Broken Minds

Elementary (Elementar)


Cansada. Yangmi estava tão cansada. Sentia que sua energia estava se esvaindo aos poucos juntamente com sua confiança, e isso, de forma alguma, poderia ser considerado algo bom.

O caso Yeon Jisoo era uma pedra no sapato, disso não restavam dúvidas, mas o caso Choi Sungmin? Fora uma surpresa nada bem vinda a qual a jovem perita ainda não sabia muito bem como reagir.

Desespero, talvez, seja a palavra certa para descrever o que tomou conta de suas veias no momento em que percebeu o quanto estavam perdidos. Mas ao notar o quanto um sentimento como aquele seria inútil naquela situação, preferiu empurrá-lo de volta para aquele buraco profundo e quebrado que chamava de coração.

E vinha o empurrando até então.

Tomando um fôlego longo para tentar aplacar a sensação de sufocamento, Yangmi olhou para os papéis que trouxera consigo da sala de análises e começou a reler, um por um, detalhe por detalhe, incessantemente. Não sabia exatamente o que ela e sua equipe estavam enfrentando, e não deixava de ficar enervada por conta da incerteza.

Um caso impossível era uma coisa, mas dois? Fazia qualquer um duvidar de suas capacidades. E partindo do ponto que ambos ocorreram dentro de um intervalo curto de tempo, ambos ainda tinham causa mortis desconhecidas e ambos ocorreram com pessoas incrivelmente famosas, mesmo que em ramos diferentes, não tinha como não pensar que de alguma forma essas mortes poderiam estar envolvidas, interligadas. Mas isso, esse tipo de suposição, Yangmi preferia guardar para si, assim como a maioria das teorias absurdas que costumava pensar para cada caso desafiador que entrava por aquela porta.

Já bastava ter revelado para Wonwoo suas suspeitas sobre o caso de Yeon Jisoo possivelmente ser um homicídio, algo que ela ainda estava tentando entender como poderia ter ocorrido. Ela mal conhecia o detetive, mal trocara mais de 20 palavras com ele, mas mesmo assim, de alguma forma, sentia que ele poderia entendê-la de uma forma que nem mesmo Mingyu entendia...

Mingyu.

Um aperto se alojou no peito da jovem, algo já comum de acontecer sempre que se via pensando no médico. Ele fora tão frio com ela naquela manhã, tão absurdamente taciturno. Yangmi não estava acostumada com aquele comportamento vindo dele, pois mesmo depois que tudo viera abaixo, ele ainda tentava pelo menos ser civilizado com ela. Mas aquelas palavras de mais cedo, aquele olhar? A perita estava começando a se perguntar se ele, enfim, já não estaria começando a superá-la, a desistir de continuar implorando seu perdão. E pensar nisso não aplacou nem um pouco aquele turbilhão de emoções que ela vinha sentindo, muito pelo contrário, apenas o agitou ainda mais.

Ela estava tão exausta, tão cansada. Precisava de uma folga, precisava dormir, precisava de alguém para chegar ao seu lado, abraçá-la e dizer que tudo ficaria bem.

Mas a única pessoa no mundo que poderia algum dia ter coragem e intimidade o bastante para fazer aquilo já não era mais dela, e perceber aquilo, perceber o quanto estava sozinha, apenas fez a jovem se dar conta do quão desgraçada era a sua vida.

Seus dedos foram parar em seus cabelos e um som gutural saiu de sua garganta conforme os segundos e os minutos e as horas foram se passando. Yangmi tentou pesquisar, tentou ler artigos e trabalhos recentes sobre biologia molecular, sobre mutação, sobre algum tipo novo de DNA, mas nada podia ser encontrado nos bancos de dados considerados confiáveis pela sociedade científica. Tudo que leu sobre DNA anormal advinha de blogs e sites sobre teoria da conspiração, e nenhuma credibilidade poderia vir de um lugar como aquele.

Ela sentia que estava em uma estrada longa e enevoada, e que seu caminho se via cheio de pedras e obstáculos, todos grandes demais e incontornáveis. Ela sentia que estava indo em direção a esse caminho, tentando surpassar os obstáculos apenas para dar de cara com uma parede no final.

Sentia que estava presa.

