De todas as pessoas que pediram para entrar naquele cubículo que chamavam de banheiro, escolhi Giane. Eu já havia dado um fim no que colocara para fora e tinha certeza de que aquilo não aconteceria de novo. Enquanto alguns, quando ficavam nervosos, colocavam algo para fora por um lado, eu vomitava.

– Você vomitou? – confirmei com a cabeça e ela foi logo tirando um estojo de sua enorme bolsa cor de rosa – Nunca olhos mortais vislumbraram meu quite Disfarçador de Bebum, ou apenas, DB.

Ri. Giane tirou de sua bolsa um enxaguante bucal tão forte que trouxe lágrimas aos meus olhos quando eu o usei para bochechar. Fiquei com ele mais tempo do que eu teria ficado normalmente, porém eu queria mais do que nunca tirar aquele gosto terrivelmente amargo da boca. Quando terminei, Giane me entregou, sem falar, um Halls de melancia.

– Quer conversar sobre isso? – ela indagou sentando na beira da pia de mármore.

– Não tem o que falar – respondi como uma coragem que eu não havia percebido em mim.

– Ótimo – ela parecia aliviada – Odeio dar uma de psicóloga ou psiquiatra. Sei lá. Tanto faz. Nunca entendi a diferença de um para o outro. E também não quero saber, Ruby.

A última frase me fez rir porque eu estivera prestes a iniciar uma explicação sobre a diferença entre psicólogo e psiquiatra. Giane laçou minha cintura e juntas passamos pela porta do banheiro, mas como não dávamos para passar de frente, fizemos isto de lado. O que provocou mais risadas em mim e nela. Era como minha avó sempre dizia “é melhor rir do que chorar”.

Katrina, Joseph e Sebastian estavam ali, mas o que me assustou foi à mãe do Vini, Isabela que estava acompanhada do filho. Katrina, sem dizer nada, me abraçou. Depois Sebastian e Joseph fizeram o mesmo e todos ficamos ali alguns segundos abraçados uns nos outros. Aquilo foi melhor do que rir, ou melhor, do que ditos de “sinto muito”. Gestos eram mais caridosos do que palavras.

– Onde está Lucius e Elli? – indagou Giane assim que o abraço coletivo se desfez.

– Lucius saiu parecendo que iria matar alguém e foi para a diretoria arrancar o couro daqueles gêmeos sem vergonha – falou Joseph, de uma forma que nunca o vimos fazer antes que deixou de lado a indiferença velada de educação, assim como nunca o vi correr desesperado como ele fez há pouco. – E Elli foi junta para ajudar.

– Desculpe interromper – falou Isabela me abraçando enquanto o filho permanecia longe para o meu bem e o bem da Giane.

Várias pessoas apareceram depois de Isabela ter me abraçado e ter ido embora com seu filho. Elas estavam visivelmente preocupadas comigo e tentei a todo custo me fixar na parte preocupadas delas e não na que eu via pena como se eu fosse um animal ferido. A todo o momento eu quis correr para a diretoria onde ainda se encontravam Elli, Lucius, os gêmeos e Ana, que era quem eu mais me preocupava porque eu sabia que a ficha de suspensões dela era grande e tinha receio de o que ela fizera causasse sua expulsão. Ana havia me defendido de uma forma violenta, mas eu estava feliz pelo que ela fizera.

– Vocês poderiam me dar cobertura? – perguntei para as meninas que estavam comigo, Katrina e Giane – Quero ir para a diretoria ver como está a situação da Ana.

– Só da Ana? - perguntou Giane maliciosamente.

– Claro, obrigada, meninas por tudo.

Saí o mais sorrateiramente possível e fui-me esgueirando até em direção à saída. O prédio ficava em uma parte mais elevada do terreno escolar por isso ficava ligado ao resto da escolar por uma escada com cobertura. Ao redor do prédio havia algumas árvores, que eram tão poucas e espaçadas que deixavam margem para se ver a quadra de futsal/basquete/handebol/vôlei e o campo de futebol assim como boa parte do pátio.

