Betrayed

Roda gigante


Me arrependo profundamente de ter bebido tanto noite passada assim que abro os olhos, sozinha na cama, coberta até o pescoço. Sinto meu estômago revirar e corro para o banheiro, botando tudo para fora no momento em que alcanço o vaso. Esqueço o desespero de perceber que estou com roupas de moletom, o que significa que alguém me trocou enquanto eu dormia.

Solto um murmuro com pena de mim mesma e sento no chão frio. Minha cabeça lateja incessantemente e meus ouvidos estão com um zumbido. Minha garganta está doendo assim como meus pés, que estão cortados por eu ter andado descalça.

Noite passada parece um borrão imenso e confuso, como se eu usasse óculos e não estivesse com eles na hora em que tudo aconteceu. Mas me lembro claramente de um minuto antes de entrarmos em casa, quando eu caí. Sorrio automaticamente e inclino a cabeça para pensar.

Levanto-me depois de mais alguns segundos e sinto o estômago revirar mais uma vez, mas não vomito mais. Cambaleio e me apoio na pia para não cair. Ergo a cabeça e me assusto com o que vejo no espelho. De uma forma resumida, estou bem parecida com um panda drogado, com os olhos vermelhos, o lápis que escorreu e as olheiras.

Bufo e saio do banheiro. Desço as escadas morrendo de fome, mas mudo de ideia quando vejo Drake e Natalie sentados na mesa. Reviro os olhos e olho para o lado, vendo Max ainda esparramado no sofá com a boca aberta e dormindo. Uma perna dele está em cima do encosto e a outra no chão e seus braços estão abertos. Tenho vontade de rir com a visão.

- Está melhor? – Jack me pergunta surgindo do nada em uma voz gentil.

Minha cabeça apita de dor e eu levo uma das mãos até a têmpora.

- Por que está gritando? – pergunto com uma voz áspera.

Jack vai até a pia, enche um copo com água, pega uma aspirina na bancada e depois me estende tudo aquilo.

- Tome.

Agradeço e engulo o comprimido de boa vontade. Olho para o relógio e vejo que são três da tarde. Vou até Max e chacoalho o ombro dele.

- Acorda – chamo suavemente.

Ele suspira e fecha a boca, porém não acorda. Chacoalho mais um pouco até que ele arregala os olhos e olha para o lado como se estivesse sendo atacado.

- Quê? Ah... Oi, Jen – Max diz e sorri quando me focaliza. Sinto uma sensação boa com isso.

- Oi – respondo. – Temos que devolver a moto pro seu amigo, lembra?

- Ahã, claro – ele esfrega os olhos e se levanta. – Só vou comer alguma coisa antes.

Concordo e vamos até a parte da cozinha. Natalie me encara com uma expressão sentida e Drake abre a boca para me dizer alguma coisa. Dou as costas no último segundo e subo as escadas para trocar de roupa por uma menos amassada. Quando termino, Max e eu saímos e vamos até a moto. Ele me entrega um capacete.

- Então... Gostou da noite de ontem? – pergunta ele.

- Foi incrível – digo sorrindo. – Acho que nunca me diverti tanto num dia só, apesar de não me lembrar de muita coisa.

Ele parece murchar assim que digo a última frase e percebo o que fiz.

- Então você não lembra...? – Max começa, e eu me apresso em explicar.

- Disso sim.

- Que bom. Porque seria um saco se você realmente não lembrasse da melhor parte. – Ele se aproxima enquanto fala e me beija novamente, e eu retribuo animadamente. – Vamos?

Faço que sim com a cabeça e subimos na moto. Ele dirige mais devagar, agora respeitando as faixas e semáforos. Chegamos à casa de Caine depois de uns minutos e Max toca a campainha, sendo recebido quase na mesma hora pelo amigo.

- Até que enfim! Pensei que fosse roubar minha menina. E ainda estou esperando a gostosa que me prometeu.

Demoro para entender que Caine se referiu à moto ao dizer “minha menina”. Max ri e diz que fica devendo uma a ele. Despeço-me de Caine e nós dois demos meia volta para voltar para casa, mas Max faz um caminho diferente.

- Onde está indo? – pergunto franzindo a testa.

- Só me siga. Ainda não aprendeu a confiar em mim? – ele ergue uma sobrancelha de forma encantadora.

Portanto eu o sigo, apenas um passo atrás. Minhas pernas só não reclamam de dor de caminhar meia hora porque estou acostumada com isso. Alguns metros antes de pararmos, eu já posso ouvir o som de pessoas gritando, rindo e se divertindo. Pergunto-me aonde é que ele me levou quando ergo os olhos e vejo o letreiro brilhante de um parque de diversões e a cabine para compra dos ingressos logo em frente.

- Vamos a um parque de diversões? – pergunto o olhando maravilhada, vendo-o tirar a carteira do bolso.

- Sim - Max sorri. – Já esteve em um antes?

- Não – respondo, voltando a olhar para frente. – Eu... nunca tive a chance.

É por isso que estou tão encantada. Minha infância e adolescência foram basicamente tentar encontrar um lugar para dormir e algo para comer. Eu não tinha dinheiro nem como ir a lugares assim, embora eu sempre quisesse. É como se Max tivesse lido minha mente.

Vamos até a cabine e ele compra os dois ingressos. Entramos no parque e eu vou direto até fila da montanha-russa. Esperamos vinte minutos e embarcamos no carrinho. Mantenho os olhos abertos o tempo todo quando o brinquedo começa a se mexer. Sorrio e olho para tudo a todos os momentos, e é simplesmente incrível.