Seus dedos apertaram os papéis e Yangmi se obrigou a voltar ao presente. Não poderia se dar ao luxo de perder a cabeça em um momento como aquele, principalmente quando todos pareciam depender dela. Sua mente fez uma recapitulação do que fizera nos últimos dias, e um suspiro saiu da boca da jovem quando ela não conseguiu lembrar qual fora a última vez que comera uma refeição completa, ou a última vez que tivera mais de quatro horas de sono.

Ela estava definhando, e por mais que tentasse se convencer de que aquilo tudo estava prestes a ser resolvido, ela sabia que, no fundo, ainda não fazia ideia do que estava a espreita de sua equipe.

Uma leve batida na porta despertou Yangmi de seus devaneios, e uma das sobrancelhas da perita foi para cima quando viu Hansol enfiando o rosto pela fresta que se abriu. Ele parecia envergonhado, mas mesmo assim entrou e fechou a porta atrás de si com um baque surdo.

— Eu vim trazer um lanche pra você já que não foi até a cantina quando deu o intervalo. — ele disse com a voz baixa, o sotaque americano ainda evidente demais mesmo após anos morando na Coreia, coisa que ela achava adorável. — E vim perguntar como estão indo as coisas. Mingyu está enfurnado no escritório dele e parece não querer falar com ninguém, e como sei que nenhum de vocês dois vai ter a coragem de sair de suas salas antes de conseguirem desvendar alguma coisa, tomei como dever saber como estão e cuidar de ambos. — ele terminou com um tom solene. Yangmi sempre gostara de Hansol, de sua inocência e juventude extravagantes. Ele não era tantos anos mais novo que ela, mas parecia ser, de alguma forma, um adolescente descobrindo o mundo. Lembrava muito ela mesma quando tinha a sua idade, e talvez esse fosse o motivo de ela simpatizar tanto com o rapaz.

E saber que ele estava ali, se preocupando com o bem estar dela, só fez com que essa simpatia aumentasse ainda mais.

Yangmi até mesmo conseguiu sorrir para ele.

— Obrigada, Hansol, pode deixar aqui na mesa. — ela apontou pra bandeja que agora já era fixa ali já que quase nunca saia da sala para lanchar. — E estou bem. Um pouco cansada, admito, mas nada que eu já não tenha passado e superado antes. — uma meia verdade, mas Hansol não precisava saber. — Estou só reunindo mais algumas coisas sobre o caso Choi Sungmin antes de ir até o fórum para conversar com Wonwoo. Temos que reportar sobre a entrevista e sobre o que encontramos no quarto de Yeon Jisoo quando fomos até o apartamento hoje cedo... — um suspiro e uma passada de mão no rosto. — Sabe, as vezes acho que o mundo está me testando. — ela olhou para Hansol e riu sem muita vontade. Ficou apenas encarando o jovem durante um bom tempo antes de prosseguir com a voz um tanto mais baixa. — Não é uma vida fácil, sabe? E nunca vai ser. Mingyu já deve ter comentado com você, mas... Essa rotina, esses mistérios, essa pressão... Tudo isso vai acompanhar você pelo resto da vida. E só consegue passar por isso, só consegue vencer quem realmente ama o que faz, quem está aqui por paixão e não por status. Sei que você é que nem eu, sei que quer fazer o bem, por isso digo para que não pense que vai ser fácil. Quando fazemos um bom trabalho, tendemos a atrair os casos mais difíceis para a nossa equipe, e cabe ao líder, cabe ao que você será um dia, manter a unidade sempre coesa, sempre firme.

Ela fez uma pausa, olhando para a parede atrás de Hansol.

— Não sei se estou fazendo bem essa parte do trabalho, mas estou tentando.

Ela captou um movimento com a visão periférica, e logo Hansol estava de frente para a mesa dela, o lanche sendo depositado em cima da bandeja. O jovem estava com um semblante pensativo, porém firme, quando olhou para Yangmi.

