monstro! Você sabe o que fez.

— Que tal refrescarmos sua memória? -uma mulher de xale marrom falou, dando um passo para frente.

Trazendo um balde de água, jogando no rosto de Lucy e me molhando um pouco também. Ela fazia uma expressão de repulsa, como se quisesse lavar loira de uma imundice imaginária.

Agora sim senti minha pulsação ferver.

VOU MATAR ESSA VELHA DESGRAÇADA!

Dei um passo para frente, porém a maga celestial apertou minha cintura, me parando. Ela conferiu se o gato esverdeado que chorava em seu colo tinha se machucado nessa turbulência toda, suspirou aliviada ao ver que ele estava bem. Então os olhos achocolatados diziam claramente para mim: Fique quieto.

MAS POR QUÊ? OLHA COMO ELES ESTÃO NOS TRATANDO! OLHA COMO VOCÊ ESTÁ SENDO TRATADA! NÓS OS SALVAMOS E ESSA É NOSSA RECOMPENSA!? NÃO PASSAM DE UNS MALDITOS INGRATOS!

Porém o rosto de Lucy se abaixou.

Conversavam entre eles sobre como deveriam nos matar, falando desde pedradas até a afogamentos com pregos.

Olhei para os cabelos loiros encharcados que pingavam água, molhando mais e mais a roupa dela. Foi então que percebi uma coisa.

Aonde estão as chaves de Lucy?

Ela nunca abandonaria suas chaves! Não que diga que... ELES LEVARAM AS CHAVES DELA?

— Como devemos castigar eles? -alguém questionou em um tom frio.

— Criminosos devem morrer devorado pelos lobos!

— Monstros como eles devem ser enterrados vivos!

— Esses miseráveis precisam ser cortados em sete pedaços e dado aos porcos!

Meu punho se fechou. Não interessa o que, eu vou acabar com essa vila.

Uma pequena sombra negra começou a se estender na minha mão. Porém a mão de Lucy pousou na minha. Eu não entendo. Eu não consigo entender. Por que ela está protegendo-os? Nós estamos sendo injustiçados!

— Me falem. O que está acontecendo? -a maga celestial insistiu pacientemente.

Os aldeões se silenciaram, nos encarando seriamente. Um homem com pele de carneiro sob os ombros deu um passo à frente.

— Sou o pastor daqui. Se você não se lembra dos próprios crimes, vou falar. Escutei as minhas ovelhas berrarem feito loucas no celeiro delas e quando fui conferir... Encontrei... O corpo frio da pobre Karoline entre a sujeira e lama no meio das ovelhas, jogada sem dó nem piedade. Isso refresca suas memórias? -os olhos do homem estavam cheios de tristeza e repulsa contra nós.

Lucy se petrificou. Eu também não soube como reagir.

— K... Karoline... Está morta? -a loira murmurou, suas sobrancelhas se juntando.

E assim que proferiu essas palavras, um outro aldeão se aproximou e deu um tapa no rosto dela.

Me irritei, quero muito dar um soco na cara desse sujeito, porém Lucy continuava a me segurar firmemente.

— Não pronuncie o nome dela com essa sua boca suja de porca! -o aldeão vociferou.

— Vocês têm provas que fomos nós? -a maga voltou a encarar valentemente os homens como se nada houvesse ocorrido. Mesmo que sua bochecha tenha começado a inchar em velocidade a olho nu.

— Todos estavam dormindo! E vocês estavam na mesma casa de Karoline, é necessário mais alguma prova?

— Por que faríamos isso? -Lucy balançou a cabeça, aquilo não fazia sentido.

— Simples -um homem apareceu, os aldeões abriam espaço para ele passar. Um homem velho que parece ser importante- Vocês são magos. Se achando superiores, se tornam monstros quando não estamos olhando, simples assim.

— Líder! -exclamou um dos homens que estava atrás de mim e tinha me trazido para fora da casa- O que devemos fazer com esses magos?

