Lucius estava ao meu lado na terra sem se importar em sujar a roupa, onde se manteve quieto enquanto eu explicava sobre como tinha ido parar ali. Sua capa estava ao redor do meu corpo e ele acariciava a mão que usei para socar o rosto de Vini. O que aliviava um pouco as pontadas que tomavam conta dos meus nós e anunciavam os novos hematomas que ganhei.

– Então Vini foi quem jogou o carro contra a vitrine da loja, e foi de propósito - ele iniciou - E você o socou no rosto.

– Uhum - confirmei deitando a cabeça no ombro dele. - E agora ele me odeia oficialmente.

– E você se sente mal com isso?

– Em parte... O pior é que dói mais saber que ele foi capaz de fazer isso comigo do que ele ser capaz de fazer isso.

– E por que é pior?

– Porque é egoísta me importar mais comigo assim – falei e olhei bem para ele.

Lucius riu.

– Acho que os cientistas deveriam começar a estudar seu cérebro para explicar porque você faz essas conexões.

– Engraçadinho.

Ele sorriu.

O frio, no momento, parecia ser o único que me afetava. Nem Lucius conseguia me tirar daquele mar profundo que eu me deixava afogar.

Olhei para ele e seus olhos estavam mais negros do que nunca novamente, duas grandes órbitas que me atraiam sem deixar espaço para recusa. Ele parecia, de fato, ser a luz no fim do túnel.

– Vamos, você vai acabar congelando - ele falou quebrando o silêncio da noite.

Deixei que ele me guiasse para fora da escuridão e o máximo que consegui fazer foi ignorar o monstro prata usado para me ferir. Lucius e eu tomamos a direção rumo a sua cabana e não me opus, já que eu mais queria evitar era o momento de reencontrar Vini.

Lucius abriu a porta de sua cabana e, quando entramos, acendeu a luz de entrada. O local onde ele estava hospedado com a família era de um tamanho mediano. Aconchegante. A sala com dois sofás confortáveis e uma mesa de centro redonda dividia espaço com a cozinha, que ficava além de um balcão com cadeiras altas.

– Meus pais vão demorar a chegar e Giane também. Acho que ela não vai se importar se você pegar alguma peça de roupa dela - Lucius anunciou com um sorriso no mínimo, duvidoso.

Eu não que nem pensar qual seria o máximo.

– Contanto que eu encontre algo que não seja rosa.

Ele indicou onde ficava o quarto dela e teve a decência de me deixar a sós. As coisas de Giane estavam jogadas por cima da cama simples e a cômoda de roupas estava completamente cheia, em sua maioria por roupas rosa e vermelhas. Ambas as cores que eu menos gostava.

Escolho um short azul, uma raridade, e troco minha calça enlameada por ele torcendo para que caiba em mim. O material maleável se molda ao meu corpo sem resistência. Mas o tamanho me faz enrubescer por não estar habituada a usar shorts curtos como aquele. A blusa não estava tão lamentável nem o casaco que Lucius me emprestara, então não tirei nem um nem outro. E lamentei por a blusa quase chegar ao fim do comprimento do short.

Reencontro Lucius na sala, sentado no chão, recostado em um dos sofás, usando uma bermuda quadriculada que substituíra pela calça de agora há pouco.

– Está com fome? Posso preparar algo para nós.

– Você sabe cozinhar, Lucius? - perguntei surpresa por eu mesma não saber nem fritar um ovo.

– Ora. Ora. Sua surpresa quase me doeu o coração - ele revira os olhos - Vai querer ou não?

– Precisa ser irônico assim? - sentono braço do sofá menor.

– Não tenha dúvidas.

– Não deveria agir assim. Odeio ironia.

Eu a odiava quando era direcionada a mim porque me fazia parecer estúpida.

– Não preciso que me diga como agir - ele se levantou.

– Não me diga você o que devo fazer - cruzei os braços com força sob o peito.

