Broken Minds

Fault (Culpa) part I


Park Jinwoo quase nunca saía com os amigos, e isso era algo de conhecimento geral. Por conta deste fato, quando a jovem, de primeira, aceitou o convite feito pelas colegas de faculdade para ir a uma festa, o choque no rosto de cada uma delas foi real.

Mas o quê mais ela poderia responder? Um "não"? E para quê? Para ficar em casa sendo obrigada a pensar no trabalho e naquele caso impossível que estava tirando seu sono há dias? Não, obrigada. Ela preferiu aceitar e tentar ocupar a mente com outra coisa, rir e dançar em uma das muitas boates que funcionavam pelas ruas de Seul durante a noite.

Desta forma, lá estava ela, às 21 da noite, vestindo uma roupa emprestada e usando uma maquiagem que jamais teria conseguindo fazer sozinha enquanto bebericava um copo de limonada e se perguntava, não pela primeira vez naquele dia, se sair tinha sido uma boa ideia. Dentro de sua mente as palavras de Yangmi iam e vinham como um bumerangue em loop, sua negativa para o pedido implícito da prima abrindo um buraco cada vez maior de culpa em seu peito.

— O que vai fazer hoje a noite? — a mais velha perguntara após entrar na sala em que a jovem estagiária estava e cumprimentá-la com um sorriso cansado, porém sincero.

— Marquei de sair com algumas amigas, parece que vamos a uma boate nova que abriu essa semana. Há uma promoção ou algo assim, disseram que mulheres não pagam entrada, então... — ela dera de ombros, seu rosto fazendo uma tentativa de mostrar empolgação. Porém, na realidade, tudo o que ela estava tentando encontrar era uma forma de desligar sua mente dos problemas e se divertir, mesmo que festas não fossem exatamente o seu ideal de diversão.

— Ah, uma festa? — Yangmi parecera tão surpresa que Jinwoo apenas confirmara que sua fama de antisocial deveria ser das maiores. — Que legal, Jinwoo, espero que aproveite bastante. — a mais velha acrescentara com um sorriso sincero, algo raro de se ver naqueles tempos conturbados. Era algo tão belo que mudava totalmente suas feições e a fazia parecer muito mais bonita do que já era normalmente.

Jinwoo perguntara-se a frequencia com que sua prima se permitia sorrir naqueles últimos tempos, e concluira que não era muita. Na verdade, o cenho franzido era a expressão mais comum em seu rosto, especialmente naquela semana em especial.

— Vou tentar. — fora a resposta que Jinwoo dera. Não que suas amigas não fossem divertidas e incríveis, mas a jovem achava que dificilmente conseguiria aproveitar tudo o que a noite coreana tinha a oferecer sem beber, coisa que ela se recusava a fazer. — Espero que sua noite também seja boa, talvez eu volte cedo e a gente possa ver algo na TV se você ainda estiver acordada. — a mais jovem oferecera. Yangmi, entretanto, negara veemente com a cabeça.

— Não, não, aproveite sua noite, fique até amanhecer se conseguir. Amanhã é sábado, então não tem nada com o que se preocupar. Curta o que tiver que curtir, dê a si mesma essa folga. Não se preocupe comigo que eu sei me virar sozinha. — ela terminara com um sorrisinho e, com essa deixa, dera um abraço rápido na prima antes de virar-se para ir embora.

Jinwoo ficara durante alguns segundos a observando, ponderando entre segui-la ou permanecer ali. Sentia que Yangmi precisava de alguém naquele momento, mas não tinha certeza se ela poderia ser o bastante. Sendo assim, Jinwoo soltara um suspiro e voltara para dentro do fórum, encaminhando até sua sala para pegar suas coisas e se preparar para sair.

A memória ainda era clara, e a cada pessoa que batia em seu braço, a cada rapaz bêbado que tocava seu ombro nu propositalmente, a cada cantada que recebia por estar com as pernas expostas, ela voltava e fazia Jinwoo arrepender-se de ter escolhido sair.

Suas amigas já haviam há tempos partido sabe-se lá para onde com rapazes que encontraram por lá e Jinwoo, a única que não bebia e dançava, encontrava-se sozinha ao lado do bar, observando o aglomerado de pessoas que se apertavam na pista de dança e imaginando se suas amigas sentiriam sua falta caso ela fosse embora dali naquele momento.

Foi quando mais uma pessoa esbarrou no seu braço, fazendo a paciencia da jovem, por fim, esgotar-se.

— Meu Deus, será que ninguém nessa boate consegue andar em linha reta sem bater em alguém!? – ela exclamou mais para si mesma que para a pessoa que estava, naquele momento, limpando a própria bebida que acabara derramando em sua camisa por conta do impacto.

