Big Feelings

Capítulo 1 - Lar doce lar


Willow é uma garota que, aos olhos dos outros, se considera comum. Sua pele negra, o nariz levemente arrebitado e os olhos, talvez um pouco grandes demais para seu rosto, têm um toque exótico que herdou de sua avó. Sua boca carnuda, com um tom naturalmente arroxeado, lembra um batom aplicado com perfeição. O cigarro pendendo do canto esquerdo dos lábios é um acessório que ela insiste em dizer ser parte de seu estilo. Naquela noite chuvosa, no entanto, após acender seu terceiro cigarro, completando um visual marcado por uma aura de mistério e melancolia, sua história teve início.


✦───────────✦───────────✦───────────✦

Eu me recusava a acreditar que a merda do isqueiro havia acabado. Tic tic. Me odiava muito por ser tão pão dura. Tic tic. E por não ter comprado outro quando tive a chance. Tic tic. Ah! Acendeu. Te falar que eu sequer sabia onde estava. Já faz uns nove dias que “fugi” de casa. Não fugi de fato, só estou educadamente me recusando a voltar para lá. É muito fudido e traumático chegar do colégio e encontrar teu pai comendo uma puta ruiva um pouquinho mais nova que tu, tá ligado? E sabe o pior? A minha mãe chegou bem na mesma hora. Foi aí que eu aprendi que prato não tinha asa. Nem liquidificador. E panelas, principalmente panelas. Daí foi minha deixa para pegar umas roupas e dar no pé. Tô pulando de sofá em sofá na casa de amigos e todos estão me aconselhando a voltar. Talvez só tenham se cansado de mim também. Bando de egoístas. Falando de egoísmo, a última notícia que recebi de alguém lá de casa foi um SMS da minha mãe pedindo desculpas por ter me deixado, mas que iria aproveitar a situação para fazer as coisas que nunca fez por ter sido mãe jovem. E cá entre nós, ela tá mais que certa. Deixa o fudido do meu pai arcar com esses bagulhos. O cara vem de família rica e ganha bem. Está na hora de gastar. E foi com esse pensamento que eu decidi pegar o ônibus para casa. Quando o vi se aproximando do ponto, coloquei a mochila nas costas e entrei. A viagem seria longa. De algum jeito, vim parar do outro lado da cidade.

Creio que deveria ter passado o caminho de volta ensaiando o que diria quando voltasse para casa, mas não preciso de desculpas para voltar para minha própria residência. Quando girei a maçaneta e apareci próximo à sala, meu pai parecia ter visto um fantasma.

— Tu tem 10 minutos pra tirar essa cachorra da minha casa antes que eu toque fogo. — Falei casualmente enquanto me dirigia à cozinha em busca de comida.

— F-Filha, eu achei que você havia ido embora com a sua mãe, por isso não te liguei… — Ele apareceu atrás de mim na cozinha.

— Pois é, né, Daniel. — Olhei para o meu relógio imaginário no braço. — Nove minutos.

— Nove minutos o quê? Você não acha mesmo que irei mandar a Camila embora às 23 horas, não é?

— Qual é, cara. Tu conseguiu fazer tua própria mulher ir embora e sua filha fugir por mais de uma semana. Acho que tu consegue quebrar essa. — Pude ver seu rosto transmutando para um vermelho muito forte.

— WILLOW. — Berrou a plenos pulmões.

— DANIEL. — Berrei de volta.

Remédio para doido é um doido e meio.

— Quem você pensa que é para retornar à minha casa exigindo coisas?

— Epa, epa. NOSSA casa. — Repeti o movimento do relógio. — Oito minutos.

A essa altura do campeonato, deixei de procurar comida para procurar álcool. Sabia que tinha uma garrafa por aqui; caso contrário, tinha outros planos. O vi sair da cozinha e me deixar sozinha. Daqui pude ouvi-lo consolar a sirigaita, falando que não havia problemas e que agora eles estavam juntos e nada iria separá-los. Nojeira pura. Peguei uma das garrafas de whisky do meu pai, coloquei duas doses e procurei por um isqueiro novo nas gavetas da cozinha. Seria o suficiente.

Parei no batente da porta da sala e a cumprimentei com um aceno meio torto.

— Dois minutos, Daniel.

— Para de graça, Willow. — Disse sem virar para mim.

Foi exatamente quando o ponteiro dos relógios marcava 23 horas em ponto que tomei um gole de whisky, acendi o isqueiro e cuspi todo o líquido na direção dos dois. Não vou mentir, vê-los correndo como baratas tontas, de um lado para o outro na sala, tentando abrir portas e janelas antes que o sistema de incêndio entrasse em ação, foi icônico. Quando percebi que tinha queimado parte da sobrancelha da prostituta, tudo ficou ainda melhor, e caí na gargalhada. A cena era surreal: meu pai, em pânico, e a ruiva, gritando histericamente, enquanto eu ria descontroladamente.

— Você é doente?! — meu pai gritou, sua voz ecoando pela sala.

— Você que trocou uma família estável por isso aí. — Apontei para a mulher que chorava sem parar no canto da sala. — E eu sou a doente.

— Vai já para o seu quarto! — ele ordenou, os olhos fervendo de raiva.

— Eu não terminei ainda. Enquanto ela estiver dentro da MINHA casa, eu não acabei ainda. — Minhas palavras saíram carregadas de um ódio que eu nem sabia que podia sentir.

— D-Dan, eu quero ir embora. — lamuriou-se a desgraçada, as lágrimas escorrendo pelo rosto.

— Tem certeza, meu amor? — meu pai perguntou, a voz estranhamente suave. Ela assentiu, tremendo.

Ele se virou para mim, explodindo em gritos sobre como queria que eu estivesse no meu quarto quando ele voltasse. Não pude deixar de sorrir. Tratei de beber a dose restante de whisky que estava no copo, deixei o copo na mesa e fui em direção ao meu quarto. Precisava de um banho.

