Broken Minds

Justice (Justiça)


CAPÍTULO II (Justice)

— Não podemos dar nenhuma resposta concreta até o laudo da perícia ser liberado, Sr. Yeon. Sinto muito, mas você deve aguardar assim como todos nós.

Jinwoo estava perto o bastante da sala de seu chefe e supervisor para conseguir escutar a conversa que estava ocorrendo ali. Parecia ser algo relacionado à morte de algum k-idol bastante conhecido, algo que havia abalado profundamente o país e deixado o clima ali no fórum totalmente carregado. Ao que ela conseguira absorver, estava tendo uma grande discussão entre os advogados do dono do prédio onde a pessoa fora encontrada, os advogados do dono da empresa na qual ela trabalhava, e os advogados dos pais dela, que estavam inconformados com o fato de nada ter sido esclarecido ainda.

Ao que parecia, ela estava sozinha no momento da morte, e de acordo com o contrato assinado por ela e pelos pais, isso não deveria ter acontecido. No mínimo o manager deveria estar com o indivíduo no local, o que, ao ver de Jinwoo, não foi o caso. Era esse o motivo de tanto burburinho ali dentro da sala, e também era o motivo de Jinwoo ainda não ter conseguido entrar para conversar com seu chefe e perguntar se já estava liberada para voltar pra casa.

Estagiar no fórum era ao mesmo tempo uma benção e uma maldição. Ao passo que ela já havia feito inúmeros contatos e conseguido mais horas extracurriculares do que poderia sonhar, a carga de trabalho e o nível dos assuntos que precisava resolver beiravam a insuportáveis. Ela perdera a conta de quantas vezes havia chegado à casa de sua prima com dor de cabeça e fadiga extremas, e já havia perdido a conta também de quantas vezes havia passado noites em claro enquanto revisava relatórios e lia capítulos e mais capítulos de livros sobre direito civil e penal para ajudar na resolução de vários casos. Porém, sempre que lembrava o que tinha feito pra chegar até onde estava, do quanto sua prima e seu primo haviam se esforçado para conseguir aquele estágio para ela e para facilitar sua vida ao máximo naquele novo país, ela se via obrigada a suportar tudo, até mesmo os chiliques de seu supervisor e as incontáveis vezes que ele havia confundido a pobre com alguma secretária e pedido para ela levar café até sua sala.

Como sua prima adorava dizer sempre que Jinwoo reclamava de algo, aqueles eram os ócios do ofício, e ela teria que aguentar tudo com maestria se quisesse chegar ao topo algum dia.

Quando Jinwoo finalmente escutou a porta da sala abrindo e viu um casal de meia idade saindo dali, se pôs de pé para cumprimentá-los e logo caminhou até a entrada da sala de seu chefe. Jeon Wonhyung estava com seu charuto na mão, hábito que Jinwoo já conhecia e sabia significar estresse e impaciência por parte dele. Por conta disso, a jovem ficou o mais quieta possível e perguntou com a voz mais comedida do mundo se ele ainda precisava dos seus serviços naquele dia.

Era sempre daquela forma, Jinwoo aprendeu depois de muito "apanhar". Mesmo que seu expediente terminasse às 17 horas, ela sempre tinha que perguntar ao seu chefe se o serviço já estava terminado e se já poderia ir embora. Caso passasse batido e não o fizesse, os seus deveres do dia seguinte seriam redobrados, e após ter sido obrigada a fazer esse "serviço extra" por duas vezes (nos dois primeiros dias como estagiária os quais não sabia nada sobre o funcionamento do local e sobre o temperamento de seu chefe), Jinwoo prometeu a si mesma jamais passar por aquilo novamente. Em decorrência disso, mesmo que para muitos parecesse incoerente, ela sempre ia à sala de Jeon Wonhyung ao fim do expediente e perguntava se ele não precisava de mais nada. Em alguns casos, nos que ela chamava de "dias de sorte", ele dizia que não e ela podia ir embora cedo, feliz e agradecida por não ter que levar trabalho extra para casa. Porém em outros, nos denominados "dias de azar", Wonhuyng pedia para que ela ficasse mais um pouco ou resolvesse alguma outra coisa antes de sair, o que geralmente tomava mais algumas horas do seu tempo e geralmente a faziam madrugar a fim de terminar o que ele pediu dentro do prazo estipulado. Os dias de azar eram os piores, os mais exaustivos e os mais frequentes, e aquele, ao que Jinwoo ficou sabendo segundos depois, era um destes dias.

