Beyond

Capítulo 3


John sentara sobre o duro colchão. Esperava olhando para a porta, fixamente, com sua mente conturbada.

"Por favor, Sherlock, um último milagre por mim... Não esteja morto...", lembrou-se do estranho pedido que fizera em frente ao túmulo do amigo. Imaginava se aquele não era o milagre que ele pediu. Sentiu-se estúpido por não ter conseguido ler inteiramente a notícia. Não que a mídia daquele mundo pudesse ser mais confiável do que a do seu, mas, afinal, em tanto tempo de espera, realmente desejou saber afinal como morrera.

Olívia entrou na sala. Ele desfez seus pensamentos para observar a ruiva. Dissera-lhe que viria o quanto antes. Não permitiriam que aquela ligação fosse feita, mas ela o ajudaria. Ao menos foi o que prometera.

Ela entregou para ele um aparelho que se resumia a um fone de ouvido. Com expressão de dúvida, ele o apanhou. Olívia riu:

—É o meu celular. Diga-me o número que quer chamar.

Foi então que se deu conta: como podia esperar que o número de celular de Sherlock fosse o mesmo que o do seu mundo? Passando por cima do seu raciocínio pessimista e agarrando-se àquilo que parecia ser a única oportunidade que teria de contatar o amigo, disse o número que conhecia à Olívia.

—Essa gravação será gravada—disse enquanto discava.

—Eu já esperava por isso—respondeu, realmente não se importando.

John ouviu o telefone chamar. Um estranho sentimento, que não tivera há semanas, retornou com extrema naturalidade: seu amigo estaria fazendo qualquer coisa importante demais para atendê-lo.

—Vou tentar mais uma vez—disse ela, após a linha cair.

Pessimista, o soldado abaixou a guarda, achando que realmente seria milagre demais e que estava preso em um galpão com um bando de loucos que horas depois venderiam seus órgãos para o mercado negro.

—Alô?

John sentiu o seu sangue congelar.

—Alô? —repetiu a voz do outro lado, após o período de silêncio considerável.

Olívia percebeu o homem passar a mão pela testa e esfregar os olhos:

—Deus! Eu devo estar muito louco...

O silêncio inverteu-se na linha. Sherlock, numa expressão de desentendimento, John imaginava, reconhecera a voz do amigo:

—Quem está falando?

—Você está morto. Você se suicidou! Você é um tremendo cretino!

Num tom que John apenas ouvira Sherlock usar com inimigos, numa voz grossa e ameaçadora como um trovão rasgando o céu, insistiu:

—Quem está falando?

—Que droga, Sherlock! Com quem você acha que está falando?

—Seja lá quem for você, escolheu a voz errada para sintetizar—respondeu, com a mesma calma com a qual tratara o homem que agrediu a Sra. Hudson no 221B, antes de jogá-lo pela janela.

John permaneceu estático por um tempo, ouvindo o vazio da queda da linha, sem conseguir definir bem quais eram os seus sentimentos.

Olívia apanhou o pequeno dispositivo.

—Sintetizar? —perguntou.

—Você sabe... Ele achou que você era outra pessoa usando a sua voz. Você devia ter pensado nisso antes.

—Não dá para fazer isso no meu mundo! —justificou-se, atordoado.

A ruiva se levantou, tendo a certeza de que aquele homem não passava de um civil desavisado. Mesmo assim, ela não podia deixar de pensar que, de alguma forma, ele devia fazer parte de algum esquema.

Deixou o confuso doutor na sela e saiu com a informação que ele nunca daria em um interrogatório comum: o número do celular pessoal de Sherlock Holmes.

.o.

—Isso é, sem dúvidas desconcertante—disse Walter. Passara muito minutos olhando a primeira foto que conseguiu encontrar na pasta que o londrino deixara com eles: Richard conversa com um Observador. Mas, não um dos carecas quaisquer, mas O Observador. Aquele que salvara ele e seu filho na fatídica noite no gelo.

—Vejam isso—chamou Astrid a atenção. —São registros de mensagens telefônicas. Ele trocou pelo menos cinquenta mensagens com um número restrito, ele menciona em algumas que não quer mais tomar cortexephan!

