De alguma forma, consigo me pôr de pé. Sinto que estou tremendo tão violentamente que parece uma convulsão, e não sei se é de frio por causa da chuva, de alívio ou de adrenalina.

Meu olhar encontra com o de Drake, respirando pesadamente a alguns metros de mim. Seus olhos parecem um pouco vidrados, mas sua expressão é de alívio. Tento ignorar seu estado deplorável enquanto corro até ele. Perdeu um pedaço da orelha ainda na outra ilha, foi espancado; agora está mancando por um tiro na perna, seu supercílio foi aberto provavelmente por um soco e ele tem um corte perto do pescoço.

Nos chocamos em um abraço apertado que faz meu ombro latejar. Enterro o rosto em seu ombro e começo a chorar aos soluços. Engasgo com minhas próprias lágrimas, sem ser capaz de controlá-las, sem saber se quero. Sempre odiei chorar na frente dele, mas isso parece não importar mais.

- J-j-ack... e-le... ele... morto... – gaguejo.

- Eu sei, vi quando aconteceu – Drake me interrompe, também com a voz embargada.

Desato a chorar mais desesperadamente. Só não desabo ali mesmo porque os braços de Drake me sustentam.

- Você está vivo – murmuro, despejando as palavras, com a sensação de que tenho de dizê-las para torná-las reais. Eu não perdi Drake. Eu não o perdi.

- Sim – diz ele, rouco. Em outros casos, eu esperaria alguma piada. Desta vez, até Drake parece meio abalado, como eu nunca vi. Lembro a mim mesma que ele também está machucado e decido me afastar.

Max se levanta com dificuldade para vir até nós. Fica de joelhos por um momento, apertando a cintura com força. Então ele começa a andar na nossa direção, e eu vejo que o estado dele talvez seja o pior de nós três. Max deve ter mexido a arma de Vicent quando ele estava mirando em mim, porque o tiro que me era destinado o acertou de raspão na barriga. Sua camisa foi rasgada por uma faca que abriu um corte em seu peito; o lado de sua testa pinga sangue, e ele mal consegue se firmar.

Tudo se apaga de minha mente. Não importa mais o que ele fez. Sei que não deveria pensar assim, mas Max acabou arriscando a própria vida para salvar a mim e a Drake, e, para mim, isso é digno de confiança outra vez.

Antes de me conter, envolvo-o em um abraço, talvez mais forte do que o saudável. Uma de suas mãos contorna minha cintura enquanto a outra tenta estancar o sangramento na barriga.

- Você... me desculpa? – pergunta ele.

- Sim. – Dou um sorriso débil por entre as lágrimas, e Max o retribui, mas seu sorriso acaba se transformando numa careta de dor.

Drake se aproxima, atraindo o olhar de Max.

- Sinto muito.

Drake acena com a cabeça.

- Obrigado.

- Vamos embora – digo.

- Ainda temos que pegar a bomba – diz Max. Tinha me esquecido completamente dela com tudo mais que estava acontecendo.

- Eu vou então – falo. Os dois não estão em condições de andar, e posso fazer isso sozinha. – Fiquem aqui.

Volto até o corpo de Natalie, pendurado na enorme estaca de madeira saltada na parede ao lado dos caixotes. Revisto seus bolsos da calça e da blusa à procura da chave que pegamos na outra ilha. Recupero também a minha faca que ela me tirou. Dou uma última olhada nela antes de me virar para a fortaleza na colina.

Passo pela grade, cujo portão já estava escancarado, e vou até a porta de metal logo em frente. Mais câmeras de segurança estão ali, mas não creio que haja mais ninguém ali dentro. Todos os guardas foram mortos pelo grupo de Vicent Foster.

Assim que encosto na maçanete, ouve-se um clique e a porta destrava. Dou um passo a frente e entro, tomando o cuidado de examinar o local antes de caminhar normalmente. É claro ali dentro, luzes amarelas e brancas fosforescentes iluminando o corredor principal. Alarmes piscando em vermelho ainda estão ligados em alguns pontos ao longo dele, mas, como eu imaginava, ninguém aparece para se preocupar.

Caminho sempre em frente. Não acho que a bomba estará no primeiro piso, mas também não há andares para cima. Entro em uma sala de controle com um monitor que possui o mapa da fortaleza. Teria mais esperança se não o olhasse. Não sei lê-lo, e mesmo se seguisse os pontos luminosos há pelo menos trinta deles em vermelho espalhados pelo prédio. Não tenho a mínima ideia de qual seja a bomba ou o que mais possa estar escondido ali.

Se fosse Drake aqui, tenho certeza de que ele não levaria mais do que minutos para descobrir, mas ele não está. Então tento pensar como ele, como as pessoas que detém a bomba. Eu a colocaria num lugar próximo a mim, nos meus aposentos, bem fundo no prédio para ninguém ter chances de achar.

Vou fazer exatamente o contrário. Pego outro mapa e elimino todos os dormitórios, banheiros, refeitórios e escritórios que reluzem com bolinhas vermelhas. Sobram quatro. Dois três andares abaixo e dois tão profundos que não deve nem haver oxigênio lá.

Começo a andar rápido, sem correr, pois não aguento mais. Dois pisos abaixo, as paredes se estreitam e viram terra. Temo que todo o complexo caia sobre minha cabeça, mas prossigo a um trote acelerado.

