Broken Minds

Chase (Caçada)


CAPÍTULO III (Chase)

Yo no te perdono, tu matastes mi corazóooon...

A música foi interrompida no momento em que Jeon Wonwoo apertou o botão de desligar do seu aparelho de som, jogando o controle em algum lugar qualquer logo em seguida. Estava cansado, tivera um dia cheio, e mesmo todas as coisas que costumavam lhe relaxar não estavam sendo eficientes naquele momento. Colocara suas músicas a fim de tentar ocupar sua mente com outras coisas, porém a todo o momento o caso que lhe fora dado por seu pai vinha à tona mais uma vez, tornando difícil de ignorar todas as questões e dúvidas que surgiam em sua mente sempre que se via pensando naquilo.

Havia algo de estranho na história da morte da jovem cantora, algo que, mesmo naquele momento, já estava começando a feder. Todavia, Wonwoo ainda não fazia ideia de qual poderia ser a origem da podridão.

Decidira ir até o centro de perícias justamente por conhecer a rotina investigativa e saber que ali seria o local onde ele conseguira reunir o maior número possível de informações relevantes. Porém mesmo os peritos, que aparentemente eram os melhores do país, não souberam informar o que ele queria saber, e de certa forma aquilo tudo, toda aquela dúvida e mistério não solucionado o frustrava demasiadamente.

Jeon Wonwoo odiava enrolação, odiava demora, odiava atrasos... Obviamente já estava odiando aquele caso.

Mas seu orgulho, algo em sua constante necessidade de mostrar ao seu pai que era tão bom quanto ele, convenceu-o a entrar naquilo, aceitando a oferta que Jeon Wonhyung lhe fizera sem nem mesmo pestanejar. Lembrava-se da conversa breve que tiveram ao telefone, da voz grave e desinteressada lhe explicando o que deveria fazer e o que precisaria para tal. Lembrava-se da ordem (jamais um pedido) que lhe obrigara a ir para Seul o mais rápido possível, e lembrava também do que deixara inacabado para trás.

Seu pai tinha o dom de atrapalhar sua vida, e mesmo sabendo disso, Wonwoo insistia em manter contato com ele. Talvez por necessidade de provar algo a alguém? Talvez por solidão? Ele não sabia. A única coisa da qual tinha total e plena certeza naquele momento era que ainda teria muitas dores de cabeça por conta do caso Yeon Jisoo.

Quando encontrou com a estagiária de seu pai no fórum, esperava ter pelo menos um laudo conclusivo em mãos. Mas quando escutou o que a moça lhe explicou de forma concisa e enxuta, Wonwoo não deixou de se desesperar um pouco. Seu pai, com toda a certeza, estava querendo lhe testar, e pelo andar da carruagem, estava conseguindo, pois aquele era um teste praticamente impossível.

Tantos mistérios, tantas provas não concretas, tantas faltas de informações, detalhes, testemunhas...

Como aquilo era possível e como ele poderia desvendar o caso sem perder o pouco de sanidade que ainda lhe restava?

Ele estava começando a aceitar que não fazia ideia.

Suspirando com pesar, o jovem detetive levantou de seu sofá e andou até seu quarto mal iluminado. Como não ligara a luz, a cama única e o guarda-roupa sofisticado e pequeno que tinha no cômodo só eram visíveis por conta da fraca luz que entrava pela janela da sacada. Sua casa em Seul era parcamente mobiliada, já que sequer morava ali por mais de algumas semanas por ano. Seu quarto tinha apenas aqueles móveis, sua sala uma TV, o sofá e uma mesa de centro. Até mesmo o pouco que tinha era sem identidade, sem uma gota sequer de toque pessoal ou algo que pudesse ser olhado por alguém que o conhecesse bem e fosse identificado como sendo dele.

Tanto por isso quanto pelo fato de Wonwoo não ter amigos próximos o bastante para aprenderem o mínimo possível sobre seus gostos e manias.