— Sim, Srta. Park, eu ainda preciso de você por mais alguns momentos. Sabe que tenho um filho policial, certo?

Ele perguntou para ela sem nem se dignar a olhá-la nos olhos. Jinwoo, todavia, acenou com a cabeça e disse um "sim senhor" educado. Jeon Wonhyung, após escutar sua resposta, prosseguiu.

— Bem, ele estará chegando aqui em aproximadamente vinte minutos para se informar sobre o caso Yeon Jisoo. Como não estou com paciência para falar uma palavra sequer sobre isso novamente, pelo menos não no dia de hoje, quero que você leia todos esses relatórios que recebemos e repasse as informações mais relevantes para ele assim que chegar, estou sendo entendido?

Jinwoo assentiu afirmativamente, embora estivesse com uma pequena ruga de confusão entre as sobrancelhas. Por que ele evitaria conversar com o próprio filho, ainda mais sobre um assunto aparentemente importante e delicado como aquele? Ela estava longe de conseguir entender Jeon Wonhyung.

— Sim, eu posso fazer isso, sr., apenas preciso que me dê tudo o quanto antes pra que eu consiga terminar a tempo.

Ela comentou de forma polida, sua língua deslizando entre as palavras da forma mais correta que conseguia, embora soubesse que mesmo com todos os seus esforços, o seu sotaque ainda seria forte e marcante.

Jeon Wonhyung, após dar uma tragada generosa em seu charuto importado, assentiu de forma impaciente e entregou um bloco de folhas para ela. Seu rosto demonstrava estresse, então a jovem logo entendeu o sinal e fez uma reverência rápida para ele antes de sair dali e procurar o banco mais próximo para sentar-se e ler os inúmeros papéis que havia recebido.

Estava esgotada, cansada e louca para ir embora para casa. Portanto, tratou logo de organizar os papéis por remetente e começar a ler tudo da forma mais superficial que podia. Como o próprio Wonhyung havia dito, ela deveria repassar para seu filho apenas as informações mais relevantes, portanto não se ateria a detalhes frívolos ou que julgasse impertinentes para seu breve relatório.

A jovem foi passando os olhos por tudo com rapidez, analisando primeiro os relatórios redigidos pelos advogados da família, depois pelos da empresa, pelo fórum e, por fim, chegando aos dados vindos da perícia.

Seus olhos estavam cansados, porém ela se obrigou a virar a página para começar a ler os termos técnicos e totalmente indecifráveis que os químicos e médicos adoravam usar em seus laudos. Todavia, assim que Jinwoo notou o nome de quem havia investigado a cena do crime, toda e qualquer preguiça esvaiu-se de seu corpo no mesmo instante. Suas mãos apertaram os papéis para trazê-los para mais perto de seu rosto e seus olhos começaram a ler com avidez tudo o que estava escrito ali.

Jinwoo morava com sua prima havia mais ou menos quatro meses, e mesmo com tanto tempo de convivência, nunca, jamais, soubera de qualquer um dos casos nos quais ela trabalhava. Sabia que ela era importante no cenário investigativo e que fazia parte da equipe mais bem colocada no ranking nacional de peritos, porém jamais a tinha visto em prática, nunca soubera como eram seus métodos, muito menos visto de perto algum dos seus laudos.

Ver aquilo, seu nome ali, as palavras que ela havia redigido após uma análise minuciosa de uma cena de crime aparentemente importante, somente a fazia confirmar que Lee Yangmi era realmente tudo aquilo que Jinwoo ouvira falar desde sempre: uma profissional excepcional.

A jovem estava terminando as duas páginas que sua prima havia digitado quando deu uma rápida olhadela na última folha e leu um nome que tinha certeza que conhecia de algum lugar. Kim Mingyu, o que ela descobriu logo em seguida ser o médico legista responsável pela autópsia, escreveu uma única lauda informativa, sendo sucinto e direto em cada uma das informações prestadas, o que facilitou bastante a vida de Jinwoo, porém não tirou em momento algum a familiaridade inexplicável que a jovem sentia ao ler aquele nome. Será que Yangmi o havia citado em algum momento enquanto comentava sobre seu dia de trabalho? Poderia ser aquilo, mas por que Jinwoo continuava achando que se tratava de outra coisa? Negando com a cabeça várias vezes, resolveu deixar aquilo de lado e terminar de fazer sua leitura. Se o que Wonhyung dissera estava correto, seu filho estaria chegando ali a qualquer momento, e Jinwoo não queria ser encontrada perdida entre relatórios e laudos por alguém que poderia reportá-la a seu chefe por qualquer gafe cometida.

