Chegou – finalmente – a hora de apresentarmos nossos projetos que deveriam começar a ser realizados na sexta que vem, depois do feriadão. O meu projeto era bem simples e bem engenhoso para ganhar votos.

Apenas 30% dos alunos da escola faziam parte de algum dos nossos times, o que queria dizer que eles faziam educação física porque gostavam; havia uma parcela de 15%, que apesar de não ter conseguido se alçar a algum time titular gostava de participar das aulas desta matéria. Uma matéria que nos era obrigatória e que poderia ter como resultado a reprovação de qualquer aluno. 50% dos alunos participavam das aulas de educação física de má vontade, e os 5% que sobravam eram compostas por alunos que detinham um atestado médico – como eu, que atestava minha miopia mesmo sabendo que isto não atrapalharia muito se eu realmente quisesse fazer educação física.

Meu projeto consistia em uma nova opção para o 50% que se sentia obrigado, o que os libertaria, pelo menos um pouco. Propus para a diretora que as aulas de teatro fossem retomadas e inseridas nos horários que haveria aula de educação física, que no nosso caso eram no turno oposto ao das nossas aulas normais, ou seja, à tarde. Elli me ajudara na argumentação e ela fora tão esperta que me aconselhara a falar antes com o professor de educação física, Ricardo, que aceitou mais rápido do que eu pensava ser possível. Afinal, há anos que ele reclamava dos alunos que iam para sua aula de má vontade e que só faziam atrapalhar.

A diretora também aceitou minha proposta e começou a discursar sobre o poder do teatro. Enquanto isso, Elli e eu segurávamos risadas cumplices porque ambas sabíamos que os alunos preferiam um lugar fechado com ar condicionado do que uma quadra ou um campo, independente do que fosse ensinado no local. Até professor de teatro eu arranjei e teria a nobre tarefa de guia-lo até a escola, que não seria nada suspeito porque ele era meu tio, Joshua, que estava voltando para nossa cidade após mais um dos seus períodos dedicados a percorrer o mundo. Meu tio ainda era novo, apenas dez anos mais velho do que eu e oito mais novo do que minha mãe e já havia concluído a faculdade de teatro.

Pelas normas da escola, Lucius iria apresentar seu projeto antes do meu, o que aumentava minha ansiedade para a minha apresentação. Giane havia tirado fotos do teatro, de forma a deixa-lo convidativo e eu iria expor aquilo enquanto falava sobre o meu projeto. As fotos realmente haviam saído muito boas e todos ficaram surpresos porque ela parecia ter o dom para a coisa e foi impagável a cara da Elli de surpresa.

– O meu projeto é simples, mas o fiz pensando no melhor não para vocês ou para mim – Lucius começou de forma solene – Mas no melhor para as crianças órfãs de nossa cidade e no melhor para os animas abandonados.

O projetor multimídia estava ligado e fotos do Orfanato da cidade e do Abrigo de animais apareciam no pano branco centralizado atrás de nós, de modo que todos pudessem ver.

– Preparei para o decorrer do ano eventos que serão preparados por todos nós, os alunos, com a finalidade de arrecadar dinheiro para estes lugares. Assim como me disponibilizarei a coletar nomes das pessoas que quiserem ter uma participação mais ativa como voluntários destas instituições, seja para levar os cachorros para passear, ou seja, para ler histórias para as crianças. O que peço é a contribuição de vocês – ele deixou de parecer um homem sonhador e passou a sorrir ironicamente como aquele garoto que amava me irritar – E claro que serão recompensados com cartas de recomendação para suas futuras faculdades, para pesar em seus currículos, ou como a diretora garantiu, para ajudá-los caso precisem de alguns décimos em alguma matéria.

Assim que Lucius terminou de falar, uma ovação foi ouvida como um raio dentro daquele lugar. Um raio carregado de ânimo e esperança, de ajuda ao próximo. Aplaudi freneticamente e Lucius olhou para mim assustado, mas isto não me conteve. Senti tanto orgulho dele e do que ele planejara. Não desvalorizei o meu projeto, mas o dele mesmo que tocasse muito bem também no interesse dos alunos, faria com que eles fizessem algo de bom. Pouco me importei com os votos que ele, com certeza, já ganhara porque ainda fervilhava de orgulho.

Um sentimento que nunca esperei sentir justo por ele. E foi com felicidade que percebi que Lucius deveria estar lá fora, ajudando a melhorar o mundo. Fiquei fascinada.

– Senhores, senhoras e senhoritas, eis que ainda temos uma candidata para expor seu projeto – falou a direto vermelha de animação depois que todos se acalmaram.

– Sei que meu projeto perto do que foi apresentado pelo Lucius não vai ser tão altruísta, na verdade, talvez não seja nenhum um pouco altruísta – iniciei ignorando o que eu havia ensaiado para dizer e tive que ignorar, também, a Elli que parecia que iria me fuzilar com os olhos por que eu não estava seguindo com o planejado – E mesmo assim tenho convicção de que irão gostar mesmo assim.

– CORNAAAAA. COORNA – gritava uma voz que não saberíamos dizer se era de homem ou de mulher porque era uma mistura horripilante das duas.

Isto se repetiu estridentemente como um mantra e pelo canto do olho vi que o projetor havia sido ligado novamente. Na tela branca que antes tivera tantas imagens comoventes estava uma foto minha, com os olhos vermelhos e um par de grotescos chifres saindo da cabeça. Todos gelaram. Eu gelei e tudo pareceu acontecer lentamente.

Sebastian despertou e correu para o fim do teatro onde estavam sentados os gêmeos do Lucius, Tina e Tony, que pareciam estar muito bem. Tina olhava para mim com seu rosto fino de uma forma desafiadora e foi aí que percebi que ela havia planejado aquilo. Os gêmeos loiros e pequenos que pareciam um par de ratos haviam planejado aquilo e agora não mexiam um musculo para acabar com aquilo. Sebastian chegou à mesa, mas parecia não conseguir acabar com aquilo.

Tudo continuava silencioso, daria para ouvir uma agulha caindo no chão. Uma mão gelada segurou a minha de forma acalentadora e sem virar soube que era o Lucius. Minha primeira vontade foi sair de perto o acusando de ter planejado aquilo, mas eu sentia que não havia sido ele e eu confiava nisto.

Sebastian ainda lutava com os aparelhos que haviam sido travados, de modo maquiavélico, naquele som absurdo e cruel. Joseph correu para ajudar desesperado, mas antes de chegar lá vi Ana, que tinha faltado à semana inteira de aula. Ela estava vestida de preto dos pés a cabeça, apenas sua bota ortopédica na perna que havia sofrido com o acidente naquela loja de quadrinhos se destacava na cor azul escuro. Então ela levantou a muleta que usava para andar e golpeou o notebook dos gêmeos e o projetor da escola os reduzindo num golpe preciso a apenas sucata. O som acabou com um chiado e a montagem grotesca também sumiu.

Mas o estrago havia sido feito. Não sei o que eu sentia. Eram tantos sentimentos que ficava difícil classificar só um. Nem as pessoas ao meu redor eu conseguia enxergar porque impresso em meus olhos estava aquela minha foto com aqueles chifres horríveis. Em meus ouvidos só chegavam aquele grito de “Corna”.

Larguei da mão do Lucius e corri para detrás do palco. Aos tropeços venci a escada e já estava dentro do banheiro que ficava ali quando ouvi os primeiros passos apressados atrás de mim. Tranquei a porta querendo evitar que vissem o que eu estava prestes a fazer ali.

Então vomitei.