Entro na sala ao soar do sinal para a segunda aula, quando vejo o professor do horário anterior a uma distância segura. Depois que Lucius me deixou, olhei para o relógio acima da porta da biblioteca e vi que nem se corre eu pegaria a primeira aula. Por isso a matei dentro da biblioteca em meio aos livros amis antigos que minha própria existência e os usei para me transportar a um lugar onde não existiam complicações; Um lugar onde Lucius não existia. Onde minha existência era igual à de um fantasma.

– Não fale comigo. Estou de mal - avisa Giane quando sento ao seu lado no fim da sala.

– Não estou com vontade para conversar - coloco uma sacola parda em cima de sua carteira com seu short limpo e o casaco de Lucius - Agradeço.

Sento em minha carteira e organizo o meu material em cima da madeira lisa do braço da cadeira.

A sala já estava cheia e todos estavam cada um em seu lugar, até mesmo Márcia que muito havia faltado. Ela parecia diferente e até mesmo feliz, algo me incomodou ali sem eu conseguir entender o motivo porque não havia ressentimento em mim.

Viro a cabeça para o local onde Lucius senta normalmente, uma carteira perto da enorme janela de vidro que ocupa dois quartos da parede. Vi apenas sua costa larga sob uma blusa vermelha de mangas curtas e o cabelo negro e liso, sedoso ao meu toque. A palma da minha mão formiga com a lembrança. Como sempre acontecia quando o professor não aparecia ele olhava pela janela, ignorando a conversa de seus amigos. Eu não conseguia entender o interesse que ele tinha para a terra além da janela, que ao longe mostrava algumas partes - as lápides e mausoléus mais altos - do cemitério local, e algumas árvores praticamente iguais.

Tamara, a indesejável número 4 na minha lista, levantou de sua cadeira saracoteando e sentou-se no tampo da carteira de Lucius, com as pernas magras de bailarina saltando de uma saia jeans curta. Quis saber como ela havia conseguido burlar o regulamento daquele jeito para ter conseguido entrar com aquela risca de tecido. Ela passou a mão no cabelo dele, meio puxando seu rosto em busca de atenção. E ele sorriu. Um sorriso cretino. Àquele sorriso que faz as garotas rasgarem a roupa.

– Já voltou a falar comigo? - falei com os dentes trincados, desviando o olhar daquela cena.

– Só para dizer que a culpa é sua - ela falou dura - Você sabe que a culpa de a vaca esquelética estar ali é sua, não sabe?

– Infelizmente - falei rangendo os dentes.

Ela suspira audivelmente.

– Você é uma estúpida - ela grita atraindo a atenção de todos - Uma vaca!

Arregalei os olhos em resposta.

– Esquelética - Giane jogou a sacola que dei a ela em Tamara, que por pouco não caiu da cadeira.

Giane sorriu e acenou para Tamara, que parecia estar se controlando para não bater em Giane.

– O que foi isso? – indagou a bailarina irritada.

– Um novo método contraceptivo – chiou Giane.

– Acho que é um pouco tarde – ela responde com um sorriso audacioso.

– Chega, você duas. Agora – falou Lucius em um tom comedido, aquela voz de líder.

Continuo sem ver seu rosto e me sinto enjoada pelo que Tamara disse “um pouco tarde”, tentando ligar aquilo a alguma explicação que vá além do óbvio.

– Claro, maninho – falou Giane, deixando claro que a última palavra sempre seria sua.

O professor de geografia entra na sala resfolegando como se tivesse corrido uma maratona, seu pouco cabelo estava arrepiado e sua blusa branca com marcas de suor.

– Perdoem-me pelo atraso.

Tamara sorri largamente para o Lucius e beijou sua bochecha, bem perto dos lábios. Ela então vematé Giane e joga a sacola em sua mesa.

– Cuidado comigo, Giane, seu irmão não vai me impedir de te pegar quando minha paciência acabar - ela ameaçou e Giane sorriu cinicamente em resposta - Cuidado também, Jason, não tolero pedras em meu caminho. Vou acabar com você - Tamara sibilou.

– Então venha - provoquei novamente.

– Algum problema aí no fundão? - indagou o professor.

– Não, senhor - fala Tamara e vai assentar-se em seu lugar.

O professor começa a escrever no quadro para pincel e todos se apressam para acompanhar seu ritmo rápido de escrever.

– Você é louca - fala Giane baixinho.

– E você vive perigosamente.

Ela ri disfarçadamente e eu faço o mesmo. É bom ter uma amiga em meio ao caos do ensino médio.

– Acha que aquilo que ela disse é verdade, Gi?

Ela para de escrever, provavelmente recapitulando a conversa que não fora nada amigável.

– Sobre ser tarde para o medo contraceptivo?

Murmuro em resposta.

– Duas coisinhas básicas para você por nessa sua cabeça dura – ela levanta dois dedos com unhas bem pintadas – Meu irmão não come lixo. E segunda, ele gosta de você.