— Joguem na prisão. Vamos discutir isso no grande salão! -falou com autoridade- Mas podem deixar que os assassinos da minha filha não sairão impunes. Vejam meus aldeões! Nós nunca mais devemos confiar nesses monstros! Olhem o que aconteceu com Karoline que tentou protegê-los! Se não fosse pela minha filha, eles nunca seriam acolhidos! Nunca teriam sido chamados para trabalhar! E é assim que ela foi retribuída! Sempre soube que esta ideia de confiar em magos não daria certo. Porém como esta ideia foi concebida no grande salão, iremos finalizar mais uma vez por aonde ela começou.

Esta história está cada vez mais absurda. E no fim, fomos jogados na prisão.

Ali perto havia uma caverna no canto mais solitário e longe das casas, ainda sendo de dentro do círculo do gigantesco muro de madeira que rodeava toda a vila. As grades eram feitas de um ferro já enferrujado e parecia não ter sido usada há muito tempo.

Nos trataram brutalmente do início ao fim, e num clic, o enorme cadeado foi fechado.

— F... Ficaremos bem? -murmurou o gato verde, claramente chorando no colo da moça.

— Mas é claro! -sorriu ela.

Eu me encostei num canto frio daquele cubículo mal feito. Suspirei.

— Você está bem? -a loira se aproximou com o rosto preocupado. Eu gostaria de lhe questionar mil coisas, porém apenas ergui minha mão direita, tocando gentilmente na bochecha avermelhada dela por causa do tapa.

— Me diga você isso, Lucy. Está doendo?

— Só um pouco -sorriu ela.

Se um beija-flor eu fosse

Pousaria em uma flor

E em seu amor

Porém os sonhos não são simples assim

Pois estão apenas dentro de mim

Então o farei não ter fim

Meu desejo concretizarei

Pois nele, está você

E eu pagarei

Toda a fortuna no mundo pra te ver outra vez

Meu bondoso, meu caloroso

Meu sonhador...

A ninfa da água me transformarei

Pois no meu sonho, é o teu desejo que realizarei

Lucy cantava uma música estranha, porém engraçadamente bonita. O importante, era que mesmo naquela situação, Frosch sorria.

— Lucy, quando você pretendia me contar que está sem as suas chaves? -falei sério.

O rosto dela desfaleceu, ficando branco como papel. Os olhos chocolate se arregalando, e prendeu um suspiro.

— E... Eu... Rogue...

Ela pareceu sem reação, então encostei minhas costas na parede gélida e fechei meus olhos por um instante, logo lancei um sorriso pequeno a ela.

— Não se preocupe Lucy, iremos pegar as suas chaves. Entendi, parece que aconteceram alguns imprevistos enquanto eu dormi, correto? -conclui analisando rapidamente a situação. Ela assentiu com a cabeça.

— Os aldeões ficaram com medo dos meus espíritos, Rogue... Então em troca de podermos entrar na vila, eu entreguei... Entregu... -ela soluçou. Parecia muito arrependida.

Meu coração se apertou. Por mim, Lucy abriu mão daquilo que lhe era mais valioso.

Estendi a mão para puxar a loira para mim, beijei sua testa enquanto ela tentava segurar as lágrimas. O pequeno corpo dela era quente. Vivo. Trêmulo... Eu a abraçava para tentar protegê-la dos próprios sentimentos dela, da dor e amargura de sentir que fez algo errado. Por minha culpa... Ela...

— Descul... -ia pedir perdão, porém se pede perdão quando faz algo errado, certo? Por isso...- Lucy, obrigado.

Ela meio que soluçou rindo, e acabei sorrindo também.

— Você terá suas chaves de volta. E vamos pedir desculpas para cada um de seus espíritos. Juntos. Certo?

— ... Sim...

Concordou ela, obedientemente.

Ainda estava bem escuro lá fora, porém a lua brilhava fortemente, me permitindo ver as sombras da loira. E frisei as sobrancelhas ao sentir um cheiro familiar se aproximando.

Da entrada da caverna, um som de algo caindo ao chão foi escutado, a loira também percebeu e observava o que estava prestes a acontecer, então um pequeno ser se esgueirou para dentro da caverna e parou em frente das grades.

— Rogue? Lucy? Frosch? -sussurrou um pequeno ser, erguendo a mão com o som tilintante de ferro, encaixando algo no cadeado da porta metálica.

Um clic e voalá, o rangido da porta se abrindo.

—Tern!? -a loira murmurou surpresa- Mas o que...