— Me desculpe, acabaram me empurrando quando passei e... – a voz do rapaz, entretanto, foi sumindo assim que ele levantou o rosto e fitou Jinwoo. Aqueles olhos amendoados e evidentemente mestiços a encararam, e Jinwoo se perguntou, não pela primeira vez naquele dia, se existiam coincidências no mundo, pois aquilo, de forma alguma, poderia ser considerado aleatoriedade.

— Hansol? – a voz dela deveria estar repleta de surpresa, pois o estagiário do IML abriu um sorriso meio incerto e acenou afirmativamente com a cabeça.

— Jinwoo, certo? – ele perguntou ainda com o sorriso no rosto. – Desculpe-me mesmo pelo esbarrão, juro que não estou bêbado nem nada, foi um acidente. – a justificativa rápida apenas confirmou o fato de ele estar sendo sincero. Além do mais, Jinwoo conseguia ver apenas olhando em seus olhos que ele estava tão sóbrio quanto ela.

— Tudo bem, eu só... Desculpe por ter explodido com você, é que não foi a primeira pessoa a esbarrar em mim hoje. – um longo suspiro. – Desde o momento em que cheguei aqui estou arrependida de não ter ido pra casa assistir Netflix. Sério, não achei que as baladas daqui fossem tão... Cheias. – o desconforto da jovem era tão claro que Hansol não pode conter uma pequena risada.

— Isso é Seul. Tudo o que você não vê nas ruas, você vê nesses lugares. Felizmente não costumo vir muito a esses tipos de festas, então... – um leve dar de ombros antes do jovem estender a mão para o barman e pedir mais um copo de limonada. – Mas e você, o que faz por aqui? Digo, o que faz por aqui sozinha. Sei que garotas nunca saem pra baladas sem uma caravana, então onde está seu grupo?

Jinwoo tentou dar uma espiada pelo salão pra ver se encontrava pelo menos uma de suas amigas, mas nenhuma podia ser vista dali.

— Quem sabe? Elas se espalharam no momento que chegamos e desde então não vejo nenhuma. – Jinwoo soltou uma risada sem muito humor antes de voltar a olhar para Hansol. – Estava pensando seriamente em ir embora quando você acabou esbarrando em mim, então, de certa forma, considere-se culpado pela minha atual infelicidade. – ela brincou.

Isso fez o jovem Hansol arregalar levemente os olhos em surpresa.

— Infelicidade? Achei que ver um rosto conhecido poderia ser considerado algo bom. – ele emendou com um sorriso menos genuíno dessa vez. Jinwoo questionou-se se sua brincadeira não fora um tanto confusa demais e estava ponderando pedir desculpas quando ele voltou a falar. – Mas entendo, você deve estar cheia. Seu estágio é no fórum, certo? Yangmi comentou comigo. Deve ser estressante. – a mudança de assunto fora a última coisa que ela esperava, mas acatou com um assentimento.

— E muito. O tempo todo entram casos novos, processos novos, julgamentos, ordens de prisão, relatos de testemunhas, casos, casos e mais casos. É tudo muito estressante, mas eu meio que gosto disso. – ela deu de ombros de forma suave antes de levantar o olhar para Hansol. – Acho que você sabe do que estou falando, não é? Imagino que passe pela mesma coisa no IML.

Foi a vez de Hansol assentir.

— Sim, sim. Não é tão movimentado quanto o fórum, tenho certeza, mas o centro de perícias é muito cheio de coisas para fazer o tempo todo. Você nunca fica entediado, então é bom se você é um tanto hiperativo como eu. – uma breve risada e um curto gole na limonada que havia chegado poucos segundos atrás. – Fora que é ótimo trabalhar com pessoas como Yangmi e Mingyu. Eles são como lendas, sabe? Aprendi muito com eles e continuo aprendendo todos os dias. – mais um sorriso, dessa vez um pouco mais nostálgico. Jinwoo podia ver o quanto ele admirava sua prima e seu colega de trabalho apenas pela forma como falava sobre eles. Havia ali tanto carinho, tanta admiração, tanto desejo de ser como eles... Ela entendia muito bem. Sabia como era trabalhar com pessoas respeitadas e reconhecidas, e sabia também o quanto se desejava conseguir chegar ao nível deles algum dia.

Wonhyung podia ter todos os seus defeitos, mas era um profissional excepcional e tudo o que Jinwoo queria era algum dia chegar onde ele chegou, receber o mesmo respeito que ele recebia.

