Flores de papel estavam espalhadas pela casa, cada uma de uma cor diferente como vovó achava que Joshua gostava. Sabia apenas eu que ele gostava das flores porque a lembravam de seus casos amorosos. Ele me confidenciara isso, sussurrando, para evitar a censura. Tio Joshua era uma figura. Um cara novo que foi contra todos - inclusive o próprio pai - para seguir seu sonho de atuar, e que vivia sem regras em um mundo que se renovava a cada dia.

Ele era uma espécie em extinção em uma cidade politicamente correta.

– Ele está chegando - falou vovó da porta de casa batendo palmas entusiasmadas.

Era a terceira vez que Joshua vinha visitá-la em cinco anos, desde que vovô morrera. Enquanto vovô esteve vivo, Joshua mal aparecia na cidade e menos ainda ia à casa dos pais, onde foi expulso pelo meu avô. Quando ele voltava para a cidade ficava hospedado na casa dos meus pais, no outro lado do corredor do meu quarto. Ele sempre deixava a luz acesa e nunca conseguia se acostumar ao fuso horário e passava horas e horas contando histórias incríveis para mim, em que se trajava de acordo com o personagem.

Joshua entrou e corri aos pulos para os seus braços abertos. Ele me segurou e foi ao chão. Às vezes, é fácil esquecer que cresci e que ele continua sendo magro, sem excesso de músculos. O corpo do meu tio era delgado de um jeito bonito, mas enfim, ele não era um Lucius.

– Magrelo - gritei em cima dele.

– Você é insegura o suficiente para se ressentir se eu a chamar de gorda? - ele indagou recuperando o fôlego.

– Não. Eu posso suportar.

– Gorda! - ele berrou rindo e rolamos pelo chão da sala ainda abraçados, em uma briga muito falsa, onde ele evitou machucar meu braço.

Rolamos até a mesa de centro e ouvi algo cair. Paramos, sem fôlego, e vimos o vaso azul de vovó rachado no chão.

– Opa - falou Joshua.

– Ótima. Parabéns para as duas crianças da casa - mamãe disse e bateu palmas.

O vaso era de um azul intenso, com salpicos de tinta branca, e a parte quebrada era perfeitamente triangular. Peguei-o sem medo de me cortar e me levantei de um pulo. Eu sabia muito bem o quanto vovó gostava daquele vaso e conhecia meu gênio o suficiente para saber que se fosse algo meu quebrado a casa já estaria caindo.

– Desculpe, vovó. Sinto muito.

– Não tem importância, Ruby, é só um jarro - ela deu de ombros, mas algo no fundo do seu olhar dizia o contrário - O importante é meu filho estar em casa.

– Belas palavras, mamãe - disse Joshua e apertou com força a mãe em um abraço educado.

Levei o jarro para a cozinha aninhado em meus braços como se fosse uma criança. O coloquei sobre a pia e fucei na gaveta do armário maior à procura de cola.

– Olha em cima da geladeira - falou Joshua.

– Ai. - falei apertando com força o peito por causa do súbito aparecimento dele - Por quê?

– O que você procura? - ele perguntou confuso - Cola?

– Ah, claro, Sherlock. Até parece que a vovó guarda a cola no mesmo lugar desde quando você era pequeno e os dinossauros dominavam a terra.

Tio Joshua sem ajuda esticou o braço até em cima da geladeira e arrastou de lá um tubo de cola. Suas sobrancelhas bem desenhadas se ergueram em desafio.

– Que tal?

Balancei a cabeça e levei a cola à parte que precisava de seu poder. Porém, algo escrito no fundo de modo grosseiro como se tivesse sido talhado com uma fúria extrema me fez parar. "A.Y e M.M."

– MM são as iniciais da mamãe quando era solteira. Margô Morgan - diz Joshua atrás de mim.

– Quem é A.Y.? O "e" tem uma conotação quase romântica - digo.

– O nome do pai era Filipe Monts. Talvez AY seja uma amiga. Ou talvez tenha sido um caso passado

– Talvez... É provável - falo mais animada.

– O que vocês estão fuçando? - indagou mamãe nos fazendo pular.

– Nada, maninha - diz tio Joshua.

Abstenho-me de falar e colo o jarro perturbada pelas iniciais eternizadas em seu interior. Havia algo intrigante naquela história, algo que de alguma forma se conectava a outros detalhes. Algo que eu ainda não sabia identificar.

Vovó entra na cozinha e tio Joshua diz que tem uma surpresa para nos revelar. Ele sai da sala piscando para mim e tenho até medo do que aquela cabeça pode ter tramado em seis horas dentro de um avião. Ele volta com um lenço rosa berrante com lantejoulas ao redor do pescoço e o balança de um lado para o outro, com um rebolado de dar inveja a qualquer mulher.

Começo a rir da cara pasma da minha mãe e do resfolegar de vovó. Joshua joga o lenço para ela e solta um beijo. Então ele puxa o elástico que prende o cabelo e o revela mais curto que do que o meu.

– Cortei o cabelo - ele fala e joga o elástico para mim.

– Deus seja louvado! - exclama vovó aliviada.

Não sei se o seu alívio estava no filho não ser homossexual ou no fato dele ter cortado o cabelo. Tio Joshua desde que saíra de casa adotara um estilo de cabelo longo, tocando no ombro, que emoldurava seu rosto de maxilar quadrado. Algo que deixava minha avó irritada.

– Acho que dava para ter cortado mais - falou mamãe.

– Eu acho que não. Era para eu ter o cabelo mais curto do que o seu - falei falsamente magoada para Joshua.

Ele riu. Dobrou-se sobre si e riu sua risada sem som. Aquela risada era tão diferente daquela a qual me acostumara nos últimos dias e que possuía a mesma força de me deixar mais leve.

Senti saudade do pouco que tivera quase que intensamente. Havia uma dor aguda no centro do meu ser que sussurrava aquele nome específico, provocando uma turbulência capaz de me tirar do eixo. Aquilo não deveria acontecer com ninguém. Era incômodo demais.