Ela parecia meio confusa.

— Shhhhh -escutei o sibilar atento do rapaz- Agora não, venham comigo antes que o guarda volte.

Frosch invocou as asas magicas e flutuou perto de nós enquanto corríamos apressados pelas sombras. Saímos da caverna úmida, não tão fedorenta pois parecia que não fora usada faz anos. Passamos por um homem desmaiado ao chão, provavelmente nosso vigia.

Caminhamos com cautela entre as esquinas das casas. Embora ainda fosse noite, a lua prateada iluminava perfeitamente bem a ponto de conseguirmos distinguir cada detalhe do rosto de um dos outros.

— Eles estão no grande salão discutindo -sussurrou o nosso libertador.

E realmente, para uma noite, dava-se para escutar um alto sibilar de várias pessoas dizendo seus pensamentos, e este som vinha da direção de um grande prédio. O lugar que estávamos cativos ficava exatamente o oposto da saída da vila, e como o maior prédio da vila ficava no centro, estávamos dando uma grande volta, nos esgueirando entre as casas e suas sombras intimidadoras.

Porém um grito grave e alto foi proclamado na noite já tão turbulenta.

— OS PRISIONEIROS FUGIRAM! ALGUÉM ME AJUDE! FUI ATACADO! FOMOS TRAÍDOS PELO PIVETE DE KAROLINE!!

Não demorou para começarmos a escutar as pessoas correrem para fora do local da reunião. Gritos de comando foram escutados aqui e ali, logo toda a vila estava com tochas buscando famintamente por nós.

— Isso é mau... -murmurou Tern, que nos parou em uma esquina sombria, olhando cauteloso para os homens que corriam para lá e para cá- Venham, por aqui!

Tern correu nas pontas dos pés e nós três assentimos. Viramos algumas ruas que ainda estavam desertas. Nossos corações descompassados em temor, nossos corpos eletrizantes ao escutar cada passo daquelas pessoas atrás de nós.

Então o pequeno rapaz nos levou para um pequeno buraco na parede de uma das casas. Era um tanto apertado, mas o olhar de determinação de Tern nos convenceu a entrarmos.

Assim que eu escorreguei para baixo depois que Lucy e Frosch entraram, escutei passos passando apressados por trás de mim. Engoli seco, mas os homens foram retos. Foi quando dei uma olhada em minha volta.

Era um tanto escuro, mas consegui distinguir que era algum gênero de porão abandonado com imóveis cobertos por panos encardidos, algumas prateleiras cheias de utensílios já esquecidos, o ar era empoeirado e percebi que o pequeno buraco por qual entramos era uma espécie de janela quebrada.

Senti uma pequena bola de pelos vindo veloz para meu colo, todo trêmulo.

— Rogue... Estou com medo.... -choramingou o exceed. O segurei firme como eu sempre fazia nas noites mais escuras, e murmurei confiante:

— Não se preocupe Frosch, vamos ficar bem.

— Bom... Agora está cada vez mais difícil sair desse lugar -suspirou a loira, que estava perto de mim. Ela estava com a voz firme, mas os dedos dela seguraram meu braço um tanto incertos e cansados.

— Bom, eu posso usar a minha magia e... -fui falando.

— Não. -ela apertou um pouco o punho que se apoiava em mim.

— Mas... Lucy, eu não entendo -finalmente disse, sem compreender- Por que você não me deixa usar magia? Igualmente quando ficamos cercados por aqueles ingratos! Você simplesmente deixou que eles te humilhassem daquela forma! Lucy, se for porque está preocupada comigo, eu...

— É claro que estou preocupada com você Rogue! Mas me diga... -ela mordeu os lábios. Vi Tern nos encarar de olhos baixos e sobrancelhas franzidas- O que você faria se usasse magia?

Aquela pergunta me pegou de surpresa. Por um instante o pensei e repensei com o qual significado tinha aquilo.

— Eu iria derrotar todos, ou ao menos assustá-los. Pegaríamos suas chaves e daríamos o fora.

— É exatamente isso que eu não queria.

Fiquei mais confuso.

— Não consigo entender, Lucy.