Depois de um banho demorado, a água fria ajudando a acalmar meus nervos, decidi enviar uma mensagem para minha mãe. Escrevi dizendo o quanto a amava e que entendia se ela precisava viver a vida dela. Acrescentei, com uma pitada de humor extremamente venenoso, algo que compartilhamos, que tinha queimado parte do cabelo e da sobrancelha da esquisita. Mas ao enviar a mensagem, tive uma surpresa: Descobri que ela havia bloqueado meu número.

Acho que quando ela falou sobre fazer coisas que nunca fez por ter sido mãe jovem, isso incluía não ser mais mãe. Eu era rápida em entender recados. Sequei a lágrima solitária que insistia em cair de um dos meus olhos, enrolei uma toalha nos cabelos e ouvi duas batidas na porta antes do meu "pai" entrar no quarto.

— O que você fez foi inaceitável. — Sua voz agora era um sussurro, mas a raiva ainda estava lá, latente.

— Inaceitável? — Repliquei, levantando o queixo. — Inaceitável é o que você fez com a nossa família.

Ele me olhou, os olhos duros, e por um momento, pensei que ele fosse me bater. Mas ele apenas respirou fundo, tentando se controlar.

— Você realmente precisa de ajuda, Will. — Disse, seu tom carregado de preocupação, no qual eu não poderia ligar menos.

— Pode ir falando, só vou pegar uma toalha menos úmida. — Disse enquanto caminhava até o guarda-roupa.

— Filha… Eu gosto muito da Camila, você precisa entender isso.

— Quem é Camila? — Questionei de maneira genuína, enquanto passava a toalha seca entre os fios, tentando entender o que ele queria dizer.

— Você quase tocou fogo nela e sequer sabe o nome dela?

— Ah, sim, ela! — Dei uma risadinha lembrando do ocorrido. — Foi mal, continua.

— Uma hora ou outra você precisa aceitar. — Disse de maneira derrotada, com receio da retaliação.

— Onde eu estava? — Interrompi.

— Como assim? — Ele pareceu confuso.

— Estou questionando a você: Onde eu estava? Ou melhor: Por quanto tempo eu sumi?

— Willow… Eu… — Ele parecia perdido. — Me desculpe por isso.

— Não estou aqui em busca de desculpas e sim de respostas. — Disse firme. Ele e sua mania de desviar dos assuntos. — Quantos dias, pai?

— Eu não sei! — Se deu por vencido.

— Eu fui embora no momento em que a confusão aconteceu, antes mesmo que a minha mãe decidisse qualquer coisa. Peguei as minhas coisas e fui embora.

— E onde você ficou? — Questionou preocupado. Era difícil saber se a preocupação era por não saber onde eu estava ou algo relacionado ao conselho tutelar.

— Às vezes na casa de amigos, às vezes por aí, depende do dia. — Vi o olhar derrotado dele, mas não estava nem na metade de onde queria chegar. — Sabe quantas ligações eu recebi? Suas ou da mamãe? Durante esses nove dias?

— Bom, sua mãe é mais atenta a essas coisas do que eu… creio que umas cinco? — Ele se encolheu ao sugerir o número, que me fez rir.

— Ela não me ligou. — Joguei o celular aberto para ele na parte que interessava e ele parecia estar relendo a mesma coisa mil vezes, sem reação.

— Sei que não escolhemos quem amamos, mas lembre-se que no meio dessas suas ações, existem reações e efeitos colaterais. Eu perdi minha mãe e perdi meu pai no dia em que entrei por aquela porta e vi o que vi. — Me surpreendi ao vê-lo chorar de maneira silenciosa. — Pense bem antes de colocar outra pessoa em um buraco que sequer fechou ainda. Posso aceitá-la um dia, mas não será hoje e muito menos amanhã, nem tão cedo.

— Me desculpe por tudo, filha. — Levantou-se para me abraçar e permiti. Depois desse tempo fora, talvez fosse o que eu precisava para preencher um vazio que nunca seria preenchido. Mas eu estava completamente errada; seria preciso mais do que algumas lágrimas e abraços para fechar o que havia sido aberto. — Te trouxe pizza.

O jantar seria completamente silencioso, se não fosse pelo barulho da televisão na sala, sintonizada em algum canal aleatório, passando um filme de ação.

— Se quiser, eu desligo. — Disse meu pai, hesitante.

— Não, eu gosto do som das explosões. — Fui sincera. Nada como um bom barulho de objetos inocentes sendo explodidos.

Esse foi o último diálogo da noite. Assim que terminei de comer, lavei os pratos que foram usados e fui direto para meu quarto, onde me dirigi até o banheiro e escovei os dentes, me preparando para dormir. Não sabia quanto tempo aguentaria a hipocrisia sem fugir novamente. Amanhã voltaria a frequentar as aulas da mesma maneira como havia desaparecido: como se nada houvesse acontecido. Cá entre nós, era uma habilidade que eu havia masterizado desde a infância.

