— Isso não está ficando repetitivo? — Ian pergunta ao parar o carro na única lanchonete 24 horas da cidade. Que culpa a cidade tinha se Amélia Cahill queria milkshake às 6 e 34 da manhã? Exato, nenhuma.

Quando Ted falou que Ian iria buscá-la, Amy não surtou como da última vez. Ela apenas assentiu com a cabeça, conformada que o primo havia virado seu chofer. Sinead, no entanto, não parecia feliz com a ideia.

— É seguro você estar sozinha com ele, Amy? E deus, é muito cedo, por que ele está vindo buscá-la? — Essa pergunta não foi dirigida a Amy, e sim a Ted.

— Não culpe o mensageiro, maninha. — Ted brincou, sentando-se também à cama. — Ele apenas falou: “Avise Amélia Cahill que estou indo buscá-la.” E quando eu perguntei quem era: “Ian Kabra”. — Ted fez caras e bocas, imitando o jeito de Ian falar. — Um tanto mal-educado, na minha humilde opinião.

Ned e Amy deixaram escapar uma risadinha, mas Sinead parecia cada segundo mais nervosa.

— E se ele estiver querendo levá-la para algum lugar e dar-te sumiço, Amy? E se ele te sequestrar? E se... — Amy riu, riu de verdade, não uma risadinha tímida ou algo do gênero. Os Starlings realmente lhe faziam bem. Mas não foi por isso que ela riu. Quando Sinead entrou no clube no dia anterior Amy imaginou que ela tinha se tornado uma pessoa totalmente autoconfiante, que nunca erra e que tem 100% de certeza sobre tudo no mundo. Agora, ao ver o nervosismo da mais velha, Sinead voltou a parecer aquela menina que tinha um bocado de medo do que os pais iriam pensar das suas ações.

— Relaxa, Si — Amy mal notou, mas os outros três sim, quando ela usou o antigo apelido carinhoso de Sinead. — Ian pode ser um monstro de sete cabeças, mas é um monstro de sete cabeças educado. Ele prefere me ganhar da maneira verbal e jurídica, não na força física.

Sinead não pareceu acreditar, mas quando o porteiro interfonou ela simplesmente deixou Amy ir, após um longo abraço e um pedido para que ela ligasse mais tarde. Não que Amy fosse fazer isso tão cedo, em vista que os três Starling pareciam exaustos.

Entrar no carro ao lado de Ian fora menos constrangedor desta vez. Sinead havia lhe emprestado uma muda de roupa limpa e no tempo que Ian demorou, Amy tomou um belo banho.

A roupa era simples, uma calça jeans skinny e uma blusa de mangas para o frio. Tudo escondendo perfeitamente os cortes e machucados ainda presentes em seu corpo. Sinead passou-lhe uma maquiagem básica, “escondendo pequenas coisinhas que ele, aquele usurpador, não precisa ver” falou a ruiva rindo.

Amy sabia que ela havia se lembrado de quando eram pequenas e mexiam nas maquiagem de suas mães e pintavam-se uma a outra. Mas assim que Sinead acabou, a única coisa que a ruiva fez foi abraçá-la forte. Como se tentando decorar seu jeito, sua pessoa.

Sinead, em menos de um dia, voltara a ser sua irmã. E de maneira tão rápida que a deixava zonza.

— Bem, foi você que quis ir me buscar. — Amy falou, seca, fechando a porta de passageiro.

No caminho até a lanchonete, Ian falou para Amy que Dan havia deixado o número de telefone da casa dos Starling e pedira para que quem acordasse primeiro fosse buscá-la. Ian havia acordado.

— Bem, então eu deveria tê-la deixado lá? — Perguntou o moreno, vestido em uma deslumbrante roupa que fez Amy pensar que estava louca por encará-lo como uma pessoa “bonita” e não como seu “primo-usurpador-que-quer-levar-tudo-que-tem”.