— Não pense por nenhum momento que não sabemos o quanto se sacrifica pela equipe, pois sabemos. Você é a pessoa que mais trabalha aqui, que mais se doa e se entrega pelo dever. Por isso nos preocupamos e por isso às vezes tentamos convencer você a ter alguma folga, mas... — Yangmi ia protestar, mas Hansol foi mais rápido. — Mas sei o quanto é difícil ver algo acontecendo na sua frente e não poder fazer nada. Sei o quanto é duro travar uma corrida contra o tempo e se ver perdendo para ele. Sei, e entendo. Mas sei também que você não vai poder fazer nada se estiver se desgastando e se destruindo. E Yangmi, todos estamos vendo o quanto você está cansada, e estamos somente esperando o momento em que você vai desabar. Não queremos isso, jamais, mas será o que vai acontecer caso você continue sem dormir ou comer. Tente descansar depois de hoje, tire um turno de folga, coma e durma, e então você vai ver que talvez seja a falta de uma boa noite de sono o que esteja impedindo essa sua mente brilhante de trabalhar.

Yangmi ficou calada, seu rosto uma máscara de surpresa conforme Hansol falava. Doía admitir, doía mesmo, mas ele estava correto, totalmente correto.

— Acho que vou conversar com Mingyu para aumentarmos seu salário. — ela disse séria, porém logo abrindo um sorriso no final. — Obrigada por isso, por essas palavras, e por isso. — ela apontou para a comida. — Sei que você está destinado a grandeza, Hansol. Não vejo a hora de ver o quanto vai brilhar quando seu dia finalmente chegar. — ela disse com firmeza, totalmente sincera nas palavras, e talvez Hansol tivesse percebido pois seu rosto ganhou uma tonalidade de rosa bem evidente.

— Eu... Eu espero não decepcionar ninguém. — ele disse com a voz firme apesar do rubor na face.

— Não vai. — Yangmi confirmou antes de soltar um suspiro e estender as mãos até o lanche que ele trouxera. — Preciso comer na sua frente para você ter certeza de que não vou jogar no lixo? — ela brincou um pouco, e foi delicioso ver a surpresa no rosto de Hansol ao perceber que ela estava rindo um pouco. Com um aceno negativo, o jovem riu baixinho.

— Não, não precisa. Bem, como já fiz meu serviço, acho que já vou. — ele ficou alguns segundos parado no mesmo lugar, todavia, antes de negar de leve com a cabeça e virar-se, saindo porta afora.

Yangmi arqueou uma sobrancelha, porém nada fez. Ocupou-se em desembrulhar o sanduíche que ele trouxera e em abocanhar um pedaço.

Um suspiro de prazer saiu de seus lábios conforme finalmente parecia se dar conta do quão faminta estava, e mesmo em meio ao frenesi das abocanhadas, tomou um tempo para agradecer mentalmente a Hansol por ter tido o trabalho de se preocupar com ela.

Ao que parecia, não estava completamente sozinha, afinal.

—·

O sol estava baixando quando Yangmi entrou no fórum municipal. Já sabia para onde deveria ir e com quem deveria falar, portanto levou apenas alguns minutos para pegar as credenciais, entrar no edifício, tomar o elevador que levaria ao andar solicitado e finalmente entrar na sala que agora estava sendo ocupada por Jeon Wonwoo, o detetive encarregado do caso Yeon Jisoo.

Ele estava debruçado sobre a mesa quando a perita abriu a porta, seu rosto escondido atrás de uma pilha grossa de papéis que ele parecia ler com afinco. Yangmi soltou um pigarro leve e abriu um sorriso simples para ele. Ao finalmente notá-la ali, o detetive depositou os documentos na mesa e curvou levemente os lábios para cima, coisa que Yangmi suspeitou ser o maior sorriso que ele já dera em sua presença.

— Conseguiu alguma coisa ou está tão perdida quanto eu estou? — ele perguntou com aquela voz grave que parecia ser capaz de vibrar ossos, ainda com o pequeno e inesperado sorriso nos lábios. Yangmi se perguntou, não pela primeira vez, se Wonwoo fazia ideia do quanto era bonito, ou se sequer se importava com aquilo. Seu rosto era simétrico e tão, tão harmônico que parecia injusto alguém ter uma aparência daquelas.

Nem mesmo Mingyu era tão perfeito.

— Parece que estamos no mesmo barco há alguns dias, detetive. — foi a resposta que ela deu a ele antes de tomar um assento para si e colocar-se a frente dele. Seus olhos logo foram procurando os papéis que Wonwoo estivera lendo, sua visão atenta a qualquer detalhe. — Como estão as coisas com a família da vítima? — ele sabia que ela estava falando de Yeon Jisoo.

