CN Beyond: Elemento X

Confronto X - Parte 1


Em meio à confusão em que a cidade estava, no cruzamento da rua Lincoln com a Benjamin Franklin, andava desgovernado pelas ruas sem controle um ônibus modelo antigo, pintado com tons coloridos de azul, rosa e laranja, com uma arte estilo dos anos 60 ou 70. Era dirigido por uma jovem de cabelo vermelho com jaleco verde que percebeu que uma das rodas dianteiras do veículo havia perdido sua borracha inexplicavelmente e também que seu freio não estava funcionando direito. Para deixar as coisas ainda mais sérias, a avó da mulher, uma senhora de idade avançada o suficiente para precisar usar bengala, estava bem do seu lado tentando segurar-se sem muito sucesso. Em uma questão de tempo, o veículo tombou e começou a capotar.

Foi então que, de repente, um raio rosado emergiu do horizonte aproximando-se do acidente. Era a perspicaz Florzinha correndo em uma velocidade tão absurda que tudo ao seu redor parecia estar quase completamente parado. Por onde a ruiva passava, deixava um rastro rosado que ia gradualmente desaparecendo. Com puxão leve, ela arrancou a porta traseira, entrando no veículo enquanto estava em pleno ar. Em velocidade hipersônica, ela andou pelo estreito corredor que ficava entre os bancos do ônibus de cor verde abacate. Quando se aproximou do banco motorista, Florzinha agarrou a jovem com uma mão e a senhora idosa com a outra e as puxou para fora do ônibus. Ela aterrissou com as duas seguras e firmes no chão enquanto o tempo voltava a sua velocidade normal fazendo o veículo capotar vários metros à frente até bater na parede de um prédio.

A mulher e sua avó ficaram transtornadas e confusas levando alguns instantes para processar sobre o que acabaram de sobreviver. Todavia, o perigo ainda não havia passado. Das engrenagens e do interior do ônibus detonado começou a sair inúmeras baratas estranhas que rastejaram com suas milhões de patinhas até Florzinha, a mulher e sua avó. Algumas das baratas começaram a aglomerar-se e juntar-se de uma forma medonha, assumindo uma silhueta humanóide e fundindo-se em ser só, parte homem e parte barata. Era alta, maior que um homem comum, tinha uma cabeça asquerosa e gosmenta, dotada de olhos quase humanos, com antenas de inseto e um tipo de boca com só dois dentes afiados e finos. Seu corpo era brindado com um exoesqueleto de artrópode e dois pares de braços finos e articulados. Assim que olhou nos olhos das três, a criatura soltou um tipo de grito, um som áspero e assustador, que fez as demais pequenas baratas que lhe obedeciam as ordens, cercar Florzinha e as outras duas cidadãs indefesas

Florzinha colocou-se diante da mulher e sua avó que se abraçaram assustadas. A garota estava totalmente disposta a protegê-las e demonstrando uma valentia e altruísmo genuínos. Nem mesmo o nojo e medo que sentia da criatura a fazia hesitar. Ela apenas concentrou-se e liberou de seus olhos uma poderosa rajada de lazer que foi a fritar todas as criaturas rastejantes ali. Em uma questão de segundos, não restou nada a não ser churrasco de insetos mortos.

O grandão líder ficou na hora furibundo ao ver seus pequenos parentes rastejadores reduzidos a nada. Ele encarou a ruiva poderosa e correu com suas pernas cascudas e articuladas na direção dela, preparando-se para uma investida agressiva. Contudo, a jovem Utonium pensou rápido e liberou seu sopro congelante antes mesmo das patas nojentas criaturas conseguirem tocar em seu rosto. No final, a criatura tornou-se uma grande estátua de gelo inerte.

Com o perigo derrotado, a mulher e a senhora tentaram acalmar-se e conter a recente adrenalina e pânico. Florzinha virou-se e olhou para a mulher que salvara e assim as cidadãs indefesas puderam olhar no rosto de sua heroína.

— Vocês estão bem? — Perguntou Florzinha para a mulher e senhora.

— Estamos sim. — Respondeu a mulher ainda abraçando sua avó. — Quem é você?

— Eu sou a Florzinha. — Disse a própria com um sorriso tão adorável e carismático no rosto que aqueceu o coração da moça e da senhora.

— Eu sou Frankie Foster. — Apresentou-se a moça de cabelo vermelho preso.