— Eu não fui contra a minha vontade. — Isso era só tecnicamente inverdade, pois afinal, continuar no clube no meio de um ataque não era o que ela queria.

— Você faz qualquer um arrepender-se de lhe prestar um favor, Amélia. — Amy freiou ao ouvir seu nome completo. Só então lembrou-se que não estava mais com os Starling, que aquela coisa brincalhona e protetora não se expandia até Ian. Só então lembrou-se de ter raiva, dor e magoa em si. E aquela nuvem de escuridão se abraçou no coração dela de maneira rápida demais.

Preferindo não falar nada por medo de fraquejar, Amy só entrou na lanchonete, lado a lado com Ian e se encaminhou até o caixa.

— Eu quero um milkshake de ovomaltine e três cookies sortidos, por favor. — Pediu à atendente, sem nem olhar para Ian, parado ao seu lado.

— Um chá gelado e um sanduíche de peito de peru, por favor. — Ian pediu enquanto Amy retirava a carteira da bolsa, bolsa esta que estava cheia, já que carregava as roupas do dia anterior.

— Ah, não, deixa que eu pago... — Ian começou, retirando a carteira do bolso de trás da calça.

Amy simplesmente revirou os olhos antes de sentir uma pontada de raiva no coração ao dizer as próximas palavras:

— Meu dinheiro é seu dinheiro também, ou esqueceu que compartilhamos contas bancárias? — Sua voz pareceu até um pouco sarcástica no final. Coisa que Amy gostou de reconhecer. Ela sempre amara o bom e velho sarcasmo. Era bom ver que não havia perdido o jeito nesses anos sem usá-lo.

Ian não falou nada enquanto ela pagava a atendente do caixa e quando ela perguntou se queriam uma mesa, não disse nada quando Amy aceitou, educadamente.

— Não estava afim de comer no carro? — Perguntou o moreno de olhos âmbar, mais por curiosidade mesmo.

— Americanos geralmente não tem tempo para nada — Amy respondeu, não querendo prolongar o diálogo.. — Eu gosto de me dar o direito de um bom café da manhã, algumas vezes.

— Então não lhe é estranho sentar e comer à mesa? — Continuou Ian, curioso novamente.

— Não, não é.

— Posso perguntar por quê?

Amy bufou, olhando para o caixa a procura de seus pedidos, de repente pedir para levar e comer no carro parecia uma boa ideia.

— Minha mãe sempre nos fazia sentar à mesa para todas as refeições, era uma tradição. Mas se está incomodado podemos pedir para levar.

— Não, não... — Ian rapidamente se explicou, por incrível que pareça ele queria mais tempo com a ruiva. — Eu só estava curioso, desculpe se me expressei mal. Na verdade, eu prefiro sempre comer em uma mesa do que indo para algum lugar.

Amy não respondeu, apenas fitou o enfeite de mesa. Longos segundos se passaram assim, segundos em que Ian a encarava pensando em porquê raios sairá da cama mais cedo para ir buscá-la – não que houvesse sido muito mais cedo, afinal, o fuso horário ainda o incomodava –, ou melhor, o que o fizera se sentir tão... Atraído por ela. Ela era incrivelmente interessante mas completamente alheia aos métodos de contato. Afinal, nem falando direito com ele ela estava.

— Bem, você já se formou? — Ele perguntou por fim, afinal era uma sexta-feira, e a garota simplesmente não parecia nem um pouco preocupada com a escola. Como no dia anterior.

— Sim. — Foi tudo que Amy respondeu. Ah, mas não ia ser só isso mesmo. Ian não iria perder naquele jogo.

— Estudou em qual escola?

— Em casa.

— Ah sério? Você também? — Ian falou, se referindo ao fato dele mesmo ter sido educado em casa. — Você tinha professores particulares ou ...? — Ele estava prestes a perguntar se seus pais lhe ensinavam, mas parou no meio da frase.

— Professores. E o tio Alistair, às vezes.

