Saí de casa após um café da manhã reforçado e o céu já estava clareando. Era uma visão bela e de tirar o fôlego. Mais uma bela pintura que a natureza nos mostrava que na maioria das vezes não prestávamos a devida atenção.

Atravessei a rua principal, preferindo ir caminhar por um lugar mais tranquilo que não possuísse tanto tráfico de carros. Resolvi correr no Canal, um lugar que era composto por várias áreas feitas da mesma forma que servia como um lugar para os ciclistas, para os corredores, para as crianças que brincavam nos parquinhos espalhados por ali e até mesmo para o pessoal que andava de skate e patins que tinha sua própria pista.

A parte pela qual eu caminhava era cercada por flores vermelhas que nasceram nas paredes. Senti um frio ao ouvir passos atrás de mim e me dei conta de que além de pessoas praticando alguma atividade física favorável havia também a presença de assaltantes e coisas piores naquele lugar. Minha avó iria me matar se eu sobrevivesse.

Cheguei até a imaginar meu corpo sendo puxado sem vida de uma vala. Era estranho como pensamos besteiras em poucos segundos quando acreditamos que estamos encrencados.

– Eu sabia que era você, Joia, a reconheci de trás – disse o dono dos passos que eu ouvira.

Virei-me aliviada por não ser nem um assaltante nem coisa pior. Se bem que eu achava que Lucius Yvon era classificado como algo muito pior. Estreitei os olhos enquanto tentava entender o que ele havia dito. Ele ficou parado a minha frente como uma estátua que tem vontade e ama ser estudado. O Lucius usava um short preto e uma blusa cinza de manga curta, que estava ligeiramente molhado assim como o cabelo negro dele que estava grudado no rosto. À luz do sol que se tornava mais clara, os olhos dele pareciam mais negros do que a própria noite e sua pele estava mais pálida do que o normal.

– Espera, você me chamou de joia? – perguntei colocando a mãos na cintura em um hábito antigo.

– Sim, seu nome é uma pedra preciosa, ou não sabia? – ele perguntou para me irritar porque era óbvio que eu conhecia o significado de meu próprio nome.

Fiz algo que era raro: não retruquei.

– O que houve? – ele perguntou surpreso pela minha atitude.

– Estou guardando minha arma para o dia do debate.

Ele riu. Uma risada rouca que mais parecia um cachorro ganindo. Tudo bem. Não era tão canina assim, mas mesmo assim me lembrava de um cachorro.

– Daqui a exatos seis dias estaremos no tablado duelando pelo voto do público – ele disse ainda com um sorriso no rosto. - Vai ser interessante ainda mais se incendiarmos a escola.

Revirei os olhos e voltei a caminhar, o ignorando. Senti algo gelado no pulso que logo se tornou extremamente quente em um conflito de temperatura. O Lucius me puxou pelo pulso me parando a poucos centímetros de seu rosto. Tão perto que pude ver uma sequência de pelos curtíssimos que cresciam no lugar onde fica a barba.

Eu não sentia repulsa por ele e muito menos raiva. Nem chateada eu ficava com nossos embates. E tudo ficou bem claro enquanto estávamos parados estáticos devorando um ao outro com os olhos. Os olhos de Lucius se tornaram mais gentis como se o céu negro que eram seus olhos estivesse se enchendo de estrelas, de pontos luminosos.

– Poderíamos correr juntos – ele propôs com a voz baixa e rouca – Não é sensato que uma Joia como você ande sozinha por aqui.

Ele sorriu. Aquele mesmo sorriso cafajeste e irônico que usava quando se dirigia a mim. E eu só precisei daquilo para relembrar quem ele era.

Lucius Yvon era meu adversário na eleição.

Lucius Yvon era o garoto que mais havia discutido comigo em toda minha vida.

Lucius Yvon era perigosamente sedutor.

E manipulador.

E eu não me renderia a ele de forma alguma. Mesmo que este fosse seu plano para me enfraquecer na disputa.

– Se conseguir me acompanhar – respondi indiferente à corrente elétrica que ainda estava no ar e que se desfez quando ele soltou meu pulso.

Voltei a caminhar sem ser puxada novamente, sentindo ele me alcançando.

Seria uma longa caminhada.