— Muito prazer, Frankie Foster. Escutem, ali na esquina tem um carro modelo 2005 vermelho funcionando. A chave está no contato. Usem ele pra sair da cidade, mas vão pelo sul, onde o caminho está limpo de vilões. Entenderam?

— Sim. — Disse Frankie acenando com a cabeça ao mesmo tempo que a encarava impressionada.

Florzinha escuta com sua superaudição algo que lhe requer sua atenção e percebe que tem que ir. — Vão, e por favor, tomem cuidado. — Alertou a jovem Utonium antes de decolar para o céu e sumir no horizonte novamente. Naquele exato momento, Frankie grita ao perceber que havia esquecido de dizer algo muito importante para aquela garota misteriosa.

— Obrigada por salvar as nossas vidas.

Não muito longe dali, Fuzzy Confusão estava em uma batalha contra os policiais que protegiam a persistentemente prefeitura da cidade. Eles atiravam o máximo que dava, mas todos os tiros eram em vão contra o pêlo e a pele espessa da criatura mutante que aproximava-se com passos bem lerdos. Eles criaram uma barricada de carros e homens usando escudos à prova de balas, mas estavam ficando sem munição e sem mais homens, não poderiam ficar muito tempo mais nessa situação. Esperto, Fuzzy pega um dos carros perdidos na rua e o arremessa para o alto esperando que caísse bem em cima dos oficiais da lei. Os policiais percebem o carro caindo de lá do alto, contudo não conseguem reagir corretamente entrando em pânico. Por sorte, Florzinha chega voando em alta velocidade e consegue segurar bem a tempo o veículo usando só uma das mãos, surpreendendo e maravilhando a todos ali presente inclusive o próprio Fuzzy.

— Então, o que dizem é verdade. — Observou um dos policiais maravilhado ao ver todo aquele poder. — Essas tais “Garotas Whoopass” são mesmo muito fortes. Quantos quilos consegue levantar? — Indagou curioso.

E o outro policial ao lado disse: — Achei que vocês fossem mais velhas, quantos anos você tem? Parece que tem a idade da minha filha mais velha. Como se chama, garota?

— Você veio do espaço como aqueles heróis esquisitos dos jornais? — Perguntou um terceiro policial.

Em meio tantas perguntas, Florzinha chegou até a ficar tonta e confusa sem nem saber o que dizer, ainda mais sem entender o que diabos era “Garotas Whoopass”. Deduziu que deveria ser algum nome que deram para ela e suas irmãs como um time, mas esse nome não era nem um pouco bom. Logo, ela respondeu — Eu nunca testei o máximo da minha força, eu acho. Tenho só catorze anos e meu nome é Bertha Utonium, senhores. Mas, meus amigos me chamam de Florzinha. — E depois a garota sorriu agradavelmente aos homens da lei.

A ruiva poderosa colocou o carro policial por cima de outro, reforçando um pouco mais a barricada que protegia a prefeitura de investidas futuras.

Surpreendentemente, a garota ruiva percebe um tiro de espingarda vindo em sua direção que atingiu inesperadamente sua bochecha esquerda. Claro que não a feriu, mas significava que o indivíduo estava armado.

— Fiquem abaixados e seguros atrás da barricada. — Recomendou ela aos policiais. — Eu cuido desse cara.

Apontando sua espingarda de estimação para garota, Fuzzy deu um segundo tiro na garota mirando em seu peito achando que tinha errado o primeiro, mas ele logo percebeu que estava diante de alguém que assim como ele, balas não iriam ferir.

— Oiá só o quê temu aqui? — Anunciou o gigante peludo magenta. — Ouvi falá de ô cê, menina do zóio rosa. U Fuzzy aqui até axô que era só tagarelice daqueli macacu verdi lá. Nué que que ele tava cértu memu?

— Vai embora! — Florzinha gritou para o vilão mostrando que não tinha medo dele.

— U Fuzzy aqui num vai embora sem pegá u qui é deli.

— O que você quer? — Ela perguntou.

— Eça cidadi, ora. — respondeu sorrindo e depois desfez o sorriso para mostrar uma cara ódio. — Eças Terra tudo era da família do Fuzzy faz muuuuuuuito tempo. Meus ançustrais.... meus acistrais... us velhu da família Fuzzy mandavam em tudo aqui, mas tiveram que vender ás terra tudo para não morrê de fome. Agora, eu vou tomá o que meu por direito. Eça é minha propriedade agora. Vô entrar lá, e virar o novo prefeitu de Taunsviu!