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Eu me recusava a acreditar que a merda do isqueiro havia acabado. Tic tic. Me odiava muito por ser tão pão dura. Tic tic. E por não ter comprado outro quando tive a chance. Tic tic. Ah! Acendeu. Te falar que eu sequer sabia onde estava. Já faz uns nove dias que “fugi” de casa. Não fugi de fato, só estou educadamente me recusando a voltar para lá. É muito fudido e traumático chegar do colégio e encontrar teu pai comendo uma puta ruiva um pouquinho mais nova que tu, tá ligado? E sabe o pior? A minha mãe chegou bem na mesma hora. Foi aí que eu aprendi que prato não tinha asa. Nem liquidificador. E panelas, principalmente panelas. Daí foi minha deixa para pegar umas roupas e dar no pé. Tô pulando de sofá em sofá na casa de amigos e todos estão me aconselhando a voltar. Talvez só tenham se cansado de mim também. Bando de egoístas. Falando de egoísmo, a última notícia que recebi de alguém lá de casa foi um SMS da minha mãe pedindo desculpas por ter me deixado, mas que iria aproveitar a situação para fazer as coisas que nunca fez por ter sido mãe jovem. E cá entre nós, ela tá mais que certa. Deixa o fudido do meu pai arcar com esses bagulhos. O cara vem de família rica e ganha bem. Está na hora de gastar. E foi com esse pensamento que eu decidi pegar o ônibus para casa. Quando o vi se aproximando do ponto, coloquei a mochila nas costas e entrei. A viagem seria longa. De algum jeito, vim parar do outro lado da cidade.

Creio que deveria ter passado o caminho de volta ensaiando o que diria quando voltasse para casa, mas não preciso de desculpas para voltar para minha própria residência. Quando girei a maçaneta e apareci próximo à sala, meu pai parecia ter visto um fantasma.

— Tu tem 10 minutos pra tirar essa cachorra da minha casa antes que eu toque fogo. — Falei casualmente enquanto me dirigia à cozinha em busca de comida.

— F-Filha, eu achei que você havia ido embora com a sua mãe, por isso não te liguei… — Ele apareceu atrás de mim na cozinha.

— Pois é, né, Daniel. — Olhei para o meu relógio imaginário no braço. — Nove minutos.

— Nove minutos o quê? Você não acha mesmo que irei mandar a Camila embora às 23 horas, não é?

— Qual é, cara. Tu conseguiu fazer tua própria mulher ir embora e sua filha fugir por mais de uma semana. Acho que tu consegue quebrar essa. — Pude ver seu rosto transmutando para um vermelho muito forte.

— WILLOW. — Berrou a plenos pulmões.

— DANIEL. — Berrei de volta.

Remédio para doido é um doido e meio.

— Quem você pensa que é para retornar à minha casa exigindo coisas?

— Epa, epa. NOSSA casa. — Repeti o movimento do relógio. — Oito minutos.

A essa altura do campeonato, deixei de procurar comida para procurar álcool. Sabia que tinha uma garrafa por aqui; caso contrário, tinha outros planos. O vi sair da cozinha e me deixar sozinha. Daqui pude ouvi-lo consolar a sirigaita, falando que não havia problemas e que agora eles estavam juntos e nada iria separá-los. Nojeira pura. Peguei uma das garrafas de whisky do meu pai, coloquei duas doses e procurei por um isqueiro novo nas gavetas da cozinha. Seria o suficiente.

Parei no batente da porta da sala e a cumprimentei com um aceno meio torto.

— Dois minutos, Daniel.

— Para de graça, Willow. — Disse sem virar para mim.

Foi exatamente quando o ponteiro dos relógios marcava 23 horas em ponto que tomei um gole de whisky, acendi o isqueiro e cuspi todo o líquido na direção dos dois. Não vou mentir, vê-los correndo como baratas tontas, de um lado para o outro na sala, tentando abrir portas e janelas antes que o sistema de incêndio entrasse em ação, foi icônico. Quando percebi que tinha queimado parte da sobrancelha da prostituta, tudo ficou ainda melhor, e caí na gargalhada. A cena era surreal: meu pai, em pânico, e a ruiva, gritando histericamente, enquanto eu ria descontroladamente.

— Você é doente?! — meu pai gritou, sua voz ecoando pela sala.

— Você que trocou uma família estável por isso aí. — Apontei para a mulher que chorava sem parar no canto da sala. — E eu sou a doente.

— Vai já para o seu quarto! — ele ordenou, os olhos fervendo de raiva.

— Eu não terminei ainda. Enquanto ela estiver dentro da MINHA casa, eu não acabei ainda. — Minhas palavras saíram carregadas de um ódio que eu nem sabia que podia sentir.

— D-Dan, eu quero ir embora. — lamuriou-se a desgraçada, as lágrimas escorrendo pelo rosto.

— Tem certeza, meu amor? — meu pai perguntou, a voz estranhamente suave. Ela assentiu, tremendo.

Ele se virou para mim, explodindo em gritos sobre como queria que eu estivesse no meu quarto quando ele voltasse. Não pude deixar de sorrir. Tratei de beber a dose restante de whisky que estava no copo, deixei o copo na mesa e fui em direção ao meu quarto. Precisava de um banho.

Depois de um banho demorado, a água fria ajudando a acalmar meus nervos, decidi enviar uma mensagem para minha mãe. Escrevi dizendo o quanto a amava e que entendia se ela precisava viver a vida dela. Acrescentei, com uma pitada de humor extremamente venenoso, algo que compartilhamos, que tinha queimado parte do cabelo e da sobrancelha da esquisita. Mas ao enviar a mensagem, tive uma surpresa: Descobri que ela havia bloqueado meu número.

Acho que quando ela falou sobre fazer coisas que nunca fez por ter sido mãe jovem, isso incluía não ser mais mãe. Eu era rápida em entender recados. Sequei a lágrima solitária que insistia em cair de um dos meus olhos, enrolei uma toalha nos cabelos e ouvi duas batidas na porta antes do meu "pai" entrar no quarto.

— O que você fez foi inaceitável. — Sua voz agora era um sussurro, mas a raiva ainda estava lá, latente.

— Inaceitável? — Repliquei, levantando o queixo. — Inaceitável é o que você fez com a nossa família.

Ele me olhou, os olhos duros, e por um momento, pensei que ele fosse me bater. Mas ele apenas respirou fundo, tentando se controlar.

— Você realmente precisa de ajuda, Will. — Disse, seu tom carregado de preocupação, no qual eu não poderia ligar menos.