Ele tinha uma vida solitária, e de certa forma gostava disso. Não sabia lidar com pessoas, tinha a tendência a magoá-las e quase nunca sabia como iniciar uma conversa casual, então apenas aceitara com o passar do tempo que estava fadado a permanecer sozinho, que deveria se habituar à rotina sem amigos.

E no fim das contas ele acabou por se acostumar com isso.

Era ótimo não ser cobrado por ninguém, ótimo não ter que mandar mensagens anuais de feliz aniversário, ótimo não ter que se lembrar de compromissos ou de ter que ir visitar algum amigo já que "fazia muito tempo que ele não ia lá, que tal levar uma garrafa de vinho quando for?". Era ótimo não ter amarras, ótimo não ter laços, ótimo não ter ninguém.

Ou pelo menos era isso que ele tentava se convencer todos os dias antes de dormir, mesmo que no fundo, bem no âmago do seu ser, soubesse que tudo o que fazia era por conta da sua busca pela aceitação de alguém, mesmo que naquele momento ele ainda não fizesse ideia de quem esse alguém pudesse ser.

~x~

No momento em que o alarme soou pela primeira vez, Wonwoo já estava levantando. Seu relógio biológico era preciso e infalível, o que fazia com que ele acordasse antes do seu despertador quase todos os dias.

A rotina do detetive era bem detalhada e delimitada, iniciando desde o momento que acordava até o instante em que fechava os olhos para dormir. Primeiro calçava as chinelas, ia para a cozinha deixar a cafeteira pronta para fazer seu café, voltava para o seu quarto para dobrar seus lençóis e em seguida ia ao banheiro para fazer sua higiene matinal. Tudo isso não levava mais de 30 minutos, uma vez que o tempo era muito bem regrado na vida do rapaz.

Após sair do banho, arrumava-se com as roupas que deveria usar no dia, voltava para a cozinha para tomar seu café com algumas torradas e assistia exatos 15 minutos do noticiário matinal antes de pegar suas coisas e sair para o trabalho.

Todos os dias eram desse jeito, uma espécie de ritual que ele tinha prazer em fazer, e este não fora diferente.

No momento em que o jovem estava descendo pelo elevador, entretanto, foi surpreendido por uma ligação. Wonwoo pegou o celular com o cenho franzido em confusão, logo ficando apreensivo quando viu quem estava ligando.

Seus dedos foram rapidamente arrastando o item verde, suas mãos logo levando o celular até seus ouvidos para escutar o que ela tinha para tratar com ele tão cedo.

Detetive Wonwoo, bom dia. – a voz da perita Lee Yangmi podia ser escutada de forma limpa e clara. – Liguei pra lhe informar que eu e minha equipe estamos indo analisar o quarto individual que a vítima tinha no dormitório cedido pela empresa a ela e ao grupo do qual fazia parte. O endereço vai chegar daqui a pouco para você em forma de mensagem. Se puder ir direto pra lá, será ótimo. – sua falácia foi interrompida por algo e alguns barulhos de papeis sendo folheados foram escutados. Wonwoo apenas ficou olhando para os números do elevador enquanto respondia.

— Certo, estou saindo de casa agora mesmo. Vai precisar de alguma coisa que eu possa levar? – indagou curiosamente. Não estranhara o fato de o compromisso ter sido modificado, sabia o quanto informações adicionais poderiam ser de suma importância para a elucidação do caso.

E que local poderia ceder informações mais substanciais que o quarto onde ela realmente vivia?

Um barulho de bipe e o elevador em que ele estava decidiu parar no segundo andar somente para encarar o nada. Impaciente, Wonwoo soltou um suspiro e apertou no botão de fechar a porta novamente. Yangmi parecia distraída no outro lado da linha uma vez que pareceu ter recordado que estava ao telefone somente naquele momento.