— Não vai mesmo! Essa cidade não é sua. — Ela avisou ao vilão.

— É o que vamu vê, garotinha — Ele zombou enquanto revelava sorriso de dentes tortos, quebrados e afiados. Ele guardou a espingarda nas costas e iniciou uma investida enquanto berrava como uma animal feroz pronto para esmurrar a garota. Quando a ruiva viu o punho peludo do gigante se aproximando, rapidamente, esquivou-se para trás com um movimento ligeiro. O grandalhão peludo erra e soca o asfalto. Tão forte foi o golpe do caipira mutante que conseguiu perfurar todo o concreto e afundar sua enorme mão no chão denso.

Florzinha não perde tempo. Ela aproveita o momento para dar um soco na fuça do vilão. Antes mesmo do vilão se recuperar do primeiro, ela já dá outro e mais outro. Mas, no quarto soco consecutivo, Fuzzy consegue segurar o braço de Florzinha, que em comparação ao seu gigantesco era como um braço de uma boneca sendo segurado por braço de um gorila, e então ele arremessa a garota contra o chão com o máximo de força que conseguiu, abrindo uma grande rachadura no concreto.

Florzinha fica desnorteada caída no chão e o bruto vilão aproveita o momento para esmagar a jovem ruiva com seus punhos enormes. Ele faz uma vez, e depois outra, abrindo uma rachadura ainda maior no chão com a força. Por sorte, Florzinha aguentava bem. Quando Fuzzy ergueu-se para esmagar a garota com uma fúria animal, Florzinha acende seus olhos e dispara uma rajada de lazer que acerta o ombro esquerdo da criatura. Fuzzy se contorce de dor, apesar de não ter ficado muito ferido. No máximo, ele teve alguns pelos tostados, mas foi o suficiente para fazê-lo recuar por um instante, dando tempo suficiente para Florzinha se levantar.

Quando ambos se reergueram, trocaram olhares de franzidos. A menina ruiva fofa e a criatura lilás estranha mostrando um para o outro seus olhares de raiva. Ficaram um de frente para o outro, com 10 metros e meio de distância entre eles. Era como aqueles filmes antigos de faroeste onde o mocinho e o vilão se encontravam em um dilema esperando com um silêncio incômodo o momento de atacar. Faltava apenas a trilha sonora de Ennio Morricone para completar.

( Trilha Sonora: Ennio morricone - The Good, the Bad and the Ugly )

— Vai desisti? Ocê num da conta do Fuzzy aqui não. Ocê é só uma menininha fofa. Apóstu que tu vai chorá. — Debochou o gigante peludão lilás com seu sotaque caipira. Apesar da provocação do vilão, Florzinha não deixou os comentários dele te abalarem. Ela ficou em silêncio, apenas se concentrando em seu ataque.

O momento de impasse e troca de olhares teve seu fim, os dois começaram a correr um em direção ao outro, ambos gritando furiosos e com os punhos cerrados levantados preparando-se para socar o adversário. Florzinha corria com seus pés comuns de uma adolescente e Fuzzy com seus pés monstruosos que causavam leves tremores no chão quando ele pisava nele. Por fim, seus golpes se encontraram: o punho gigantesco de Fuzzy chocou-se com o punho minúsculo de florzinha e a colisão gerou um poderoso tufão de vento junto a um baralho que tão alto que quebrou toda a vidraçaria local.

De repente, Fuzzy berrou com sua voz monstruosa ao sentir uma dor agoniante em seu braço direito. Sua mão direita estava toda quebrada, podendo até sentir seus ossos moídos pelo impacto. Ele contorceu-se de dor até ficar de joelhos no asfalto quebrado. O que teria feito isso? Ele pensou. Então, ele olhou para a menina ruiva a sua frente com as mãos intactas e percebeu a verdadeira diferença de poder de ambos.

— Num podi cê. Como podi ocê sê tão forti? O que tu é?

Florzinha pegou o vilão pela sua garganta com suas pequenas mãos e o levantou com um sorriso confiante em seu rosto.

— Eu sou o que você disse: uma menininha fofa. Mas, eu sou uma menininha fofa super poderosa — Ela respondeu.