Naquele aspecto, ela e Hansol pareciam ser idênticos.

Ambos estavam travando suas próprias batalhas em busca da realização.

— Entendo, deve ser incrível mesmo. E eles parecem ser muito gentis com você, isso é raro, acredite. Poucas pessoas encontram suprevisores de estágio tão legais, a maioria só sabe explorar. – ela soltou uma risadinha leve e desviou o olhar para que Hansol não visse sua expressão de cansaço. Mesmo que tentasse não transparecer, Jinwoo vivia exausta por conta da jornada cheia e corrida do fórum.

— Não consigo nem imaginar, tenho sorte por ter Mingyu e Yangmi comigo. – ele abriu um sorriso leve, suave, quase nostálgico. Dava para perceber que ali havia mais que apenas admiração. Hansol genuinamente gostava de seus supervisores, verdadeiramente os considerava amigos.

Jinwoo gostaria de experimentar aquela sensação algum dia.

— Sim, tem muita sorte... – seu sorriso, melancólico quando comparado ao de Hansol, foi subitamente substituído por uma expressão de confusão quando um aglomerado começou a se formar na pista de dança e gritos começaram a preencher o salão. Hansol, sempre atento e sempre solícito, olhou para Jinwoo durante apenas alguns segundos antes de rapidamente agarrar a mão da jovem e começar a arrastá-la até o local.

O burburinho era intenso e a densidade de pessoas dificultava a locomoção, mas mesmo com tantas vozes diferentes falando ao mesmo tempo, Jinwoo conseguiu captar algumas frases cortadas como "ele simplesmente caiu e...", "espumando, cara! Acho que ele vai...", "disseram que foi bala, mas quem pode confirmar?", entre outras. Para ela, uma leiga em qualquer assunto que envolvesse biologia e química avançadas, aquilo era totalmente indecifrável. Mas para Hansol, um jovem médico habituado a emergências, aquelas palavras foram o necessário para que conseguisse entender o que estava se passando, assim como para compreender que precisava chegar até o rapaz o quanto antes.

O tráfego, entretanto, era impossível. A cada segundo que passava, a multidão aumentava e como ambos estavam longe demais do local na hora do ocorrido, iam ficando para trás a medida que o círculo ia se fechando. Hansol, porém, não estava a fim de esperar. Bastou começar a berrar aos quatro ventos que era médico para que as pessoas começassem a abrir caminho.

Jinwoo estava nervosa, seu coração a mil. Cada batida era um choque em seu corpo, um martelar em sua cabeça. A música se tornara algo inteligível, seus ouvidos tapados, sua audição bloqueada pelo pulsar de seu coração que tomava conta de sua mente. As luzes caleidoscópicas deixavam tudo com um aspecto surreal, como se tudo estivesse acontecendo em outro plano, não na sua realidade.

Hansol tentava se apertar entre as últimas pessoas e Jinwoo tentava seguir seus passos quando o escutou soltar um longo suspiro.

— Preciso de espaço, por favor, saiam de cima. – sua voz mudara da água para o vinho. O tom amigável e quase brincalhão fora substituído por uma voz altiva e firme: a voz de um verdadeiro médico. – Por favor, este homem pode morrer se vocês não me deixarem ajudar, então, por favor, afastem-se.

Jinwoo ainda lutava para chegar ao centro do círculo quando alguém, acatando o pedido de Hansol, começou a empurrá-la para trás. Ela conseguia ver apenas relances de Hansol, sua costa curvada por cima do que parecia ser um corpo em colapso. Desesperada, ela começou a se mexer para tentar se livrar do aperto da pessoa que a arrastava.

— Me solta, eu sou amiga dele! – ela gritou para a pessoa antes de empurrá-la com força e correr até onde Hansol estava.

Seu corpo, todavia, estagnou no momento em que ela finalmente conseguiu visualizar melhor a cena.

Ah, o jovem, gentil e corajoso Hansol.

A pessoa que falava de seus chefes como alguém falava de um amigo de infância querido.

A pessoa que sorria facilmente e esbanjava gentileza, tanta bondade, sem jamais esperar algo em troca.

A pessoa que era como ela, um sonhador, um buscador, um lutador.

Essa mesma pessoa estava ali, na sua frente, abaixada ante um corpo que tremia e se contorcia como se estivesse sendo eletrocutado por um fio de alta tensão.

A mesma pessoa que estava ali, tentando deitar esse corpo de lado, tentando evitar que o homem começasse a se asfixiar com a própria saliva.

A mesma pessoa que estava ali, tentando desenrolar a língua do rapaz, tentando ajudar um homem que parecia prestes a partir, que ia, aos poucos, perdendo a capacidade de respirar.