— Tensas. Eles ainda acreditam que a culpa é da empresa e enquanto nenhum laudo oficial for liberado, não retirarão a queixa. As coisas aqui no fórum estão tão ruins quanto no seu centro, sinto informar. Meu pai está praticamente cuspindo fogo pelas paredes o dia todo, e posso dizer com sinceridade que não invejo nem um pouco a sua prima.

Yangmi mordeu o interior da bochecha ao lembrar-se da jovem prima que viera morar com ela há alguns meses. Precisava de alguns adicionais no currículo, dissera a tia de Yangmi e mãe de Jinwoo, e o que melhor que um estágio no fórum municipal de Seul? Fora uma luta para Yangmi conseguir aquela bolsa para ela, mas os contatos e o currículo impecável da prima ajudaram bastante. E no fim das contas, lá estava ela, fazendo tão bem seu trabalho que agora estava acompanhando o presidente do júri, nada mais, nada menos que aquilo. E mesmo que fosse mérito de Jinwoo e não de Yangmi, a perita não deixava de se sentir orgulhosa pela ascensão da prima.

— Jinwoo tem se saído bem nesse caso? — ela perguntou com um interesse evidente. Em resposta, Wonwoo apenas assentiu ligeiramente.

— Ela é realmente dedicada e proativa. Entendo o porquê de meu pai querê-la ao seu lado, é uma figura inabalável em meio ao caos, ou pelo menos é o que aparenta ser.

Yangmi não deixou de sorrir um pouco, orgulhando-se novamente.

— Ela é realmente ótima, fico feliz por estar se saindo tão bem.

Wonwoo olhou para ela com curiosidade, sua cabeça inclinando-se de forma quase imperceptível diante do sorriso sincero que ela abrira.

— Você realmente se importa com ela, não é? — Yangmi assentiu rapidamente, um tanto confusa pela pergunta repentina. — Isso é bom. Ela claramente venera você, então é... É ótimo saber que você gosta dela e que, de certa forma, visa pelo seu bem estar. — ele fez uma pausa, e Yangmi pôde jurar que algo nos olhos dele mudou. — Eu sei bem como é admirar alguém e se ver frustrado ao não ser reconhecido por essa pessoa. Esse tipo de coisa cria feridas que até podem se curar com o tempo, mas deixam cicatrizes grandes e feias e profundas... — sua voz fora ficando tão baixa que Yangmi não teve certeza se escutou direito, e tão rápido quanto antes, Wonwoo voltou ao estado que estivera antes. Seus olhos piscaram algumas vezes e ele se voltou aos papéis em sua mesa, claramente confuso e relutante, talvez arrependido por ter falado aquelas coisas. Yangmi abriu a boca para responder algo, porém ele logo lhe cortou.

— Eu transcrevi toda a gravação da entrevista com as colegas de grupo da srta. Jisoo, caso queira, posso mandar por email. Creio que não vá se demorar tanto por aqui, certo? Já já o expediente acaba. — toda e qualquer animação ou bom humor foram embora em um estalar de dedos. Confusa, Yangmi não teve escolha senão assentir.

— Sim, não vou me demorar. — foi um esforço manter a voz com o tom monótono e desinteressado que usava sempre com pessoas que não eram de seu círculo de amizades. — Apenas queria saber seu parecer sobre o que coletamos hoje cedo no apartamento do grupo, mas tudo bem, apenas me mande os transcritos e me informe sobre qualquer tipo de informação adicional. Preciso de suspeitos ou qualquer coisa que me dê um norte, caso contrário as coisas vão continuar tensas por aqui, detetive.

Yangmi não conseguiu controlar a frieza ao falar a última palavra. Não sabia exatamente o porquê de ter se irritado, mas ali estava ela, já sentindo seu sangue começar a esquentar diante da indiferença de Wonwoo.

— Receberá tudo isso ainda hoje. — foi tudo o que ele disse, e Yangmi precisou sugar uma grande quantidade de ar antes de arrastar a cadeira para trás e levantar-se. Pegando sua bolsa, a jovem perita deu a Wonwoo um sorriso que era tudo, menos amistoso.