Quando saímos, corro direto para outro brinquedo e passamos horas assim. Paramos para respirar um pouco e eu não paro de sorrir. Max ri da minha felicidade, mas eu não ligo. Ele para em frente a uma barraquinha.

- Vamos pegar algodão doce.

- Algodão doce? – pergunto. – É bom?

- Você nunca comeu um antes? – ele diz indignado.

Dou risada e respondo que não.

- Bem, então já está mais do que na hora de experimentar.

Ele pega dois brancos e me entrega um. Nos afastamos da barraquinha e eu arranco um pedaço do doce com os dedos. Vou levá-lo à boca e me dou conta de Max me encarando com expectativa.

- O quê?

- Quero ver sua reação – diz ele sorrindo.

Reviro os olhos e como o algodão doce. É uma delícia e eu pego mais um monte de uma vez. Voltamos a andar e Max diz:

- Me fale de você.

- Hum – penso. – O que quer saber?

- Não sei. – Ele dá de ombros. – Me conte da sua vida.

- Não é nada muito interessante – respondo. Faço um rápido resumo. – Fui abandonada nas ruas e Drake me achou quando eu ainda era um bebê. Nós crescemos e vivemos juntos desde então. Jack nos achou quando eu tinha dezesseis e cuida de nós até agora. Entrei no ramo dos mercenários por um acaso e depois disso vem o que está acontecendo agora.

Max abre a boca para fazer algum comentário, mas eu olho um ponto a nossa frente e exclamo:

- Ah, Deus, precisamos ir naquele!

Jogo o palito do algodão doce no lixo mais próximo e puxo Max pelo braço até a roda gigante. Ele também joga o palito dele no lixo e esperamos na fila. Quando chega a nossa vez, vou animadamente até o carrinho mais perto e espero a trava ser fechada.

A roda gigante começa a se mexer e eu sinto um frio na barriga. Ela vai devagar, e há somente eu, Max e mais seis pessoas, pois já é quase hora de o parque fechar. Não vi como o tempo passou, mas é possível ver o sol se pondo de onde estamos.

Sinto o tranco do nosso carrinho e inclino para frente. Nós paramos. E no ponto mais alto.

Max e eu olhamos lá embaixo, mas é difícil ver alguma coisa nitidamente. Depois de alguns segundos, um homem grita ao alto-falante. Isso não faz parte do brinquedo. Paramos porque houve um problema. Ele diz que vão tentar resolver isso o mais rápido possível e pede para que fiquemos calmos.

Os funcionários tiram quatro pessoas que travaram nos assentos mais baixos e Max e eu ficamos pendurados a dez metros de altura. Ele encosta as costas novamente e bufa. Volto o olhar para o chão.

- Você não está com medo? – Max me pergunta.

Encosto e também olho para ele.

- Não. Por que eu estaria? Assim posso passar mais tempo com você – deixo escapar e meu rosto esquenta. Ele sorri.

- Pelo menos há um lado bom.

Dou uma risadinha e um vento forte bate.

- Está com frio? – pergunta ele.

- Não, eu... – começo a responder e depois entendo que ele estava tentando ser fofo. Mudo de ideia. – Estou.

Max me abraça de forma protetora e eu encosto a cabeça no peito dele. Uma sensação boa se apodera de mim e eu fico feliz só por estar ali. Não queria que fosse diferente, de nenhum outro jeito.

- Do que você tem medo, Jen? – diz Max de repente.

- Por quê? – pergunto.

- Porque eu sou curioso – responde. – E quero te conhecer melhor.

- Insetos – digo, e isso me faz soar ridícula. Entretanto, é a única coisa em que consigo pensar.

- Só isso?

Não, não é só isso. Não sei se tenho coragem de dizer o que realmente me assusta. E também não quero dizer, não agora, quando tenho que continuar indiferente com ele. Meu silêncio deve dar alguma prova a Max, pois ele continua:

- É algo a ver com Drake, não é?

Assinto quase imperceptivelmente que me pergunto se ele viu.

- Tenho medo de perdê-lo.

Max fica quieto por um tempo considerável.

- E do que você tem medo? – questiono.

Ele dá uma risada seca.

- Você vai achar idiota.

- Como se você não tivesse achado eu ter medo de insetos.

- Certo, certo. Tenho medo de nadar.

Me afasto poucos centímetros para encarar seu rosto. Ele está falando a verdade.

- É sério? – confirmo, e ele faz que sim. – Alguma razão específica?

- Outra hora eu posso contar, mas não agora. Vai estragar o momento – diz Max, dando o assunto por encerrado.

A roda gigante recomeça a se mover e eu pego na mão de Max para sairmos. O gerente nos pede desculpas por todo o transtorno e blá blá blá. Como somos pessoas muito gentis, dissemos que está tudo bem e vamos embora, ainda de mãos dadas.

Em frente a porta da garagem, eu paro e o impeço de entrar por um segundo.

- Obrigada – digo. – Por hoje. Você não sabe o quanto significou. Eu me diverti muito.

- Não há de quê. É incrível te ver sorrindo.

Eu coro pela segunda vez naquele dia. Incrível é o que ele faz comigo, isso sim. Eu pareço uma adolescente apaixonada quando estou perto dele. Mas, de certa forma, é bom.

Então sorrio novamente e nos beijamos antes de entrar.