Não, não. Apenas seu distintivo e sua arma, mas creio que você já ande com isso sempre, certo? – ela nem mesmo esperou a confirmação dele. – Enfim, só tente ir logo, por favor. As integrantes do grupo que ela fazia parte estarão lá e ainda estão muito abaladas com toda a situação, vou precisar de uma pessoa pra lidar com elas enquanto eu estiver analisando o que preciso. – outra pausa e o barulho de uma porta batendo. Wonwoo imaginou que ela estivesse tão desgastada quanto no dia anterior, o rosto marcado por olheiras que ele não deixara de se questionar se em algum momento deixavam seu rosto.

— Estou saindo de casa nesse exato momento, se o local não for muito longe, chegarei rapidamente. – no instante em que ele disse isso, o elevador bipou novamente e finalmente chegou no G1. Um pouco menos irritado, Wonwoo começou a andar até o local onde havia deixado seu carro, sua mente, todavia, ainda concentrada na conversa que estava tendo no telefone. – E sim, estou com minha arma e distintivo. – ele achou necessário confirmar.

Yangmi soltou um suspiro audível e fez um som que ele imaginou ser de assentimento.

Certo, acho que era apenas isso. Nos vemos daqui a pouco então. Bom dia, detetive – a perita fez um último cumprimento e logo a linha foi cortada. Suspirando profundamente, o rapaz guardou o celular no bolso da calça e procurou as chaves do carro para destrancar seu veículo. Desde o momento em que chegara a Seul para investigar esse caso, estava se sentindo ansioso por algum motivo que ainda desconhecia, suas mãos e seus pés inquietos e nervosos sem razão aparente. Parte de si imaginava que era por conta do caso que recebera da tarefa aparentemente suicida que Jeon Wonhyung tinha cedido para ele. Mas a outra parte, a que ele procurava ignorar quase sempre, pois constantemente lhe metia em problemas, estava lhe dizendo que era por conta do assunto que deixara inacabado em Busan.

Sacudindo a cabeça para evitar pensar em qualquer coisa que tenha ficado para trás, Wonwoo decidiu ligar seu aparelho de som e colocar suas tão preciosas músicas para tocar. Enquanto o violoncelo pesado introduzia uma de suas canções preferidas, o jovem acabou por recordar da carona que dera para a estagiária de seu pai e do aparente desconforto que ela apresentou ao perceber seu gosto musical. Wonwoo sabia que muitas pessoas não gostavam de tango, achavam antiquado e estranho, mas a veemência dela em tentar não demonstrar seu desconforto apenas fez com que a simpatia do detetive pela garota aumentasse alguns níveis a mais. Ela aparentava ser muito inteligente e observadora, esperta e imensamente sagaz, porém tinha uma espécie de personalidade que não combinava de jeito nenhum com a dele. Pessoas gentis demais, abertas demais, que revelavam demais com apenas um olhar não eram o tipo que sabiam lidar com alguém como ele. Muito menos com o seu pai. Por isso, de certa forma, ele não deixou de admirar um pouco a garota por aguentar a personalidade de Jeon Wonhyung por meses e continuar um poço de gentileza.

Talvez ele devesse aprender um pouco com ela.

Manobrando o carro com louvor, Wonwoo saiu do estacionamento e começou a dirigir pelas ruas movimentadas de Seul. Deixara seu celular no suporte que tinha ao lado do volante para poder ler a mensagem de Yangmi assim que ela chegasse, o que não demorou sequer um minuto. Lendo o que estava escrito ali, soube aonde teria que ir. Dobrou na próxima esquina para dar a volta no quarteirão e começou sua viagem até Gangnam-gu.