Finalizando, Florzinha deu um belo gancho de direita na criatura peluda, que de tão forte, além de lhe ter arrancado vários dentes, o fez decolar para o alto em uma velocidade impressionante até desaparecer da vista. Tão grande foi a força de Florzinha que ela mesma se surpreendeu.

Após a tensão e a adrenalina diminuírem, Florzinha ajoelhou-se ofegante no asfalto para descansar um pouco após essa complicada luta. Percebeu que estava mais forte do que quando enfrentou os robôs na vez que foi para o espaço anteriormente e sorriu orgulhosa com isso. Os policiais percebendo que a ameaça passou aproximaram-se da jovem exausta e começaram a bater palmas para a sua heroína. Florzinha, olhou para trás e viu aqueles homens e mulheres gratos reconhecendo seu bom trabalho e se emocionou com aquilo. De repente, a ruiva se dá conta que esse tempo todo, ela estava sem seu laço vermelho desde que ele foi arrebentado na sua briga anterior com suas irmãs.

Era engraçado. Desde que era muito pequena, Florzinha queria crescer e se tornar uma mulher importante. Queria se tornar alguém que as pessoas pudessem se orgulhar e confiar, assim como sua mãe era. Desde que recebeu aquele laço, não houve um dia sequer em sua vida que não tentou ser a protetora, a forte e a responsável da família. Ela passou a vida toda tentando crescer o mais rápido possível, mas só conseguiu crescer de verdade quando não se esforçou para isso. Passou tanto tempo tentando ser como sua mãe que se esqueceu da Florzinha. Mas, agora ela sabe que não há nada de errado em ser só uma criança. As pessoas crescem no seu tempo e isso não a impede de conseguir as coisas. No final, era só um laço bobo mesmo.

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Do outro lado da cidade, um prédio estava em chamas e quase desmoronando. No entanto, ainda havia pessoas lá dentro. Dentre eles, estavam uma mulher de trinta e poucos anos e suas duas filhas gêmeas de oito anos tentando sair daquele prédio, mas se perderam no meio das chamas e da fumaça tóxica densa. Enquanto corriam em busca da saída, a estrutura do prédio começou aos poucos a falhar, o chão do andar superior começou a se fragmentar em pedaços que caindo bem em cima daquela pobre família. Até que veio um enorme pedaço de chão que quase acertou a cabeça da mãe se Lindinha não tivesse aparecido do nada para segurar o piso despencado.

— Vocês estão bem? — Perguntou a adolescente loira para a família assustada e a estupenda com a força da menina.

Eles apenas responderam acenando a cabeça.

— Ótimo. Eu sou Lindinha e estou aqui pra ajudar. Preciso que vocês se segurem em mim o mais forte que conseguirem. Entenderam?

Novamente eles acenaram com a cabeça e obedeceram. A mãe se agarrou em Lindinha e cada uma das gêmeas ficou sobre cada um dos braços da loira. Usando sua velocidade, Lindinha levou as três para fora do prédio em um piscar de olhos. Após o susto de tal situação, elas tossiram um pouco para expelir as fumaças que inalaram.

— Fiquem aqui. Eu já volto. — Anunciou Lindinha ao retornar para o prédio novamente com sua supervelocidade para resgatar mais pessoas. Indo e voltando várias vezes ela retirou ao todo dez pessoas, entre elas, três senhores idosos, um casal lésbico com bebê, uma rapaz nerd solitário e até um cachorro, tudo em menos de 60 segundos.

Após tantas idas e vindas em velocidade supersônica, Lindinha parou alguns instantes para respirar. Em, meio a respiração ofegante ela perguntou aos cidadãos:

— Tá todo mundo bem?

E todos agradeceram com sorrisos em seus rostos. Até as pequenas gêmeas que correram para abraçar a menina loira que as salvou.

— Opa! Que coisa fofas que vocês são. — Disse Lindinha ao se surpreender com o abraço das crianças. Emocionada, ela logo entrou na brincadeira, e as abraçou de volta. — OK. Eu fico feliz que estejam gratas, mas eu tenho que ir agora.

Após o abraço fofo, a menina superpoderosa decolou aos ares para continuar seu extenso e heróico trabalho.