A jovem, portanto, guardou os papéis dentro da bolsa assim que concluiu tudo, ajeitou os cabelos e se pôs a esperar. Como naquele horário pouquíssimas pessoas continuavam circulando pelo corredor do seu andar, e como Jinwoo conhecia praticamente todo mundo que trabalhava ali, ficou fácil para a jovem reconhecer quem era o filho de Wonhyung, embora, no momento em que o viu, ela não conseguisse assimilar em sua mente como aquele rapaz poderia, de alguma forma, ser descendente de seu chefe.

A prole de Wonhyung era alta, esguia, tinha olhos pequenos e arqueados e um rosto tão simétrico que chegava a assustar. Nunca, jamais, em hipótese alguma, Jinwoo havia imaginado que o filho de seu supervisor poderia chegar sequer perto de ser considerado bonito. E bem, aquele rapaz a sua frente, vestido com roupas belas e bem cortadas, definitivamente era um espécime belo.

Embora sua personalidade, ao que Jinwoo pôde notar após os primeiros dois segundos de conversa, fosse inegavelmente a mesma de seu pai.

— Park Jinwoo? - a jovem escutou a voz profunda e grave do filho de seu chefe chamá-la. Com um rápido gesto de cabeça, ela confirmou sua identidade e abriu um breve sorriso para ele. Ainda estava se recuperando do choque que tomou ao ver a aparência do rapaz, porém não perdeu sua compostura ou boa educação em momento algum. O filho de Wonhyung, por sua vez, apenas soltou um suspiro e fez um breve cumprimento de cabeça para a jovem. - Sou Jeon Wonwoo, filho do que acredito ser seu chefe. Ele me informou que você seria a minha informante, então se puder começar a falar logo, não vou reclamar nem um pouco. - ele apontou para o relógio de marca que tinha no pulso esquerdo. - Estou atrasado para outro compromisso.

Jinwoo, mesmo sendo bastante acostumada com o gênio e a rispidez de Jeon Wonhyung, demorou alguns segundos a mais que o necessário para assimilar aquilo que escutara. Seu cérebro estava ocupado demais se decidindo se deveria ou não dar alguma resposta atrevida ao rapaz.

Para a sua sorte, ela decidiu por não dar.

— Bem, sr. Wonwoo, ao que eu li dos relatórios e do que escutei ser tratado nas reuniões que houveram no dia de hoje, uma jovem conhecida por Yeon Jisoo, 17 anos, artista e membro honorário do grupo Energy faleceu na manhã do dia 17 de março de 2020 em decorrência de morte cerebral e tecidual por conta de uma parada cardiorrespiratória total. Segundo algumas fontes, as suspeitas eram de suicídio, porém ao ler os laudos da equipe de perícia, pode-se sugerir que os motivos ainda não foram bem esclarecidos. Os resultados de grande parte dos exames bioquímicos e biomoleculares sairão somente nos próximos dias, portanto não se pode dar certeza de nada enquanto não tivermos esses resultados em mãos. - ela fez uma pausa para respirar enquanto Jeon Wonwoo observava e escutava tudo com bastante atenção. - Já na parte judicial, que creio que é a que mais lhe interesse, temos três partes envolvidas: a família, a empresa e o dono do prédio onde a garota aparentemente morava. De acordo com o que li nos depoimentos prestados pelos pais da jovem, ela não deveria estar morando sozinha em um apartamento, visto que ainda era menor de idade e só poderia alugar algo com a autorização dos pais ou dos responsáveis legais, que nesse caso era o manager contratado pela empresa. Como os pais não tinham conhecimento disto, a culpa recaiu sobre a empresa, que negou a acusação e disse não saber sobre apartamento individual nem nada do gênero. Como eles disseram que não foram os responsáveis por isso, o dono do condomínio foi questionado e indiciado a comparecer no local com seu advogado, uma vez que não se podem alugar imóveis para menores de idade, e como aparentemente foi isso que aconteceu e acredita-se que esse foi um fator determinante para a morte da jovem, se ele não surgir com uma boa defesa, poderá ser autuado como culpado e ter que pagar uma indenização bem gorda à família. Seu pai, o sr. Wonhyung, vai esperar alguma resposta desse homem até amanhã. Caso ele permaneça em silêncio, serão tomadas as providências cabíveis. - Jinwoo concluiu com um suspiro. Ainda estava digerindo grande parte do que lera, remoendo em sua mente as possibilidades e as peças que não encaixavam corretamente em toda essa história.