— Fez alguma prova para comprovar sua escolaridade? Tipo, o governo americano tem isso?

— Tem e fiz.

— Ahn — ele não ia desistir, não desse jeito. —, você achou que era difícil, porque a minha foi...

— Ian Kabra! — Ela levantou o tom de voz, quase como se estivesse xingando-o. — Você realmente precisa preencher cada segundo de silêncio com a sua voz?

Amy corou após dizer essas palavras, se sentindo incrivelmente uma megera. Mas, god save, aquele garoto não ficava calado. Aquilo era demais para Amy, ela não poderia baixar a guarda, não podia.

— Eu... — Ian ficou sem palavras pela primeira vez, e sua expressão parecia levemente sentida. — Bem, certamente você não é de conversar, senhorita. Perdoe-me. — Sua frase fora fria, gelada e curta. Sua cara de irritado mais presente ainda após isso.

Essa foi a vez de Amy encará-lo. O moreno de maxilar trancado e definido simplesmente olhava pela janela a tumultuosa rua de Boston, fazendo Amy se sentir ainda pior. Seus grandes e lindos olhos âmbares pareciam duros como ouro. Seus ombros tensos e suas mãos rígidas sobre a mesa fizeram Amy se sentir um pedaço ambulante de merda. Como ela conseguiu deixar alguém tão belo parecer tão frio?

Ela tentou lutar contra sua vontade de falar, contra sua vontade de se desculpar. Ela não tinha motivos para fazê-lo, correto? Se ele estava bravo com ela, tanto faz, ela o odiava, muito. Ele estava pegando tudo que era dela e... Ah, dane-se, esse discurso nem mais colava em sua própria cabeça.

Se algo aconteceu com o testamento era pouco provável que Ian e Natalie tivessem algo com isto.

Quando seus cafés da manhã chegaram, Amy agradeceu a garçonete com um sorriso tímido e observou Ian segurar seu chá gelado e dar um gole sem olhar na sua direção. Ela bebeu um bom tanto do seu milkshake procurando as palavras certas para dizer, embora estivesse seriamente irritada com tudo aquilo. Foi só após deixar seu cookie repousar sobre o prato depois da primeira mordida que ela disse:

— Perdoe-me você, eu fui totalmente grossa e desnecessária em minha fala. — A garota falou baixo, lutando contra o impulso de não falar nada ou gaguejar. Ian a olhou surpresa, um pouco do ouro derretendo em seu olhar. — Eu não achei minha prova de certificação do ensino básico complicada ou difícil, achei cansativa. O conteúdo era simples mas foram sete horas de prova seguidas.

Amy sentia o olhar de Ian sobre ela, mas ela simplesmente pegou o cookie já mordido e continuou a comer, como uma desculpa para não falar mais.

— A minha também. — Foi o que Ian disse, minutos depois, a voz leve novamente.

O silêncio depois disto foi confortável, como se eles estivessem presos em seus próprios mundos particulares e sem qualquer possibilidade de sair deles.

Ian pensava no que aquela garota estava fazendo com ele. Amy pensava em uma maneira de voltar a odiá-lo. Para via das dúvidas, quando ambos saíram de lá, pareciam completamente perdidos.

Bleeding Out

Amy trancou-se no quarto assim que chegou em casa, os pensamentos sem parar de rodar. Ela não conseguia mais pensar por um segundo em Ian. As respostas para suas perguntas continuavam totalmente embaralhadas sobre ele.

Ela não entendia o que ele queria com ela. Ela não tinha nada a oferecer para ele. Ele já tinha tudo que poderia ser dela. Então, por que ser gentil?

E é claro que as imagens do momento em que ele a ajudou, naquela noite, ainda reviram sua cabeça.

Ele a vira naquela momento, no momento mais complicado de sua vida, e não havia falado para ninguém, não havia nem mesmo comentado com ela.