— As... As pessoas dessa vila têm medo de magos. Eles fizeram isso conosco por causa do medo! Se você usar sua magia para assustá-los, eles iriam acreditar mais e mais que nós somos os vilões e os malvados -então, naquela escuridão, os olhos de chocolate que tanto me cativavam, penetraram na minha visão, eram duas orbes cheias de brilho- Eu não quero que seja você Rogue, a mostrar para esses aldeões que eles estão certos em ter medo de magos. Não quero que seja você a marcar na memória dessas pessoas, que somos a prova de que magos são vilões!

Minha respiração vacilou por um instante. Engoli seco. Então Lucy... Mesmo que eles lhe taquem água, lhe deem um tapa no rosto, lhe retirem seus espíritos... Ela ainda sim, vai se preocupar com eles...

— Me desculpe em fazer você seguir meus caprichos, Rogue -ela sorriu.

Tern deu um passo para trás e tombou em um sofá coberto por um dos panos encardidos e empoeirados. Nós o encaramos. Pela falta de claridade não consegui ver direito o rosto dele, mas ele parecia estar... Chorando?

— T... Tern? -chamou a maga celestial.

— E... Eu... -murmurou o rapaz, então se jogou ao chão, se curvando e tremulando, com sua voz falha- Desculpa Lucy! Desculpa!

— Tern!? O que você está fazendo? -ela me soltou e se ajoelhou ao lado do rapaz.

— Não! Eu preciso me desculpar!

— Mas, como assim? Se acalme, Tern!

— Lucy... Vocês vieram até a minha vila para nos ajudar e só foram tratados mal e mesmo assim, você não sentiu rancor, simplesmente... Simplesmente... Mesmo tendo o poder de facilmente resolver tudo com sua magia, se preocupou com o melhor dessas pessoas que só pensaram neles mesmos!

— Eu...

— Na verdade... O chefe dessa vila... Planejou matar vocês depois que cumprissem a missão de nos ajudar...

Tern pareceu mais calmo embora ainda fungasse, se levando e continuava a encarar o chão, de punho fechados. Lucy me encarou sem muito saber o que fazer. Então escutamos o que o garoto tinha a dizer.

— Minha mãe me disse que o líder da vila nem sempre foi assim... Que o... pai dela nem sempre foi tão amargo. Sim, o líder é o meu avô... É uma história de anos atrás. Minha mãe enquanto ia pegar um pouco de água no rio, encontrou um homem à beira da morte... Nossa vila o acolheu, e aquele homem foi muito bem-vindo, com sorrisos que vocês deveriam ter recebido. Este homem, para a surpresa de todos, era um mago...

Eu fiquei um tanto pasmo, considerando o quanto fomos pouco aceitos por aquela gente.

— Mas as pessoas da vila não tacaram pedras nele ou algo assim... Não, a minha avó falou que era a hora de acabar com essa baboseira de magos serem malignos. O pessoal é um tanto tradicional, mas pareceram gostar da nova ideia. Até porque este homem tinha grandes histórias do mundo afora, contos de como o as coisas mudaram desde as nossas velhas escrituras que temos em nossos livros. Todos estavam cativados com as novidades que aquele homem trouxe. E tinha se passado um bom tempo, que todos já confiavam nele. Mas então um dia, o meu avô contou para esse homem sobre a montanha do dragão, falou que haviam riquezas escondidas e que havia uma poderosa magia e antiga a qual fazia o nosso rio escorrer por séculos. Meu avô fez um acordo secreto... Se o homem trouxesse a riqueza, meu avô o guiaria pela floresta até a montanha...

Senti que Lucy escutava atentamente cada palavra, assim como eu.

— Mas... Este homem na verdade era um mago caçador de tesouros. Meu avô não sabia disso, estava completamente cego e acredita do que poderia usar aquele homem. E quando percebeu, o homem fez com que a magia da caverna, aquele que jorrava a água do rio parasse, este era o objetivo daquele mago desde o início, foi por isso que minha mãe o tinha encontrado quase morto perto do rio, pois por mais que tente usar o rio para atravessar a floresta, você ficaria perdido, a não ser que fosse um morador da vila. Quando meu avô foi guiar o homem, nesse momento minha mãe e minha avó tinham ido ao rio, ajudar alguns pescadores da vila. Assim que a magia da caverna se desfez... Uma grande onda de água e lama desceu pela montanha, soterrando e levando os homens que pescavam, junto com minha mãe e minha avó.