A mesma pessoa que estava ali, diante daquele homem, tentando a todo custo salvá-lo, tentando a todo custo mantê-lo estável quando ele, enfim, suspirou pela última vez.

O corpo diante de Hansol ficou frouxo, largado. O rosto que outrora estava contorcido por conta da dor, via-se agora relaxado, músculos livres de tensão, membros livres de pressão.

Corpo livre de pulsação.

Os olhos, entretanto, ainda se encontravam abertos, revirados nas órbitas, o único indício da forma como morrera.

Jinwoo, assim como o corpo a sua frente, estava paralizada, cada membro entorpecido. A jovem parecia incapaz de pensar, sequer de ordenar seu corpo a se mover.

Sua mente estava muito pior.

Cada neurônio encontrava-se adormecido, cada nervo encontrava-se retido, cada músculo encontrava-se entumecido, e Jinwoo não conseguia, não poderia, obrigar-se a pensar.

As pessoas ao seu redor pareciam estar na mesma situação. O barulho havia cessado, a música havia há tempos parado, as pessoas haviam há décadas estagnado. Todos encarando, todos lamentando, todos observando a inimiga silenciosa e invisível que sempre estava a espreita de cada um ali, a vilã que ficava apenas a espera de sua próxima vítima.

Todos estavam contemplando a vitória da morte sobre a vida.

E talvez para muitos, assim como era para Jinwoo, aquela fosse a primeira vez. Talvez por isso estivessem tão surpresos, tão perplexos.

Talvez por isso estivessem tão quietos.

Hansol era "o mais" de todos.

O mais rígido, o mais calado, o mais imóvel, o mais devastado, o mais tudo.

Cada respiração parecia doer em seus pulmões e o jovem estava tão triste, tão fragmentado.

Jinwoo não conseguia imaginar a dor que ele estava sentindo, o vazio de ter uma vida em suas mãos e deixá-la escapar daquela forma. Mesmo que não tenha sido sua culpa, mesmo que ele tivesse pouco o que fazer, Jinwoo sabia que ele se culparia, sabia que aquilo nunca sairia de sua mente.

Já vira demais pessoas sob o peso do luto para saber que elas sempre procuravam pôr a culpa em suas próprias costas.

Conhecia demais a culpa para saber que ela era um parasita insaciável que se alimentava de cada gota de boa vontade.

Conhecia demais seus efeitos para saber que aquilo mudaria Hansol para sempre caso ele se permitisse afundar.

E conhecia demais a si mesma para saber que jamais permitiria que aquilo acontecesse.

Finalmente desperta, Jinwoo tomou um longo fôlego antes de se aproximar de Hansol, seus passos incertos suprindo os últimos metros de distância que os separava.

Ela estava suando frio, seu corpo ainda sentindo os efeitos de tantas emoções misturadas, porém levantou a mão úmida e a encostou de leve no ombro esquerdo do rapaz a sua frente. Ele, por sua vez, pareceu nem mesmo sentir, e talvez aquilo tenha feito Jinwoo finalmente se desesperar.

— Hansol... – ela começou a falar, porém foi interrompida por uma voz muito baixa, muito quebrada, muito diferente da voz que falara com ela há apenas alguns minutos atrás.

— Ele morreu... – a voz falou, e aquilo, aquela melancolia, aquela dor, tanta dor, foi o que fez Jinwoo começar a chorar. Seus olhos encheram de lágrimas e a primeira já tinha sido derramada quando Hansol voltou a falar. – Eu estava aqui, eu poderia ter feito algo mais, mas ele morreu. – tão baixa, sua voz estava tão baixa... – Se eu fosse melhor, talvez... Não sei. Será que adiantaria? Não sei. Mas se fosse, talvez, o Mingyu aqui em vez de mim, se fosse alguém mais experiente, se fosse alguém...

Jinwoo estava chorando, isso era verdade, mas nem aquilo impediu o grunhido de raiva que ela soltou quando percebeu onde Hansol queria chegar.

— Não faça isso, não faça isso. Não se culpe, Hansol, isso nem mesmo é algo passível de culpa. O que você acha que poderia ser feito de diferente? Hn? Tem coisas que estão fora do nosso controle, sabia? A hora da nossa morte é uma destas. –Jinwoo estava ofegante, mas não parou por nem um segundo sequer. Hansol ainda estava de costas, ainda agaixado diante do corpo morto, ainda com o rosto longe do seu, mas ela não achou aquilo ruim. Não sabia se teria coragem de falar o que deveria falar caso ele estivesse olhando em seus olhos. – Tudo o que você fez, eu posso confirmar, seria o que Mingyu teria feito, ou a emergência teria feito, ou qualquer outra pessoa que soubesse o mínimo de primeiros socorros teria feito. A morte dele, essa... essa fatalidade, tudo isso, nada foi culpa sua. Você fez o seu melhor para ajudá-lo, todos vimos, e mesmo não tendo sido o bastante para salvar a vida dele, isso já valeu. Você foi digno, vou tentou. Isso é o mais importante, Hansol.

