Os dias viraram semanas, mas era a primeira vez que Ravi via Taekwoon parecendo apressado. Ele desceu as escadas ainda secando os cabelos e carregando uma bolsa pendurada no ombro.

“Estou indo trabalhar”. Taekwoon anunciou tentando terminar de se arrumar na sala. Jogou a toalha molhada no sofá e ajeitou os cabelos de qualquer jeito com as mãos. Conferiu rapidamente o conteúdo da bolsa. Já estava calçando os sapatos quando a voz de Ravi o faz parar o que estava fazendo.

“Já estava me perguntando o que você fazia pra ganhar dinheiro”. Ravi disse desviando os olhos do livro que tinha em mãos.

"Ganho algumas partidas de Go-Stop mensalmente, por isso você não me viu indo trabalhar". Explicou como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Ravi estava de queixo caído, Taekwoon continuou sério.

"Isso não é perigoso ou algo que envolve máfia?". Perguntou entre o empolgado e preocupado. Taekwoon acabou rindo.

“Sou fotógrafo, freelancer”. Explicou.

"Tsc, estava interessante demais pra ser verdade. E onde vai? ”. Perguntou agora fechando o livro, Taekwoon estreitou os olhos acompanhando os movimentos de Ravi.

“Não vou dizer”. Disse defensivamente.

“Por quê? São fotos secretas? Está stalkeando o marido de alguma velha rica? Ou talvez você trabalhe como um agente do governo”.

“Pff, está lendo algum livro policial? ”.

Ravi deu de ombros e abandonou definitivamente o livro.

“Onde? ”.

“Não vou dizer, não quero você me seguindo no trabalho”.

“Você bem que gostaria”. Sorriu debochado.

Taekwoon acenou e saiu de casa. Ravi apenas deitou no sofá e ficou encarando o teto, de repente o livro não era mais tão interessante assim.

“Tic Toc. Tic Toc". Ravi ficou olhando para o teto, mas o tempo não passou mais rápido, apenas se arrastou e ele continuou onde estava, onde sempre esteve desde o começo.

Sozinho.

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"Hyung!". Sanghyuk gritou assim que avistou Taekwoon parado embaixo da marquise enquanto parecia ocupado com o celular. "Hyung, você está com cara de quem está com problemas". Comentou mudando o tom alegre para um preocupado.

Taekwoon guardou o celular e sorriu para o amigo.

"Depende de quanto tempo você tem". Taekwoon foi sincero, ele precisava conversar com alguém e precisava de uma opinião verdadeira. Jaehwan era um ótimo amigo, mas não era imparcial e Hongbin... bom, esse era um dos problemas.

"Para Leo Hyung? Todo tempo!".

Taekwoon riu.

"Então vamos tomar um café enquanto reclamo da vida".

Taekwoon não lembrava exatamente de como havia conhecido o garoto, mas ele estava sempre por perto quando havia um trabalho no estúdio e às vezes mesmo não trabalhando juntos acabavam se encontrando.

Acabaram indo para o café mais próximo que ficava apenas a algumas quadras de distância, era pequeno e discreto. Ultimamente as pessoas andavam procurando apenas os com muitas invenções de sabores, mas não era pelo café que foram até lá. Sentaram numa mesa pequena ao fundo, Taekwoon com uma xícara de chá preto e Sanghyuk com uma de chocolate quente.

"Hyung?". Sanghyuk deu um chute de leve na perna de Taekwoon.

"Me mudei pra uma casa velha para ter um pouco sossego, mas acabei dividindo a casa com um fantasma. Não vejo meu namorado tem mais de um mês e tudo que trocamos são péssimas mensagens. Meu amigo foi me visitar e trouxe flores, mas elas morreram por causa do fantasma e o fantasma é a pessoa com quem eu mais passo tempo e isso não pode ser normal...".

Sanghyuk ficou o encarando de boca aberta, o chocolate quente provavelmente estava frio. Taekwoon bebeu mais do chá como se acabasse de contar sobre a previsão do tempo.

"Hyung... ".

"Então, acho que não sei mais ter uma conversa normal".

"Hyung, o fantasma é o menor dos seus problemas...". Abandou a xícara de vez.

"Como?".

"Em primeiro lugar, nenhum amigo traz flores a não ser que goste de você".

Taekwoon bateu com a testa na mesa.

"Ravi falou a mesma coisa".

"Bom, seu espírito tem bom senso". Taekwoon murmurou alguma coisa incompreensível. "E como ele é?".

"Quem?".

"O espírito, Ravi".

