PROLOGUE (PRÓLOGO)

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RESULTADO DE ANÁLISE TOXICOLÓGICA
MÉTODO: HPLC (Cromatografia Líquida de Alta Eficiência)
AMOSTRA UTILIZADA: Plasma Sanguíneo.
SUBSTÂNCIA PROCURADA: D-anfetamina
RESULTADO: Positivo

SEGUE ABAIXO GRÁFICO COM AS CONCENTRAÇÕES...

Lee Yangmi nem mesmo precisou analisar o espectro com muita atenção, bastou passar os olhos pelo gráfico para ver que a concentração de D-anfetamina estava alta demais até mesmo para um usuário com anos de dependência, fato que fazia cair por terra qualquer possibilidade de Son Seungi ter sido vítima de uma overdose acidental.

Estava mais que claro que a garota de apenas 21 anos havia tentado, com sucesso, tirar a própria vida.

Com um suspiro pesado, Yangmi depositou os papéis que tinha na mão em cima da mesa e se esticou para pegar o telefone que estava no suporte ao lado do porta lápis. Aquela era a hora que ela menos gostava, não só por ter que dar a notícia definitiva que levaria à formação do laudo que seria enviado para a família da falecida (algo que sempre gerava conversas repletas de choro e indignação), mas também por ela ser obrigada a falar com a pessoa que fazia sua cabeça latejar toda vez que tentavam manter uma conversa civilizada.

Seus dedos foram direto até os números já conhecidos de seu "colega de trabalho", e o telefone logo subiu aos seus ouvidos.

Assim que a chamada foi encaminhada para a linha dele, Yangmi soltou mais um suspiro enquanto aguardava ser atendida.
No quinto toque, a voz grave e com um sotaque leve do interior a cumprimentou.

— Espero que você tenha um bom motivo pra ter interrompido meu curto horário de almoço, Dra. Lee. - disse Kim Mingyu (médico legista do centro de perícia no qual ela trabalhava) com uma tentativa falha de soar irritado. Yangmi, por sua vez, precisou contar mentalmente até 10 para não lhe dirigir palavras de baixo calão por conta da óbvia tentativa de tirar sarro da sua cara.

— Pare de me chamar de "Doutora", principalmente com esse tom de voz. - ela pediu com a voz meticulosamente neutra. - Todos sabemos que não terei o título até minha tese ser aprovada, e creio eu que esse dia ainda vai demorar um pouco pra chegar. - ela prosseguiu, um tom quase imperceptível de tristeza atingindo suas palavras bem no finalzinho de sua falácia. A verdade era que Lee Yangmi estava tão cheia de serviços e compromissos com seu trabalho que havia deixado completamente de lado sua tese de doutorado, e Mingyu, ao que parecia, já havia se dado conta disso.

— O que foi, sua pesquisa deu errado? - ele perguntou com curiosidade. Yangmi ainda pensou em mentir e dizer que sim, talvez dessa forma ele a deixasse em paz, mas pensou melhor no último segundo e resolveu falar a verdade.

— O trabalho aqui no centro está tomando todo meu tempo, estou parada há quase dois meses. - ela admitiu um tanto a contragosto, sua voz deixando levemente evidente seu descontentamento. O outro lado da linha ficou mudo por alguns segundos, e Yangmi estava quase se perguntando se a ligação não havia caído quando a voz de Mingyu voltou a ganhar seus ouvidos, dessa vez com seriedade em vez de deboche explícito.

— Talvez você devesse largar um dos turnos, poucas pessoas trabalham tanto quanto você aqui. Tenho certeza que uma ou duas ficariam mais que felizes em ganhar um pouco mais ao cobrir seu horário. - ele comentou calmamente. Yangmi sabia que Mingyu estava dizendo aquilo mais por ter a possibilidade de se ver livre dela por algumas horas que por complacência genuína.

— Não posso me dar ao luxo de largar alguns turnos, não quando a renda que custeia minha pesquisa vem exclusivamente das horas extras que faço. - ela confessou um tanto irritada. Ficou se perguntando o porquê de estar dizendo aquelas coisas pra Mingyu, dentre todas as pessoas possíveis, e logo um quê de exasperação foi tomando conta de seus nervos. - Enfim, não foi pra falar sobre minha vida que liguei pra você. - ela começou a ir ao que realmente interessava. - O resultado da HPLC finalmente saiu, e sinto informar que os índices de D-anfetamina nas amostras plasmáticas estavam altos demais pra ter sido uma overdose por abuso.

Yangmi escutou um suspiro do outro lado da linha, e concluiu que Mingyu estava decepcionado por ter sua hipótese desmentida.

— Então foi suicídio. - ele concluiu. Yangmi apenas disse um "sim" de confirmação antes de olhar para os papéis em sua mesa.

— Estou com todos os resultados aqui, peça para Vernon vir buscar pra você. - ela citou o estagiário que estava acompanhando Mingyu há alguns meses. Achava incrível o quanto o rapaz era bom e proativo, sempre fazendo tudo o que mandavam mesmo após tanto tempo de serviço mal pago. Ela gostava dele, principalmente por ter tornado os encontros entre o legista e ela cada vez menos frequentes.