— Pode ir falando, só vou pegar uma toalha menos úmida. — Disse enquanto caminhava até o guarda-roupa.

— Filha… Eu gosto muito da Camila, você precisa entender isso.

— Quem é Camila? — Questionei de maneira genuína, enquanto passava a toalha seca entre os fios, tentando entender o que ele queria dizer.

— Você quase tocou fogo nela e sequer sabe o nome dela?

— Ah, sim, ela! — Dei uma risadinha lembrando do ocorrido. — Foi mal, continua.

— Uma hora ou outra você precisa aceitar. — Disse de maneira derrotada, com receio da retaliação.

— Onde eu estava? — Interrompi.

— Como assim? — Ele pareceu confuso.

— Estou questionando a você: Onde eu estava? Ou melhor: Por quanto tempo eu sumi?

— Willow… Eu… — Ele parecia perdido. — Me desculpe por isso.

— Não estou aqui em busca de desculpas e sim de respostas. — Disse firme. Ele e sua mania de desviar dos assuntos. — Quantos dias, pai?

— Eu não sei! — Se deu por vencido.

— Eu fui embora no momento em que a confusão aconteceu, antes mesmo que a minha mãe decidisse qualquer coisa. Peguei as minhas coisas e fui embora.

— E onde você ficou? — Questionou preocupado. Era difícil saber se a preocupação era por não saber onde eu estava ou algo relacionado ao conselho tutelar.

— Às vezes na casa de amigos, às vezes por aí, depende do dia. — Vi o olhar derrotado dele, mas não estava nem na metade de onde queria chegar. — Sabe quantas ligações eu recebi? Suas ou da mamãe? Durante esses nove dias?

— Bom, sua mãe é mais atenta a essas coisas do que eu… creio que umas cinco? — Ele se encolheu ao sugerir o número, que me fez rir.

— Ela não me ligou. — Joguei o celular aberto para ele na parte que interessava e ele parecia estar relendo a mesma coisa mil vezes, sem reação.

— Sei que não escolhemos quem amamos, mas lembre-se que no meio dessas suas ações, existem reações e efeitos colaterais. Eu perdi minha mãe e perdi meu pai no dia em que entrei por aquela porta e vi o que vi. — Me surpreendi ao vê-lo chorar de maneira silenciosa. — Pense bem antes de colocar outra pessoa em um buraco que sequer fechou ainda. Posso aceitá-la um dia, mas não será hoje e muito menos amanhã, nem tão cedo.

— Me desculpe por tudo, filha. — Levantou-se para me abraçar e permiti. Depois desse tempo fora, talvez fosse o que eu precisava para preencher um vazio que nunca seria preenchido. Mas eu estava completamente errada; seria preciso mais do que algumas lágrimas e abraços para fechar o que havia sido aberto. — Te trouxe pizza.

O jantar seria completamente silencioso, se não fosse pelo barulho da televisão na sala, sintonizada em algum canal aleatório, passando um filme de ação.

— Se quiser, eu desligo. — Disse meu pai, hesitante.

— Não, eu gosto do som das explosões. — Fui sincera. Nada como um bom barulho de objetos inocentes sendo explodidos.

Esse foi o último diálogo da noite. Assim que terminei de comer, lavei os pratos que foram usados e fui direto para meu quarto, onde me dirigi até o banheiro e escovei os dentes, me preparando para dormir. Não sabia quanto tempo aguentaria a hipocrisia sem fugir novamente. Amanhã voltaria a frequentar as aulas da mesma maneira como havia desaparecido: como se nada houvesse acontecido. Cá entre nós, era uma habilidade que eu havia masterizado desde a infância.


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Para variar, acordei atrasada e precisei aceitar a carona do meu pai. Lá se foram meus planos de ir fumando alguns cigas durante o caminho. Aproveitei a cena que fiz e surrupiei o isqueiro da noite anterior, substituindo o meu que havia acabado. Ao chegar na porta do colégio, agradeci pela carona, joguei a mochila sobre os ombros e caminhei até o portão. Percebi que não estava tão atrasada assim. Esperei o carro do Daniel sumir no horizonte para cruzar a rua e, embaixo de uma árvore belíssima, acender o primeiro cigarro do dia. Às vezes, penso que deveria parar de fumar, tá ligado? É algo que não traz benefício algum para o corpo; a única "vantagem" é que parece aliviar a ansiedade. A cada tragada, um pouco dela se vai... Talvez seja psicológico, talvez tenha alguma comprovação científica, mas quando o próximo trago atingiu meus pulmões, me senti viva. Era tudo o que aquela manhã nublada precisava, talvez eu estivesse ouvindo vozes.

— Eu sabia que era ela! — Ouvi uma voz feminina perto demais. Revirei os olhos.

— Faz silêncio, Delilah. Não atrapalha o primeiro trago do dia. — Falei de olhos fechados.

— Porra de primeiro trago, passa pra cá. — Senti os dedos longos de Aleksander retirarem o cigarro da minha mão e isso me fez abrir os olhos. Tanto ele quanto Delilah deram um trago e, em seguida, devolveram o cigarro. — Agora sim.