Taekwoon se ajeitou novamente na cadeira, olhava para dentro da xícara como se pudesse ver uma imagem refletida.

"Um pouco mais baixo do que eu, cabelo prateado meio cinza, tem uma maquiagem vermelha embaixo dos olhos, muitas tatuagens...".

"Jovem?".

"Parece ser mais novo do que eu".

"Hyung, sua vida é uma novela". Disse tentando não rir.

"É, mas... acho que não vai acabar bem".

Sanghyuk não precisava estar presente 24 horas na vida de Taekwoon para entender isso. Viver com um fantasma, um melhor amigo apaixonado e um namorado que a qualquer instante seria um ex.

"A segunda coisa... Acho que precisa juntar um pouco mais de coragem".

"Pra que?". Perguntou incerto.

"Para tomar as decisões certas e para aceitar as que o tempo irá trazer".

Taekwoon não precisava ter perguntado, o olhar complacente do mais novo dizia tudo. Aceitar que já não havia mais um relacionamento para salvar, considerar que Jaehwan estava mesmo interessado e o que fazer a respeito... E Ravi? O garoto era um mistério, mas queria saber e se envolver mais?

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Taekwoon aceitou que não iria fazer mais nada de produtivo na cidade, até pensou em passar na floricultura, mas ainda não estava com coragem para ver Jaehwan, se sentia culpado pelas flores, por ele, por Ravi, pela situação toda.

Acabou voltando para casa depois de enrolar no supermercado e de passar num drive thru.

Ao chegar em casa Taekwoon olhou em volta e ficou surpreso de encontrar tudo absolutamente intacto, até mesmo a toalha que ficou largada no braço do sofá. Ravi estava deitado no corrimão parecendo perfeitamente entediado.

“Oh, esperava encontrar tudo revirado, meus móveis do lado de fora e coisas quebradas”.

“Não tem nada nessa casa em primeiro lugar, arranje uns quadros para que eu possa entortá-los ou almofadas nesse sofá duro para eu possa abri-las e jogar penas por todos os lados”.

Taekwoon apenas riu.

“Vá flutuar e limpe aqueles vidros”. Disse apontando para a janela mais próxima, ainda cheia de poeira.

“Eu estou morto, não tenho superpoderes”. Retrucou parecendo preguiçoso.

“Mas você pode desaparecer, já vi você fazendo isso”.

“Sim, mas não é a mesma coisa que flutuar”.

“O que você pode fazer então? ”.

“Nada, já falei que não são superpoderes”.

“Atravessar paredes? ”.

“Não”.

“Tomar o corpo de alguém? ”.

“Não”.

“Ler pensamentos? ”.

“Não, e isso é ridículo”.

Taekwoon deu de ombros, Ravi quem costumava socializar, às vezes falava pelos cotovelos, mas pensando a respeito nunca falava nada sobre o que havia acontecido ou sobre outros moradores.

“E você lembra de algo? ”. Perguntou parando no meio da escada.

“Sobre? ” Se fez de ignorante, mexendo nas unhas pintadas de preto.

“Como aconteceu”.

Ravi repentinamente pareceu distante. “Lembro”.

“As pessoas que você conheceu, talvez eu possa--”. Não conseguiu concluir a frase, pois Ravi se levantou repentinamente.

“Não faça isso”. Pediu com uma expressão cansada, o olhando nos olhos pela primeira vez desde que chegara em casa.

“O que? ”.

“Fingir que se importa”.

Taekwoon queria retrucar, mas... qual seria a verdade? Estava há semanas conversando com o espírito de um garoto, o que já era surreal o bastante. Estava curioso, mas curiosidade não significava que de fato se importava.

Ravi esperou por uma resposta que não veio e desapareceu.

Taekwoon desceu e foi até o piano, mas Ravi não estava lá, nem na biblioteca, ele simplesmente ficava invisível ou realmente desaparecia? Se ele não queria aparecer, então não havia o que fazer.

Seguiu para o quarto e pegou o notebook, decidiu assistir algum filme para passar o tempo, ficou passando pelo catálogo, mas nada era interessante. As vezes olhava para a porta esperando que Ravi aparecesse, ele costuma bater antes de entrar.

Quando Ravi aparecia eles ficavam conversando sobre coisas aleatórias até Taekwoon o expulsar do quarto para dormir. Mas depois de quase dez minutos decidiu que ele não iria aparecer, talvez fosse melhor assim.

Eles não eram amigos.

E talvez um sinal de que Taekwoon não deveria se importar.