- Um passo na frente do outro, inspirar e expirar – relembro a mim mesma, sussurrando no escuro. Sinto-me tão sozinha ali que quase chega a ser medo. Olho para trás. Nada.

Chego ao primeiro pontinho brilhante que decorei e entro na sala. Se eu chorasse agora, não me surpreenderia. Há um cofre ali. Vou até ele, já com a chave acobreada em mãos. Parece pequena aos olhos em comparação ao cofre, mas se encaixa perfeitamente no fecho quando a introduzo.

A porta se abre, revelando uma maleta quadrada preta revestida de couro. Não sei qual o tamanho médio de uma bomba perigosa como a nuclear, mas já ouvi falar que não é grande. Confirmo isso ao tirar a maleta de dentro do cofre, pois gritos de alarmes e vozes robóticas começam a falar nos alto-falantes imediatamente.

- Travas automáticas sendo fechadas, todos os soldados em suas camas. Trancar portas de imediato. Travas automáticas sendo fech...

Corro com o máximo de força que chega às minhas pernas. Grades caem das paredes, impedindo minha saída em vários pontos. Corto caminhos que memorizei no mapa, sem nunca parar de correr. Saio pela porta principal um instante antes de o portão ser fechado.

- Consegui – ofego. – Peguei a bomba. Agora pelo amor de Deus vamos sair desse lugar.

Drake amarrou um pedaço de pano como torniquete na coxa enquanto eu estava lá dentro. Caminhamos lentamente até o helicóptero em que vim com Max. Ele diz estar suficientemente bem para pilotar, e nenhum de nós discute. Não temos outro meio de sair dali, de qualquer jeito.

Ao passar pela janela, checo minha aparência. Meus cabelos estão quase soltos do rabo de cavalo, desgrenhados e sujos. Tenho um hematoma preto no queixo, um vermelho na têmpora e meu rosto está cheio de sangue. Resolvo entrar.

- Vamos voltar para os EUA? – pergunta Max com a voz cansada.

- Não – respondo, guardando a bomba embaixo do assento. – A ilha em que os amigos de... Jack estão. Ainda devem estar lá. – Dizer o nome dele parte meu coração em pedaços.

Max meneia a cabeça em concordância. A porta da cabine do piloto se fecha, e Drake e eu ficamos sozinhos na parte de trás. O helicóptero começa a voar após alguns minutos.

- Deite-se no banco, vou cuidar do seu ombro – manda Drake.

- Não, não precisa, eu estou bem – protesto.

- Jennifer – diz ele com uma voz tão severa que me assusto. – Deixe-me fazer isso por você.

Só assinto, sem querer discutir. Drake arranja uma caixa de primeiros socorros em uma mala. Ele pega minha faca e corta a manga de minha blusa para libertar o machucado. Roxo, inchado, vazando sangue por todo meu braço. Temo que tenha infeccionado depois das unhas de Natalie, mas não faço nenhuma pergunta.

Drake prende meu braço esquerdo com um cinto ao banco para mantê-lo imóvel. Avisa que vai doer antes de enfiar a faca para abrir mais o buraco, um aviso desnecessário. Pressiono a beirada do banco para conter o grito. Solto um soluço, mordendo o lábio inferior. Drake retira a bala com a ponta da faca e a joga em um potinho.

Ele limpa o ferimento com alguma coisa esterilizante tão ardida que me traz lágrimas aos olhos. Eu as seguro. Minha cota de demonstrar fraqueza já se esgotou por hoje, tenho de ficar calma. Fecho os olhos enquanto Drake termina de costurar e enfaixar meu machucado.

- O que vai fazer com a sua perna? – pergunto meio grogue, vendo-o se afastar e guardar as coisas.

- Não se preocupe comigo, monstrinho – diz ele. Fiquei até com saudade de ouvir esse apelido dele. – Posso cuidar de mim mesmo. – Ele dá uma risada seca. – Não é como se pudéssemos ir a um hospital, não é?

- Acho que não – concordo, suspirando. A exaustão me abate, e tudo o que quero fazer é dormir por horas, quem sabe dias.

Drake solta meu braço do cinto.

- É melhor você dormir até chegarmos. Eu te acordo quando pousarmos.

- Tudo bem, então – aceito de bom grado, já fechando os olhos novamente.

Porém, antes de cair totalmente no sono, sinto a mão de Drake em minha cabeça, seus dedos mais delicados do que nunca acariciando meus cabelos. Ele deposita um beijo em minha testa.

- Eu vou cuidar de nós agora, Jen – promete ele em uma voz longe, não tenho certeza se é por ele estar falando baixo ou por eu estar em um lugar muito profundo do mundo dos sonhos. – Obrigado por me salvar. Amo você, irmãzinha.

Meus olhos ficam marejados, e eu quero responder, quero responder mais do que tudo que eu também o amo, que ele é tudo o que eu tenho e sempre tive, que ele é o único que nunca me decepcionou, que entrei em pânico com a possibilidade de perdê-lo nessa missão, que faria tudo de novo para salvá-lo e daria minha vida pela dele; coisas que eu nunca tive coragem de admitir nem para mim mesma. No entanto, minhas pálpebras fechadas escondem mais uma vez as lágrimas contra as quais eu tanto luto, e a escuridão se fecha sobre mim enquanto minha consciência vaga.