Delilah, ou Lilah para os íntimos, é minha amiga desde o jardim de infância, junto com seu irmão gêmeo, Aleksander. Aos dezesseis anos, Lilah é o tipo de pessoa em quem se pode confiar em qualquer situação. Ela trata o corpo como se fosse um templo, dedicando-se a uma rotina rigorosa de exercícios e alimentação saudável. Lilah é graciosa e atlética. Ela tem um sorriso contagiante, daqueles que iluminam qualquer ambiente e fazem todos ao seu redor se sentirem mais leves. Sua personalidade é um poço sem fim de empatia. Lilah está sempre pensando nos outros, equilibrando perfeitamente suas próprias necessidades com as dos amigos e familiares. Desde criança, sonha em cursar Direito em Harvard, assim como seu pai. Para isso, ela se dedica incansavelmente aos estudos, tirando notas excelentes e participando de atividades extracurriculares. Lilah faz trabalhos voluntários regularmente, mostrando um genuíno desejo de ajudar a comunidade. Ela também pratica esportes, sendo capitã do time de vôlei da escola, o que a ajuda a manter o equilíbrio físico e mental. Em contraste com seu irmão gêmeo, Alek, que é mais despreocupado e rebelde, Lilah é focada e organizada. Embora compartilhem traços físicos semelhantes, como os olhos verdes e a estrutura fisica, suas personalidades não poderiam ser mais diferentes. Alek vive no momento, enquanto Lilah sempre planeja o futuro, determinada a alcançar seus sonhos. A dinâmica entre nós mudou um pouco desde que ela começou a namorar Benjamin, que está no mesmo ano que nós, mas em turmas separadas. Embora nosso tempo juntas tenha diminuído, Lilah sempre faz um esforço para manter nossa amizade forte. Ela tem uma habilidade única de equilibrar seu relacionamento com Benjamin e suas amizades, nunca fazendo com que ninguém se sinta deixado de lado.

De cabelos castanhos com fios grossos, olhos claros e um sorriso filho da puta, Alek é o que podemos chamar de pacote completo. Aos dezesseis anos, sua pele já é marcada por 23 tatuagens, cada uma com um significado particular que reflete as experiências e emoções que viveu até agora.

Fisicamente, Aleksander é imponente. Alto e com uma postura despojada, ele tem uma presença que chama a atenção. Seus olhos claros são penetrantes, quase hipnotizantes, e combinam perfeitamente com o sorriso astuto que raramente aparece em seu rosto. Esse sorriso, muitas vezes enigmático, é um dos seus traços mais distintivos, tornando difícil para os outros discernirem o que realmente se passa em sua mente.

Alek leva uma vida despreocupada, com zero responsabilidades e uma série de problemas a enfrentar. Sua atitude relaxada é um contraste com a seriedade das dificuldades que ele encontra, mas isso não parece abalar seu espírito. Assim como eu, ele não tem perspectivas claras para o futuro e nem sequer sonha com o que deseja ser. No meu caso, da maneira como levo a vida, eu sequer sei se estarei viva até lá. No entanto, é essa falta de direção que nos une e fortalece nossa amizade.

Atualmente, ele é um dos poucos em quem confio plenamente. Ele e Lilah estiveram comigo durante todos os momentos importantes da minha vida, inclusive quando precisei de um lugar para ficar.

Em termos de personalidade, Aleksander é um misto de complexidade e simplicidade. Ele pode parecer superficial para quem não o conhece bem, mas para aqueles que têm a sorte de serem seus amigos, ele é um enigma fascinante, cheio de profundidade e emoções. Suas tatuagens são um reflexo disso, cada uma contando uma história, uma luta, uma vitória.

Nossos caminhos se cruzaram de forma que pareceu inevitável, e desde então, Aleksander tem sido uma rocha em minha vida turbulenta. Ele é o tipo de amigo que te defende até o fim, que está disposto a enfrentar qualquer tempestade ao seu lado.

— Vocês são uma praga. — Ri, aceitando o cigarro de volta.

Era estranho compartilhar um cigarro com eles depois de dias, mas naquele momento, sob a sombra daquela árvore, parecia certo. O sol tentava se infiltrar pelas nuvens densas, enquanto o aroma do tabaco se misturava com o ar fresco da manhã. Era um daqueles raros instantes em que eu me permitia relaxar, esquecer um pouco dos problemas e simplesmente existir, mesmo que fosse apenas por alguns minutos.

— Então, o que você vai aprontar hoje, Willow? — Aleksander perguntou, soltando uma nuvem de fumaça que se dissipou no ar.

— A mesma coisa de sempre, Aleksander. Tentar sobreviver a mais um dia de aula e evitar qualquer tipo de drama familiar. — Respondi, dando de ombros.

. — Você sabe que se precisar de alguma coisa, estamos aqui, certo? — Delilah riu, mas sua expressão logo se tornou séria —Agora conta pra gente… Onde você estava, caralho?

— Bom, depois que fugi da casa de vocês também, passei uns dias na casa do Finley e…

— DE QUEM? — Gritaram em uníssono.

— Eu estava sem opções, ele mora praticamente sozinho, o sexo é bom… — Contava nos dedos as vantagens, enquanto ignorava a fúria de ambos quando decidi destacar o último item, que confirmou o reencontro com meu ex. — Fiquei lá até a namorada dele voltar para a cidade e depois fiquei alguns dias num terminal.

— Você preferiu dormir na rua a confrontar seu pai? — Delilah estava furiosa, ela sabia o quanto eu havia sofrido na época em que estive com Finley.

— Mas eu voltei. — Constatei, sentindo um nó se formar na garganta ao lembrar de ontem. — E toquei fogo na puta.

— Podemos ver que você voltou e estamos felizes com a decisão e voCÊ FEZ O QUE?!

— Cuspi fogo nela, ué. Sabe aquilo que fazemos quando estamos bêbados, com o whisky? — Gesticulei enquanto falava, sempre dando um trago aqui e outro ali. — Falei pro Daniel que ela tinha 10 minutos pra sair da minha casa se não ia tocar fogo nela, ele achou que eu estava brincando e depois daí é história.

— Então, o que você vai aprontar hoje, Will? — Aleksander perguntou, soltando uma nuvem de fumaça que se dissipou no ar.

— A mesma coisa de sempre, Aleksander. Tentar sobreviver a mais um dia de aula e evitar qualquer tipo de drama familiar. — Respondi, dando de ombros.

— Você sabe que se precisar de alguma coisa, estamos aqui, certo? — Delilah riu, mas sua expressão logo se tornou séria. — Agora conta pra gente… Onde você estava, caralho?

