A semana chegou ao fim mais rápido do que eu queria. Era quinta-feira, véspera do debate escolar e eu sentia que iria cair dura a qualquer minuto. Eu estava muito tensa por ter que falar diante a um público que englobava todos os alunos do período da manhã naquela escola.

O debate se iniciaria no fim da tarde de sexta-feira e eu teria que responder a três perguntas direcionadas apenas a mim, depois haveria um jogo de batata-quente entre eu e o Lucius. Seriam feitas cinco perguntas pelos alunos que deveriam incitar um debate entre Lucius e eu, daí o batata-quente. Para finalizar, ambos deveríamos propor um projeto que deveria ser executado logo na semana seguinte.

Seria moleza. Se eu não tivesse um ataque cardíaco. Ou se um meteoro não caísse na minha cabeça.

– Dá para tocar a tensão que você está exalando – disse Katrina deitada na minha cama lendo uma revista de moda.

– Até eu estou tensa – disse Elli, batendo o queixo, sentada a mesa do meu computador.

– Você sempre está tensa – retrucou Giane sentada na janela.

Como no dia seguinte aconteceria o bendito debate a parte feminina da minha equipe se apossou do meu quarto. Apesar de o meu quarto ter um tamanho considerável eu me sentia sufocada ali com três pessoas. Elli digitava freneticamente no meu computador, mudando a cada cinco minutos o meu discurso. Katrina estava ali para acalmar futuros desentendimentos. Giane estava quase se misturando aos móveis porque não fazia nada além de olhar pela minha janela, onde eu sabia que ela gostava de ficar para observar meus vizinhos, que segundo ela eram “extremantes gatos”.

Tentei abstrair pensando na popularidade que eu havia ganhado por causa daquele sábado. Independente da competição de videogame, todos me conheciam como a heroína a prova de vidros. O que não era brincadeira. Todos só me chamavam assim, em tom sério e eu estava para enlouquecer. Não importava o quanto eu mostrasse meu braço, eles não paravam de me chamar assim. E eu não tinha nada de heroína. Tudo que fiz foi em um impulso humano primitivo que todos possuem. Grandes coisas.

Giane saiu da janela e foi ver as flores que eu havia ganhado na minha cômoda. Eu havia posto a flor que o Lucius me dera em um porta-retratos de vidro que estava preso à parede em frente a minha cama. Meu rosto ruborizou quando vi que ela olhava para aquela flor especificamente.

– Este foi especial, não foi? – ela disse e me olhou como se soubesse quem havia me dado.

– Não sei bem de quem ganhei – menti só que não exatamente, eu achava que havia sido o Lucius, e achar é diferente de saber - Mas coloquei aí porque é minha flor preferida.

Isso não pareceu enganá-la.

– Isto é bom. Esta flor significa equilíbrio. – Katrina falou contente.

– Eu não sabia que flores tinham significado – falou Giane, passando a examinar as outras flores que já estavam murchas e quase que completamente sem pétalas.

– Dá para fazer um livro com todas as coisas que você não sabe – tossiu Elli.

Respirei fundo esperando a bomba explodir, mas não aconteceu. Giane lia um cartão que estava preso ao buquê de rosas vermelhas que eu havia ganhado.

– Já leu este aqui, Ruby? – ela perguntou tão baixo que mal consegui ouvir.

– Não. Mas todos dizem a mesma coisa.

Ela esticou o braço e me passou o cartão cor de creme. Nele estava escrito em uma letra esticada os seguintes dizeres:

“Sinto muito – Vini.”

Puxei bruscamente o cartão da mão dela e senti indignação pelo “sinto muito” hipócrita do Vini. O cartão estivera ali durante alguns dias e eu nem havia reparado que as rosas haviam sido mandadas pelo meu ex traidor. Rasguei o cartão em pedaços e já estava me virando para as rosas quando vi Giane pegando minha tesoura laranja de cima da cômoda e fazendo o meu trabalho. Ela cortou as flores murchas pelo talo e empreendeu uma fúria absurda contra as pétalas.

Entrei no banheiro e joguei o cartão picado no cesto de lixo. Um clique rompeu em meus pensamentos e de repente pude entender tudo. Giane não era uma garota que se comovera com a dor de outra. Giane era uma mulher com ódio de um homem de quem ela gostara ou gostava ainda. Eu não tinha certeza sobre isto. No entanto, minha convicção estava no fato do Vini ser o objeto de afeição dela.

– Vocês ficaram antes ou durante o meu namoro com ele? – quase gritei voltando do banheiro.

Giane olhou para mim parecendo desolada, mas logo esta expressão foi substituída por um semblante de raiva reprimida quando ela entendeu sobre o que eu falara.

– Está com raiva por não o ter sido a única? – ela riu amargamente – Saiba que você não passou de mais uma idiota nas mãos dele.

Toda a raiva que senti do Vini e da Marcia veio à tona quando Giane disse em voz alta o que eu vinha pensando. Vinicius havia me usado como se eu fosse uma boneca de cera, me moldou da forma que queria. E o pior era que eu sabia e havia deixado isto acontecer. Eu sabia disto no meu íntimo, no entanto ouvir alguém gritando aquilo foi dez vezes pior. Ainda mais sendo uma ex dele que até então era minha amiga.

– Assim como você de quem ninguém nunca ouviu falar – destilei isso que pareceu bater na ferida dela.

Os olhos de Giane estavam irradiando fúria e os cabelos vermelhos dela emolduravam seu rosto de uma forma selvagem. Foi a minha vez de rir friamente. Giane jogou a tesoura que ainda tinha em mãos no chão e passou por mim, praticamente marchando. Quando chegou por mim ela me empurrou com o ombro e eu me esquivei no mesmo momento como se ela fosse um bicho peçonhento.

Meu corpo queimava de raiva. Nada importava naquele momento além do que eu sentia.

Deixei aquele sentimento se apossar de mim e fiz o que eu sempre fazia. Fugi.

Atravessei a janela do meu quarto como se ela fosse uma porta e comecei a correr para longe. Antes de virar a esquina pude ouvir Katrina e Elli me chamando de volta.

No entanto isto só me deu mais vontade de seguir em frente. Meu braço voltou a doer com o movimento. Enquanto meu corpo se consumisse na combustão da raiva eu não me importaria com nenhuma dor.