Durante o trajeto, acabou por se perder um pouco nos próprios pensamentos. Acontecia sempre que dirigia por muito tempo, sua personalidade introvertida procurando por algo na qual poderia se afundar, o que geralmente acabava sendo suas músicas ou seus pensamentos. Naquele dia, entretanto, essas divagações tinham um centro, algo no qual se manterem firmes, um norte no qual não se desviariam, e esse norte era o caso Yeon Jisoo. Demorara mais que o normal para dormir na noite anterior, e tudo por conta das dúvidas que habitavam sua mente. Não deixava de se perguntar como seu pai se sairia em seu lugar, e isso acabava por deixá-lo mais abalado ainda com essa sua aparente recém-descoberta incapacidade. E ele sabia, tinha plena certeza, que não estava sozinho nessa. Acreditava com veemência que a Srta. Lee estava na mesma situação que ele, se a conversa de outrora poderia indicar algo. Não deixou de notar o quanto ela, ao contrário da sua jovem prima, tinha coisas em comum com ele. Parecia entrar de cabeça em qualquer coisa, deixando tudo de lado para focar no que realmente importava. Ele achava algo tão ruim nele, algo tão desanimador e defeituoso, mas nela parecia ser incrível. Ele admirava pessoas que eram determinadas, que davam tudo de si em qualquer coisa que faziam. Sabia que também era assim, mas não conseguia ver como isso poderia torná-lo incrível como fazia com outras pessoas.

Ele era quebrado demais para chegar sequer perto de ser considerado bom por alguém.

Mas a perita que conhecera e com quem conversara durante longas horas na noite anterior? Pelo pouco que pôde observar, a jovem tinha motivos para ser tão respeitada. Era eloquente, concisa, sabia realmente o que estava fazendo e parecia ser capaz de ficar acordada noites e mais noites se isso significasse ter que resolver algum problema. Ela parecia ser o tipo ideal de parceira de caso que ele tanto procurava em suas diversas atribuições, porém parecia nunca encontrar. Todas as pessoas com quem trabalhava aparentavam ter algum tipo de defeito imperdoável, ou então pareciam não saber muita coisa, o que fazia com que ele mesmo tivesse que resolver tudo sozinho. Graças a isso, Wonwoo se tornou excelente em química e toxicologia, habilidades que somaram em seu currículo e fizeram-no ser muito solicitado em vários lugares que não possuíam centro de perícias próprio. Ele fez muito dinheiro trabalhando em cidades interioranas, porém aquilo não o satisfazia, não o preenchia. O detetive sabia que tinha algo esperando por ele em algum lugar, uma missão que o faria realmente se sentir vivo, e estava começando a crer que seria esse caso aparentemente impossível, assim como estava se convencendo de que Lee Yangmi seria uma peça chave para a elucidação disto.

Soltando um suspiro longo, Wonwoo finalmente dobrou a esquina da rua que deveria entrar e logo começou a procurar uma vaga para estacionar. A vizinhança parecia ser tranquila, as ruas bem cuidadas, as casas elegantes e belas... Aquela rua fazia jus a uma casa de Gangnam-gu, fazia jus a casa de uma estrela do kpop, a indústria que mais movimentava o mercado coreano e fazia centenas de dólares entrarem no país todos os dias. Não era a toa que a Coreia era conhecida basicamente por esse gênero, o que justificava todo aquele luxo em torno do apartamento onde a jovem morara antes de morrer.

Após estacionar e sair de seu carro, Wonwoo foi andando lentamente até a entrada do condomínio. Não tinha como errar qual dos suntuosos e luxuosos prédios era o que a artista morava, bastava olhar para as dezenas de coroas de flores e fotos que estavam depositadas perto do hall de entrada para ele se dar conta de que era ali. O detetive não avistou nenhuma das viaturas do centro de perícias, então concluiu que tinha chegado cedo demais. Aproveitou esse fato para observar seu derredor, suas mãos depositadas em seus bolsos em uma pose casual, seu rosto neutro e apático como ficava 90% do tempo, e seus olhos, a única parte do seu rosto que ele permitia transmitir uma mínima medida de emoção, atentos a qualquer tipo de informação que ele pudesse absorver dali.

