—V-você só... p-pode estar brincando... comigo! — Amy falou, com muita dificuldade, assim que chegou em casa. Ela nunca havia demonstrado nenhum sentimento, em todos os sete malditos anos, até agora. Por mais que não houvesse nenhum espelho por perto, Amy sentia seus olhos queimarem de ira.

Dan entrou atrás, brigando com tio Alistair também.

—Como não teve a decência de nos dizer antes de anunciar para toda família assim?! — Amy ouvia o irmão brigar, em alto e bom tom, algo que a ruiva passou a invejar nele.

—O que vocês queriam que eu dissesse? — perguntou Alistair, jogando-se em uma das antigas poltronas da sala. O apartamento dos irmãos Cahill continuava igual, exceto, talvez, que tudo perdera a alegria...

—A verdade, talvez — Dan insistiu, e Amy deu um semi-sorriso, ela nunca realmente sorria, ao ouvir isso. Eles sempre pareceram muito conectados, e pelo jeito eram mesmo, pois Dan falava exatamente o que Amy pensava.

—Vocês querem a verdade? — perguntou Alistair, levantando-se devagar — Pois bem, que tenham a verdade! — Alistair mandou-os sentar no sofá a sua frente, os olhos do tio enquadravam seus rostos — Sua querida avó deixou uma carta, uma carta que deveria chegar em minhas mãos somente quando um de seus netos tivesse 18 anos.

A boca de Amy secou, seu aniversário seria dali a dois meses, e era uma coisa que a assustava constantemente. Com 18 anos ela sabia que teria que assumir, de um jeito ou outro, o comando da empresa. Com 18 anos, Dan iria pedir para ela abrir um processo e assumir a guarda dele. Com 18 anos, os fantasmas de seu passado seriam ainda mais presentes... Com 18 anos...

—Mas... não sou eu. — Conseguiu dizer, sua mente doendo enquanto controlava suas lágrimas. Dan e Alistair olharam-na, algo como pena estava estampado em suas faces. Mas Amy não conseguia, por mais que tentasse, manter seus olhos altos, sempre voltando a fitar suas mãos.

—Eu... sinto muito, Amy. — Alistair disse. Uma espécie de risada maléfica passou pelo rosto de Amy, era o pior momento de sua vida, mas tio Alistair finalmente acertou seu apelido.

—Amy... — Dan segurou seu braço, tentando reconfortá-la. Mas ela apenas balançou a cabeça, levantando-se.

Tudo era tão confuso. Pela primeira vez em sete anos Amy tive vontade de rir, rir até não se aguentar mais... Rir até as risadas serem substituídas pelas lágrimas, rir de tristeza...

—Es-está tudo bem... — falou, com certa dificuldade. Era imensamente retórico tudo aquilo. Era imensamente cômico — Eu vou dar... dar um volta.

Sem esperar respostas, Amy retirou-se da sala, entrando no grande elevador de vidro que dava acesso a propriedade de sua família... De seus pais... Nem o próprio Destino sabe o que pode acontecer com sua casa agora, se é que poderia ela chamar o lugar de sua.

Tudo que ela sabia, nos poucos minutos que permitiu que Alistair explicasse em seu aniversário de 15 anos, era que sua avó deixou tudo para seus netos diretos, ou seja, ela e Dan. Mas agora era tão engraçado, como, do nada, aparece dois outros netos. Que, adivinha, um deles deve ser mais velho que ela! Ou seja, terá total direito de assumir a empresa, que ela estava prestes a assumir! Dois primos que vieram da Inglaterra, só para ferrar com toda a vida deles!

—Senhorita Cahill — saudou-a Janet*, a gerente assistente — eleita por Amy — para coordenar o hotel — Deseja usar carro?

Janet era prática e direta, além de ser muito esperta e confiável, o que facilitou a escolha de Amy, quando a mesma tinha apenas 10 anos. O hotel era posse de seus pais, mas Amy não sabia o quanto daquilo estava ligado a sua avó.

—Não, pretendo andar novamente — respondeu Amy, retirando cuidadosamente o cabelo da cara — Se alguém perguntar, você não me viu.

Amy conseguia falar uma frase ou duas com Janet, e ela era o mais perto de amiga que Amy tinha, porém estava na faixa dos 30 anos, tinha longos cachos chocolates, daquele estilo que ela nunca deve ter cortado na vida, grandes olhos castanhos calorosos e um sorriso que dizia: “Você pode confiar em mim, jamais irei traí-la”. Foi por isso — e pelo fato de Janet ser afilhada de sua mãe — que Amy escolheu ela para organizar o hotel até seu aniversário. Mas olha que graça, Janet provavelmente havia organizado o hotel para seu primo ou prima... Amy não queria se agarrar a ideia de que talvez o hotel ainda fosse dela, que aquilo não tinha nada com Grace, mas ela também não queria “cair do cavalo” novamente.