Não mais aguentando esses mistérios, Amy resolveu se prender a outro. Com o testamento completo de seus pais e avó, ela fechou a porta do quarto e parou na grande escrivaninha de madeira que havia muito não usava.

Estava na hora de lembrar-se de quem ela era.

Bleeding Out

Daniel queria matar sua irmã por não sair do quarto e ir fazer sala para os hóspedes, mais especificamente, Natalie.

A morena simplesmente grudara nele o dia inteiro, já que seu irmão Ian não saia do quarto, nem a irmã de Dan. Ambos muito “ocupados” quando Dan os chamou.

Alistair, para variar, estava se aprontando para mais uma de suas viagens e sobrará para Dan entreter Natalie.

Não que a morena tivesse pedido, mas ele sabia que era falta de educação deixá-la sozinha em seu terceiro dia em uma cidade nova.

— Quer ir ao teatro, Natalie? — perguntou ele, desejando morrer à ir ao teatro.

— Ahn, claro, Dan.— Natalie falou surpresa, desviando os olhos do celular. Dan estava andando em círculos pela sala fazia quase uma hora, Natalie havia preferido não atrapalhar ele, mas estava realmente ficando entediada. — Mas, duas coisas: chame-me de Nat, e, posso me trocar?

Bleeding Out

Natalie estava deslumbrante, como Dan já havia notado que a garota era sempre.

Ela havia vestido uma saia preta de babados, curta mas não muito curta, e uma blusa também preta justa. Uma jaqueta de couro tapava-lhe os ombros e lhe dava um visual mais despojado que eram quebrados pelo salto alto. Mas, nada em sua roupa se comparava ao seu rosto.

Sua pele amendoada estava quase brilhante, seus cachos chocolate perfeitamente arrumados, seus olhos âmbar incrivelmente... Bem, existem vários “mente” na descrição de Dan, mas basta dizer que seus olhos estavam inesquecíveis, com longos cílios negros e um fraco delineador.

— Podemos? — Natalie perguntou, dando o braço para um rapaz muito arrumado.

Dan tinha os cabelos louros penteados e brilhantes naquele visual “acabei de acordar e sou perfeito” que só o universo entende como mexe com o coração de qualquer garota, uma camiseta preta e suas calças jeans perfeitamente cortadas lhe davam um ar elegante mas adolescente. Seus olhos jade não saiam da mente de Natalie enquanto ela andava até o carro.

Como ambos não dirigiam, tomaram um táxi até o teatro.

—Por que resolveu me trazer até aqui? — Natalie perguntou, admirando a arquitetura do ambiente.

— Bem, apenas parece algo britânico de se fazer. — Dan parecia sem jeito.

Natalie riu, parando na frente da entrada e lendo o nome “Hamlet” no cartaz. Uma peça que a mesma já havia visto zilhões de vezes, não exatamente por livre e espontânea vontade.

Sorrindo para Dan, ela parou em sua frente.

— Você não imaginou que ao vir para a America eu queria algo mais “americano” e não tão “britânico”? — Ela levantou uma de suas sobrancelhas perfeitas, fitando-o.

Dan demorou o dobro do tempo que teria levado normalmente para raciocinar e responder isto.

— Você... Não quer entrar?

— Só se você quiser. — Natalie sorriu, levemente bricalhona.

— Ah meu deus, graças aos deuses! — Ele beijou a bochecha de Natalie animado. — Eu pensei que teria que morrer lá dentro!

Natalie riu, notando pela primeira vez como Dan parecia estar se esforçando para fazê-la se sentir à vontade.

— Mas espero que nossa noite não esteja perdida... — Ela disse, querendo continuar na companhia do rapaz. — Será que não existe nada que dois jovens “americanos” possam fazer numa noite de sexta-feira?

Dan pareceu considerar aquilo por alguns segundos, antes de chamar um táxi rapidamente e abrir a porta para Natalie.

— É melhor você tirar o salto, britânica, pois nós vamos ao paintboll!