Não estava com humor para aguentar as pessoas que desciam pela escada, por isso, fui correndo entre as árvores dando uma volta em formato de semicírculo até que cheguei ao pátio principal, que ficava no lado norte, do lado oposto ao da saída da escola.

Continuei correndo mesmo que fosse proibido. Naquela altura eu não me importava mais em seguir regras que pareciam se aplicar só a mim e não aos outros que tocavam o terror comigo.

– Lucius! – exclamei quando o vi vindo de encontro a mim a alguns corredores da diretoria – O que aconteceu?

– Podemos ir para um lugar mais reservado?

Ele estava sério e por isso, o segui até uma sala que estava vazia. De repente senti um frio na barriga diante a ideia de estar com ele em um lugar vazio e meio escuro como aquele. Foquei-me no que eu precisava saber.

– O que aconteceu? – repeti assim que sentamos um de frente para o outro nas carteiras dos alunos.

– Os gêmeos Torres foram expulsos por mim da minha equipe e a diretora passou uma suspensão de duas semanas para cada um seguido de uma semana de detenção – ele foi logo despejando sem mais rodeios, mas havia preocupação em seus olhos – O que argumentei ter sido pouco, o que eles fizeram deveria ter causado a expulsão deles.

A preocupação nos olhos do Lucius se transformou em raiva e aqueles olhos profundos e negros endureceram. Havia uma tensão que emanava dele. Uma energia regada de raiva que estava se tornado muito familiar para mim. E eu não gostava nenhum pouco disso.

Sem pensar, coloquei a mão no braço dele que relaxou instantaneamente. Ele ainda evitava meu olhar e eu achava melhor assim.

– E o que eu aconteceu com Ana, Lucius?

– Você está mais interessada na Ana do que nos castigo que aqueles dois receberam? Você não quer nem saber o motivo de terem feito aquilo?

Ele olhou para mim e a raiva sumiu por completo. Aqueles olhos eram tão intensos e indecifráveis. Pareciam dois imãs que me puxavam para mais perto dele. E ele estava tão ao meu lado.

Abaixei a cabeça e não falei nada, mas continuei com a mão em seu braço.

– Ela vai ganhar três dias de suspensão e uma semana de detenção depois da aula porque a mãe dela é uma daquelas senhoras do Comitê e garantiu que vai pagar tudo o que a filha quebrou. Sempre gostei da Ana porque ela é alguém com bastante presença de espírito.

Eu não poderia descrevê-la melhor. Levantei-me ainda sem olhar para ele e fui até a porta da sala. Quando achei que estava a uma distancia segura virei para trás. Lucius estava parecendo com um menino que acordara na manhã de Natal e vira que não havia ganhado o presente que queria.

Não ousei pensar o que seria o tal presente, mas lá no fundo eu sabia muito bem o que era.

– Obrigada por ter cuidado de mim quando me machuquei, pelo casaco que me deu e pela flor e por todas às vezes que me protegeu – falei em um tom baixo e suave, um tom que nunca usara com ele.

Saí dali antes que ele pudesse responder e fui andando o mais rápido que pude. Se ele fosse atrás de mim eu tinha certeza de que não me controlaria. Eu havia passado por fortes emoções em poucas horas. De fraca ansiedade ao nervosismo. Do nervosismo ao terror e a humilhação. E o que eu mais queria era ir para casa. Tomar um banho que durasse o tempo necessário para me limpar do que acontecera. E ir deitar na cama da minha mãe com a roupa mais folgada que eu tivesse.

Então, eu a esperaria acordada e contaria a ela tudo que eu estivera tentando esconder. E ela cuidaria de mim melhor do que ninguém.

Assim que pus os pés para fora da escola às lágrimas, minhas conhecidas voltaram aos meus olhos. Não me importei e as recebi contente porque chorar queria dizer que eu sentia e se eu sentia era porque eu continuava com um coração, que apesar de tudo que eu vinha passando continuava capaz de produzir sentimentos.