Jeon Wonwoo, ao que parecia, estava fazendo o mesmo.

— A defesa da empresa está muito fraca. Essa história está cheia de brechas. - ele comentou após alguns segundos de silêncio. - Qual o perito responsável pela análise da cena do crime? - ele perguntou de repente. Jinwoo batucou os pés no chão algumas vezes enquanto respondia.

— Lee Yangmi, a perita chefe do centro de perícia de Seul. - ela disse com certa pontada de orgulho na voz. Sua prima era uma lenda mesmo sendo tão jovem... Tudo o que Jinwoo queria era ser como ela.

— Lee Yangmi? Já ouvi falar nela, dizem ser bem competente. - a voz do rapaz era comedidamente desprovida de emoção. - Você sabe que horas termina o expediente por lá? - ele perguntou com curiosidade, e Jinwoo recordou de ter escutado em alguma conversa perdida no tempo que o filho de Jeon Wonhyung era tão bom em seu serviço que era chamado pra várias e várias cidades, nunca parando por muito tempo na capital e, portanto, não conhecendo muito da equipe e rotina dali. Somente por isso que a jovem não estranhou o fato de ele não ser familiarizado com o horário do centro de perícias.

— Bem, o atendimento termina mais ou menos às 18:00 horas. - Wonwoo soltou um suspiro ao escutar aquilo, o que levou Jinwoo a se apressar em complementar: - Porém alguns peritos fazem plantão até 20:00 horas, o que é o caso de Yangmi. Se você for lá agora, tenho certeza que eles vão deixá-lo entrar para conversar com ela. - ela concluiu e logo viu a expressão de Wonwoo se suavizar um pouco mais. Ele até mesmo deu o que pareceu ser um sorriso para Jinwoo antes de inclinar a cabeça levemente para frente em sinal de agradecimento.

— Agradeço por suas informações, vou levar em conta o que disse. - ele disse pouco antes de olhar para o relógio e soltar um praguejo baixo. Seus olhos correram do acessório para Jinwoo em menos de um segundo. - Meu pai informou que você mora perto do centro de perícia e que, como seu expediente já terminou, eu poderia lhe dar uma carona caso realmente fosse dar uma passada por lá. Você aceita? - ele perguntou em um tom de voz puramente profissional, ao passo que Jinwoo parecia sem fala ante aquela oferta. Não pelo fato de ele ter oferecido carona, de jeito algum. E sim por Jeon Wonhyung ter se dado ao trabalho de comentar com seu filho sobre ela e de ter pedido para ele lhe oferecer carona caso fosse possível.

Aquilo, dentre todas as coisas estranhas que aconteceram naquele mesmo dia, foi de longe a mais inesperada. E talvez por isso a jovem tenha demorado alguns segundos além do necessário para responder a pergunta de Wonwoo.

— Sim, eu aceito, se não for muito incômodo.

Ela disse de modo um tanto distraído. Sua mente estava, na verdade, vagando entre as possibilidades. Finalmente poderia ver de perto um caso complexo e importante, e o melhor de tudo, poderia enfim ver sua prima, a tão aclamada Lee Yangmi, em prática.

Não havia como Jinwoo perder a oportunidade.

— Bem, então vamos. - Wonwoo começou a dizer enquanto caminhava em direção a saída. - Não quero me demorar muito no centro de perícias, preciso apenas fazer algumas perguntas específicas para os profissionais responsáveis pela coleta de dados. - ele complementou de forma séria. - Acredito que depois disso eu possa levar você para sua casa, a não ser que você vá ficar no caminho... - ele deixou no ar, seu rosto se virando para Jinwoo em busca de uma resposta para a pergunta implícita. A jovem tratou logo de negar.

— Não, eu moro alguns quarteirões após o centro, não antes. Mas não precisa se preocupar em me levar, posso ir dali sozinha, é bem perto. - ela estava um tanto ofegante por conta da caminhada. Mesmo que Jinwoo não fosse baixa, acompanhar as passadas largas de Wonwoo era quase impossível.

— Tem certeza? - ele perguntou após retomar a caminhada. Traçava o caminho entre os corredores de forma firme e sem hesitação, o que apenas sugeria a sua familiaridade com o local.

" Não é a primeira vez que ele vem por aqui", Jinwoo não deixou de pensar.

— Sim, tenho. - ela confirmou com a voz firme. - E de qualquer forma posso pedir carona para minha prima também, tenho certeza que ela não vai negar.