Tern fez uma pequena pausa, respirando fundo, e voltou a recitar, palavra por palavra como se cantarolasse uma antiga história que lhe contavam fazia muito tempo.

— E então minha avó faleceu e minha mãe já estava grávida. Meu avô amaldiçoou este homem por ter tirado o rio e a mulher que ele amava de nós. Não... Ele passou a odiar todos os magos mais do que nunca. Porque magos são assim, certo? Sempre almejam ser mais fortes, e por terem poderes podem conseguir o que querem... Como conseguir lutar contra poderes assustadores. Agora que penso, meu avô pode ter se assustado... Porque o que é que nós, humanos normais, somos perto de pessoas que simplesmente podem usar magia e facilmente nos derrotaria com isso? E por ter essa força, existem magos que querem ser mais e mais fortes, certo? Eu penso que foi por isso que aquele homem... Não, o meu pai, desejou o poder da montanha.

— Espera... Então isso te faz...? -Lucy murmurou.

— Isso, eu sou filho deste mago que trouxe a desgraça para a minha família e minha vila. O homem ganancioso que mesmo sabendo o quanto o rio era importante para nós, desejou tal poder para si. A razão de eu ter sido tão desprezado desde que nasci. E a razão do meu avô ter enlouquecido e... E... -ele soluçou- E matado a minha mãe, botando a culpa em vocês.

Ficamos em silêncio. Apenas se escutava o leve soluçar de Tern e o som das pessoas nos buscando lá fora.

Lucy contraiu o rosto e ergueu os braços para acolher o pequeno menino. Ela não soltou uma palavra. Não havia o que dizer para alguém que tinha acabado de perder os pais, e ela sabia disso muito bem. Frosch que é tão sensível, apertou um pouco o meu braço que o segurava, senti lágrimas pesadas gotejarem dele e caindo na minha mão.

Foi quando me lembrei aonde foi que tínhamos encontrado a lácrima vermelha. No colo de um esqueleto... Então este tinha sido o fim do pai de Tern... Dentro de sonhos, amargos pesadelos aonde não poderia escapar e passou eternamente revivendo as mesmas lembranças.

Lucy não desejava que eu fosse mais um mago do mal para essas pessoas já cheias de rancor. Naquela hora eu nem tinha pensado nisso... Pouco me importei se essas pessoas iriam ter uma cicatriz mais funda no coração por minha culpa. Na verdade pouco me importava com essas pessoas que tanto nos fizera mal. Lucy é... Lucy é impressionante... Como pensei, ela... Ela não tem o poder de odiar alguém.

Agora a questão era descobrirmos como sair daquela armadilha, escondidos como ratos e usar magia estava fora das opções.

— Ah -Tern exclamou, buscando algo de seu bolso, então vimos ele retirar algo que cintilava a dourado, fungando, ergueu o objeto até Lucy- Aqui... Elas são importantes para você, né?

Lágrimas brotaram dos olhos da loira, num sorriso enorme, ela pegou de volta as suas chaves e os apertou contra o peito, aliviada.

— Sim... -ela murmurou- Obrigada Tern -e cochichou mais para a as suas chaves preciosas do que para qualquer outra pessoa presente- Me desculpem... Eu não deixarei vocês assim nunca mais.

E como se as chaves pudessem responder à loira, elas tilintaram limpidamente.

Passou alguns minutos aonde Lucy sorria segurando suas chaves, eu esboçava um sorriso ao vê-la feliz, e até mesmo Frosch se descontraiu rindo.

— Bom, daqui a pouco creio que irão parar as buscas e com sorte, conseguiremos correr para fora deste lugar -Tern quebrou o silencio.

Meus olhos trocaram se encontraram com os de Lucy, sérios, assentimos.

Tern espiou pela janela, meio prendendo a respiração, meio tenso. Lucy tinha se acomodado num canto e Frosch brincava em seu colo remexendo as chaves. Foi então que a loira ergueu os olhos.

— Eu tive uma ideia.

Lucy POV

Não sabia o quanto aquele plano daria certo, mas era melhor do que ficarmos esperando toda uma eternidade naquele porão empoeirado.