— Certo, obrigada pela atenção. — ela já estava se virando para ir embora quando lembrou de algo e voltou a olhar para o detetive. Ele ainda estava com o rosto em branco, uma máscara tão firme e inabalável que era impossível ler o que ele estava sentindo. — Ah, e antes que eu me esqueça, amanhã estarei de folga, então caso precise do auxílio de alguém, procure outra pessoa. — e sem nem mesmo esperar alguma resposta, ela abriu a porta e saiu, seu rosto começando a esquentar por conta da irritação.

Que diabos fora aquilo? Wonwoo era seu colega de trabalho, pelo santo Deus, não deveria falar daquele jeito com ele, muito menos se estressar por nada.

Mas algo naquele rosto no momento em que ela chegou, naquelas palavras que ele dissera, algo na forma com que a olhou ao sorrir fizera a perita pensar, somente por alguns segundos, que talvez pudesse entender o rapaz, desvendar aqueles olhos impenetráveis e sem brilho. Fizera Yangmi pensar que talvez ele fosse igual a ela, ou pelo menos parecido. Ela se perguntou o que poderia ter o endurecido tanto, e não deixou de negar com a cabeça quando se deu conta da idiotice que estava fazendo.

A vida de Jeon Wonwoo não era de interesse dela, e seja quais fossem os motivos que o deixaram permanentemente com aquela expressão fria no rosto, ela não queria saber.

—·

Talvez aquele realmente não fosse o seu dia. O trânsito estava caótico e os trinta minutos que ela normalmente tomaria para chegar em sua casa tornaram-se quase uma hora e meia. Segundo as notícias liberadas pela rádio, um acidente acontecera na via principal e as ruas alternativas estavam engarrafadas demais por conta do tráfego intenso. Sendo assim, não restara outra opção além de esperar.

Yangmi lamentou, não pela primeira vez, o fato de Jinwoo ter recusado sua carona quando ela passou pela sala de Jeon Wonhyung para falar com a estagiária. A sua jovem prima fora bem sincera ao dizer que sairia com alguns amigos da faculdade após o expediente e que iria de carona com uma das amigas até lá, mas que agradecia a oferta assim mesmo.

Yangmi, sem escolhas, apenas desejou uma boa noite e sugeriu para que ela se mantesse segura. Sabia que a prima era bastante responsável, porém sabia também o quanto a cidade poderia ser perigosa à noite. Mas, sinceramente, o que ela realmente queria pedir era que a prima ficasse com ela em casa naquela noite. Yangmi estava solitária, precisava de alguém por perto nem que fosse somente para sentar ao seu lado no sofá e maratonar alguma série, mas não teve coragem de pedir que sua prima abdicasse sua noite de diversão para que ficasse em casa com ela.

Portanto, ali estava ela, sozinha, para variar.

Quando finalmente chegou na rua de sua casa, tudo o que Yangmi conseguia pensar era em um banho. Precisava encher sua banheira até a borda e sentar-se ali por horas, se possível. Fazia tanto tempo que não tinha um momento daqueles para si. Não conseguia nem mesmo recordar qual a última vez que fizera alguma coisa no cabelo, tamanha era a correria do dia a dia.

No final das contas, talvez Hansol estivesse certo em cobrar aquele dia de folga para ela.

Suspirando profundamente, Yangmi estacionou o carro e encaminhou-se ao elevador. Apertou o botão que levaria ao seu andar com dificuldade, o cansaço começando a finalmente cobrar um descanso. Ela precisava chegar em casa antes de se jogar no sofá, então reuniu o restante de forças que ainda tinha e andou até seu apartamento quando o elevador finalmente chegou ao seu destino.

Sofá. Banho. Comida. Sono.

Fez e refez essa lista na mente enquanto supria cada passo, um mais lento que o outro, como se seu corpo soubesse que estava chegando perto do local de descanso e já estivesse pedindo por aquilo antecipadamente.

Quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez...

Seus dedos tocaram a maçaneta e algo como um suspiro de alívio saiu dos lábios da jovem quando ela colocou a chave na entrada, girou para o lado e finalmente entrou na sua casa.