Wonwoo virou levemente a cabeça na direção dela com um quê de curiosidade no olhar.

— Sua prima trabalha lá por perto ou vai sair de sua casa pra ir buscá-la? Posso levar você, não precisa fazer sua prima sair de casa se for esse o caso.

Ele parecia confuso, e Jinwoo entendia muito bem o porquê.

— Na verdade ela trabalha como perita lá no centro. - Jinwoo tratou de explicar. - Então não vai ser incomodo de forma alguma.

Wonwoo olhou apenas durante mais alguns segundos para ela antes de apertar os lábios levemente e assentir, acabando a conversa no exato momento em que chegaram até o estacionamento.

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A viagem fora tranquila e marcada por um silêncio aterrador, porém, por mais que odiasse ficar com alguém em determinado lugar sem conversar com essa pessoa, Jinwoo preferiu não puxar assunto com Jeon Wonwoo em momento algum. Havia algo no rapaz que indicava perigo, que exalava um mistério que Jinwoo sabia não ser capaz de desvendar. Aquele homem, Jinwoo tinha certeza absoluta, era cercado de segredos, e qualquer que fosse a pessoa a lidar com eles, teria que ser muito, muito corajosa e persistente para fazê-lo revelar um por um deles.

Ela sabia não ser essa pessoa.

Todavia, isso não fazia com que Jinwoo deixasse de achá-lo atraente. Todo esse ar de mistério que o cercava apenas o deixava mais belo, se é que era possível. Apesar do choque do primeiro momento, ao observá-lo melhor enquanto dirigia, a jovem conseguiu ver alguns trejeitos e algumas semelhanças de Wonwoo com o próprio pai. Os dois tinham mandíbulas bem delineadas e firmes, ambos tinham olhos pequenos e que davam um semblante de mistério ao rosto, e ambos tinham lábios marcados e esculpidos, belos, apesar de os de Wonhyung já serem um tanto mais enrugados por conta da idade e dos diversos charutos que fumava por dia.

Wonwoo, ao que Jinwoo observou, não tinha esse mesmo mau hábito do pai, porém parecia ter algo pior: um mau gosto colossal para música.

Foram quase trinta minutos marcados por uma coletânea de algo que parecia tango, a língua que Jinwoo sabia ser espanhol sendo a única coisa a preencher aquele silêncio que estava prestes a sufocar os dois. Não que Jinwoo não gostasse do ritmo, ela até tolerava. Porém as músicas que ele escolhera eram tão antigas e mal gravadas (provavelmente clássicos que somente os verdadeiros fãs do estilo conheciam) que no momento em que os dois chegaram, Jinwoo tratou logo de tirar o cinto e de sair do carro sem nem mesmo esperar ele parar devidamente, tudo pra evitar que seus ouvidos continuassem a ser feridos por aquelas músicas terríveis.

Quando a jovem saiu para o barulho do tráfego ao redor de si, agradeceu aos deuses por estar escutando buzinas em vez dos batuques incessantes do ritmo sul-americano. Jeon Wonwoo saiu do carro quase um minuto depois dela, e após fazer apenas um sinal com a mão para que a jovem o seguisse, começou a andar na direção da portaria.

Ao que sabia somente pessoas credenciadas poderiam entrar ali, e para conseguir as credenciais elas tinham que ser, no mínimo, policiais ou detetives. Jinwoo, como não era nenhuma das duas coisas, não fazia ideia de como conseguiria seu passe.

Mas Wonwoo, ao que parecia, sabia exatamente como.

— Boa noite. - ele cumprimentou com educação o rapaz que estava por trás do vidro. - Sou Jeon Wonwoo, delegado e detetive chefe do 17° batalhão da polícia federal. - enquanto falava, enfiou a mão dentro do bolso interno do casaco que usava e mostrou seu distintivo para o rapaz que o encarava com olhos espantados. - Gostaria de credenciais para entrar e conversar com Lee Yangmi sobre o caso mais recente no qual ela está investigando. - ele foi direto ao ponto, o que não deixou de impressionar Jinwoo. Naquele momento ela conseguiu entender o porquê de ele ser tão respeitado e importante. Algo em sua voz e no seu jeito de falar fazia com que qualquer um se sentisse impelido a fazer o que ele mandava. - Uma para mim e outra para a srta. Park Jinwoo está me acompanhando.

Ao escutar seu nome, Jinwoo abriu um sorriso para o rapaz que a encarou durante alguns segundos antes de pegar o telefone e ligar para alguém. Enquanto aguardavam, Wonwoo guardou seu distintivo e começou a encarar seu derredor, ao passo que Jinwoo, sem fazer ideia do que fazer, apenas encarou o chão.