Eu fiquei realmente aliviada por recuperar minhas chaves e tocada com a história de Tern. Sendo que ele tinha sangue mago, talvez eu poderia pedir para o mestre Kyle deixá-lo ficar conosco. Mas certamente vou tirar ele desse lugar.

— Tem certeza desse plano? -murmurou Tern incerto.

— Relaxa -ri- ABRE-TE PORTÃO DO CORDEIRO! ARIES!!

— O... Oi... Me... Me desculpe -ela se remexeu preocupada.

— Aries, não precisa se desculpar toda hora sem motivo -suspirei colocando as minhas mãos na cintura, Tern fez uma cara que não sabia se estranhava ou se ficava maravilhado.

— D... Desculpe... -murmurou mais baixinho ainda.

— Bom, podemos ir? -Rogue tentou apressar, eu assenti com a cabeça.

— Aries, posso contar.com você?

Os olhos do espírito brilharam determinados, com o orgulho que ainda existia dentro dela em nome do grandioso Rei dos Espíritos.

— Sim. Pode contar comigo.

— Muito bem -sorri satisfeita com aquela resposta límpida e clara.

E então o plano começou.

Aries saiu pela janela e então esperamos. Esperamos começar a escutar um borbulho.

— MAS O QUE ESTÁ ACONTECENDO? -um homem lá fora berrou.

— REFORÇOS! REFORÇOS! -outro gritava- SÃO AQUELES MAGOS!

Uma agitação estava se estendendo, eu sorri e vi o rosto dos outros três que estavam escondidos comigo também esboçarem um sorriso.

— Vamos -sussurrou Tern, começando a se esgueirar para fora através da janela, depois eu o segui e Rogue me seguiu, junto com Frosch.

Então começamos a correr pelas vielas mais escuras e pouco usadas, nos marchando para a saída da vila. O plano estava sendo um sucesso. Aries distrairia os aldeões com seus ataques nada agressivos e cheio de lã fofo, enquanto isso nós iríamos fugindo pelo outro lado da cidade.

— Estou vendo!! Estou vendo a saída! -exclamou Tern, com um largo sorriso amarelo.

— Sim! -respondi, sorrindo também. Existia um prédio que fazia a passagem de saída e entrada, era como se fosse um estábulo com um corredor em seu centro, em seu interior tinha escadas para um andar superior para colocar vigílias, junto com alavancas de correntes para abrir o portão. Tínhamos passado por ele antes, quando precisei carregar Rogue para dentro da vila.

Entramos na estrutura de madeira, assim que deparamos com o portão fechado, nós tentamos abri-la, sem muito sucesso, resolvi chamar Taurus.

— Mooo! Olá Lucy-san! Não importa quantas vezes eu te veja, continua com um nice body!! -sorriu ele pervertidamente. Eu frisei as sobrancelhas e escondi meus seios com os braços, não que eu conseguisse escondê-los por completo de tão grande que eram.

— Taurus, não temos tempo para isso -lancei um sorriso- Nos ajude a abrir o portão.

— Tudo o que você me pedir, atenderei -o espírito fingiu arregaçar as mangas, se encaminhou para a alavanca.

Taurus sozinho já ia dando conta de abrir o portão, eu em particular tenho orgulho dos meus espíritos, então fiquei feliz em ver Tern boquiabrir-se ao ver meu espírito em ação.

Porém quando Taurus abriu apenas uma fissura do portão aonde poderia passar apenas o braço de uma pessoa, um cheiro de queimado se iniciou. Olhei para trás.

— Sabia que isso era artimanha de vocês para escaparem por aqui -um idoso sorria louco, segurando uma tocha nas mãos e em sua volta o feno espelhado no chão pegava fogo.

— Vovô... -murmurou Tern, horrorizado.

— Não me chame de avô, monstro! -seu rosto contorceu de desgosto.

E quando menos percebemos, estávamos cercados pelas labaredas vermelhas e amarelas, com a fumaça nos sufocando e todos tossindo freneticamente.

— Vocês não irão sair daqui! -ele riu.

Realmente, Taurus estava demorando para abrir o portão.

