– Todos os alunos que deverão ter educação física neste último horário queiram se encaminhar para o refeitório sem desvios, por favor. - rimbombou a voz da diretora Minerva através de duas caixas pequenas de som nos extremos da sala.

Assim que o professor de Português saiu da sala nossa turma saiu em um caos em direção ao refeitório. Chegando lá vi mais uma turma do nosso ano, a turma em quem Katrina e Sebastian estudam. Katrina correu para nós aos pulos, o vestido azul e rodado balançando em ondas, sem conseguir conter a alegria de ter aula de teatro.

– Ah! - ela deu um gritinho e me puxou para um abraço esmagador.

– Estou duvidando de sua sanidade – falo

– Ela passou as aulas mal se contendo sentada- diz Sebastian.

Os olhos dele brilharam desconcertantes atrás das lentes daquele óculos de armação preta. Até que Sebastian detinha sua beleza, que ia além dos olhos de pedras preciosas, e de seu jeito tímido moderado.

– Como você está? - ele indaga baixo só para mim, dando as costas a Giane e a Katrina, que iniciavam uma conversa.

– Já estive pior.

– Precisa de ajuda, Ruby? - nego com a cabeça - Tem certeza? Posso ajudá-la se você me contar o que houve.

– Relaxa, Tian, eu...

As palavras perdem seu caminho e não consigo trazê-las a tona por causa do susto. Alguém que não vi jogou algo na lateral do rosto de Sebastian, que respingou até em minha roupa. Ele começa a limpar de seu rosto aquela massa avermelhada, que muito se parecia com a carne do nosso lanche e Giane e Katrina tentaram ajudá-lo. Ele nem parecia interessado em conhecer quem fizera aquilo, algo que deixava claro sua experiência com gente daquele tipo grosseiro.

Não limpei os respingos em mim e nem me dei conta de que havia começado a andar até que parei de frente ao Boris, que ria como um maremoto e tinha a mão suja de carne.

– Que foi, balofa, veio defender o namoradinho? - ele gritae desta vez a saliva dele que respingou em mim.

– Vim mesmo - falo com uma autoridade originada da raiva, que me acometia raramente e com força - Dá próxima vez, Boris, que se atrever a mexer com qualquer um dos meus amigos eu acabo com você. Acabo com qualquer indício seu nesta escola. E não me afronte novamente porque não tenho medo algum de você.

Acuei Boris contra a parede, e ele pareceu mais do que nunca um garotinho indefeso. Não gostei de ver seus olhos com medo e menos ainda de ver a expressão de surpresa no rosto de todos que ali estavam. Mas eu gostava bem menos ainda quando machucavam meus amigos e iria a última instância para protegê-los.

Segui do refeitório para o banheiro feminino mais próximo, para limpar o rosto daquele saliva imunda e do carne. Ironicamente era o mesmo banheiro para qual fui quando Boris me fez chorar há tantas semanas atrás.

Entrei em um reservado do banheiro e encontrei papel higiênico, algo considerado na escola o mesmo que acertar na loteria, e voltei para a parte onde havia um largo espelho. Desta vez não me assustei, eu havia ouvido o bater da porta. Lucius estava escorado na pia do banheiro.

– Você a cada dia me surpreende mais - ele fala e pega o papel das minhas mãos.

– Este banheiro é para garotas apenas.

– Sei bem disso - ele começa a limpar os respingos do meu rosto com o papel.

Fecho os olhos, deixando ele livre para fazer seu trabalho, me livrando por enquanto da visão de seus olhos. Quando os abro ele já terminou.

– Por que tem sem que me ajudar, Lucius?

– Eu não sei. É uma espécie de instinto primitivo, quase o mesmo que respirar - ele sorri torto.

Ele joga o papel amassado no lixeiro abaixo da pia e se afasta, sem me olhar novamente.

– Pensei que houvesse desistido de mim - falo adiando sua ida.

– Não costumo desistir do que quero. E não vou desistir de você. Ah - ele se vira para mim com os olhos negros de um predador - Outra coisa: sempre consigo o que quero.

Um tremor balança meu corpo por inteiro e ele percebe que mexeu comigo. Lucius sorri e vai embora.

Uma chama que vai além da esperança renasce em mim, que beira a insanidade e paira no desejo. Algo que faz minhas barreiras caírem.

...

– A candidata a representante de turma, Ruby Jason, propôs a diretoria que fosse criado uma nova atividade para aqueles que não tem interesse na matéria Educação Física. Nós, depois de averiguar bastante, aceitamos o seu projeto e hoje o apresentamos - iniciou a diretora de cima do pequeno palco no extremo do refeitório

– Os alunos que não quiserem fazer Educação Física poderão ocupar o horário vago com uma matéria alternativa, o teatro. Que será repassado pelo professor, Joshua Mont, - apresenta ela com o peito estufado meu tio que acena do pequeno palco no refeitório - a partir de hoje, para esta turma.

– Por que não me disse que seu tio é gato? - indagou Giane arregalando os olhos.

– Porque ele não é - falei por ser a verdade.

Para mim, tio Joshua era apenas isso: meu tio. Sebastian deu um meio sorriso, com o rosto já limpo e um semblante contente que poucos apresentariam. A capacidade que ele tinha de se recompor me assustava.

– Os demais alunos, sigam direto para a quadra onde o professor já está a espera de vocês. Os que tiverem interesse na aula assinem este papel aqui - fala a diretora e seu ajudante, Augustos, passa uma folha de papel presa a uma prancheta junto com uma caneta aos alunos.

Aos poucos os alunos assinaram seus nomes e antes que terminassem a diretora já havia se debandado para sua sala. Mas antes ela passou por mim para me parabenizar, e explicar que havia apresentado meu projeto com receio de que acontecesse aquela interrupção novamente.

– Vou casar com seu tio - iniciou Giane - Vamos nos separar depois de três anos e eu vou ficar com Gustavo, e com a casa.

– Gustavo? - indagou Sebastian.

– Vai ser o nome do nosso gato - ela respondeu.

Só coube a mim e a Katrina rir.