Quase um minuto depois, a voz do rapaz se fez novamente presente.

— Bem, os dois podem entrar. Irão encontrar a Srta. Lee dentro da sala 7-B no segundo andar. Aqui suas credenciais. - ele passou dois colares com um crachá por baixo do vidro que os separava e abriu um último sorriso para os dois. - Caso se perca, é só se informarem com os seguranças que eles lhes mostrarão o caminho.

Wonwoo apenas assentiu distraidamente antes de pegar as credenciais, entregar a de Jinwoo, falar um rápido "obrigado" ao rapaz e começar a andar para dentro do local. Jinwoo, seguindo seus passos, foi atrás. Não deixou de sentir-se nervosa e ansiosa pelo que encontraria ali, mesmo que, de certa forma, provavelmente fosse ser deixada de lado da conversa confidencial que Wonwoo teria com a sua prima.

Após muito andar por caminho rodeado por um jardim belo e bem cuidado, os dois finalmente entraram na sede principal. O local era enorme, apesar de naquele momento parecer sinistramente vazio pelo fato de o expediente já ter acabado. Apenas alguns zeladores e seguranças encontravam-se circulando por ali, e mesmo eles pareciam quietos e cansados por conta do longo dia de trabalho.

De certa forma, Jinwoo não deixava de imaginar como sua própria prima deveria estar. Tinha dias que ela chegava tão exausta que nem mesmo se dignava a jantar antes de tomar sua ducha e ir dormir.

— 1-A... Estamos no bloco errado. - Wonwoo murmurou antes de mudar de direção e se por a andar com mais rapidez. Jinwoo já estava cansada de tentar acompanhar o ritmo rápido do rapaz, porém não verbalizou esse fato em nenhum momento sequer. Seguiram pelo corredor até encontrarem uma placa que dizia "Bloco B", e Jinwoo não pôde conter um suspiro aliviado quando finalmente, após andarem mais um bocado, chegaram até a sala 7.

Jinwoo mal havia recuperado seu fôlego quando Wonwoo bateu na porta e uma voz conhecida murmurou um "pode entrar" para os dois. Tendo sua deixa, o rapaz girou a maçaneta sem cerimônias e entrou na sala sem hesitação. A voz de Yangmi, todavia, parecia distraída enquanto falava.

— Mingyu, os papéis já foram mandados para sua sa-- - ela se interrompeu no momento em que tirou os olhos do computador e olhou para quem havia entrado ali. Seu olhar, que correu imediatamente para Wonwoo antes de se fixar em Jinwoo, estava cheio de incredulidade quando Yangmi percebeu que ela estava ali. - Jinwoo? - sua voz exalava surpresa. - O que faz aqui? E quem... - ela parou por um momento enquanto se esforçava para retomar a compostura e olhava para Wonwoo novamente. - Perdão, quem é você? - perguntou com educação. Parecia tão perdida que Jinwoo não deixou de sentir um quê de simpatia por sua situação. Ela parecia tão exausta e atordoada que a jovem tinha certeza que a mais velha tivera um dia cheio.

Wonwoo, todavia, pareceu não perceber isso.

— Jeon Wonwoo, delegado e detetive do 17° batalhão da polícia federal. - ele tratou de falar sem cerimonialismo. Usara a mesma voz que Jinwoo escutou quando o conheceu - Vim conversar sobre o caso Yeon Jisoo do qual fui informado estar sendo investigado por você e sua equipe. - Jinwoo ainda conseguia se surpreender com a facilidade com a qual Wonwoo tratava dos assuntos de seu interesse. Ele não parecia ser o tipo de pessoa que jogava conversa fora ou que fazia rodeios para falar.

— Aaaaah... - foi tudo o que Yangmi conseguiu dizer naquele primeiro momento. Seus olhos correram de Wonwoo para Jinwoo em menos de um segundo antes de ela pigarrear levemente. - Bem, o caso realmente está sendo investigado por mim e minha equipe, mas como foi informado no relatório que mandei hoje mesmo para o fórum, ainda não temos muitas informações conclusivas. Os resultados sairão todos amanhã e só então eu poderei analisar melhor e tecer as possibilidades. - ela deu de ombros sutilmente antes de apontar para os papéis que tinha em sua mesa. - Mas se quiser dar uma lida nos relatórios que fizemos, pode ficar a vontade. Creio que seja o detetive mandado pelo fórum para ajudar na investigação do caso, estou certa? - ela sugeriu com um sorriso bem leve no rosto. Wonwoo, que já havia pego uma pilha de papéis para ler, levantou seu rosto para olhá-la e assentiu lentamente.