Sua bolsa foi ao chão imediatamente, enquanto ela dava os últimos passos até o sofá. O desespero por se deitar era tanto que ela nem mesmo escutou o barulho de panela vindo da cozinha, ou o arrastar de pés se aproximando do local onde ela estava.

A vontade de esticar o corpo era tão sobrepujante que Yangmi nem mesmo se deu conta de que não estava sozinha até que um rosto surgisse em seu campo de visão, sorridente e familiar conforme dizia:

— Sei que somos irmãos, mas se alguém sugerisse que eu sou pelo menos parecido com você nesse momento, eu juro que ia achar ofensivo.

E Yangmi nem teve tempo de soltar um soluço de felicidade antes de Lee Seokmin saltar em cima dela e abraçá-la com força, enterrando o rosto entre seus cabelos curtos conforme sentia aquele cheiro familiar e cítrico que significava apenas uma coisa: casa.

—·

Juro que não sei como você tem sobrevivido esses dias, não encontrei nada na geladeira ou na dispensa, tive que sair pra fazer algumas compras.

Seokmin foi dizendo depois que eles finalmente terminaram de se abraçar e chorar no sofá e encaminharam-se até a cozinha onde, segundo ele, estava fazendo um jantar para os dois.

Ou melhor, tentando.

— Eu não tenho cozinhado ultimamente, ou como fora ou peço comida por telefone.

Ela disse com um leve dar de ombros, seus olhos o tempo todo grudados no irmão. Talvez, ela pensou, houvesse um Deus no céu e ele tivesse escutado suas preces desesperadas por uma companhia.

— Isso tem a ver com seu trabalho? Sei o quanto você é capaz de se exaurir quando as coisas estão corridas lá pelo centro. — Seokmin comentou enquanto mexia na panela na qual estava cozinhando sabe-se lá o quê. — E por falar nisso, como estão as coisas no caso Yeon Jisoo? Mesmo do outro lado do país os comentários estão correndo soltos. Alguma possibilidade de tudo ser resolvido ainda essa semana? — a curiosidade em sua voz era evidente, e Yangmi não deixou de ficar um pouco triste ao negar com a cabeça.

— Ainda estamos no escuro. Juro para você que nunca pegamos um caso tão complexo. Pela primeira vez na vida eu não tenho nada nas mãos, nem mesmo uma pista sobre o que possa ter acontecido. — sua voz saiu frustrada, carregada de culpa por não se capaz de fazer algo quanto a sua incapacidade. Seokmin largou a comida, dando a volta no balcão para abraçar a irmã pela cintura. Seu queixo se firmou no topo da cabeça dela antes de começar a falar.

— Acredite em mim quando digo que se tem alguém capaz de resolver isso tudo, esse alguém é você. — a voz do rapaz era tão cheia de confiança nela que Yangmi sentiu os olhos arderem. Sentira tanta falta do irmão nos últimos meses que chegava a doer fisicamente. Eram inseparáveis desde a infância, tão unidos que não deixaram de proteger um ao outro mesmo depois da faculdade e de todas as responsabilidades que vieram com o trabalho. E mesmo que a vida corrida de jornalista sempre acabasse levando Seokmin para longe durante meses e meses, apenas por saber que tinha ele com quem contar já era algo imensurável para a perita.

E ele estar ali, naquele momento, talvez significasse que ela, enfim, poderia retomar o pouco de normalidade que era capaz ter em sua vida.

Ele parecia ser a única constante em sua existência cheia variáveis.

Parecia ser a única pessoa com quem ela realmente podia contar.

— Você só diz isso porque é meu irmão. — Yangmi riu com a voz um tanto embargada, e sentiu a risada chacoalhar o corpo de Seokmin conforme ele também ria.

— Na verdade os irmãos geralmente são do contra, então se estou dizendo isso, é porque realmente acredito que você seja capaz de tudo isso. Tenho muito orgulho de você, Yangmi, de verdade. Se tornou a mulher que eu sempre soube que seria, e talvez até mais do que isso. — ele virou para conseguir encará-la face a face. — Por isso, acredite em mim quando digo que você é a melhor no que faz, e que por conta de toda essa perseverança e força, você será a única capaz de resolver qualquer caso impossível. — tanta sinceridade contida naquelas palavras que Yangmi não conseguiu evitar a lágrima que escorreu por sua bochecha esquerda. Era aquilo que estava esperando escutar por tanto tempo, porém não tinham ninguém para falar. Era aquela confiança depositada cegamente em cima dela que a fazia ter vontade de reunir suas forças para fazer o que tinha de ser feito.