Não muito longe dali, alguns quarteirões. Uma criatura estranha andava pelo topo dos prédios baixos, atordoando um grupo de sobreviventes que corriam para se esconder em uma lanchonete de uma esquina abandonada. A tal criatura tinha corpo estranho, parecia um roedor, mas sem pêlos, apenas milhares de espinhos que eram feitos do mesmo material de seus ossos e dentes. A misteriosa criatura que um dia já foi um ser humano fora da lei, tinha a habilidade de disparar seus espinhos que eram afiados como estacas e duras como aço. Com seus olhos mutantes atentos, ela observava as ruas, pronta para disparar seus espinhos fatais em qualquer coisa que venha a se mexer.

Por pouco, o grupo de sobreviventes consegue esconder-se no tal restaurante. Entre eles, estava um garoto conhecido por nós. Seu nome é Mike Belive, o até recentemente, namorado de Lindinha que também estudava em sua escola. O garoto de 15 anos não conseguiu fugir da cidade a tempo e ainda havia se afastado de seus pais na confusão. Em meio a crise, o garoto tornou-se o líder daquele pequeno grupo formado por vários sobreviventes: pessoas perdidas e abandonadas assim como ele. Junto a ele havia uma moça com filho de colo, um casal de idosos, uma moradora de rua, um veterano do exército na cadeira de rodas e outros quatro adolescentes da mesma idade.

— Estão todos bem? — Perguntou Mike ao seu grupo.

Todos olharam uns para os outros verificando se todos estavam presentes e bem. Contudo, uma das adolescentes percebeu que faltava alguém.

— Cadê o Tommy? — Ela perguntou.

— Quem? — Perguntou Mike.

— O garotinho de cinco anos. Ele estava atrás da gente. — Respondeu a outra adolescente.

— Ninguém segurou a mão do moleque? — Criticou o idoso em tom de pergunta e o silêncio que veio em seguida respondeu.

— Achei ele! — Gritou o veterano enquanto olhava pelo vidro da lanchonete usando seus binóculos militares, uma recordação de seu tempo no exército. — Ele está do outro lado da rua, perto do posto de gasolina atrás do caminhão capotado. Ele está chorando e gritando pela mãe.

— Eu vou atrás dele! — Afirmou Mike determinado.

O jovem levantou-se e abriu a porta o mais rápido que conseguiu e correu em direção ao menino. Todavia, o idoso o segurou pelo capuz, evitando de ser atingido por um espinho que surgiu bem a um passo dele. Mais um pouco e espinho de osso da criatura teria o atingido bem em sua cabeça.

— Me solta! — Gritou Mike. — Preciso salvar o menino.

— Você esqueceu do bicho, rapaz? Se você for lá, o bicho vai matar você antes de salvar ele.

— Mas, alguém tem que salvar ele! — Persistiu Mike.

Ao olhar mais atentamente com seus binóculos, o veterano percebe algo que não tinha reparado antes.

— Não vai adiantar garoto nada, rapaz. Aquele menino vai morrer de qualquer jeito. Estão vendo aquele caminhão ali onde o menino está escondido? É um caminhão-pipa que começou a vazar combustível. Ele bateu em um poste soltando um fio em curto circuito. Em alguns momentos, aquele óleo vai se encontrar com aquele fio desencapado faiscando e bem...

— Isso não vai acontecer! — Gritou Mike. — que retirou seu casaco com capuz libertando-se das mãos do idoso que o segurava.

— Ficou maluco, garoto?!

Apesar dos avisos, Mike persistiu na ideia e correu o mais rápido que conseguiu até o outro lado deixando apenas com sorte para não ser atingido pelos espinhos da criatura mutante.

— Ei garoto! — Gritou Mike enquanto corria. — Sai daí agora. Isso vai explodir!

O menino de cinco anos que chorava sentado bem atrás do caminhão-pipa, ele até ouviu os gritos de Mike, mas não entendeu a mensagem.

Apesar dos berros e do esforço nobre de Mike, tudo foi em vão. O fio desencapado encostou no combustível que vazava e bastou uma mísera faísca para criar uma grande explosão de chamas bem diante dos olhos dele. A explosão fez Mike escorregar e cair no chão, não se machucando seriamente. Contudo, o garoto podia sentir dali apenas alguns passos à sua frente, o calor e o fogo cruel. Mike percebe que havia falhando. O barulho da explosão atordoou até mesmo a criatura espinhosa que recuou temporariamente.

— Não! — berrou Mike.