Amy saiu apresada do prédio, se sentindo imediatamente mais livre ao colocar os pés fora daquela prisão. Ela estava em um misto de sentimentos, não sabia se chorava ou se ria. O dia também não ajudava, no lugar do lindo céu celeste de sempre, nuvens de um cinza chumbo caótico instalaram-se em seu antigo santuário...

Quase como se a palavra a lembrasse de tudo, Amy começou a correr em direção ao seu único porto-seguro...

“—Você não deve ter medo — chamou a mãe dela, Hope. — Você vai adorar isso aqui!

Amy andava, com as calças do pijama arrastando no chão. Sua mãe a acordou super cedo, dizendo que precisava mostrar um lugar para a filha.

—Sempre que você achar que está sozinha... Siga o caminho de meus pés!”

Fazia tanto tempo... Tanto, tanto tempo... Amy procurou um pouco, perdida e sem achar o caminho... As palavras da mãe ainda presas em sua memória: “Siga o caminho de meus pés”

Dobrando uma rua aleatória, Amy visualizou uma cabine telefônica... Estava um pouco danificada, a tinta bordo que antes cobria a cabine já estava para lá de desgastada, mas o número... Aquele inconfundível número...

“— 1610? — perguntou Amy para sua mãe, puxando uma de suas trancinhas para trás — O que há na cabine 1610, mãe?

—Nada além de um marco — anunciou Hope, sem ligar muito para a coisa — Um indicio que estamos no caminho certo.”

Caminho certo... Caminho certo... Precisava encontrar...

Cambaleou mais um pouco, atravessando algumas ruas correndo. Aquilo tudo a deixava tonta... O simples fato de que a única comida presente em seu estomago era de alguns dias atrás não ajudava... Aquela sensação de vazio não parava...

“Colinas verdes brilhantes se estenderam a sua frente, um parque, Amy sabia. Um lindo e belo parque.

—Que lugar é esse?

—Não é aqui... Temos que passar pela pedra...”

Amy adentrou no parque, uma chuva fina começando a cair sobre sua cabeça. O lugar era lindo, embora o lugar na mente de Amy deveria ter lindos campos verdes brilhantes, com flores e provavelmente uma borboleta voando por ai, e este tinha latas de refrigerante jogadas em alguns cantos, e a grama parecia de um verde turvo...

Amy não parou de correr até conseguir ver um monte de pedras, uma caverna. As árvores cresciam em volta, igual à sua lembrança.

— Venha, querida — chamou sua mãe. — É como atravessar um arco-íris... — cantarolava a voz baixo de Hope, enquanto puxava sua filha pra cima da pedra onde estava, retirando os galhos e as folhas da árvore com a outra mão. — Você vai ver, isso é mágico!”

Amy se apoiou na pedra, que era bem mais alta do que lembrava, e se inclinou para cima, escorregando levemente contra o limo. A chuva aumentava a sua volta, fazendo seus cabelos grudarem em sua cabeça.

Amy estava certamente transtornada. Tudo acontecia tão rápido que ela nem conseguia se dar o luxo de parar.

Amy afastou alguns galhos, que estavam mais grossos e difíceis de se mexer do que há tantos anos atrás, fazendo folhas prenderem-se em seus cabelos ruivos.

O lugar que sua mãe lhe mostrara era lindo. Um campo de flores, todas crescendo em direção ao sol. As árvores faziam proteção para aquela clareira que, segundo Hope, ninguém conhecia. Um pequeno riacho circulava por lá, e Amy lembrava-se de já ter visto um riacho por algumas partes do parque.

—Não é lindo? — perguntou Hope, pegando-a no colo. — Toda vez que estiver perdida, mi hija**, venha para cá e deixe que a natureza te mostre seu caminho.”

Amy quase caiu de cabeça nas pedras.

O que aconteceu aqui?! Ela queria gritar, mas sabia que ninguém a ouviria. A chuva e as lágrimas faziam com que ela enxergasse pouca coisa, mas era notável o que via.

O riacho que antes serpenteava por ali estava seco, em seu lugar algumas latas e garrafas plasticas jaziam embarradas. As flores que tanto a encantaram já não existiam mais, o gramado, queimado pelo sol ou por alguma outra coisa, parecia capim sobre um monte de barro. As árvores, que outrora protegeram o refugiu de sua mãe, agora já mal existiam do outro lado da clareira. Os prédios já eram visíveis, e os carros passavam apresados na pista a sua frente.

Aquilo era demais, quase sem conseguir se conter, Amy deitou-se em cima da pedra molhada, seu corpo tremendo de frio, e fechou seus olhos, desejando voltar a ouvir a voz de sua mãe... Apenas dizendo que tudo estava bem.