O homem se aproximou, passo por passo ele chegava mais perto, balançando a tocha que segurava, como se fosse a sua arma mais assustadora. Eu dei um passo em direção ao louco, para ficar na frente de meus amigos, Frosch se encolheu no colo do moreno.

— Lucy!? -Rogue me chamou.

— Fique aí, Rogue -mandei- Não pense em fazer nada.

Senti o olhar do moreno e ele não gostou nada de eu ter ordenado o silencio dele. Mas sabia que o moreno iria obedecer, sei que ele é racional, Cheney vai compreender.

— Lucy-san? -se alarmou Taurus, sinalizando que iria abandonar o trabalho que passei para ele.

— Sua prioridade é abrir o portão, Taurus! Retire meus amigos daqui.

O espírito se emudeceu, concentrando-se no que mandei. Eu coloquei uma mão na minha boca por causa da fumaça e esperei o velho dar mais alguns passos.

— Por quê? Por que vocês ficam aí parados? Me mostrem essa monstruosidade que são!! -berrou, agitando as chamas e dando passos cada vez mais próximos.

Juntamente eu dei uns três passos para frente. O velho sorria, seus olhos avermelhados pareciam estar cheios de dor e ódio. Eu apenas o encarei e senti pena.

— MONSTROS! PAGUEM POR TODO O SOFRIMENTO QUE ME FIZERAM PASSAR! ME DEVOLVA... ME DEVOLVA KAROLINE! ME DEVOLVA MINHA FILHA E MINHA ESPOSA!

Ele dava cada passo mais cambaleante que o anterior. Eu sabia que Rogue e Tern estavam atrás de mim, sei que em qualquer momento Rogue pode acabar não se controlando e usar a sua magia para conter o velho. Não era o que eu queria.

No segundo em que senti as chamas da tocha dele perto de mim, eu desviei das labaredas trêmulas e ergui minha mão livre.

PAF

Dei um tapa na cara daquele idoso insano. Em comparação a um velho que ainda tem um pouco de vigor e eu que estou sempre lutando em brigas à beira morte, claramente tive mais força que ele.

O velho estava tão desnorteado, que apenas me arregalou os olhos, com sua boca boquiaberta. Os passos que ele havia dado para frente, agora eram dados para trás, até que as costas dele bateram em um poste. Ele me encarava.

— Não diga tolices -respondo- Você já não é uma criança para não saber as coisas que fez. O senhor é fraco. É covarde. Apenas... Relembre das coisas que você fez e me diga: Quem é o monstro aqui? Eu, ou o senhor? Foi o senhor quem julgou uma criança inocente dos pecados de um pai errante. Foi o senhor quem se deixou seduzir por uma fortuna que não era sua e sim do Grande Dragão. Foi o senhor que desejou mal a nós, que queríamos ajudá-lo. O senhor... Foi quem matou Karoline.

— C... Como você sabe de tudo isso? -o rosto dele foi empalidecendo. A tocha da sua mão caiu e as labaredas o cercaram. O idoso apenas encarou o chão, de olhos arregalados- É mentira... -de repente ele murmurou. E com as duas mãos segurou os cabelos brancos- É TUDO UMA MENTIRA! EU SÓ ESTAVA TENTANDO FAZER O CERTO! OS CULPADOS SÃO SEMPRE OS MAGOS!

Suspirei.

— Pare. O senhor, melhor do que ninguém, sabe como suas mãos estão manchadas de erros –respondi. Ele engasgou- Está na hora de ver a verdade. Não consegue entender? Por sua culpa, agora você está sozinho, e se esqueceu de proteger de verdade a coisa que era mais importante nesse mundo –mordi o lábio inferior e estreitei os olhos, em compaixão- Sua família.

Então ele se calou. Derrotado.

Ergui meu rosto para o teto que estava desabando aos poucos, virando cinzas e entulhos à nossa volta.

— Lucy! -escutei Rogue me chamar. Olhei para trás e os dois rapazes e o espírito já estavam fora pelo portão aberto, me esperando.

Me virei de costas para o velho acabado e fui para a direção dos meus amigos. Tomando cuidado com as regiões em que o fogo já se alimentava.

— ESPERE! ME SALVE!! -o velho berrou- EU... EU TENHO MEDO DE MORRER.

Quando o encarei, seus olhos estavam marejados.