Ele lamentou-se e gritou mais uma vez pela frustração. Uma criança havia morrido bem diante seus olhos e ele não pôde fazer nada para mudar isso. Contudo, quando já não havia esperança, o garoto ouviu um som bem baixinho que parecia vir das chamas. Eram tosses e engasgos, pareciam ser de uma criança. Mike não acreditou no início, mas gradualmente as chamas foram se dissipando com o na chuva que foi caindo com o tempo, revelando à seus olhos uma silhueta estranha que estava bem entre as chamas que se apagavam. Ele viu um corpo maior abraçado ao da criança, que foi forte o bastante para suportar a explosão por ela. Um corpo de uma jovem da sua idade. Ele viu que a pessoa tinha belos e levemente ondulados cabelos soltos ao vento que lhe eram muito familiares. Mike não acreditou no que havia visto, e muito menos quando viu quem era a misteriosa pessoa que salvou o menino. A garota soltou o menino, perguntou-lhe se estava bem com voz bem familiar e assim que ele confirmou que sim, a garota levantou-se e olhou direito para Mike.

— Lindinha? — Ele perguntou olhando nos olhos dela, tendo certeza de que era ela.

— Bobo da Corte? — Perguntou Lindinha de volta. — O que você tá fazendo aqui?

— Eu me perdi dos meus pais na confusão e me juntei com outros sobreviventes. Eles estão escondidos naquele restaurante .

— Moça. — Disse o pequeno Tommy puxando roupa de sua salvadora. — Obrigado por me salvar.

— Não foi nada, amiguinho. — Ela respondeu com um sorriso no rosto. — Agora eu quero você vá até aquele restaurante e fique sempre perto de um adulto.

— Tá. — Disse ele antes de ir correndo até o restaurante onde o Idoso e o veterano o receberam.

Ficou só os dois até então namorados olhando um para o outro, ambos com vergonha de dizer alguma coisa. Era como se estivessem se conhecendo pela primeira vez na vida. No entanto, Mike ousou dando um primeiro passo.

— Então, você agora tem... tipo... superpoderes? — Ele perguntou com uma das mãos coçando a nuca.

— É... eu meio que já tinha eles faz tempo... — Ela respondeu enrolando uma mecha do cabelo entre os dedos.

— Faz tempo tipo... antes mesmo da gente se conhecer?

— Sim, muito antes. É uma longa história.

— Então, você...

— Mentiu para você todo esse tempo? — Lindinha completou. — Sim. Eu menti. O que você está vendo aqui hoje é a Lindinha de verdade.

— Ual.

De repente, a criatura espinhosa aterrissou no chão bem diante dos dois adolescentes enquanto eles conversavam. Ela encarou os dois mostrando seu sorriso feio de sua boca cheio de dentes tortos e afiados. Em um ato de fúria, ela disparou seus espinhos em direção aos dois jovens.

— Lindinha, cuidado! — Ele gritou quando viu um deles indo em direção à ela.

Mike não pensou direito e deixou os instintos falarem mais alto, se jogando na frente do projétil para que não atingisse sua namorada. A estaca afiada de osso mutante o atingiu bem no abdômen e caiu no chão gritando de dor.

— Mike! — Ela gritou desesperada. Lindinha, colocou a cabeça do rapaz em seu colo enquanto dizia em lágrimas: — Por quê? Por quê fez isso? Seu bobo.

— Eu... não queria que... você se machucasse. Eu fiquei com medo. — Disse ele não conseguindo aguentar a dor.

A expressão da Lindinha muda para uma raivosa e rancorosa. Ela encara a criatura que estava a sua frente sentindo um ódio vindo direto da espinha. Seus olhos brilharam antes de liberarem uma rajada ótica de calor. A criatura, que não esperava por essa, foi atingida pelo raio bem no peito sendo empurrada para vários metros para trás até atingir uma muro de tijolos que se despedaçou em cima dela, deixando-a desacordada.

— Mike, vai ficar tudo bem. — Ela disse em lágrimas vendo o sangue começar a sair do ferimento de seu namorado. — Eu vou salvar você.

( Trilha Sonora: Hans Zimmer - Wish We Had More Time )

Com perigo passado, Lindinha decolou para os ares com o rapaz em seus braços, levando-o o mais rápido possível para o hospital mais próximo. Com sua velocidade, foi só questão de segundos até ela pousar no hospital aberto mais próximo, que ficava bem perto dos limites da cidade. O hospital estava com muito movimento devido a situação e assim que ela entrou na recepção com ele em seus braços gritou:

— Socorro! Um médico, por favor... — Ela berrou desesperada enquanto segurava seu amado perto da morte em seus braços.