Pelo telefone, Mingyu soltou um muxoxo de resignação.

— Vernon não está aqui, pedi há alguns minutos pra ele dar uma olhada no corpo da Sra. Lim Bami, e você sabe o quanto isso demora - ele disse, e Yangmi escutou um barulho de cadeira arrastando no assoalho através do telefone. Logo um aperto característico se instalou em seu estômago, seu subconsciente já prevendo o que aconteceria. - Estou indo até aí, chego em um minuto. - disse ele por fim antes de desligar.

O som da linha sendo cortada atingiu os tímpanos de Yangmi com suavidade, e logo a jovem tratou de colocar o telefone de volta no seu suporte. Um gosto amargo atingiu sua língua, fazendo uma careta se formar em seu rosto.

A verdade nua e crua era que Yangmi evitava Mingyu a todo custo, e somente a possibilidade de ter que olhar para seu rosto e falar pessoalmente com ele fazia memórias nada agradáveis virem a sua mente. Todavia, como ela trabalhava no mesmo lugar que ele e era obrigada a interagir com o rapaz vez ou outra, havia se permitido uma estreita margem de encontros semanais, todos breves e puramente profissionais, onde a conversa era única e exclusivamente sobre trabalho, nada mais do que isso. Até aí ela conseguia aturá-lo sem muitas consequências para seus nervos, porém quando algum encontro fora da margem acontecia, ela se via uma pilha pronta para explodir a qualquer momento.

Era desesperador.

A perita criminal estava ocupada mordendo a tampa de uma caneta qualquer que achou em sua mesa quando escutou batidas leves na porta. Instantaneamente atenta, ela largou a caneta para pegar os papéis e ficou de pé.

Um pigarro para clareio de garganta foi dado antes de ela falar ao rapaz que estava na porta um breve "entre", que foi seguido pelo barulho da maçaneta girando e da porta abrindo.

Kim Mingyu entrou com rapidez, seus passos longos suprindo a distância entre a porta e a mesa de Yangmi com facilidade. Ela pôde notar que o jaleco que o médico legista usava estava com manchas escuras em alguns pontos, que o cadarço de seu sapato direito estava desamarrado, e que ele, como ela já sabia ser um hábito estranho para alguém que sempre precisava estar a par com o horário, não estava usando relógio em nenhum dos pulsos. Ela o conhecia bem, apesar de tudo, e olhar para aqueles traços de sua rotina tão corrida apenas a deixava mais desconfortável do que já estava. Ele, por sua vez, pareceu não perceber que ela estava nervosa e tratou logo de ir sentando na cadeira que ficava de frente com a dela.

Um olhar breve e um sorriso torto foi o que Mingyu deu para Yangmi antes de fazer um sinal com o queixo para os papéis que ela segurava com força entre os dedos.

— Se você amassar mais um pouco vai ficar impossível de ler qualquer coisa. - ele comentou casualmente, suas mãos repousando calmamente em cima da mesa. Yangmi olhou para elas, depois para os braços, depois para os ombros, o queixo, o nariz... Pra qualquer lugar, menos para os olhos que ela sabia estarem a encarando.

— Você é um idiota. - foi tudo o que ela disse antes de arrastar os papéis pela mesa até chegarem perto das mãos de Mingyu e sentar-se logo em seguida. Ela sabia que estava dando alguns sinais claros de quem ainda se sentia desconfortável perto dele, mas não se importava com nada no momento, apenas em fazê-lo ir embora dali o quanto antes. - Não acredito que ainda anda pelos corredores com o mesmo jaleco que usa pra fazer as autópsias, e pior, que o usa enquanto come. - ela comentou com uma careta de desgosto.

Mingyu apenas riu sem vontade antes de pegar os papéis, seu rosto ficando mais sério logo em seguida.

— E eu não acredito que você ainda se sente desconfortável quando eu venho aqui, achei que tudo já estivesse superado. - ele disse sem sorrir, e Yangmi teve que morder a bochecha pra não gritar com ele.

— Esse é meu espaço pessoal, não gosto que você venha aqui, simples. - ela manteve a voz neutra durante o discurso, porém bastava olhar para seus pés para ver que ela estava uma pilha. Mingyu, mostrando que a conhecia bem, fez exatamente isso, seus olhos deslizando de suas mãos inquietas até seus pés que produziam um batuque constate sempre que batiam no chão. O rosto do rapaz ao perceber o quanto ela estava aflita apenas se suavizou, e sua voz baixou alguns tons quando ele falou novamente.

