Saí receosa por sair sem avisar alguém, mas a culpa não era minha. Assim que recebi o endereço de Giane, arrastei comigo o saco de lixo pela casa procurando minha avó para avisar que iria sair, no entanto não a encontrei. Olhei nos banheiros e até no quintal, mas não a encontrei. Deixei um bilhete na porta da geladeira avisando que eu não voltaria tarde. E era o que eu esperava.

O que eu iria fazer não era ecologicamente correto e completamente contraditório porque ia contra as campanhas que realizei na escola contra isto. Se alguém da escola descobrisse eu acabaria perdendo votos.

Senti um aperto na garganta ao lembrar que iria competir para o cargo de representante de turma. Eu não estava nem um pouco preocupada com a responsabilidade, mas sim com o fato de acabar perdendo. Lucius Yvon era três vezes mais popular do que eu: ele fazia parte do grupo dos intelectuais assim como eu, mas, também fazia parte do grupo dos skatistas, dos músicos e ele parecia atrair a atenção de metade da escola. A outra metade dançava na mão do meu ex, e eu agora não fazia parte de nenhuma. Eu teria que trabalhar bastante na minha campanha, algo que deveria ser mais politicamente correto do que o que eu queria fazer com minhas coisas.

Eu não queria ter que pegar o ônibus com um saco para lixo na mão por dois motivos: eu odiava ficar em lugares apertados e eu não estava nem um pouco interessada em atrair mais atenção do que já tive hoje. Optei por ir andando grata pela Giane não morar tão longe. Em menos de dez minutos, minhas longas pernas me levaram a um condomínio aparentemente de luxo. Daquele tipo que a tinta se mantinha impecável e o portão era aberto apenas se você tivesse autorização para entrar ali.

Como se estivesse me esperando, Giane saiu de um vão que se abriu no alto portão de metal. Ela ainda vestia a roupa que usava na escola assim como eu, só que seu estado estava meio trôpego como se ela estivesse bêbada – algo que eu não duvidava.

– Ainda bem que você me ligou. É um saco ficar presa ali – ela apontou para o condomínio enquanto falava embolando a língua.

– Não acha que o seu estado é perigoso para o que vamos fazer? Imagina se você tosse perto do fogo e incendeia o próprio corpo?

– Ai que menina engraçada – ela desdenhou, mas deu um sorriso que se alargou absurdamente – Tem um terreno baldio aqui perto.

Não fomos pegas nem presas. Nem tivemos que invadir lugar algum. O terreno baldio a que a Giane se referira era longe da vista de muito e ficava em um canto muito escondido. Por isso hesitei com medo de encontrar um doido ali. Mas não vi ninguém e logo venci meu medo.

Enquanto o céu passava de um tom azul escuro para negro, as minhas antigas lembranças queimavam em um barril. Crepitavam como línguas de cobra, tentando lamber o céu e devorar as estrelas. No entanto, eu estava decidida a não deixar os meus monstros internos – muito menos os externos – destruírem meus pequenos pontos de luz.

– Quer jantar lá em casa? – perguntei para Giane que parecia a ponto de cair de sono.

– Podemos comer em uma lanchonete aqui perto? – ela parecia insegura – Não quero voltar para casa assim e acho que não consigo andar muito.

– Ok. Seus pais estão em casa?

Ela riu amarga. No entanto, não explicou o motivo e eu vi em seus olhos que não era certo insistir no assunto. Pelo menos não por enquanto.

– Meu irmão está em casa – ela deu de ombros.

Eu não era a única a ter monstros me assolando. Esperamos as chamas concluírem seu trabalho e em seguida jogamos areia lá dentro. O fogo se extinguiu tão rápido como havia sido acendido por Giane e seu isqueiro. Começamos a andar.