A vizinhança era tranquila, como ele já havia observado no momento em que chegara, porém a rua parecia estar um tanto mais movimentada que o normal por conta da recente morte da jovem cantora. Uma dúzia de adolescentes estava observando o altar deixado para ela na calçada, uma delas, uma garota de cabelos curtos tingidos de azul claro, chorando copiosamente enquanto segurava uma foto da artista entre os dedos delicados. Wonwoo observou aquela garota durante vários segundos, seu subconsciente se perguntando o que diabos levava uma pessoa a lamentar tanto a morte de alguém que sequer sabia da sua existência, alguém que provavelmente nem era o que ela esperava, que muito certamente era uma marionete nas mãos das empresas capitalistas e exploradoras que comandavam o mercado, que a obrigava a fazer tudo o que queria apenas para agradar fãs como ela, que aprendia a amar tão perdidamente uma pessoa que sequer existia.

E como diabos alguém poderia dizer amar alguém com quem nunca conversou? Com quem nunca criou um vínculo, ou mesmo nunca compartilhou experiências conjuntas?

Foi poupado de responder suas perguntas retóricas quando a sirene da viatura da perícia soou e dois carros estacionaram perto dali. O jovem virou-se bem a tempo de ver Yangmi saindo de dentro do maior deles, seu rosto uma máscara fechada de determinação e, ao que ele pôde perceber ao olhar com um pouco mais de atenção para sua expressão, cansaço evidente. Ele estava começando a se aproximar do veículo para falar com ela quando uma segunda pessoa saiu pelo lado do motorista.

O jovem alto e de boa aparência que abriu a porta do carro e andou em direção a calçada não parecia ser um dos oficiais que geralmente dirigiam os carros em operações como aquela. Algo em sua postura, em sua forma de olhar para as coisas, na forma com que movimentava as mãos e os pés dizia que ele não era acostumado a sair em campo, que não sabia se portar com propriedade em um ambiente que poderia ser um local de crime.

Ele claramente fazia parta da equipe do laboratório, então.

Wonwoo não deixou de notar que esse rapaz seguiu Yangmi com um pouco de hesitação, seu semblante revelando algo que o detetive não soube identificar naquele momento. Continuou, todavia, sua caminhada em direção a eles, afinal de contas, tinham ido ali com um objetivo em comum, e esse objetivo era conseguir provas concretas e definitivas sobre a causa da morte da cantora.

Quando chegaram perto o bastante para poderem conversar, pararam a alguns centímetros de distância um do outro, seus olhos se encontrando em menos de dois segundos.

— Sr. Jeon, olá novamente. – Yangmi fez uma breve reverência, sua voz firme e audível mesmo após a caminhada rápida que ela fizera do carro até ali. Wonwoo não deixou de se sentir um tanto incomodado pela formalidade. Não queria que ela o chamasse de "Sr. Jeon", não quando aquela era a forma que todos chamavam a seu pai. – Pelo visto chegou mais cedo, provavelmente não pegou o trânsito terrível que nós tivemos a infelicidade de pegar. Apelamos para a sirene, caso contrário não chegaríamos a tempo. – ela se explicou brevemente. Seus olhos, entretanto, já estavam observando tudo ao redor, enquanto que suas mãos pareciam ocupadas com algo que ela trazia dentro da bolsa. – Esse é Kim Mingyu, espero que não se incomode por ele ter vindo, a outra perita que geralmente me ajuda estava de folga e ele se ofereceu pra vir, então...

Wonwoo percebeu que a voz dela se tornou um tanto menos firme quando o assunto se voltou para o rapaz que a acompanhava, e não deixou de se perguntar se a relação dos dois era amigável ou não. Porém, deixando de lado suas dúvidas, mostrou sua boa educação com um sorriso breve e um cumprimento curto ao rapaz, que apenas lhe sorriu de volta e lhe disse um breve "bom dia". Mingyu era mais alto que o detetive, porém parecia, por conta de sua postura um tanto menos rígida, menos ameaçador que o outro. De certa forma aparentava ser um contraste marcante, e mesmo sem entender no momento, Wonwoo achou aquilo bom.