— Bom, depois que fugi da casa de vocês também, passei uns dias na casa do Finley e...

— DE QUEM? — Gritaram em uníssono.

— Eu estava sem opções, ele mora praticamente sozinho, o sexo é bom... — Contava nos dedos as vantagens, enquanto ignorava a fúria de ambos quando decidi destacar o último item, que confirmou o reencontro com meu ex. — Fiquei lá até a namorada dele voltar para a cidade e depois fiquei alguns dias num terminal.

— Você preferiu dormir na rua a confrontar seu pai? — Delilah estava furiosa, ela sabia o quanto eu havia sofrido na época em que estive com Finley.

— Mas eu voltei. — Constatei, sentindo um nó se formar na garganta ao lembrar de ontem. — E toquei fogo na puta.

— Podemos ver que você voltou e estamos felizes com a decisão e voCÊ FEZ O QUE?!

— Cuspi fogo nela, ué. Sabe aquilo que fazemos quando estamos bêbados, com o whisky? — Gesticulei enquanto falava, sempre dando um trago aqui e outro ali. — Falei pro Daniel que ela tinha 10 minutos pra sair da minha casa se não ia tocar fogo nela, ele achou que eu estava brincando e depois daí é história.

À medida que o sinal tocava do outro lado da rua, atravessamos o movimentado corredor em direção à nossa próxima aula. O calor da manhã já começava a se acumular nas paredes de tijolos da escola, adicionando uma sensação de opressão ao ar. Enquanto caminhávamos para a aula, continuei contando o resto da história para eles. Aleksander riu tanto quanto eu, mas Lilah ficou preocupada com meu comportamento autodestrutivo e com a integridade e o psicológico da tal Camila, acho que era esse o nome dela. Resolvi não deixar isso me tirar do sério.

Ao entrar na primeira aula, procurei pelo meu lugar habitual, a última carteira da fileira do canto. As carteiras de madeira rangiam ligeiramente quando me sentei, enquanto Aleksander já se acomodava na cadeira à frente, inclinando-se para trás em uma posição relaxada, aparentemente pronto para um cochilo. Delilah ocupou o assento ao lado de Aleksander, seus olhos verdes varrendo a sala com uma expressão preocupada. Ela sempre foi a mais atenta aos detalhes, e o desenrolar dos eventos recentes parecia pesar em seus ombros.

Retomar as coisas depois de um período fora era como uma volta às aulas, mas em cima de uma bicicleta, atravessando círculos de fogo com pratos de porcelana nas mãos. O professor de matemática estava no quadro-negro, desenhando equações complicadas com giz branco. Seu discurso monótono ecoava pela sala, mas para mim, suas palavras pareciam distantes e desinteressantes, como se estivessem em um idioma estrangeiro.

Eu observava os números e símbolos no quadro, mas minha mente estava longe, revivendo cada detalhe da última noite. A tensão no ar era palpável, e eu sentia os olhares curiosos e julgadores dos colegas de classe que sabiam de alguns fragmentos da minha história. Alek, percebendo meu desconforto, virou-se discretamente para mim e sussurrou:

— Ei, vai ficar tudo bem. Você não está sozinha nessa.

Eu forcei um sorriso em resposta, mas a verdade é que o peso dos últimos dias ainda estava sobre meus ombros. Delilah, sempre sensível às minhas emoções, tocou meu braço de leve, oferecendo um consolo silencioso. O apoio deles era a única coisa que me mantinha de pé naquele momento.

O resto da aula passou em um borrão. Minhas tentativas de focar nas explicações do professor eram constantemente interrompidas pelos flashbacks dos eventos recentes. Quando finalmente tocou o sinal anunciando a próxima aula, senti um alívio imediato. Não demorou muito para que eu me juntasse a Aleksander em seu cochilo. O ritmo monótono das aulas combinado com o calor do ambiente parecia criar uma irresistível sonolência, e logo me vi afundando na escuridão reconfortante do sono.

✦───────────✦───────────✦───────────✦

Senti chutes na lateral da cadeira e ao olhar, encontrei Delilah de braços cruzados. Aleksander e eu nos entreolhamos, completamente confusos.

— Hora do intervalo. — Lilah anunciou, já a caminho da porta. Percebi Ben, um garoto com seus locks pretos e bem cuidados, o olhar cativante e um sorriso extremamente reconfortante, encostado no batente da porta, aguardando por ela. — Ou preferem ficar dormindo?

Nem na presença do namorado essa garota ficava feliz e relaxava um pouco.


Benjamin, ou Ben, namora com a Delilah há um ano e alguns meses. Parecem ter sido feitos um para o outro. Enquanto ela estava no time feminino de vôlei, ele estava no masculino. Também sonhava em fazer Direito em Harvard. O Ben é como um golden retriever, completamente extrovertido, atlético e que faz amizade com todos. Tem dois irmãozinhos pequenos que são uma gracinha.

— Pô, eu preferia continuar dormindo, mas já que me acordaram. — Protestou Aleksander.

— Pior que eu também.

— Quer ir pro terraço? Esses dois não vão desgrudar tão cedo.

Aceitei o convite e caminhamos lado a lado até a escada abandonada que nos levaria até o terraço. Aleksander e eu tínhamos muito em comum. Preferimos nosso silêncio, priorizamos nossa paz, não somos pessoas matutinas e talvez seja por isso que preferimos não comer nada no período da manhã. O ajudei a forçar o portão emperrado e passamos com certa dificuldade pelo pequeno espaço. O terceiro andar era um andar em construção, que nunca foi adiante após um dos alunos tentar cometer suicídio depois de surtar com um simulado e possivelmente outros problemas que ninguém além dele poderia saber.

