Usagi já sabia de quem Motoki estava falando. No último banco, já encostado à parte, um jovem de pele branca olhava para seu celular vagamente, enquanto bebia um líquido amarelado. Suco de laranja, presumia ela.

— Rei só está brava porque o tal do seu ex-namorado era um pouco mais do que ela estava imaginando quando nos contou a história. — Motoki ria, enquanto lavava os copos recém recolhidos da mesa de antes. — E ele veio aqui ontem também, mas pediu que não eu contasse nada... Ainda bem que eu tinha pedido pra Makoto ir embora depois que limpamos tudo de tarde, ou você não estaria fazendo essa carinha surpresa. Agora vá lá, já o fez esperar duas horas, não?

Ela assentiu, mal registrando o que Motoki lhe dizia. Caminhou como se estivesse não apenas dentro d'água, mas também lutando contra uma enxurrada. Havia encontrado seu ex-namorado várias vezes na faculdade, era inevitável. Ele fazia mestrado lá e o conciliava com aulas de japonês. Não havia qualquer turma em comum com Usagi, até o prédio no campus era diferente. Ainda assim, ele sempre parecia estar almoçando no mesmo horário que ela e no mesmo refeitório dos quatro ou cinco que havia, além dos locais alternativos e restaurantes pequenos ao redor. Sempre, claro, era um advérbio exagerado para uma vez ou duas por semana. Ainda assim, era como seu coração ainda doído sentia. Não conseguia dar distância o bastante para esquecê-lo. E agora que as férias de primavera começaram, e ela podia ficar bastantes dias sem vê-lo, lá estava o estrangeiro de olhos azuis, como que em depressão, como se o pedido para terminarem não houvesse partido dele mesmo.

— Desculpa, eu me atrasei hoje... — disse Usagi, sentando-se no banco vago ao lado dele. Era o mais perto que ficavam desde a separação. O perfume que lhe vinha parecia mais forte que antes e irritou seu nariz.

— Tudo bem, já devia ter imaginado e vim mais cedo também. — Seiya sorriu-lhe ao percebê-la.

— Como soube que eu trabalhava aqui?

— Perguntei por aí. Só errei o dia, mas seu chefe é bem legal e me disse quando era seu turno. A menos que eu fosse um stalker ou coisa do tipo, seria ruim ele dizer.

— Bem, não são muitos estrangeiros que me conhecem. — Inconscientemente, ela puxou uma mecha do cabelo do ex-namorado, fios negros, mas com uma textura diferente dos japoneses, e retrocedeu como se houvesse levado um choque. A textura diferente que ela tanto amava e nunca mais sentiria — Foi mal, mesmo depois de meses, o costume falou mais alto.

— Eu queria que fosse a primeira a saber, mas demorei tanto pra te achar em algum lugar longe das suas amigas que não é mais a primeira... — Seiya olhou para o suco, que continuava à mesma altura de quando ela o vira da primeira vez. — Aquele curso reconsiderou. Digo, a pessoa que tinha conseguido o emprego desistiu, e eles me chamaram nesta segunda.

Usagi queria sinceramente parabenizá-lo, pois estava muito feliz por ele. Seiya apostara quase tudo naquela empresa para começar a dar aulas lá assim que terminasse o mestrado naquele ano.

Ela acompanhara cada passo de sua busca por emprego desde antes mesmo de ficarem juntos oficialmente e até o ajudara a estudar para as provas eventualmente exigidas pelas empresas. Eventualmente, surgiram algumas propostas no interior, a bastantes horas da capital, mas eram fracas demais e em um ramo que Seiya não tinha confiança de seguir. Uma, ele recusara de plano e com razão. Outras duas, Usagi não tinha muita certeza se ele deveria ter negado, mas compreendera. O resto, ela não soubera; Seiya mudara desde que aquele curso de idiomas o rejeitara e ao fim fora ela própria rejeitada e ele decidira que o melhor seria retornar para os Estados Unidos.

Com a separação, Usagi sequer quisera saber de mais e apenas o olhava nos ocasionais encontros pelo campus da faculdade, imaginando se aquela seria a última vez que o veria. Na última semana de aulas, duas semanas antes, ela quase se despedira pessoalmente, certa de que não o veria nunca mais. Mas quando fora à faculdade levar um trabalho atrasado, ele estava lá, comendo sozinho no refeitório. Considerou o encontro um extra da vida. Um epílogo para a relação. Nunca mais o veria desta vez.

Agora, ele estava na sua frente, dizendo aquelas palavras?

— Você vai aceitar? — perguntou Usagi, brincando com o porta-guardanapo.

— Já aceitei, começo junto com o ano fiscal em abril. Mas e a gente, Usagi? — Os olhos azuis de Seiya buscando os seus eram tão intensos que a fazia corar, enquanto se lembrava de cada beijo que ela gostaria de sentir de novo. — Quando começamos de novo?

— Já viu a Usagi? Ela tá bem ali no canto conversando com um amigo! — A voz animada de Motoki a trouxe de volta do mundo sem sons em que Seiya a pusera com a pergunta.

Usagi virou-se, um pouco grata por uma razão para pausar aquele momento estranho e pelo reflexo de ouvir seu nome pronunciado a algum terceiro. Seria Minako, quem soubera dos planos de Seiya e viera correndo conferir em primeira mão?

Mas ao lado de Motoki estava um homem alto com terno e gravata, um característico assalariado responsável, do tipo que só viria àquele bar se não fosse por vontade própria.

O grupo na mesa próxima gritou, enquanto começavam algum novo jogo para beberem mais.

Os olhos de Usagi, enfim, haviam se adaptado ao passar dos anos e reconheceram quem estava do lado de Motoki. Ninguém menos que Mamoru Chiba, como se brotado direto de suas lembranças para lhe gritar como nunca teria um namorado se continuasse como era, entre coisas piores, enquanto sorria com presunção.

Não era apenas um sinal para a situação em que ela se encontrava no momento, era um alarme do caos que estava para se estabelecer na vida de Usagi. E aquele momento em que Mamoru curvava-se ligeiramente em cumprimento, infelizmente, também poderia ser chamado de seu momento de virada.

Continuará...

Anita