— Não me incomodo, quanto mais pessoas que saibam o que estão fazendo, melhor.

Wonwoo comentou com simplicidade, seu tom tentando deixar claro que ele estava querendo ser amigável, mesmo que estivesse crente que não estava soando muito sincero.

Às vezes sua apatia se confundia com falsidade, e por muitas vezes acabara por afastar pessoas aparentemente agradáveis justamente por soar frio demais.

Mas talvez, só talvez, Yangmi não fosse tão arisca assim.

— Então posso garantir que estamos em boas mãos, Mingyu é excelente.

Ela comentou com rapidez, seus olhos se fixando em Wonwoo pela primeira vez naquela manhã. Ele não soube dizer exatamente o que viu neles, apenas que Yangmi estava claramente pedindo para terminarem aquilo o quanto antes.

Wonwoo, portanto, tratou de imediatamente acatar seu pedido implícito.

— Acho bom irmos entrando, então. Temos muito que fazer.

Sua voz grave tomou o ar e os outros dois logo assentiram. De certa forma, a chegada da viatura já havia chamado à atenção de várias pessoas, tanto moradores quanto passantes, e dentre elas o porteiro do condomínio que já havia saído de sua sala e caminhado até eles para recebê-los.

Sua postura tentava passar firmeza, porém Wonwoo notou o leve tremor de mãos que ele insistia em esconder atrás do corpo.

— Vocês devem ser os oficiais mandados pelo governo pra analisar o quarto da Srta. Jisoo, certo? – ele perguntou quando chegou perto o bastante dos três. Correu os olhos de um em um antes de acrescentar. – Preciso de seus distintivos, por gentileza. – acrescentou em seguida. Wonwoo foi logo enfiando a mão no bolso onde havia guardado o objeto solicitado, tirando-o dali em seguida e entregando ao porteiro. Yangmi mostrou o seu logo depois, enquanto que Mingyu demorou um pouco mais, pois havia trazido uma mala bem grande com vários objetos hospitalares dentro.

— Yangmi pediu que eu trouxesse tudo, então...

Ele se justificou com um dar de ombros quando notou Wonwoo olhando com curiosidade para todos aqueles aparatos. As mãos do rapaz eram precisas enquanto fechavam tudo, seus dedos tão hábeis e rápidos que logo o detetive soube o que e quem ele era.

— Não me disse que o médico legista chefe do departamento nacional saia em campo.

Yangmi olhou com rapidez para Wonwoo quando percebeu que ele falara com ela, seus olhos surpresos rapidamente se desviando na direção de Mingyu antes de voltar para o detetive.

— Ele não sai, essa foi uma situação... Especial. Acredito que ele esteja se sentindo tão pressionado com isso tudo quanto eu... – a perita fez uma pausa enquanto apartava os lábios, provavelmente ponderando entre dizer ou não algo para ele. Quando ela soltou um suspiro longo, Wonwoo percebeu que decidira por contar. – Os resultados da HPLC não foram nada satisfatórios, tudo deu negativo, até mesmo os biomarcadores para ansiolíticos ou antitussígenos. Juro que estou sem saber o que pensar sobre isso, nada se encaixa, absolutamente nada. Esse apartamento é a minha última tentativa de conseguir entender essa morte. – Wonwoo olhou pra ela com atenção, desde sua testa enrugada até seu queixo levemente levantado. Ele conseguia ver o quanto ela estava desgastada, praticamente conseguia sentir sua aflição. Sabia daquilo tudo porque também se sentia da mesma forma.

Aquilo estava consumindo a todos, e não apenas a um, e enquanto nada fosse solucionado, a tendência era piorar ainda mais.

E Wonwoo, ao que parecia, estava apenas aguardando o momento em que tudo aquilo ia estourar bem na frente de todos eles.

