O espelho não era um daqueles comuns, a moldura dele era prateada e possuía intricados desenhos de flores como se um ramo delas houvesse solidificado ao redor daquele plano espelhado. Quando meus pais se separaram nossa casa teve que ser vendida para que o dinheiro dela fosse dividido entre meu pai e minha mãe. Então, ela e eu nos vimos obrigadas a ir morar com minha avó Margô, na mesma casa na qual mamãe e meu tio, Joshua, foram criados para economizar o pouco dinheiro que nos havia sobrado.

Quando viemos morar aqui fiquei com o quarto que pertencera a minha mãe enquanto ela ficou com o quarto do tio Joshua que era grande o suficiente para as coisas dela. Eu fiquei livre para fazer o que quisesse com meu quarto. Pintei as paredes com quatro cores diferentes: amarelo, azul, verde, roxo e vermelho; o que era estranho porque parecia que alguém havia explodido uma bomba cheia de tinta no quarto, manchando as paredes com respingos. Era uma obra de arte que havia sido despertado pela minha sensibilidade artística.

Só que não. Eu estava com raiva do meu pai por ter perdido a Exposição de Artes da escola onde eu havia batido o recorde com três pinturas minhas e chutei os baldes de tinta que estavam no meu quarto, jogando eles, sem seguida, nas paredes. Cheguei até a quebrar os meu pinceis em um acesso de fúria. Desde então eu não pintava mais porque havia tomado à ausência dele como uma ruptura entre o desejo que tínhamos em comum: a pintura. Antes mesmo de falar eu já vivia atolada em tintas por causa dele e ele havia se negado a ir ver os meus quadros que tinham ganhado o direito de estarem em uma exposição. O que serviu para me ferir mais um pouco.

O reflexo do meu rosto endureceu nas feições. Era ruim relembrar o que eu havia perdido e ainda mais o que haviam tirado de mim. Meu pai havia sido roubado de mim pela sua nova família e mais recente, meu namorado havia sido tirado de mim pela minha melhor amiga.

Meu celular começou a vibrar na pia do banheiro. Várias mensagens chegaram uma seguida da outra. Como se houvessem sido cronometradas, o que eu não duvidava que houvesse acontecido. Nas últimas duas semanas, desde que eu havia me tornado candidata na disputa para representante dos alunos, meu celular era bombardeado por mensagens de uma única pessoa: minha secretária, Elli, que comandava minha agenda.

A Elli era uma garota pequena de feições suaves, que usava uns óculos redondos que cobriam boa parte do seu rosto e lhe dava a aparência de uma coruja. Eu a havia escolhido por tê-la sempre visto como organizada e competente e mesmo não sendo amigas ela aceitou minha proposta na hora em que a fiz, afirmando que “as mulheres devem ficar unidas”. Algo que eu concordava plenamente sendo que a Elli era meio que uma espécie de líder do grupo dos cdfs, o que garantia até então o voto deles.

Havia mais grupos que eu teria que alcançar para ganhar o cargo e estávamos trabalhando dia e noite em propostas que pudessem atrair as massas. A Giane também me ajudava e havia até conseguido pessoas para o meu grupo de apoio que incluíam: Sebastian, o nerd; Katrina, aspirante a atriz e Joseph, que era excelente com tecnologias. Todos os cinco integrantes do meu grupo de apoio tinham algo em comum comigo: eles também foram, em algum momento na escola, alvo de fofocas, piadas e agressões e viviam a margem da fama escolar. Por isso nos dávamos tão bem apesar das grandes diferenças que havia entre os nossos modos de pensar. Mas tudo estava bem. Por enquanto.

Li rapidamente as mensagens que a Elli havia me mandado. Mesmo sendo sábado eu estava cheia de coisas para fazer: eu deveria estar às nove horas em um campeonato em um fliperama onde os garotos competiriam pelo troféu de melhores em videogame. Eu não era tão ruim em jogos assim, mas sabia que iria ser massacrada por eles e mesmo assim eu deveria ir e participar de algumas rodadas para mostras “o quão legal eu podia ser e o quão interessada em games eu era”, segundo a Elli que garantia que eu iria ganhar popularidade com o grupo dos jogadores virtuais. Eu tinha que admitir que ela fosse muito inteligente.

Ela havia me passado mais quatro mensagens depois daquele me dizendo em quais lugares eu deveria estar e em quais horários, mas resolvi me focar no campeonato de videogame que era o mais próximo.

Olhei no relógio do meu pulso e vi que ainda não eram nem sete da manhã. E me assustei ao ver que havia acordado tão cedo assim justo no único dia que eu tinha para dormir direito.

Voltei a me encarar no espelho, analisando cada traço minunciosamente: o rosto quadrado; as maçãs do rosto que quando eu sorria passavam a impressão de que eu era bochechuda mesmo eu não sendo; os grandes olhos castanhos médios eu deixava por último porque eu sabia que era a parte que mais convencia em meu rosto: desde criança, bastava eu olhar para alguém com o grau de intensidade dos olhos regulada que eu acabava conseguindo o que eu queria. Eu tinha um olhar profundo onde eu mesma me afogava quando olhava muito para eles. Era uma parte perigosa em mim e que eu cobria orgulhosamente com óculos de grau com armação azul escura.

Olhei novamente para o relógio sabendo que eu tinha tempo para correr e por algum motivo desconhecido eu sentia que algo bom estava prestes a acontecer. Era como se depois de uma tempestade o sol começasse a aparecer rompendo o manto cinza com seus raios de vida.