Sua voz falhou um pouco no final, sua insegurança e seu medo e seu choque finalmente cobrando suas moedas.

— Não deixe que isso o faça parar de acreditar.

Ela sussurrou por fim. E um silêncio tão profundo, tão longo, veio em seguida que a jovem estava quase dando meia volta para partir quando ele finalmente foi quebrado.

— Acreditar em quê? – a voz baixa e triste de Hansol perguntou.

— Acreditar que você ainda pode fazer a diferença no mundo. – ela respondeu de forma simples. – Que você pode ajudar muitas outras vidas além das que já ajudou. – seus pés foram suprindo os passos que restavam para que ela ficasse de frente com ele, e assim que o fez, agaixou-se para poder olhar seu rosto. – Acreditar que uma falha não define quem você é. – ela o fitou firmemente, mesmo com os olhos cheios de lágrimas. – Certo? Sei que não nos vimos mais que duas vezes, que não conhecemos praticamente nada um do outro, mas acho que tenho uma ideia de quem você realmente é, Hansol, e posso arriscar dizer que você é bom. Eu gosto disso. Não deixe que o que aconteceu hoje lhe faça afundar, pelo contrário, faça com que isso te impulsione a ser melhor ainda. Tudo bem?

Ela sabia que estava parecendo uma mãe tentando animar um filho, mas precisava vê-lo sair dali melhor. Mesmo que não se conhecessem direito, mesmo que seus diálogos tenham sido os mais curtos, ela sentia que devia algo a ele, sentia que precisava deixá-lo bem.

Talvez fosse loucura ou talvez não fosse nada, mas ela tinha que tentar.

— Tudo bem. – ele respondeu de forma baixa, assustando Jinwoo que já estava perdida nos próprios pensamentos. Surpresa, ela acabou não conseguido conter o pequeno, tão pequeno, sorriso que despontou em seu rosto.

— Certo. – ela confirmou de volta, um tanto aliviada por ter arrancado pelo menos aquilo dele. Incapaz de continuar sustentando o olhar de Hansol com o seu, os olhos de Jinwoo focaram-se por instantes na entrada da boate e, quando voltaram a fitar o jovem médico a sua frente, estavam mais alertas que outrora. – Agora precisamos sair daqui de perto do corpo, acho que o pessoal do seu centro veio dar uma olhada no que aconteceu. – suas pernas já estavam tomando o trabalho de levantá-la quando Hansol finalmente decidiu se mexer e seguiu seus movimentos. Seu olhar, entretanto, foi diretamente na direção do burburinho leve que estava se formando no local onde os oficiais estavam, seus olhos semicerrados no que Jinwoo acreditava ser uma tentativa de identificar alguém conhecido.

— Não conheço ninguém dessa equipe, devem ser os plantonistas. – ele comentou após perceber que realmente não havia alguém familiar ali. – Mas vou até eles, preciso explicar o que aconteceu.

Jinwoo ainda conseguia ver no rosto do rapaz os resquícios do luto e da culpa, porém junto deles havia agora algo que não estava lá há poucos segundos: sede de justiça.

Hansol havia transferido seus sentimentos, guardado-vos dentro de algum compartimento secreto e deixado apenas sua determinação de fora para servir de combustível. Essa determinação era visível em seus olhos, em seu rosto e emanava por cada poro de seu corpo.

Ali estava, finalmente, um homem que não se deixava abater.

Ali estava, finalmente, um homem que não se permitia ceder.

Ali estava, finalmente, o homem que buscaria a justiça com suas próprias mãos.

— Estarei logo atrás de você. – foi a resposta de Jinwoo, e Hansol, surpreso, não pôde fazer nada além de lançar da direção dela o que Jinwoo imaginou ser um sorriso de agradecimento. E assim, sem mais nenhuma troca de palavras, ambos andaram até a equipe de peritos que estava começando a isolar o local, Jinwoo pronta para contar para quem precisasse tudo o que vira naqueles últimos minutos breves e conturbardos.

Ela estava, assim como Hansol, disposta a qualquer coisa para saber porquê aquele homem teve que morrer.