Aleksander e eu nos sentamos em um canto escondido, caso algum segurança resolvesse aparecer de surpresa, como já ocorreu outras vezes, mas o Alek era um cara simpático com os mais velhos e conseguiu fazer com que nos deixassem ficar aqui nos intervalos, desde que sejamos apenas os três e sem chamar atenção. Mas hoje a Delilah não se juntou a nós.

— E aí, como você está de verdade? — A pergunta me pegou de surpresa. Eu odiava surpresas.

— Tô bem, de verdade. — O imitei no final.

— Qual é, Willow… Te conheço há anos e sei quando tem algo a mais. — Dessa vez ele possuía um olhar sério e parecia estar tentando encontrar esse olhar no meu, o que seria impossível, já que desviei o olhar completamente para frente e abracei minhas próprias pernas.

— Quero deixar isso tudo para trás… — Igual ela fez comigo, pensei. — Promete não contar pra Delilah? Não quero ouvir sermão, só quero tocar as coisas e viver.

Ele assentiu e eu entreguei meu celular para ele, com as mensagens abertas. Diferente da reação do meu pai, Aleksander fechou os olhos, respirou fundo e me devolveu o celular. Não falou muita coisa, não tentou me consolar com palavrinhas medíocres e nem nada do tipo. Apenas se aproximou de mim, depositou um beijo em minha testa, estendeu a mão, e não pensei duas vezes em segurá-la. Por isso éramos melhores amigos. Arrumei minha postura e encostei minha cabeça em seu ombro, permitindo que algumas lágrimas teimosas caíssem sobre o moletom dele. Com a mão livre, Aleksander acariciou meus cabelos e logo depois secou as minhas lágrimas.

— Não vale a pena. — Foi a única coisa que ele disse, mesmo assim, pude sentir o ódio em sua voz.

Continuei ali, recebendo o afago dele em silêncio até que o sinal tocou, anunciando a hora de retornar para a aula.

— Quer matar essa? — Perguntei.

— Como se precisasse perguntar. — Deu risada. — Mas e ai, Finley?

— Ah, qual é! Não precisa lembrar dos meus erros.

— Claro que precisa! Esse filho da puta te destruiu e você ainda tem o número dele? — Por mais indignado que estivesse, o carinho não parou em momento algum.

— O número não, mas não posso esquecer onde ele mora.

Nesse momento parecia uma salvação quando nosso celular vibrou ao mesmo tempo.

Lilah: Onde vocês estão?”

Delilah havia enviado uma mensagem em nosso grupo.

Alek: Terraço

Lilah: E pq não avisaram que iam matar essa? Estou prestes a me matar aqui

Lilah: [Figurinha]

Eu: My bad, decidi de última hora

Eu: [Figurinha]

Alek: Sou só uma vítima aqui

— Cala a boca, fudido. — Movi a cabeça para a lateral de seu tronco numa tentativa de mordê-lo.

— Calma lá, Bella Swan. — Disse gargalhando.

— Parece que alguém está por dentro de “Crepúsculo”, hein. — Zombei.

— Experimenta ter uma irmã gêmea birrenta e um pai que faz tudo se ela pedir com jeitinho. — Disse com falso ressentimento.

Aleksander e Delilah sempre se desentendiam por coisas banais, como algum programa de TV que passou durante o fim de semana, ou algum jogo de tabuleiro em família em que Lilah insistia que a vitória de Aleksander foi roubada. Tudo isso me fazia refletir sobre como seria ter uma família funcional.

— Um cigarro de melancia por um pensamento. — Ofertou, com o cigarro entre os dedos. O cara sabia como negociar.

Peguei o cigarro de sua mão.

— Estava pensando como seria ter uma família funcional. — Não hesitei e acendi o cigarro, tragando-o com prazer. Ofereci para o Aleksander, que também aceitou de imediato.

— Do meu ponto de vista… — Ele me devolveu o cigarro e me puxou para sentar entre suas pernas, apoiando minha cabeça em seu peito. — Acho que posso responder a isso.

— Hmm… — Encorajei-o a continuar.

— Tudo é uma maravilha até você não se encaixar nesse modelo, entende? Tipo, saca só a Lilah. Pra ela, é perfeito. Ela tem planos, sabe o que quer, sabe onde está indo e, por fim, sabe onde vai. Agora, pessoas como nós, eu e você… — Ele acariciou meu cabelo. — O que somos? Onde nos encaixamos?

— Não adianta tentar entrar em uma caixa que não te cabe. — Acrescentei.

— Exatamente. Você me entende. Já meus pais… Como explicar para dois ex-alunos de Harvard, com a vida bem consolidada, que não serei médico ou advogado? Já tenho sorte em me deixarem expressar meu amor pela arte em meu corpo. — Percorri com o dedo as linhas de sua tatuagem na mão. — Às vezes, é como barganhar com o demônio pela minha alma. Faço judô, trago medalhas para casa, e eles autorizam e não reclamam das tatuagens.

Ele tinha feito um acordo com os pais: para cada medalha de ouro conquistada em um campeonato, eles autorizavam uma nova tatuagem em um estúdio de sua preferência. Até o momento, Aleksander contava com 23.

— Eu deveria adivinhar como as coisas iriam terminar. Qualquer um que enxergasse bem o suficiente sabia que eles não se amavam. — Confessei.

— Não é bem assim… Em algum momento, eles se amaram, cabeçuda.

Novamente os celulares vibraram.

Lilah: Teste surpresa na próxima aula.

Puta que pariu, viu. Revirei os olhos, joguei a bituca de cigarro para qualquer lado e me levantei. Até pensei em oferecer ajuda para o Aleksander, mas imaginei que ele acabaria segurando minha mão para se levantar, e ambos acabaríamos caindo. Descemos as escadas, e novamente o ajudei a abrir uma brecha no portão para que pudéssemos sair da área interditada. Caminhamos com cautela até que o sinal tocasse, nos escondemos até que o professor saísse da sala e então entramos, dirigindo-nos aos nossos lugares.