— Eu sinto muito, juro que sinto. - ele disse, não sobre seus comentários sarcásticos de mais cedo, mas sobre um assunto delicado e mal resolvido entre os dois. A emoção velada em sua voz dizia mais que as próprias palavras proferidas por sua boca - Sei que não acredita em mim, mas eu realmente sinto. - ele abaixou o rosto pra tentar encontrar o olhar da jovem, porém ela olhava para as mãos como se fossem a coisa mais interessante do mundo. Yangmi já havia escutado aquelas mesmas palavras tantas vezes nos últimos cinco meses que já nem sabia se ainda significavam alguma coisa para Mingyu ou se ele apenas havia se habituado a dizê-las sempre que se encontrava com ela. Tudo o que a farmacêutica sabia era que não importava quando ou quantas vezes ele dizia que sentia muito, ela sempre iria desacreditar de suas palavras, esse sentimento sempre iria consumi-la durante horas a fio, e ela sempre usaria esse tempo pra ficar remoendo o passado e se perguntando o que diabos pôde ter dado errado, que diabos ela pôde ter deixado acontecer para tornar tudo tão desastroso em um piscar de olhos.

Ela, todavia, nunca encontrava a resposta.

— Você já está com os papéis, acho que já pode ir agora. - foi o que Yangmi disse após quase um minuto de silêncio. Seus olhos finalmente subiram para encontrar os de Mingyu, e ela viu, ao mesmo tempo que escutou, o rapaz tomar fôlego para falar algo quando foi interrompido pela porta da sala que abriu de forma brusca e revelou o rosto de Vernon através da fresta que se formou.

Yangmi, subitamente alerta, ficou de pé, tirando seus olhos de cima de Mingyu para poder fitar o rapaz com uma pergunta clara em seu olhar: que diabos havia acontecido?

O jovem, todavia, apenas olhou diretamente para Mingyu e ignorou a perita.

— Eu fui na sua sala mas disseram que estava aqui, então vim correndo o mais rápido que pude pra dar logo a notícia. - o rapaz estava ofegante, seu jaleco todo manchado de sangue e alguns outros fluidos corporais, o que provava que ele havia saído as pressas da sala de autópsia.

— Que notícia? - Mingyu, que havia levantado logo após Yangmi, perguntou com o cenho franzido para o estagiário. Vernon, que tinha uma fina camada de suor recobrindo o rosto, respirou rapidamente mais algumas vezes antes de finalmente falar.

— Um corpo acabou de dar entrada na lista de autópsia. - ele começou, sua voz instável por conta da corrida. - Não qualquer corpo, mas sim o de Yeon Jisoo - ele disse com ênfase, o nome da artista internacionalmente conhecida deslizando por sua boca como algum remédio travoso. Yangmi ficou rígida, enquanto que Mingyu soltou um palavrão baixo ao também reconhecer o nome - Eles fizeram ela ser colocada como a primeira da lista, então vim chamá-lo o quanto antes porque eles estão um tanto alterados lá embaixo. Quase me mataram de susto quando entraram na sala de autópsia achando que você estava lá. - ele disse para Mingyu que, por sua vez, ainda parecia em choque. E não por menos. Yeon Jisoo era simplesmente a face do girl group mais badalado do momento, o aclamado e mundialmente conhecido Energy. Saber que ela havia morrido era um choque enorme até mesmo para quem não era muito fã do gênero como Yangmi.

— Eles têm alguma suspeita do motivo da morte? - a perita perguntou para o estagiário, dessa vez torcendo para não ser ignorada novamente.

— Se têm, não querem falar. Ainda não consegui ver o corpo, então não posso dar detalhe nenhum também. - ele respondeu enquanto a fitava. Agora que o frenesi da corrida já havia passado, Vernon estava menos eufórico, sua fala bem menos enrolada e seu sotaque americano bem menos evidente. Ele ficou olhando de forma curiosa para Yangmi, parecendo finalmente perceber que havia interrompido algum momento importante entre os dois. Mingyu, que estava parado ao lado do rapaz, ficou olhando para Yangmi durante longos segundos antes de se virar para Vernon e andar até a porta.

— Bem, parece que tenho que dar uma olhada nisso. - ele disse assim que parou perto da saída, claramente se dirigindo a Yangmi mesmo que não estivesse a encarando. - Boa sorte com a cena do crime e... Tome cuidado. - e simples assim, sem nem mesmo dizer um "tchau" ou dar um aceno, ele passou pela porta e foi embora, sendo seguido por um aflito Vernon que tentava acompanhar seus passos largos.

Yangmi, após vê-los sumir pelo corredor, se jogou de volta em sua cadeira e cobriu o rosto com as duas mãos.

Estava cansada, exausta na verdade, e tudo o que queria fazer era dormir, talvez hibernar durante meses, ou mesmo enrolar-se em sua cama e comer sorvete enquanto via algum filme, qualquer coisa, qualquer coisa que não fosse trabalhar, qualquer coisa que pudesse aliviar sua mente tão conturbada e cheia de problemas. Porém ela sabia que tinha um dever a cumprir, sabia que precisavam dela em algum lugar, e isso a fez reunir forças não soube de onde para pacientemente arrumar suas coisas, já pronta para sair em busca de suas tão preciosas provas.