— Eu já disse que amo você hoje? — ela perguntou enquanto limpava o rosto com a costa da mão. Sentiu a risada de Seokmin antes de escutá-la, assim como sentiu o beijo casto que ele depositou no topo de sua cabeça antes de se afastar e andar até o fogão novamente.

— Ainda não, mas aceito essa como a primeira de muitas vezes. — ele comentou com humor antes de olhar para a panela, fungar levemente e soltar um praguejo baixo. — Droga! acho que queimou... — ele reclamou com um bico formado enquanto tentava salvar a comida que estava muito claramente emitindo um cheiro forte de queimado. Yangmi acompanhou os passos de Seokmin até a pia, onde ele despejou o conteúdo da panela em uma travessa e começou a mexer com a colher para tentar achar alguma parte que pudesse ser salva.

Não encontrou nenhuma.

— Aprecio sua tentativa de fazer algo bom e saboroso para a sua linda irmã, mas acho que vamos ter que pedir algo por delivery. — Yangmi comentou com um sorriso leve nos lábios, ainda maravilhada demais com a presença de Seokmin para sequer lembrar que deveria estar cansada. — Por sorte, tenho uma lista cheia de opções colada na porta da geladeira, só escolher.

Seokmin virou-se para olhá-la com os olhos semicerrados, mas logo se rendeu à razão e soltou um suspiro resignado.

— Queria fazer algo especial, mas acho que vamos de comida chinesa mesmo. — mais um suspiro. — Vamos para o sofá? Quero que me conte as novidades.

E dessa forma, eles conversaram e conservaram durante a meia hora que levou para o pedido chegar, e mesmo após isso, continuaram conversando até a lua ficar alta no céu e o sono começar a tomar seu lugar na mente de ambos.

Yangmi estava dando seu quinto bocejo quando Seokmin olhou para o seu rosto com uma expressão preocupada e levemente pensativa.

— Parece que você não dorme há dias. — sua voz estava baixa demais. — E sua pele está tão pálida... Sei que grande parte disso é por causa do trabalho, mas... Quanto disso é por causa dele? — Yangmi engoliu em seco, sua pele subitamente ficando fria por conta da conversa que ela estava fazendo de tudo para adiar.

Sua boca estava seca quando respondeu.

— Eu estou bem, não se preocupe. Tirei o dia de amanhã para uma folga, vou finalmente compensar o sono perdido e vou ficar com uma cara bem melhor. — ela até mesmo tentou terminar aquilo com um sorriso, mas Seokmin a conhecia bem demais para ser enganado.

Minnie — o apelido de infância soava tão doce quando saia dos lábios dele que chegava a doer —, você sabe que pode contar qualquer coisa para mim, qualquer coisa mesmo. — quando ela permaneceu calada, ele se ajeitou no sofá para olhá-la mais de perto. Sua voz estava mais baixa ainda quando voltou a falar. — Eu nunca vou me perdoar por não estar aqui quando tudo aconteceu, e nunca, jamais, vou ser capaz de perdoar ele por tudo o que fez você passar. Você não faz ideia do quanto eu sofri por não conseguir pelo menos uma semana de folga para vir aqui com você, realmente não faz. Eu fui negligente, não estive aqui quando mais precisou, e sinto muito, mais do que você imagina. — ele tomou um fôlego entrecortado antes de pegar ambas as mãos dela com as suas. Seus olhos estavam límpidos e úmidos, e Yangmi conseguiu sentir a sinceridade contida neles — Mas eu consigo ver, Yangmi, e sentir que você ainda não está totalmente bem. Não sei se alguém seria capaz de algum dia esquecer algo como o que você passou, mas... Mas eu estou aqui agora. Pode contar comigo, e chorar no meu ombro, e falar mal do Mingyu durante horas se quiser, ou comprar sorvete e colocar filmes melosos na Netflix... Eu juro que não me importo de passar por tudo isso se for pra ajudar você. Eu sei... Eu sei que não temos mais ninguém nesse mundo além de um ao outro, por isso peço perdão por não ter tido a chance de vir aqui ficar ao seu lado quando mais precisou, por ter passado por todo esse sofrimento sozinha. Agora estou aqui — ele repetiu com veemência —, e pretendo ficar por um tempo, então pode usar e abusar da minha companhia até enjoar. — ele riu um pouco, os olhos ainda brilhando ligeiramente pelas lágrimas não derramadas — Por mais que eu ache impossível alguém conseguir cansar de olhar pra esse meu rosto lindo.