— Se não fosse um pensamento nojento, diria que vocês mataram aula pra... — Antes de terminar a frase, o corpo de Delilah tremeu como se sentisse um frio na espinha. — Nah, nojo.

— Ah, qual é. Tu fala como se a gente já não tivesse. — Aleksander soltou a informação no ar, casualmente.

Delilah nos olhava com os olhos arregalados, no limite entre a surpresa e a incredulidade.

— V-vocês já o quê?

— Para de putaria, Alek. A gente estava bêbado e nos beijamos, foi só isso, Lilah. — Tentei tranquilizá-la, percebendo o choque em seu rosto.

— Ah, isso até a gente já fez. — Deu de ombros, como se fosse a coisa mais normal do mundo. E era um fato. Antes do Benjamin, já havia ficado com Delilah algumas vezes nas festas.

— Para de putaria digo eu! — Aleksander pareceu não ter gostado muito. — Minha irmãzinha, cara.

— Qual foi?? — Questionei, ofendida. — Que tu é super protetor eu sei, mas comigo? Doeu.

A conversa foi cortada com a entrada da professora de literatura, que chegou carregando uma pilha de papéis, deixando toda a turma aflita. Não sei onde Delilah conseguia suas informações, mas que continuasse assim. Ela explicou a utilidade do teste, quantos pontos valia e pediu para que uma das nerds da frente distribuísse as provas.

Literatura era uma das poucas matérias na qual eu me dava bem sem esforço algum, então tudo correria bem. A sala estava silenciosa, exceto pelo som de papéis sendo distribuídos e sussurros nervosos dos alunos. Delilah me lançou um olhar cúmplice enquanto passava a prova para Alek.

— Boa sorte. — Sussurrou, sorrindo ligeiramente.

— Preciso de sorte não. — Retruquei com um piscar de olhos.

A professora começou a andar entre as fileiras de mesas, observando cada um com um olhar crítico. Sentia-me à vontade, até mesmo confortável. Peguei minha caneta e comecei a ler as questões, deixando que a familiaridade das palavras me envolvesse.

Aleksander, sentado mais à frente, parecia concentrado, mas eu sabia que sua mente estava longe. Delilah, sempre meticulosa, lia cada questão com atenção. O peso dos últimos dias parecia se dissipar um pouco enquanto eu me perdia na literatura, uma das poucas constantes em minha vida turbulenta.

Quando finalmente terminei, olhei ao redor e percebi que a maioria ainda estava escrevendo furiosamente. Delilah me lançou um olhar de aprovação, enquanto Zayn parecia ter desistido e estava desenhando algo no canto da folha.

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Após o final das aulas, Delilah foi para o seu treino de vôlei e Aleksander enrolou um pouco para ir para o ginásio.

— Vai voltar? — perguntou Aleksander, com um leve tom de incerteza.

— Duvido que me aceitem de volta. — Respondi, soltando uma risada leve. — Vou pro ponto e mais tarde nos falamos.

— Vai lá, pequena. — Ele bagunçou meu cabelo antes de se afastar, desaparecendo no horizonte do corredor.

Respirei fundo antes de iniciar minha caminhada rumo à saída do colégio, mas no caminho fui surpreendida por uma mulher de baixa estatura e corpo magro, mas de maneira proporcional. Seu coque meticulosamente arrumado, sem nenhum fio fora do lugar. Ela me encarava em silêncio com um misto de preocupação, raiva, desespero, alívio… Diversas coisas deviam estar passando em sua cabeça naquele momento, mas nada a impediu de me dar um forte e demorado abraço.

— Desculpa. — Quebrei o silêncio, retribuindo o abraço de imediato.

— Onde você esteve? — Questionou a treinadora June. — Tentei contato com sua mãe, mas foi algo extremamente estranho… Ela falou algo sobre você ter sumido e desligou. O mesmo com seu pai, mas desta vez ele falou que você havia ido embora com a sua mãe.

— É complicado, Sra. Gibbs. — De fato não queria ter essa conversa, muito menos no meio de um corredor.

— Vamos ao meu escritório, precisamos conversar.

O caminho até lá foi silencioso, se não pelos passos graciosos da treinadora, que passou anos treinando sua leveza para os palcos e acabou levando isso para a vida. Os corredores desertos eram um bom presságio de que todos deviam ter ido embora ou estavam em seus respectivos ginásios. Ao passar pelas outras ginastas, não pude ignorar os olhares curiosos e os sussurros entre grupos. Odiava ser o centro das atenções em qualquer ocasião. Após subir as escadas até o escritório, sentei-me em uma das cadeiras disponíveis.

— Não houve substituições até o presente momento, abrimos quatro vagas para o fim de semana. Seria injusto manter a sua vaga reservada com a incerteza da sua volta. Temos garotas talentosas em busca de oportunidades. Já está tudo decidido, não pude esperar mais, não com a confusão e incerteza… — Ela parecia profundamente arrependida da sua decisão. — Onde você esteve?

June vem sendo minha treinadora desde a primeira série, quando eu tinha 6 anos. Conhece minha família e já me ajudou em diversas situações. Então não pensei duas vezes em respirar fundo e contar uma versão resumida e menos dolorosa dos fatos. Apenas contei sobre a traição, sobre a minha fuga e sobre a minha mãe ter ido embora.

— Meu Deus, Willow. — Levou a mão até a boca, em completo choque. — Eu não imaginava…

— Vai ficar tudo bem, June. Sempre fica.

— Sobre a sua vaga, irei fazer o possível para mantê-la reservada e…

— Não. — A interrompi. — Irei competir com as outras, como você mesma falou, existem muitas garotas talentosas em busca de oportunidade. Que vença a melhor.