— Acha que tem a possibilidade de ter sido homicídio? – O detetive perguntou com calma, seu tom se tornando quase uma das melodias graves e lentas que ele tanto apreciava. Tudo o que não queria era deixar Yangmi mais ansiosa ainda.

— Eu não descarto nenhuma possibilidade até que ela se prove 100% improvável, portanto, detetive Jeon, sim, eu considero.

Ela sugou o ar com força e olhou pra ele com a testa levemente enrugada.

— Na verdade, essa é a minha principal hipótese.

Complementou com a voz bem mais baixa, seus olhos praticamente brilhando de cansaço e desespero. Wonwoo sentiu aquilo com tanta força que precisou desviar o rosto para o chão. Já bastava os próprios problemas e fantasmas para lidar, não precisava acrescentar os dos outros em sua lista já extensa.

— Se sua hipótese se provar verdadeira, esse país vai virar de cabeça para baixo. – o detetive comentou com a voz baixa, seu semblante se tornando distante conforme ele imaginava a repercussão que algo como um homicídio alcançaria na mídia sensacionalista que sabia que seu país tinha. Yangmi soltou um som que parecia um muxoxo e sugou o ar com força conforme também parecia imaginar a situação.

— Não vamos pensar nisso enquanto nada estiver resolvido, prefiro focar no que temos que fazer, que no caso é muita coisa. Vamos entrando. – ela pegou seu distintivo com o porteiro (que já havia estendido para que ela pegasse) e aguardou os dois fazerem o mesmo. Wonwoo observou a jovem enquanto guardava o seu distintivo no bolso. Ela parecia estar lidando com mais de um problema complicado e aparentemente impossível, parecia estar carregando mais peso do que queria deixar transparecer para qualquer pessoa. Era visível que o caso estava ocupando grande parte de seus pensamentos, porém aquelas olheiras profundas não tinham como ser recentes, muito menos aquela postura cansada e triste. Ela tentava esconder, era claro que tentava, porém ele conseguia passar por aquela fachada. Depois de tanto tempo aprendendo a fingir estar bem, Jeon Wonwoo se tornou especialista em descobrir quem também o fazia.

— O apartamento delas fica no sexto andar, número 604. Boa sorte, eu espero que consigam resolver logo tudo isso. – o porteiro comentou com seriedade antes de se despedir dos três e voltar para sua cabine. Yangmi, após ter recebido a deixa, começou a andar até o elevador; Mingyu, arrastando sua mala, foi seguindo seus passos; e Wonwoo, não tendo outra coisa a fazer, fez o mesmo. Chegou bem no momento em que o elevador parou no térreo, e logo foi entrando para que Yangmi pudesse selecionar o andar.

Subiram em silêncio, o barulho do bipe que apitava quando passavam em cada piso sendo a única coisa e preencher o espaço antes de eles finalmente chegarem ao sexto.

Wonwoo sentiu um frio na barriga estranho quando saiu para o corredor, seu corpo aparentemente refletindo sua ansiedade para descobrir logo os mistérios por trás da morte da artista. Porém assim que parou na frente da porta que ostentava o número 604, algo fez com que parasse. Olhou para seu ombro e viu a mão delicada de Yangmi pousando ali, e uma de suas sobrancelhas subiu em questionamento conforme abaixava o olhar para encará-la.

— Tente conseguir o máximo de informações com as companheiras de grupo, especialmente sobre o que ela fazia nas horas livres e se tinha algum tipo de namorado ou ficante. Eu e Mingyu vamos focar no local, tudo certo? - a voz dela era baixa e seu hálito quente e fresco conforme alcançava o queixo do rapaz. Ele apenas assentiu e tentou dar o que imaginou ser um sorriso confiante a ela antes de responder.

