Both of us

Os apressados jogam ovos.


Embora estivesse sonolenta, Gabrielle pulou nas costas de Lucas, recostando seu rosto no ombro do garoto, passando seus braços envolta do pescoço dele, que segurou fortemente as pernas dela. O algodão do suéter acariciava o queixo da ruiva, que pensava quão melhor era descer aquela escada repleta de fantasmas na presença de seu melhor amigo que exalava um forte e agradável perfume.

A cozinha continuava a mesma, a grande janela iluminando todo o cômodo decorado em tons pastéis. O balcão de mármore ao meio, as cadeiras de madeira crua ao redor. Nada estaria diferente se não fosse o rapaz loiro que ria animadamente de alguma piadinha que os dois não chegaram a ouvir. A mãe de Gabrielle também compartilhava gargalhadas, as mãos sujas do chocolate que ela lentamente acrescentava na vasilha de bolo.

— Bom dia – disse Gabrielle ao ser colocada no chão, levemente irritada por não ter sido avisada que havia visita. Suas roupas não eram as melhores e seu cabelo podia ser facilmente comparado a uma juba de leão. Sentou-se e esperou que Lucas lhe fizesse torradas, mas este também apenas ficou sentado a encarando.

— Por que está me olhando dessa forma e não está fazendo nosso café da manhã? – perguntou ele, cruzando os braços – É a sua vez.

— Ah... – suspirou, pensando num bom motivo – Por que você não finge ser um fofo e faz? – indagou, fazendo um biquinho e expressão sofrida.

— Você não existe – respondeu, levantando-se e colocando os pães na torradeira -, só fez isso porque sabe que não resisto.

— Eu sei que você ama muito a ruiva aqui.

— Na verdade, eu acho a ruiva uma preguiçosa de primeira e preferia os cabelos dela quando eram castanhos.

— Vai sonhando, Luke – ironizou, jogando um pano de prato nele – E, afinal, por que nunca me avisam que tem visita?

O loiro sorriu, bebericando seu café. Seus olhos castanhos mantinham um tom zombeteiro, e dava para notar que ele sorria por detrás da xícara. Ele parecia familiar, mas Gabrielle simplesmente não conseguia se lembrar dele, com aquela barba rala e linha mandíbula forte.

— Não há necessidade – afirmou Lucas, misturando o café com o leite em duas canecas.

— Você vai ver o “não há necessidade” na sua face, idiota! – exclamou, adquirindo um olhar semicerrado.

Lucas deu de ombros exageradamente, como uma criança birrenta faria ao não lhe darem uma bala, e Gabrielle perdeu toda a irritação dentro de si. Aquele ato infantil lhe lembrava da época em que conhecera Lucas, a era dos desajustados – um grupo que agora se transformara no maior grupo de teatro de toda a Academia Summerside.

Maior grupo de teatro de toda a Academia Summerside. Sete de Fevereiro. Ai meu Deus!

— Cacete! – gritou Gabrielle, enfiando de uma só vez uma torrada na boca e quase se engasgando ao tomar o leite com pressa demais no momento seguinte – Estamos cruelmente atrasados, vamos acabar perdendo o horário. E você – apontou para Lucas, que estava prestes a rir – é a atração principal.

— Gabrielle, sem palavrões à mesa – falou a mãe, que até aquele momento havia se mantido calada.

— A única atrasada aqui é você, senhorita. Minhas malas estão prontas, já me banhei, vesti uma roupa adequada e minha afinação está perfeita. Estou preparado par... – a pálida casca se despedaçou no cabelo castanho dele, clara e gema misturando-se aos fios recém-lavados.

— Agora você não está mais – gritou ela, correndo escadas acima e entrando rapidamente em seu quarto, ignorando completamente a prudência que deveria ter ao pisar no carpete.

Os cabides perfeitamente pendurados foram todos lançados ao chão e retirados apressadamente, deixando as roupas livres. As gavetas tiveram o mesmo ataque desenfreado, e a montanha de blusas, vestidos, shorts e todos os outros tipos imagináveis de vestimentas era, realmente, uma colorida bagunça, que quase transbordava da grande mala com arabescos de tinta desbotada, feitos pela própria Gabrielle. Jogou todos seus produtos de beleza lá dentro, assim como alguns sapatos e toalhas. Fechá-la seria um desafio.

Colocou a parte superior sobre a de baixo e tentou puxar o zíper, e continuou nessas falhas tentativas por longos minutos, até encontrar-se suada, ofegante e com os dedos doendo. Decidiu, então, fazer a única coisa que uma pessoa madura e inteligente faria: pular sobre a mala e assim fazer os dentes metálicos se encaixarem.

Desenhos emoldurados enchiam as paredes de azulejos roxos, cor que contrastava perfeitamente com os ladrilhos escuros cheios de gravuras infantis feitas com caneta permanente prateada. A pia verde garantia um ar rebelde ao cômodo, e o espelho possuía uma bela moldura. A banheira ficava próxima ao chuveiro, e Gabrielle optou por uma rápida ducha.

Iluminada pela luz que vinha da claraboia, ela se despiu e deixou a água cair sobre seu corpo, levando todas as impurezas de seu corpo. Lavou os cabelos rapidamente, não se importando em lavá-lo de maneira incorreta. Escovou os dentes enquanto deixava o condicionador agir, acelerando assim todo o processo.

Enrolou uma toalha azul celeste no corpo. Verificou o relógio e constatou que ainda lhe restavam cinquenta minutos, tempo exato para que ela escovasse os cabelos com o secador, vestisse seu uniforme e saísse desembestada até o ônibus que a levaria até o colégio, com a pesada mala na mão.