— Sim. Fui designado por conta da complexidade do caso, aparentemente, porém cheguei um pouco tarde em Seul e não pude ir até a cena do crime junto com sua equipe. - ele deixou uma pitada de frustração escapar, e Jinwoo não deixou de se perguntar o que poderia ter o atrasado para deixá-lo tão irritado assim. - Mas acompanharei qualquer visita que possa ser feita até os suspeitos e estarei a par de todas as novidades a partir de hoje. - ele voltou a olhar para os papéis. - Apesar de ainda não termos suspeitos nem sabermos se a morte foi por conta de suicídio ou homicídio. - um suspiro foi escutado antes de Jinwoo finalmente tomar fôlego para falar.

— Hm, onde é que fica o bebedouro? - sua pergunta casual pareceu tão patética ali que ela imediatamente se arrependeu de ter feito. Seu rosto ficou quente enquanto ela fazia um esforço enorme para não gaguejar. - Preciso beber água.

Yangmi, logo percebendo o que Jinwoo queria, apenas deu um aceno leve com a cabeça antes de falar.

— Fica no fim do corredor, ao lado direito. Não tem erro. - sua prima sorriu antes de olhar para Wonwoo novamente. Jinwoo já estava dando suas passadas na direção da saída quando escutou a voz de Wonwoo ganhar o ar.

— Os resultados da HPLC capilar ainda não saíram? - sua voz parecia surpresa, embora Jinwoo não pudesse ver sua expressão, uma vez que a jovem saiu da sala antes mesmo de conseguir escutar a resposta de sua prima.

Yangmi parecera tão esgotada que Jinwoo ficara preocupada. O que havia naquela história para que a melhor perita do país estivesse dando tanto de si? Seria ela tão mais complexa do que Jinwoo havia suposto? Seus pensamentos estavam a mil quando escutou passos rápidos soarem pelo corredor vazio. Virando com rapidez, a jovem quase dera de encontro com um rapaz caso o mesmo não tivesse parado poucos segundos antes de vê-la. Ele parecia distraído com alguns papéis que tinha nas mãos, por isso não a tinha visto, aparentemente, até estar a poucos centímetros de batê-la. Jinwoo estava prestes a soltar um praguejo quando viu os olhos amendoados do rapaz a olharem com um pedido explicito de desculpas. Ele parecia ofegante.

— Desculpe, estava indo até a sala 7-B. - ele apontou para o local de onde Jinwoo acabara de sair. - Preciso falar a Srta. Yangmi, el-- - ele se interrompeu assim que analisou Jinwoo melhor. - Espere, quem é você? - não havia arrogância em sua fala, apenas curiosidade genuína. Ao ler o nome que estava no bolso do jaleco do rapaz, Jinwoo notou que ele se chamava Hansol e que era um estagiário, assim como ela. Imediatamente toda a sua raiva esvaiu-se, sendo substituída por uma simpatia sem precedentes.

— Sou Jinwoo e, por favor, da próxima vez repare melhor no caminho por onde está andando. Tomei um susto enorme com você. - ela disse sem soar realmente irritada. O rapaz tinha várias manchas pelo jaleco e parecia realmente atordoado. Parecia que acabara de sair de algo realmente exaustivo, porém estava ansioso para compartilhar o que quer que tenha descoberto com Yangmi.

— Desculpe, Srta. Jinwoo, eu realmente não esperava que estivesse mais alguém por aqui já que nosso expediente só vai até às 18 horas. - ele se explicou. - Perdão novamente. - ele se inclinou antes de soltar um praguejo em inglês. - Certo, tenho que entrar na sala logo, até mais. - ele acenou para ela e já havia começando a andar quando pareceu lembrar-se de algo e virou-se novamente na direção de Jinwoo. - Tem mais alguém com ela na sala? Digo, você saiu de lá, certo? - ele perguntou. Jinwoo apenas assentiu antes de dar alguns passos na direção dele.

— Sim, o detetive que foi mandado pelo fórum está tendo uma conversa com ela sobre o caso Yeon Jisoo. - Jinwoo esclareceu. Hansol soltou mais um praguejo antes de escorar a costa na parede e soltar um suspiro pesado. Parecia tão patético naquele momento que Jinwoo desviou o olhar para não ter que ver aquilo.

