A recepcionista de cabelos castanhos alisados por química me disse que a senhorita Giane Gábrio estava internada na unidade de terapia intensiva. Aquilo me fez estremecer. Estar naquele lugar só poderia dizer que a saúde de Giane estava precária. Respirei fundo, tentando conter a pressão que sentia nos olhos, que tentava expulsar as lágrimas, originadas de uma dor que eu nem sequer sabia como explicar. Eu só sentia e pronto.

O quarto em que Giane estava era no quarto andar e por lá passei por uma nova recepção, onde um homem calvo, que apenas no olhar me dizia que não me deixaria passar tão facilmente. Ele estava no centro de um balcão circular, me olhando como se eu estivesse pedindo para ele pular de um prédio usando a fantasia de uma galinha. Apresento-me a ele, tentando crer que ele vai me deixar passar sem precisar de mais nada.

– Seu nome não consta na lista, moça - ele diz ainda com aquele olhar.

– Não sou nenhuma terrorista e nem uma assassina. Não estamos em uma série de policiais - falei irritada - Poderia, por favor, me deixar passar?

– Não, moça - ele virou para mim o monitor do seu computador onde estava a lista de pessoas que podiam entrar na área onde Giane estava.

"Apenas família: Xavier Yvon (padrasto); Flora Yvon (mãe; Lucius Yvon [irmão])", estava digitado em uma fonte pequena com um fundo verde.

– Giane é minha amiga e Lucius é meu namorado - falei mentindo absurdamente na segunda parte por ter a certeza de que ele não era mais nada meu.

– Isso não a classifica como parte da família. Sinto muito, moça - ele diz.

– Se me chamar de moça mais uma vez...

– Ruby, o que faz aqui? - pergunta uma voz rouca.

Doutor Richard me olha de seu 1,80m metro com um sorriso de dentes grandes como presas. As regiões abaixo dos olhos estão mais arroxeadas do que nunca, e os fios grisalhos entre os negros denunciava não só sua idade, mas também a exaustão que o trabalho constante lhe provocava.

Richard me era mais familiar do que os móveis da minha casa. Ele e minha mãe eram amigos antes mesmo de entrarem para a universidade de medicina. Meu pai também o conhecia dos tempos da escola, mas nunca havia gostado dele e isso ficava claro em sua expressão carrancuda quando ele estava por perto. Parte disso era a forma cúmplice como Richard e minha mãe se relacionavam, no entanto – e infelizmente – até agora nenhum dos dois havia demonstrado nada além de amizade. Era apenas uma questão de tempo.

– Doutor Richard - saudou o recepcionista amistoso com ele.

– Vim visitar uma amiga, padrinho - falei quase soletrando o que ele era meu - Mas este homem não me deixa passar.

– Ora. Ora. Claro que Marcos a deixará passar agora - ele diz com autoridade e tranquilidade ao mesmo tempo.

– Sim, senhor - fala Marcos com uma voz simpática, mas me lança um olhar ferino - Seu nome?

– Ruby Jason. R-U-B-Y J-A-S-O-N - soletro.

Ele digita com uma rapidez exemplar.

– O que houve com sua amiga, Ruby? - indaga Richard com as mãos nos bolsos do jaleco.

Narro em linha gerais o que aconteceu só pulando a parte anterior ao grito que ouvi e ele se mostra frívolo. Como minha mãe ao falar de Giane.

Marcos me entrega um crachá retangular com meu nome e "visitante" escrito ao lado, acima do nome do hospital. Prendo-o a meu vestido com clipe sem pena de estragar ele.

– Não entendo porque agem tão friamente com isso. Caramba, ela pode morrer, sabia? - falo irritada, pouco me importando com o palavreado.

Richard coloca as mãos em meus ombros e flexiona os joelhos para deixar os olhos castanhos claros na mesma altura que os meus mais escuros.

– Anos trabalhando para evitar a morte nos deixa assim, Ruby. Travamos uma batalha física e psicológica contra nós mesmos para não nos trairmos na hora de agir salvando vidas. Entendo que esteja estressada por tudo que aconteceu a Giane, mas não se preocupe. Conheço o médico que está cuidando dela e ele é um dos melhores nesse ramo. Ela vai ficar bem.

– Promete? - pergunto sabendo que é inútil, mas me consolando por saber que ele prometia sempre o que podia cumprir.

– Prometo, Ruby - ele me solta - Acho melhor você ir antes que a veia na testa do Marcos exploda de raiva.

Saio andando lentamente, à espera de uma explosão.

...

Flora está sentada em uma poltrona bege, diante a uma parede inteira de vidro que mostra Giane inconsciente em uma maca. Ela não me viu, e eu não quis ser vista. Não ainda. Não enquanto não absorvesse o que estava vendo.

Enquanto meu estado havia pedido uma máscara com solução para ajudar a desobstruir minhas vias respiratórias - algo que fazia quando pequena e estava gripada - Giane estava com uma sonda intravenosa no braço direito que injetava glicose.

Havia também um aparelho ligado a seus dedos para medir a oxigenação do sangue. O gás que ela inalara todo aquele tempo poderia acarretar consequências mais letais. E apesar de tentar ignorar, aquele pensamento lateja em minha mente me fazendo tremer.

– Ruby, filha - diz Flora me percebendo parada olhando para sua filha.

Olho para ela reestabelecendo minhas muralhas e vejo o peso da idade sobre ela. Flora continua bela, mas aquela vida intensa que a deixava radiante parecia ter se ausentado.

– Obrigada.

Ela me abraça com uma força enorme e começa a chorar. Espasmos percorrem seu corpo e eu me mantenho com os pés firmes no chão por nós duas.

Deixo Flora chorar pelo que parece uma eternidade até que ela me solta e se recompõe minimamente.

– Lucius deixou isto - ela tira da poltrona em que estava sentada uma flor do campo laranja, com o caule longo e verde intenso.

Meneio a cabeça em agradecimento e os olhos dela relampejam com um pouco daquela luz de outrora.

– Ela vai ficar bem, Flora?

– Cremos que sim. Quando ela acordar vou pedir para Lucius te avisar.

– Obrigada.

Aperto a flor contra o peito e me encaminho para longe, deixando enfim as lágrimas correrem e aproveito o caminho até a saída para me controlar.

Quando encontro Joshua na manhã ensolarada, recostado ao capô do carro da vovó, estou com a expressão neutra e os olhos límpidos.