— EU ME DESCULPO POR TUDO O QUE FIZ! MAS ME SALVE! -ele implorou.

— O senhor acredita que e devo lhe ajudar, depois de tudo que nos fez?

— EU IMPLORO! LHE RECOMPENSAREI! -parecia desesperado, um homem cercado pelo fogo selvagem e com medo de se queimar com o próprio problema que causou.

Eu fiquei parada, a uns passos da saída.

— Vamos Lucy! -Rogue me chamou- Nós não devemos nada a ele! Saia daí!

Eu botei os olhos em Tern, o rapaz olhava o chão e então ele me encarou.

— O que acha, Tern? -lhe chamei- Acha que pode perdoar seu avô?

O rapaz encarou o velho trêmulo e ridículo. Tern baixou os olhos e fechou o punho. Não sei explicar o que ele sentia nesse momento, talvez raiva, talvez tristeza... Apenas sei que ele me falou:

— Eu sei que ele é um homem que se tornou ruim. Sei que você, Lucy, tem muitas razões de querer deixar ele morrer. Mas... -ele me encarou de olhos marejados- A minha mãe, até o fim desejou o bem deste homem. Mesmo por tudo o que ele me fez e fez a vocês... Este homem... Este homem vai continuar sendo a única pessoa que está viva que chamo de família. Este homem vai continuar sendo o meu avô. A pessoa quem minha mãe ainda queria o bem mesmo ele tendo feito aquilo com ela. Então... Eu... -sua voz falhou, com um soluço- Por favor, salve ele.

Respirei fundo. Vi um pequeno balde de água perto e rumei para ele, ignorando toda a fumaça e escutei as tosses incessantes do velho.

— Abre-te portal da água! AQUARIOS!

Aquarios POV

— Aaaw Scorpioo, me diz que estou bonita, amor -murmurei no ouvido do meu namorado, com meu braço preso na dele.

Vi a boca dele se abrir, porém, repentinamente não estava mais no mundo dos espíritos, e sim num tipo de celeiro antiquado, cheio de fogo e fumaça. E vi aquela pirralha.

— VOCÊ!! VOCÊ ME TIROU DO MEU! MEU ENCONTRO PRA VIR NESSE LUGAR DECADENTE? -berrei com raiva, batendo o pé.

— Aquarios -ela me chamou.

— Grrrrr... -grasnei cruzando os braços. Então a encarei.

Os olhos achocolatados dela não me encaravam, ela olhava para um homem que estava pateticamente no chão, cercado por chamas e um olhar de dar pena. A expressão de Lucy era de tristeza... Era de compaixão... Era o olhar adulto que as vezes Layla fazia.

— Aquarios, por favor. Apague o fogo.

Lucy me encarou com um sorriso simples de bondade, tão parecida com a mãe... Tão diferente da pirralha que eu estava acostumada a ver, que por um segundo pensei que eu estava na frente de Layla. Meu coração parou por um segundo.

Eu ergui meu jarro de água inconscientemente e invoquei uma magia. Uma magia que não é violenta. Uma que mostrei para Layla há muitos anos atrás.

— Rain -murmurei. A água jorrou em direção ao céu, e como uma fonte, as gotas foram caindo gentis, apagando chama por chama.

Bem nesse momento, o sol começou a aparecer, lançando seus raios pelo teto desabado, trazendo um arco-íris a nos iluminar. O cheiro aconchegante da chuva estava acalmando a paisagem que outrora era catastrófica.

— Obrigada Aquarios -a loira me dirigiu, então se virou para o velho que arregalava os olhos- Olhe para essa magia que te salvou. A magia pode ser para coisas boas, coisas gentis. E da mesma forma que ela pode ser ruim, pode ser bom. Olhe para seu neto, mesmo o senhor apenas mostrando ódio para Tern, ele desejou o teu bem. Saiba que não é tarde para mudar seus pensamentos, não é tarde para fazer o certo.

E se virou indo se encontrar com os amigos dela. Eu fui sumindo para voltar ao mundo espiritual. Sorri.

Layla, hoje eu vi uma coisa que eu não esperava... Não vi a menina chorosa e infantil de sempre, e sim... Uma Lucy diferente. Ela se parece com você, querida amiga.