Cheguei em casa e a encontrei no mesmo lugar onde a havia visto mais cedo. Vovó estava sentada na beirada da cama, as pernas cruzadas, os olhos atentos em uma das páginas amareladas do álbum de família. Um álbum antigo e empoeirado que nos últimos dias parecia ter se tornado uma presença constante em nossa casa. Margô não era o que se poderia chamar de avó, por ter tido minha mãe cedo ela ainda continuava jovem e com ajuda de tintura para cabelos parecia irmã mais velha da minha mãe. Era um doce e estava sempre ao meu lado até quando eu estava errada.

– Sua mãe não vem esta noite, pediu que você ligasse para ela - vovó disse levantando os olhos escuros para mim.

– Novidade - resmunguei - Pensei que não tivesse me notado.

– Sou velha, não cega - direta e curta, severa, mas com um leve ar divertido estampado na face morena.

Revirei os olhos para pontuar meu falso descontentamento e sua risada me acompanhou até a porta do meu quarto. Passei a mão pela madeira da porta decidida finalmente a pôr um fim naquela história. Dentro do quarto, joguei minha bolsa na cama e abri o saco para lixo negro que havia pegado assim que entrei em casa. Lá dentro, joguei cartas amassadas de tanto que eu as li desesperadamente, alguns ursinhos de pelúcia, fotos que ele e eu compartilhávamos as cenas. Não era fácil deixar tudo para trás, afinal tínhamos passado muito tempo juntos. Não seria exagero dizer que aquilo que jogava ali dentro era uma vida. Vinicius poderia ser um canalha, mas sempre fazia surpresas românticas. Creio que se eu não entrar em um convento, irei fugir de caras que exalem o odor doce do romance.

Amarrei o saco com força dando vários nós como se aquilo fosse me impedir de me arrepender. Liguei para mim mãe, mas - como sempre - a chamada havia sido direcionada para a caixa postal. Minha mãe era médica e havia se afundado até os cotovelos no trabalho quando meu pai nos deixou por uma mulher com a metade da idade dele. Para piorar ou melhorar, não sei ao certo o que isso significa para ela, mamãe trabalha no PS da capital que fica a quase quatro horas de carro, o que muitas vezes serve de desculpas para ela emendar um turno no outro.

Disquei um novo número e a pessoa do outro lado atendeu rapidamente.

– Giane?

–Que coisa, criatura. Mal chegou em casa e já me liga - ela respondeu em tom de brincadeira.

– Você me deu seu número porque quis. Agora aguenta. Preciso de um lugar para queimar algumas coisa inúteis.

– Espera, deixa eu ver se entendi: a garota que faz protestos contra queimadas quer queimar coisas? Isso é contraditório.

– Verdade, mas preciso disso. Pode ser?

– Claro, é disso que gosto.

– De queimar coisas?

– Não, de aprontar. Passa aqui às oito - ela desligou.

Alguns segundos e meu celular começou a vibrar com uma nova mensagem. Giane havia mandado seu endereço.