— Mingyu vai me matar... - ele murmurou antes de enrolar os papéis para enfiá-los no bolso e olhar para Jinwoo com um olhar cansado. - Certo, mesmo assim obrigado pelas informações. - dito isso, o rapaz acenou brevemente e se pôs a andar em direção ao caminho de onde viera, aparentemente desistindo da ideia de conversar com Yangmi.

Jinwoo, ao perceber isso, apenas ficou mais confusa ainda, seus olhos acompanhando o rapaz até que ele sumisse no corredor.

Por que ele queria tanto falar com Yangmi e por que desistiu assim que soube que ela estava com companhia? Será que era algo extremamente sigiloso que nem mesmo o detetive designado para o caso poderia escutar? E por que Mingyu o mataria? Tantas perguntas e mistérios, e todos incapazes de serem resolvidos por Jinwoo.

Frustrada, a jovem finalmente foi até o bebedouro e pegou sua água. No fim das contas nem estava com sede, apenas queria sair da sala para dar a privacidade que ela seria ser requerida para aquele tipo de conversa. Porém a jovem não deixava de pensar: por que esse caso parecia bem mais complexo e negro do que aparentava? E por que Jinwoo sentia que, querendo ou não, acabaria se envolvendo naquilo?

Eram dúvidas que estavam presentes, questões que ela sabia que só seriam respondidas com o tempo, e nada mais nada menos que isso.

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— Certo, como você foi parar na minha sala e ainda por cima acompanhada de um cara que aparentemente é tão poderoso quanto um coronel? - Yangmi perguntou para Jinwoo assim que as duas deram partida no carro algumas horas depois do encontro. Jeon Wonwoo já tinha ido embora, o que não deixava de aliviar Jinwoo. Algo na presença do rapaz realmente a deixava desconfortável.

Com um suspiro pesado, ela tomou coragem para responder a pergunta de sua prima.

— Ele é o filho do meu chefe. - ela disse por fim. Yangmi parecia ter se engasgado com o ar ao seu lado.

— Espere, está me dizendo que aquele era o filho do presidente do júri oficial do fórum? - Jinwoo assentiu, ao passo que Yangmi apenas arregalou ainda mais os olhos.

— Nossa, eu nunca suspeitaria, os dois não têm nada a ver. - riu um pouco, mais por incredulidade que por realmente achar aquilo engraçado. - Exceto pelo mau humor. Ele parecia bem estressado, como aguentou meia hora com ele no carro? - a mais velha perguntou enquanto fazia a curva para entrar na rua onde ambas moravam.

— Ele ficou calado o caminho todo enquanto escutava tango. Não sei se foi melhor ou pior. - fez uma careta enquanto sua prima apenas riu mais.

— Isso é bom, foi uma surpresa agradável. Apenas... Bem, quero me desculpar por você ter sido meio que obrigada a sair da sala. Confio em você, mas certas informações não podem sair do sigilo. - ela tratou de se explicar para Jinwoo, embora a mais nova já soubesse daquilo. - Desculpe.

Jinwoo apenas negou com a cabeça várias vezes.

— Não precisa, eu já sabia que não poderia escutar a conversa. Não se preocupe, como estagiária de Jeon Wonhyung eu meio que já me acostumei a isso. - deu de ombros antes de soltar um suspiro e olhar para sua prima com um semblante mais sério. - Mas e você? Parecia tão exausta lá dentro, tão preocupada com algo... Tem a ver com esse caso ou com alguma coisa a mais? - perguntou um tanto hesitante. Apesar de já conviver com Yangmi há um tempo, nunca sabia quando poderia fazer perguntas mais íntimas para ela sem parecer estar forçando amizade ou pior, tentando se meter em sua vida. Porém sua prima pareceu entender aquilo como preocupação e deu a Jinwoo um suspiro como resposta.

— Cansaço, acredite. Tive um dia cansativo, fiquei horas analisando cena do crime, digitando relatórios, discutindo com minha equipe, separando amostras para análises, tantas coisas, tantas... - ela pareceu se perder alguns momentos enquanto adentrava em sua mente. - Tudo isso pesa demais e me deixa assim, mas creio que ainda amanhã tudo isso vá passar. Assim que os resultados saírem, finalmente vamos poder dar um laudo e deixar o serviço apenas na mão do judiciário. - ela parecia confiante, mas algo em seu olhar dizia que uma parte de si duvidava que aquilo fosse acabar de forma tão simples.

E Jinwoo, apesar de estar lutando contra isso, não deixava de sentir o mesmo.