Yangmi não sabia mais como falar conforme escutava o que ele dizia. Seokmin era tão incrível, tão maravilhoso e amável... Sempre fora uma pessoa muito melhor que ela. Completamente altruísta, generoso, gentil, engraçado... Era o irmão cheio de amigos, enquanto ela era a irmã anti social que vivia trancada no quarto, lendo ou estudando. Duas faces da mesma moeda, tão parecidos fisicamente, mas tão diferentes em todo o resto... Entretanto, mesmo com tantas divergências, eles eram equivalentes em uma coisa: no amor que sentiam um pelo outro. E esse amor nunca esteve tão evidente quanto naquele momento, naquelas palavras tão sinceras e carregadas de emoção.

Seokmin era um irmão muito melhor do que Yangmi jamais fora para ele.

— Eu... Eu não sei se consigo falar sobre aquilo sem querer chorar durante dias, mas... Mas eu prometo que assim que eu conseguir pensar em toda aquela história sem sentir vontade de arrancar meu coração para fora, eu conto tudo para você. — ela não tinha nada mais para oferecer. — Por ora, aceito apenas sua companhia e o sorvete... De chocolate, de preferência. — um leve sorriso, tão leve... Mas era melhor que nada.

— Sabia que você não ia resistir a isso. — Seokmin falou com um tom bem mais leve, o sorriso despontando em seu rosto conforme se ajeitava para levantar. — Amanhã passamos o dia todo no sofá se quiser, só enchendo a barriga de sorvete e assistindo comédias românticas clichês. Mas agora, nesse momento, tudo o que eu quero é um banho e a minha cama, tipo, desesperadamente.

Yangmi ficou olhando para ele, para aquele rosto tão parecido com o seu. Era lindo de formas que o dela jamais seria, mesmo estando claramente cansado e esgotado. A mulher que casasse com ele, ela sempre pensava, seria a mais sortuda do mundo.

— Seu quarto está arrumado, acho, mas poeirento. — ela comentou com uma expressão apologética no rosto. Limpava o quarto do irmão pelo menos duas vezes ao mês, mas com o tempo tão curto... — Você... Você se importa de dormir comigo? — ela perguntou com um pouco de incerteza. Ela estava com saudade do irmão, queria ficar o máximo possível ao seu lado, sentir aquele conforto que só ele trazia.

— Claro que não, passamos tantos anos das nossas vidas dormindo juntos que fui obrigado a comprar um travesseiro do seu tamanho para compensar a sua falta quando estou longe. — ele riu de forma nostálgica, com certeza lembrando da infância de ambos, quando sua pobre mãe mal conseguia pagar um apartamento de dois quartos para eles. — Deixa só eu tomar um banho, por favor, e depois disso sou todo seu.

Yangmi riu. Era tão fácil conversar com ele, tão fácil rir na presença dele. Ela só tinha a agradecer a quem quer que comandasse o destino por ter escolhido ele, dentre todas as pessoas do mundo, para ser seu irmão.

— Certo, certo. — ela disse do sofá. Estava tão cansada que nem mesmo conseguia reunir forças para levantar. — Vai logo que estou sentindo seu fedor daqui. — e com essa deixa (e um travesseiro arremessado na direção da perita), Seokmin sumiu no corredor, indo em direção ao seu quarto.

Com um suspiro, Yangmi se acomodou no sofá, enterrando seu rosto no acolchoado encouraçado.

Talvez aquilo fosse um sinal, um prelúdio, uma promessa de que as coisas finalmente se acertariam.

Se estivesse com seu irmão do lado, Yangmi tinha certeza que seria capaz de lidar com qualquer coisa.

Definitivamente, ela não estava sozinha, afinal.

—.