Ele se levantou rindo e foi então que percebi que ele estava brincando. Era a primeira vez que ele fazia isso e minha surpresa me fez dar tapas fracos nele quando se aproximou de mim. Lucius imobilizou meus pulsos finos e seus olhos pareceram me desnudar. Ele chegou perto e me jogou no sofá, minha costa indo de encontro ao outro extremo. Meus batimentos cardíacos estavam elevados.

Estávamos sozinhos.

Se ele era lindo por fora imagina como seria por dentro da roupa.

E meu corpo parecia entrar em erupção...

– Temos que conversar - soltei e o peso da declaração o fez parar no meio do caminho e erguer a sobrancelha negra como se duvidasse do que eu falei.

– A coisa que menos quero fazer agora é falar.

Murmurei uma resposta, mas me arrependi por ter saído como um gemido.

– Bom, estamos juntos ou sei lá que nome se dá ao que temos. Só que caso ainda não tenha percebido nossas vidas em conjunto não eram um mar de rosas - enrolei e ainda gesticulei bastante com a mão, o que o deixou parecido com um gatinho maroto perseguindo um ponto de luz.

– Ah, entendi - ele disse depois de um tempo em silêncio e sentou ao meu lado, comprimindo minhas coxas contra o sofá - Você tem as coxas grossas.

– É não, é? - pergunto irônica voltando a sentar no banco do sofá com o rosto levemente esquentado.

– Achei que tínhamos que esquecer a ironia.

– Esqueça você. Isso não vale para mim.

– Já ouviu falar em direitos iguais? - ele indaga e prende a mão como uma algema em meu tornozelo.

A mão dele rodeou meu tornozelo e isso me fez sentir-me como uma girafa com as pernas finas. Não foi legal.

– Lucius, o que você entendeu? - volto ao assunto principal.

– Que você quer saber como podemos estar juntos depois de tantas brigas. E - ele ergue um dedo - Eu sempre te achei linda, até mesmo quando você usava chiquinhas e uma franja curta...

– Esquece isso, por favor - interrompo rindo daquela época.

– Não dá! É engraçado demais - ele ri ganindo - Enfim, quando Vini começou a namorar você eu pensei que era da laia dele, e foi aí que eu passei a te provocar com mais vontade. O que acontecia antes era meio que birra de criança, quando você usava chiquinhas e eu já era perfeito.

Revirei os olhos e ele me beliscou na perna.

– E essas provocações me fizeram te conhecer melhor. Garota alguma havia batido o pé para mim sem deixar de empinar o nariz como está fazendo agora...

– Eu não faço isso - interrompo novamente.

– Ata, e eu sou o presidente da república. Então aconteceu.

– Só isso? – indago.

– O que você queria? Fogos de artificio saindo do meu peito?

– Tipo isso - dou de ombros.

– Mas não era bem isso que queria perguntar.

Sorrio largamente por ele ter compreendido minha intenção conturbada em meio a palavras que só serviram para distrair e enrolar.

– Você não está comigo por uma espécie de vingança de macho, certo? – olho para ele e baixo os olhos em seguida envergonhada - Certo?

Lucius me puxa para seu colo e ali me sento em paz e segura, sentada sob suas pernas. Ele encosta sua testa na minha e eu fecho meus olhos, sentindo com mais força o cheiro natural dele, algo forte com um leve traço de canela.

– Você é a única para quem posso dizer com total de certeza que não faria algo vil assim - ele termina falando em minha orelha.

Seus lábios quentes e úmidos percorrem meu pescoço e param em minha clavícula, onde ele morde de leve. Abro os olhos, em chamas, o devorando como nunca e ele retribui com a mesma intensidade.

Quando nossos lábios se conectam tudo de mim se desfaz e refaz em um ciclo viciado. Lucius abalara minhas convicções e enevoara minha mente e aquilo era único em toda sua forma e esplender.

Como eu nunca havia experimentado antes.