Beyond

Capítulo 4


Mycroft Holmes olhava o relógio, ansioso. Aquela rua deserta de Londres não podia ser considerada o ponto de encontro perfeito. Perguntava-se porque seu irmão sempre tinha de agir de maneira tão dramática!

A garoa era fina e fria. De qualquer maneira, nem se fosse um dia ensolarado de verão, ele se sentiria mais aquecido na presença de Sherlock, cuja imagem se formou com a parada de um taxi próximo.

Fazia quase um ano que ele não via seu irmão. As tentativas de desculpas nunca foram aceitas. Afinal, Mycroft dera à Moriarty toda a informação para que tudo terminasse como terminou... Para que John e Lestrade morressem...

Sem cerimônias, enquanto se aproximava, Sherlock pegou um cigarro do casaco e o acendeu. Seu irmão tentou não exibir nenhuma reação, fato lido pelo consultor.

—Não se engane, meu irmão. Isso—disse mostrando o cigarro. —não é nenhuma tentativa de te provocar. Eu não preciso disso. O cigarro, por outro lado, desse eu preciso.

Mycroft exibiu seu desconforto dando um leve passo para trás. O olhar punitivo não poderia deixar de incomodá-lo. Por outro lado, o que realmente o chocava era a mudança nas feições do irmão. Por mais sério que fosse, nunca antes exibira tamanha tensão. O divertimento que sentia ao resolver puzzles criminosos fora enterrada com o seu amigo, mas não o seu olhar analítico e a sua capacidade dedutiva. Essas estavam intactas, e assustavam seu irmão.

—O contato que me pediu—disse, sem encarar Sherlock.

Ele agradeceu num aceno com a cabeça e deu meia volta, em direção ao taxi que o esperava.

—Espere, Sherlock! Você está bem?

Sem saber, rira como John riu de Mycroft quando este pedira para que transmitisse suas desculpas pela traição.

John virou-se na cama, descobrindo-se. Tateou o seu bolso, onde normalmente guardava o seu celular. Haviam-no separado dele.

Era evidente, seu celular não funcionaria naquele estranho mundo paralelo. Mas, isso não fazia com que o Dr. Watson, no meio da noite, não sentisse o forte impulso de enviar uma mensagem de texto ao amigo.

"Que conversa foi aquela, afinal de contas?", ele se perguntava e "fiz uma grande merda! Eu tinha que ter me identificado...", concluiu pela milésima vez.

Então, mais uma vez, cansativamente, pensava em como o Sherlock daquele lado devia ser diferente do seu amigo morto. Ao menos, vivera mais dias que o outro. Dias contando com a morte do próprio John.

Sentindo sua cabeça dar um nó, tentou afastar aqueles estranhos pensamentos. E, novamente, cobriu-se e tentou dormir, imaginando que acordaria em um hospital na Boston do seu mundo, pronto para retornar à sua amada Londres.

.o.

Olívia ninou o pequeno Henri antes de colocá-lo no berço. Cansada, foi para a sala e encontrou com a expressão apaixonada do amigo, que, fingindo-se descontraído, disse a ela:

—Quem diria que a Liv se tornaria uma mãe tão dedicada?

Ela sorriu e sentou no sofá:

—Lincoln, eu estava pensando...

—No que?

—Aquele homem que veio do outro lado, John Watson. Eu acho... Eu acho que ele diz a verdade.

Um pouco menos animado, ele deu de ombros. Ela adquirira uma mania impressionante de defender o outro lado, ele pensava...

—Bem, talvez. Isso muda o que?

—Eu não sei. Mas, porque trazer para cá uma pessoa que não é uma peça do quebra-cabeça? Entende?

Lincoln sorriu para ela, percebendo que enquanto ficasse ali, ela estenderia o seu pensamento nas questões do trabalho:

—Liv, vou te deixar descansar, então, por favor, descanse!

Ela se levantou e deu um abraço nele.

—Me ligue se precisar de algo, ok? —pediu ele, não deixando de desejar passar mais tempo sentindo o perfume daquele abraço.

Olívia deu um toque amigo no ombro dele e meneou. Fechou a porta após a saída dele e suspirou. Seria difícil dormir naquela noite.

Lembrou-se das palavras de John: "Você se suicidou". Entendera que se no mundo dela o doutor morrera, no mundo de John quem perecera fora o amigo. Enquanto tomava a rápida ducha, imaginou o quanto seria bom ter uma linha telefônica que ligasse os dois mundos. Odiou-se por perceber que ligaria só para ouvir a voz de Peter, sem dizer-lhe coisa alguma...

Desligou a ducha e sentiu o suave toque da toalha secando o seu rosto. Dar mais uma olhada em Henri, era isso que precisava fazer. Vestiu rapidamente a camiseta e saiu do banheiro. A janela, antes fechada, estava aberta.

Olhou em volta e deu passos para trás para tentar alcançar a arma que deixara no meio de suas roupas no banheiro, mas a voz grossa e gélida fez com que interrompesse sua intenção:

—Minha mira está em você, não se mova.

Ela se arrependeu por ter deixado as luzes apagadas. Podia ver o contorno do alto corpo masculino que a ameaçava. A luz tênue da rua fazia brilhar o único item que ele tinha interesse que ela reconhecesse: a arma que apontava friamente para ela.

—O que você quer?

—Uma explicação. Uma boa explicação—disse o homem de forte sotaque britânico: — Por que uma agente FRINGE sintetiza a voz de um morto para me contatar?

Quando Olívia entendeu que se tratava do homem para o qual John havia telefonado, outro vulto apareceu na janela. No golpe seco e violento da loira, não atingiu Sherlock, que desviou rapidamente e mudou sua mira para ela.

A ruiva aproveitou o momento para alcançar a sua arma, apontou-a para Sherlock. A loira, por sua vez, mirou na sua versão alternativa.

O olhar de Sherlock rapidamente analisou as duas, no rápido relâmpago que surgiu com a chuva que começava a se acentuar: "Cabelos ruivos molhados pelo breve ducha que acabou de tomar, porte de uma agente Fringe, mira para mim, mas encara a irmã gêmea loira com mais receio. As duas tem uma história antiga envolvendo, provavelmente, traição. A irmã está inteira encharcada mas os cabelos estão secos, não chove o suficiente para justificar isso, esteve mergulhada com a cabeça para fora, mas não existem rios por aqui... Ela encara com um olhar de raiva a sua irmã, o que confirma o passado áspero entre as duas. Ela não desejava estar aqui... Apesar das roupas diferentes, provavelmente também trabalha para a polícia ou FBI". O fato de ela ter optado pela janela e não a porta da frente não atraiu muito Sherlock. Culpa de Mycroft, ele imaginava que irmãos deveriam ser estranhos àquela maneira mesmo...

—Uau! —exclamou Peter, permeando a cena com o olhar, ao entrar pela janela.

Liv viu Peter e sentiu seu estômago despencar. "A ruiva traiu a irmã com o namorado dela", percebeu Sherlock.

Mas, antes que qualquer um deles pudesse iniciar qualquer diálogo, um som alto e metálico veio do cômodo ao lado.

—Henri! —gritou Liv, esquecendo-se das pessoas que ali estavam ou da mira para ela apontada, e correu para o quarto como uma mãe desesperada.

O berço estava vazio, a janela fora largada aberta.