Imediatamente, uma enfermeira apareceu movendo uma cama hospitalar onde Lindinha o deixou. Rapidamente, uma outra enfermeira começou a cortar a roupa do rapaz com tesoura enquanto a primeira o levava uma máscara de oxigênio.

— Lindinha... — ele tentou dizer com dificuldade. — Sobre as coisas que você pode fazer...

— Não se esforce. Eu sei o que vai dizer. Eu sou... uma aberração. — Ela disse sorrindo para seu amado em lágrimas.

— Tá brincando? — Ele disse antes de tossir duas vezes. — Aquelas coisas que disse antes, eram... eram tudo besteira. Eu não sabia de porra nenhuma. Acho que deixe me levar com Wiil Harengue seu jornalzinho idiota. Eu sinto muito mesmo...

— Não tem que se desculpar, bobo da corte. — Ela chamou pelo seu apelido. — Eu não deveria ter escondido isso de você. Mas, eu tive medo que se mostrasse para pessoas quem eu sou de verdade, elas me odiariam. Porque eu sou realmente uma aberração.

— Lindinha, me escute. Preciso que você saiba de uma coisa. Eu quase vi um menininho morrer hoje, mas ele não morreu. Ele não tinha nenhuma chance de sobreviver, mas, eu não sei como, mas você o salvou. Sabe o que eu vi quando você salvou ele?

— O que? — Ela perguntou segurando sua mão.

— Eu não vi uma aberração. Foi... foi mais como um anjo aparecendo, foi a coisa mais bonita que eu já vi... foi como um milagre.

Milagre. Ao ouvir essa palavra, a jovem Utonium ficou ainda mais em lágrimas. Era uma palavra perfeita que atingiu bem na alma da garota, apagando seus demônios como a chuva que apaga o incêndio.

Mike começou a tossir e sentiu perder consciência gradualmente.

— Mike! Fica comigo. Por favor, fica comigo. — Lindinha gritou.

A enfermeira percebendo o agito de Lindinha avisou educadamente:

— Nós temos que levá-lo a cirurgia de emergência.

— Eu vou com vocês. Eu não vou sair do lado do Mike. Eu não vou abandonar ele. — Ela gritou convicta.

— Lindinha... — Chamou Mike com a voz fraca. — Tá tudo bem, Linda. Eu vou ficar bem. Mas, você... — ele tossiu duas e olhou bem fundo dos olhos dela, o que aliviou um pouco a dor que sentia no abdômen perfurado. — Você tem que ir. Essa cidade precisa de você. Ela precisa do seu milagre.

Uma das enfermeiras colocou a mão nos ombros de Lindinha demonstrando uma inesperada empatia pela jovem.

— Ele vai ficar bem, — A enfermeira disse com uma certeza esperançosa.

Lindinha olhou nos olhos da enfermeira, percebendo que por trás da máscara descartável, havia uma mulher asiática jovem com olhar gentil e verdadeiro. A loira olhou para o uniforme da mulher e viu o nome “Sanban” no crachá e por alguma razão inexplicável a menina sentiu que podia confiar nela.

— Tá bom. — Ela aceitou soltando as mãos do menino e ambas enfermeiras levaram o rapaz às pressas para ser socorrido.

Lindinha saiu pelas portas da entrada do hospital vagarosamente, pois sua mente estava tentando processar os recentes eventos. A jovem não notou a chuva que molhou seus cabelos e limpou seu rosto que já estava encharcado de lágrimas e suor. Em uma ação meramente instintiva, Lindinha olha para trás na esperança de ver Mike mais uma vez, mas o que vê é apenas o seu próprio reflexo no vidro da porta do hospital. Foi ali que a loira notou seu rosto borrado de maquiagem e notou que seu cabelo ensopado com suas marias-chiquinhas desfeitas na confusão. No entanto, o mais importante que notou, foi que quando viu o seu próprio reflexo no vidro, já não via mais aberração que imaginava. Só via o que Mike havia dito: Um milagre. No final, seu pai estava certo. Ela não era uma aberração e não deveria deixar ninguém dizer isso dela. Lindinha sorriu para si mesma como se tivesse conhecendo uma pessoa nova e gostando do que via. Pela primeira vez, em muito tempo, a garota se sentiu livre.