Minhas mãos congelaram e senti que a qualquer momento eu me trairia e sairia correndo como sempre fazia. Então ousei olhar para o lado e o meu pescoço que estava ligeiramente duro por causa da tensão estalou audivelmente para quem estava no palco ouvir. Lucius olhou para mim e meneou a cabeça, dando um sorriso que pela primeira vez não foi irônico nem indecente. Era um sorriso simples que dizia que tudo daria certo.

Nunca confiei em ninguém inteiramente, mas aquele pequeno gesto que foi direcionado só a mim adentrou a muralha que eu criara entre eu e as pessoas e foi capaz de se grudar em mim como uma promessa. Eu confiei inteira e completamente na certeza de que tudo daria bem.

– Cadeira 3, fileira 7 – anunciou a diretora mostrando o papel branco com o número da cadeira.

Como um ótimo assistente, Augustos foi diretamente para a cadeira anunciada, levando um microfone sem fio. Soltei a respiração quando um jovem que eu não conhecia se levantou e pegou o microfone que lhe fora estendido. Ele estivera sentado na última fileira em um lugar onde nem eu que estava no palco poderia ver. E tudo indicava que ele preferia continuar escondido porque pareceu ligeiramente assustado com a atenção que recebia. Pescoços estavam virados para aquele garoto alto e magro que tremia ao tirar um papel amassado de seu bolso. Ele tentou desamassa-lo, mas logo desistiu e o jogou em sua cadeira.

– Quer sair comigo em qualquer dia desses? – ele me convidou com a voz surpreendente límpida para quem ainda tremia.

Todos riram.

Ousei olhar para o Vini como uma espécie de vingança. Apesar do que Vini me fizera havia pelo menos um que se interessava por mim. Ele quase saltou da cadeira na hora e me encarava descaradamente com a expressão dura. Já o Lucius ria como todos e quando viu que eu o observava piscou o olho direito para mim de modo que só eu pudesse ver.

– Desculpe, mas não estou disponível no momento – respondi quando todos se acalmaram.

– Mas... – ele iniciou e olhou para onde o Vini estava sentado como se fosse contra argumentar.

– Mas nada, Marcos, uma pergunta por cadeira sorteada. Nada mais – o repreendendo levemente a diretora, talvez adivinhando o mesmo que eu.

Marcos entregou o microfone ao Augustos, mas a atenção já estava voltada para o próximo papel que Minerva tirava do globo. Era a vez do Lucius, e mesmo assim uma apreensão de que a cadeira de Vini fosse chamada tomou conta de mim. Lembrei claramente do dia em que encontrei Lucius ameaçando alguém que deduzi ser o Vini. Depois do que a Giane me contara era bem provável que o Lucius soubesse do que Vini fizera a sua irmã. Assim como não seria bom para eu ter uma pergunta feita pelo Vini não seria bom para o lucius também.

– Cadeira 6, fileira 4 – falou Minerva e Augustos correu para lá com suas pernas curtas.

Um garoto usando um boné e roupas folgadas se levantou e o reconheci imediatamente. Ele era ML, ou para sua mãe, Marcos Lucas, mas há anos apenas o chamávamos pelo apelido. ML era um dos amigos mais próximos do Lucius e os dois sempre estavam andando de skate juntos, mas apenas ML parecia ter adotado o estilo skatista. Lembro que até eu usava aqueles tênis coloridos e meio grandes, mas nunca vi Lucius com um. Não que isso quisesse dizer algo.

– Irmão, - ML começou – se você ganhar esta eleição você vai abandonar as competições de skate?

– Claro que não. Desculpe decepcioná-los, mas continuarão a perder para mim na pista – respondeu rapidamente o Lucius e muitos riram.

Até eu ri.

– Cadeira 4, fileira 9 – rugiu a diretora que parecia estar desesperada para que tudo terminasse.

Uma garota sentada ao lado do Vini se levantou e meu coração acelerou de tal forma que só pude ouvir meus batimentos pulsando em meus ouvidos. A garota era Tamara, mais uma amiga do Lucius, só que desta vez ela era alguém que havia deixado claro que queria ser mais do que amiga dele. Todos e até mesmo ele sabiam que ela era apaixonada por ele. Para mim, era difícil tentar compreender porque eles não ficavam logo juntos. Tamara tinha os cabelos lisos e de um tom de castanho natural que era invejado por muitas garotas da escola e seu corpo era delgado, perfeito para o que ela fazia desde pequena, ballet. Assim que tive esta ideia percebi o quão amarga ela seria para mim se se concretizasse.

– Caso ganhe a eleição você garante que vai continuar calma? – Tamara indagou e um silêncio súbito tomou a todos.

As lembranças do dia em que entrei no ateliê do meu pai e destruí suas coisas voltou rapidamente para mim como se houvessem sido despejadas em minha cabeça. No fim do meu ataque de fúria fui tirada do ateliê pelo segurança que me arrastou enquanto eu me debatia freneticamente, o que chamou a atenção de alguns artistas que ainda estavam por ali. Mas a única aluna do estúdio de ballet que continuava naquele lugar era Tamara que viu o meu pequeno espetáculo. No dia seguinte fui à escola temendo que ela houvesse espalhado a história, mas ela não o havia feito e isto me surpreendeu. Diante a pergunta dela percebi que algo havia mudado e que ela usaria isto contra mim.

– É o que pretendo mesmo diante a casos extremos – retruquei friamente querendo responder outra coisa, algo do tipo: é óbvio que posso manter a calma, caso contrario eu estaria em seu pescoço neste momento, porém este era um momento em que minha tranquilidade estava sendo testada.

As perguntas continuaram, mas desta vez não foram tão letais quanto a que recebi. Muitas estavam em um tom bem sério e perguntavam como iríamos agir e o que planejávamos fazer quando a eleição fosse feita. Não houve surpresa alguma e cheguei a começar a ficar entediada. Desliguei-me das perguntas que não me eram feitas e tentei ao máximo ignorar os olhares que estavam em mim.

Márcia era dona de um destes olhares e o que vi apenas em seus olhos era pesar, um pesar que não me fazia sentido. Refleti que talvez o meu olhar transmitisse a mesma coisa quando estava direcionado a ela, afinal, éramos amigas há uns bons três anos e o rompimento do que tivemos havia sido forte para mim assim, como de certa forma, pode ter sido para ela.

Era algo que eu nunca teria certeza porque não queria nunca mais ouvir o som de sua voz. Eu não queria nunca mais as palavras saídas dela. Palavras que há um tempo haviam me divertido e consolado. Mas que agora só me causariam dor.