Olívia se aproximou. Ela e Peter leram as mensagens rapidamente:

—Ele parece com medo. Assustado—percebeu ela.

—Então, Viscosin estava ministrando em si mesmo doses de cortexephan. E quem daria para ele?

—A resposta pode ser mais estranha do que esperamos. Vejam—murmurou Walter, passando para eles outra foto: o homem careca entregava para Richard um pacote.

—O Observador estava entregando cortexephan para ele? —estranhou Peter.

—Acessei o e-mail dele! —exclamou Astrid.

—Dessa vez foi rápido—espantou-se Olívia, em tom de elogio.

—Não fiz muita coisa, nosso informante forneceu a senha—declarou, apontando com o olhar uma folha de sulfite com os dados escritos.

Astrid abriu o último e-mail recebido:

"Caro Richard,

A última dose será ministrada amanhã. Espero que entenda que a morte dele é fundamental para o prosseguimento da vida naquele mundo. Fornecerei maiores detalhes no nosso próximo encontro. Por hora, providencie passagens no aeroporto local, você será transportado de lá. Encontre um acompanhante, será necessário para realizar a troca física entre os dois lados.

Conto com a sua colaboração,

Atenciosamente".

—Morte de quem? —pensou Astrid em voz alta.

—John Watson? —arriscou Olívia.

—Isso não pode ser bom! —pensou Peter. —Se esse e-mail foi enviado pelo Observador, ele quer que o outro lado continue.

—E apenas um lado pode continuar—raciocinou Walter. —Será o nosso fim! Olívia, Peter! Precisamos ir para o outro lado impedir os planos deles!

—Mas, com a máquina... —tentou Peter argumentar.

—Não, não! Ele já tem mais de um dia de vantagem, e nós ainda não sabemos como ativá-la! Temos que impedir o assassinato que aquele homem tenciona realizar, ou será o nosso fim!

Engolindo seco, Olívia respondeu:

—Tudo bem. Mas, como vamos fazer isso dessa vez?

—Olive, você é a única maneira de atravessarmos causando o menos dano nos dois mundos.

Ela meneou e abaixou o olhar, obstinada. Walter começou a movimentar-se apressadamente pelo laboratório. Muito cortexephan seria necessário. Peter, exaltado, intrometeu-se:

—Será melhor se eu for junto—ao perceber o olhar aflito do pai, já logo se justificou: —Walter, não quero que Olívia fique sozinha daquele lado dessa vez!

—Não, Peter—começou Olívia. Por mais lisonjeada que estivesse, a simples menção de Peter do outro lado a aterrorizava. —Não será necessário! Não é justo você voltar lá, depois de tudo o que aconteceu.

A franca preocupação com o amado o deixara feliz no primeiro instante, mas quando sentiu o duplo sentido naquela frase, seu olhar se estreitou: não era justo com ele, ou não era justo com ela? Ele tocou em seu rosto para que seus olhos se encontrassem. Alheios às agitações de Walter e Astrid, ambos entraram naquele mundo unicamente deles, e Peter sussurrou:

—Eu amo você, Olívia. Eu amo SÓ você. Nada que aconteça do outro lado vai mudar isso em mim.

Olívia sorriu, envergonhada por um lado, e insegura de outro. Ele a beijou, como simples demonstração de afeto, e ela retribuiu, como se fosse o último beijo antes de tudo mudar...

A leve pigarreada de Walter, seguida do sorriso alegre dele por vê-los juntos, chamou suas atenções:

—Quando vocês estiverem prontos...

As agulhas para a injeção de cortexephan estavam prontas e a porta para o tanque estava aberta. Ela e Peter entraram, mesmo vestidos, e sentaram-se lado a lado, de mãos dadas, envoltos pela água gelada.

—Tem esse papel com endereços anotados. É onde o detetive acredita que o nosso assassino possa querer encontrar a vítima.

Olívia guardou o papel na única parte seca da sua roupa, juntamente com a sua arma. Abraçou Peter, naquele apertado tanque, numa tentativa de relaxamento necessária para cruzar o universo. Ambos desapareceram naquele lado.