C.F.I.D

A SOMBRA DA NOITE — MARLON



MARLON

DIA 08 ANTERIORMENTE

SÃO FRANCISCO - EUA

A corretoria de imóveis não tinha nada a ver comigo. Na primeira tentativa seletiva, eu tinha feito uma boa apresentação. A necessidade surgiu após o último período do curso; a filosofia não iria acrescentar inicialmente nada de impactante no meu currículo. Nenhuma programação de viagem tinha sido feita para a partida de São Francisco; após quatro anos, minha alma se consolidava como a de um nativo. O excesso de carisma me conservou durante cinco meses na corretoria. Poderia ter sentido arrependimento, porém eu estava em total acordo com a crise precoce de meia-idade, apesar de não coincidir com a faixa etária estipulada. Não tive a rebeldia de trocar de carro, aparar os cabelos ou desaguar o excesso de rugas num espelho; antes disso, havia planejado intencionalmente minha demissão.

Pouco propósito eu tinha restituído para a vida. Minha inclinação nunca tinha sido para os descobrimentos do ser e do estar.

Minha memória estava bastante adestrada por esta encadeação de fatos. Um sinal inibitório percorrendo dentro de mim modificou a ordem das minhas vivências. O movimento airado, vagarento, ruborizado pelo ar quente de um balão, sinônimo de maquete, a cidadezinha imóvel abaixo na altura de um penhasco, seria a minha descida do céu para o inferno. Minha queda encoberta pela fumaça de um narguilé.

— O velho vai morrer do coração. — Aziz vaporizava como um dragão, mas a fumaça também percorria o caminho das narinas.

— Se ele já não estiver morto. — Meus nervos aparentavam um estado de desfalência.

A gargalhada perniciosa ecoou. Aziz encurvou o esqueleto diabólico. Várias vezes me passava pela cabeça que ele sofria de alguma anomalia, a representação de tentáculos de polvos pelos braços e pernas. Mas eu sempre reformulava meus pensamentos nos emaranhados dos cabelos dele. Talvez a genética alongada fosse proveniente dos árabes. Aziz possuía descendência síria. Realmente, eu nunca cobicei o retoque facial esmiuçado. A tintura de cobre jamais esvaeceria do corpo dele; por dentro dos olhos, se escondia uma parte do sol envelhecido, em contraste com outra luz forte que resplandecia no escorrimento de mel. Aprofundei outra absorção no narguilé. Ele cambaleou para perto da poltrona marrom, enroupada com o casaco xadrez. Remexeu rapidamente dentro da mochila e, na minha frente, revelou uns pacotinhos lacrados.

— Estou precisando de um sócio.

Ele esticou o braço previamente para mim; na minha irresolução, um embrulho despencou na minha perna. Apalpei precisamente o polvilho branco.

— Minha recomendação é que isso não chegue às mãos de um veterano em letras. Não seria muito difícil para eles identificarem o feminino de herói. Sei que ainda precisa enganar o velho.

Nada me acovardava mais do que a vigilância controladora de longa distância. Meu pai já deveria descansar embutido numa casa de vigas. Na última viagem, após a separação do segundo casamento, o destino permanente dele tinha sido de volta às originalidades na França. Apenas tendo filhos do primeiro casamento, Julie era a mais velha. Ainda sendo mulher, dois anos à frente de nascimento, eu achava que a tradição burguesa da nossa família jamais seria modificada. Foi difícil assimilar que trocamos nossos papéis da noite para o dia com a notícia do casamento. A bolsa de estudos em São Francisco não poderia ser cancelada. Eu já indagava uma sentença absurda. A substituição foi imediata. Eu não tive coragem de praguejar inicialmente com meu pai; nos primeiros meses, ele só me telefonava de Belgrado. Era uma inquietação a acomodação com Aziz; minha bagagem era incompatível com as suas modelagens de cera. Nos meses e anos seguintes, a locomotiva de informações despencou o desfiladeiro. O casamento do meu pai tinha acabado, na ligação existia o prefixo de Paris e Julie estava grávida. Ele nem se importara com o meu desânimo em chegar na conclusão do curso e o novo emprego. Aziz tinha razão, ele morreria se conhecesse meu ódio por filosofia e a demissão por justa causa. Eu ponderava no novo futuro acima das linhas da minha mão.

— Este é o trabalho para quem não sabe o que quer da vida. — Não deveria ser engraçado a maneira como ele abriu os braços; pareciam duas faixas elásticas enlaçando o planeta. — Todo mundo sabe que eu não vou sair mais desse campus. Reprovei em duas cadeiras de engenharia.

— Quase passei pelo mesmo problema.

— Pra você foi fácil, só fumar um narguilé e divulgar uma ideia louca. Vai surgindo as teorias da vida. — Um pacotinho foi desatado e o pó se aprumou em um cinzeiro. — É divertido fazer um teste de qualidade. A merda tem que acontecer antes de ser vendida. Ninguém compra depois que morre.

Eu esperei alguma reação pelos olhos de Aziz. Toda esfregação no nariz era idêntica a uma crise de rinite. O tecido coralino se reclinou para várias cafungadas reduzidas. A expressão dele modificou-se em pouco tempo com a ação alucinógena.

— Não fica me comendo pelos olhos, experimenta.

Após as costas dele se estirarem em decadência na tapeçaria policromática, senti a contaminação sendo distribuída. Minha capacidade atlética mediana tinha aptidão para correr uma maratona.

— Diz aí, a qualidade é boa?

— Estou sentindo alguma coisa estranha nas minhas pernas.

Aziz sabia um único local de terminações salientes; pelo riso, ele tirou alguma experiência da memória.

— Não vem com a ideia de querer me comer agora, cara.

— Acho que irei voltar correndo para casa.

— Só não confunde as cadelas na rua.

— Eu prefiro espécies bípedes.

Ninguém para acompanhá-las na caminhada distante. Alcançando o sinal, o único carro parou, vagarentas e abrasadas na faixa estendiam risadas. Na curvatura, encontrava-se o local de trabalho, a despedida de uma delas seria na lanchonete. Adiante da rua, a travessia pouco confortável abaixo da ponte caliginosa. Os sentidos relaxados para as observações nas sombras registraram a trombada na traseira. Não passou de exagero os movimentos rotacionais do pescoço. Nenhum problema real antes do sobressalto. Mão larga encostada no vidro. A entonação máscula requerendo horas. Em instantes, ele se livrou da decapitação dos dedos no fechamento completo do vidro. Nada o impediria de rodear para o outro lado; novamente, ela fez a medida preventiva na elevação da janela. Todavia, não haveria sucesso total para a agilidade. O combate destravou em diante nos assentos frontais.

Ambas as mãos rígidas de força, ele se materializava como uma serpente na janela. Fios quebradiços intensificaram os gritos dela. A defesa proibida, mas existindo a possibilidade, jamais teria triunfo sobre o escoramento dos corpos. Sangue quente e poderoso se captava das mãos dele, a pele se apossando da saia, descobrindo-a intimamente. O ímpeto do suspiro a proporcionaria um berro mais forte, ele efetuou rapidamente um suco de suas artérias. A espremedura umedeceu a visão apagada, o orgasmo escoado num cadáver. Ninguém saberia, na penumbra da noite, a saída dele foi efetiva dentro das sombras.