O terceiro horário passou absurdamente rápido e logo o sinal tocou, dando início ao intervalo. Minha mente estava cheia e isto me fizera ignorar a dor latejante em meu braço. Geralmente quando eu ganhava um hematoma ele demorava muito tempo para sumir totalmente e sempre permanecia este período em estado doloroso. Com o corte em meu braço não era diferente e até o movimento que eu fazia com os dedos me causava dor.

– Vamos ao refeitório antes que a veia na cabeça da Elli exploda e suje aquela blusa horrível dela – disse Giane apontando com a cabeça para a Elli que saía da sua sala de aula, que ficava em frente a nossa sala, do outro lado de um enorme corredor cheio de alunos.

Elli Pierce não usava uma blusa horrível. Era apenas uma blusa de manga curta e meio fofa da cor branca que ela usava em cima de uma calça jeans apertada. No entanto, para Giane tudo que a Elli gostava era detestável. Tudo que uma propunha, a outra rechaçava como se fosse a pior ideia do mundo. Eu nunca havia visto duas pessoas tão antagônicas quanto aquelas duas, o que me causava a leve impressão de que daqui para o fim da campanha uma delas acabaria morta.

Elli se encaminhou para mim, a passos dados com pernas curtas, mas rápidas.

– Olá, Ruby e olá para você também – completou Elli lançando um olhar de repúdio para a Giane.

Giane estava prestes a dar língua a Elli como se fosse uma criança de seis anos no exato momento em que Katrina apareceu. Katrina Mort era uma pessoa que resplandecia uma energia positiva capaz de acalmar até a mais selvagem das feras. Era ela quem sempre aplacava as nossas discursões, e por isso, eu sempre a mantinha por perto nestas ocasiões como um trunfo, uma carta na manga. Assim que Katrina se postou entre nós, Giane conteve a língua e Elli pareceu relaxar.

– Olá, meninas – ela disse alegre.

– Olá – respondemos em uníssono.

Katrina voltou seus olhos cor de âmbar para mim e passou a me examinar, mas não como os outros fizeram. Aqueles olhos de felino perscrutavam minha alma sem se prender ao corpo físico. Ela se aproximou de mim e me abraçou com força. Mesmo depois de ela ter me soltado seu perfume floral continuou em minha roupa.

– Ok. Preciso ir ao banheiro. Guardem um lugar para mim – falei.

– Relaxa. Eu compro seu lanche, sinhazinha – disse Giane.

Saí do banheiro e não havia ninguém pelos corredores. Ainda tínhamos um longo tempo de intervalo e o pessoal costumava se firmar no refeitório enquanto alguns casais se escondiam em algumas salas, para fugir do olhar atento das espetoras.

Senti uma compressão no peito quando me lembrei das inúmeras vezes que eu e o Vini fugíamos no intervalo para ficarmos juntos. Até chegamos a matar algumas aulas só para ficar andando por aí, sem destino. Eu não me arrependia depois por causa de trabalhos escolares perdidos porque, na época, aquelas pequenas aventuras valiam tudo aquilo. Pensando agora, eu continuava sem me arrepender.

Passos pesados arranharam o piso, aquele barulho estranho que o tênis vazia em contanto com o chão. Aquele grito de borracha se repetiu e em seguida, ouvi o encontro de um corpo contra a parede.

Meu extinto de proteção gritou para que eu tomasse o corredor oposto, mas o ignorei e segui o som que eu ouvira. Antes de chegar à origem, parei de súbito, atenta a conversa que se iniciara.

– Se você machucá-la de novo vou quebrar você até que ninguém possa mais se apaixonar por seu rosto – sibilou uma voz encharcada de fúria.

A voz pertencia ao Lucius e foi capaz de me entorpecer.

Em um impulso cheguei ao corredor, mas não a tempo de ver o outro cara. Apenas pude ver a porta do banheiro masculino batendo com força. O aroma que ele deixara para trás era perceptível e eu tinha o palpite de que era o Vini que havia sido ameaçado. Eu tinha cravado na memória o perfume amadeirado que ele usava, no entanto não consegui entender em como um aluno do 1° ano conseguia amedrontar um garoto do 3°. Vini era pelo menos 10 cm menor que o Lucius, mas tinha mais massa muscular devido ao jogo de futebol, que ele levava muito a sério. Eu não saberia em quem apostar numa briga devido à incerteza de quem ganharia porque eu conseguia sentir que os dois sabiam brigar. E muito bem.

No entanto, o que mais me assustou foi à forma como o Lucius falara. Ele era meio debochado e irônico, mas sempre se mantinha calmo. Até mesmo quando discutíamos ele nunca alterara o tom da voz.

Olhei para Lucius e não pude distinguir em seus olhos onde começava ou terminava a sua pupila. Era um olhar frio e calculista que só durou alguns segundos. Mas foi o bastante para me amedrontar.

Lucius relaxou em seu olhar, no entanto, sua expressão corporal ainda estava tensa.

– Você está bem? – ele perguntou com a voz rouca e calma.

Ele voltara à forma habitual de agir.

– Penso que estou melhor do que você. Já tomou a antirrábica este mês?

Mordi a língua. Eu era o exemplo de bom senso: o cara acabara de discutir iradamente com alguém e eu o provocava em seguida.

Ele riu.

– Vai, continua. Aproveita que estamos a sós e põe para fora tudo aquilo que desperto em você – Lucius disse prontamente, só que havia determinado tom de flerte em sua voz.

Não gostei daquilo.

– Asco. Repulsa. Dor de cabeça. Revolta. Aversão – a cada palavra eu levantara um dedo da mão direita até que todos estavam esticados.

Ele não pareceu se abalar.

– Ótimo. Mas acredito que deve repetir isto mais algumas vezes para se convencer de que é realmente isto que sente.

Fiquei sem palavras. Ele riu daquele jeito macabro e se afastou a passos largos.

Lucius saiu da minha vista e eu continuava sem conseguir pronunciar sequer uma sílaba.