— Confie em mim, vou sair daqui com o máximo de informações que forem possíveis de conseguir sobre Yeon Jisoo. – e tendo dito isso, Wonwoo virou na direção da porta e bateu na madeira grossa e polida. Passos foram escutados por eles e logo uma garota pálida e magra os atendeu. Ela tinha o rosto pequeno e delicado que parecia ser regra entre as artistas de kpop, porém o seu estava vermelho e inchado por conta das horas que ela provavelmente passara chorando e lamentando a morte de sua amiga. Assim que colocou os olhos nos três, entretanto, pôs uma das mãos na boca e voltou correndo pra dentro do apartamento, deixando-os ali fora sem saber o que fazer exatamente.

— Ela está em estado de choque, não vai conseguir falar conosco. Caso não tenha mais alguém aí dentro, você vai ter problemas em conseguir informações. – Kim Mingyu começou a falar para Wonwoo, sua voz profissional e séria conforme falava sobre algo que aparentemente era de sua área. O detetive, todavia, não pareceu se importar muito.

— Ela não estaria sozinha aqui estando como está. As outras devem estar lá dentro. – ele comentou, e como se escutando sua deixa, duas outras garotas apareceram e olharam para eles com seus olhos vermelhos e curiosos.

— Vocês são os peritos que vieram analisar o apartamento? – uma delas, a que parecia ser mais velha, perguntou para os três. Mesmo estando com os olhos inchados e com o semblante abatido, sua voz saiu firme. Wonwoo não deixou de admirá-la por sua força.

— Sim, somos. Sou Lee Yangmi e esses são detetive Jeon Wonwoo e o especialista forense Kim Mingyu. – a perita apontou para cada um conforme dizia seus respectivos nomes. – Não vamos nos demorar muito, viemos apenas analisar algumas coisas e conversar com vocês... Se for possível, claro. – ela acrescentou depois de alguns segundos. Sua voz estava tão suave e repleta de compaixão que Wonwoo não deixou de se surpreender. Ela sabia lidar com as pessoas, e isso era algo inédito dentro do departamento onde ela trabalhava.

— Ah, bom, podem ficar a vontade. O nosso manager disse que vocês viriam, estávamos esperando. – a jovem cantora fez uma pausa enquanto olhava pra dentro da casa. Seu semblante ficou um pouco menos confiante quando voltou a olhar pra eles. – E desculpem a Eunjin, ela era a mais próxima da Jisoo e ficou abalada demais quando soube da morte. Teve que ser sedada pra não acabar fazendo besteira, por isso ainda está um tanto confusa e assustada. Espero que não seja um grande problema. – ela perguntou com o rosto franzido em preocupação. Novamente tomando as rédeas da situação, Yangmi deu o que Wonwoo julgou ser um sorriso de complacência e negou com a cabeça.

— Não se preocupe com isso, meu amigo Wonwoo vai saber exatamente como deixa-la tranquila o bastante para conversar. – ela olhou para o detetive por breves segundos antes de desviar o olhar novamente para a garota. – Por ora só quero que você me mostre onde era o quarto da Srta. Jisoo e me conte com detalhes como foi o último encontro de vocês com ela.

Wonwoo viu os olhos da jovem artista se arregalarem levemente, algo como medo e tristeza se misturando em suas feições, porém logo em seguida a observou assentir e abrir mais a porta para que eles entrassem. Mingyu logo tomou o lugar ao lado de Yangmi, sua presença alta e silenciosa sendo uma coadjuvante naquele momento. Já Wonwoo, sabendo que não teria muito que fazer na análise de cenário, virou-se na direção onde vira a outra olhar e encontrou Eunjin sentada em um sofá branco, o rosto enterrado nas mãos conforme soluçava audivelmente. Ela estava sofrendo, era tão claro quanto um cristal, porém ele tinha trabalho a fazer, e se tinha algo que aprendera durante os longos e árduos anos em que passou trabalhando na polícia, é que não havia tempo para luto quando se tratava de um crime.

Sendo assim, após respirar lentamente durante vários segundos, Wonwoo começou a andar na direção da jovem Eunjin, sua mente e seu corpo já se preparando para o interrogatório que faria a seguir.