Taekwoon afastou o rosto para respirar, talvez Ravi não precisasse, mas ele sim. O fantasma tinha um sorriso que mal conseguia conter.

Eles ouviram o som do piano. O moreno olhou confuso, mas Ravi parecia surpreso.

“Não foi você....?” Taekwoon perguntou sussurrando.

Ravi balançou a cabeça negativamente, ainda olhando na direção de onde vinha o som.

Os dois se aproximaram lentamente, havia uma pessoa sentada na banqueta, alguém que Taekwoon nunca tinha visto.

Um homem de cabelos prateados, pele morena, usava uma roupa social. Ele virou o rosto na direção dos dois, seus olhos eram amarelos.

Ravi ficou tenso e se colocou na frente de Taekwoon como uma barreira.

“O que está acontecendo? Quem é você?” Taekwoon perguntou tentando tirar Ravi de sua frente.

“Prazer em conhecê-lo, pode me chamar de N”. O homem sorriu e se levantou da banqueta, as teclas do piano tocaram sozinhas por um tempo.

Nada mais nessa casa poderia impressionar Taekwoon.

“O que está fazendo?” Ravi perguntou para o estranho. Seu tom era um murmuro que mais parecia com uma súplica.

Ravi era um fantasma, ele não tinha medo de nada.

“Eu vi vocês dois tão próximos, achei que ele fosse alguém especial, capaz de te ajudar”. N soava sincero, com um olhar gentil.

Mas Taekwoon não era idiota.

O que se confirmou ser mentira, porque N abriu um sorriso. Ele estava feliz com a situação e aparentemente ele tinha algum controle em Ravi.

Taekwoon queria entender a situação o mais rapidamente, mas não era como se Ravi tivesse falado muito a respeito, ele não podia falar muito a respeito.

“Não, eu já falei que não é assim”. Ravi retrucou.

N deu de ombros.

“Ajudar em que?” Taekwoon perguntou se fazendo presente.

Ravi se virou eo encarou com um olhar desesperado.

“Em nada, o ignore”.

“Ravi, eu quero ajudar. Eu quero te ajudar”.

“Não, você não entende...”

Não tinham lágrimas em seus olhos, mas eles brilhavam. Seu peito subia e descia como se estivesse respirando pesadamente, mas ele não precisava respirar.

Taekwoon encarou N que parecia muito concentrado nas próprias cutículas, mas ele ergueu o rosto e sorriu.

“Nosso querido Ravi tem uma pequena situação nessa casa, se você já reparou”. Disse apontando para o ambiente em geral.

“É... deu pra reparar”.

“A questão é, Ravi aqui fez uma barganha um pouco alta e ele está preso aqui”.

Cada palavra de N fazia com que Taekwoon franzisse mais o cenho, Ravi novamente se intrometeu, ficando em seu campo de visão.

“Leo, não de atenção pra ele, ok? Eu estou bem aqui”.

N girou os olhos.

“Ravi, está tudo bem, de verdade”. Taekwoon colocou a mão gentilmente sobre os ombros tensos do fantasma.

“Esse clima é um pouco irritante”. N fuzilou Ravi com os olhos. “Vamos conversar a noite, que tal? Qual o nome daquele café maravilhoso? Fantasy? É isso! Esteja lá às 20h”.

“Você pode sair?” Taekwoon não pode evitar perguntar.

N abriu um sorriso contente demais.

“Querido, eu posso fazer muitas coisas. Esteja lá”. A última frase não foi um pedido.

O moreno sentiu um arrepio da nuca aos pés. N desapareceu antes que ele pudesse falar qualquer coisa.

“Leo...” Ravi começou o que parecia um sermão.

“Você não precisa se preocupar comigo, eu só vou ouvi-lo, não é isso que ele quer?”

“Não, é uma armadilha, ele é bom com isso”.

“Quem é ele?”

“É o responsável por eu estar aqui”. Ravi afundou as mãos no bolso e começou a andar pela casa, em direção ao piano.

Taekwoon o viu brincar com as teclas, mas sem tocar uma música completa. Ele se sentou ao lado do fantasma e começou ele mesmo uma música. Ravi nunca havia escutado nada parecido.

“Você está cumprindo a sua promessa”.

“Eu disse que iria não, é?”

“Qual o nome dessa música?”

“Beautiful Liar”.

Taekwoon voltou a se concentrar nas teclas e murmurou algo que deveria ser uma melodia, mas não havia uma letra pronta. Ravi o observou com um sorriso sincero ao final daquele começo estranho.

Mas seu peito doía.

Porque também parecia uma despedida.

“Não fale com o N, você não precisa fazer isso”. Ravi colocou a mão sobre a de Leo o fazendo parar de tocar.

A música também já estava no fim, e o sol estava se pondo, eles não tinham muito tempo.

“Eu quero te ajudar”.

“Você não vai conseguir me ajudar falando com N, ele vai te induzir a algo, e eu não vou estar lá pra te ajudar”.

Taekwoon suspirou. Ele se concentrou nos desenhos e palavras que marcavam a pele do outro, parecia tatuagem, mas poderia ser falso, ele decidiu se concentrar em algo menos problemático.

“Você realmente tinha tatuagens?”

“Não”. Ravi riu, era um bom som. “Era pra festa de Halloween”.

“Bom”.

“Bom?” Repetiu ainda achando graça. “Você não sairia comigo se as tatuagens fossem reais?”

“Eu nem olharia na sua direção”.

E isso foi o bastante para Ravi rir de verdade.

“Ah é? Você deveria se destacar então, porque o seu cabelo é muito comum, você deveria pintá-lo”.

“Vou manter isso em mente”.

Taekwoon o beijou pela segunda vez naquele dia, Ravi queria que durasse para sempre, mas o moreno se afastou rápido demais, com um sorriso como quem pede desculpas.

“Por que parece que você está se despedindo?”

“Eu vou voltar”.

Havia algo não dito, Ravi apenas assentiu.

Taekwoon iria voltar, mas ele talvez não. Mas não iria funcionar, não se Taekwoon ficasse preso naquela casa da mesma forma que ele, seria ainda pior.

E ele não podia falar sobre isso, sua garganta queimava, as palavras não saiam, seu corpo ficava pesado. Ele podia apenas vê-lo virar as costas e sair pela porta principal.

Ele teria chorado se pudesse.

[...]

“Fiquei surpreso com a sua mensagem, bom, não muito... Eu já estava meio que pesquisando a respeito, curiosidade a parte...” Sanghyuk começou assim que o mais velho se aproximou correndo.

Já estava escuro e Taewkoon não tinha muito tempo.

“E você iria me passar a informação em algum momento?” Perguntou pegando o envelope.

“Claro que sim, mas você nunca mais me ligou, por que eu teria que procurá-lo primeiro, hyung?”

“Ok, ok...” Taekwoon puxou o conteúdo, mas eram apenas 3 folhas, ele esperava um pouco mais.

“Tudo que você precisa está aí, não faça essa cara, deu muito trabalho”.

“Sobre a casa e sobre o Ravi, é tudo que preciso. Tenho 30 minutos para encontrar o diabo em pessoa”.

“Posso ir junto?”

A sinceridade e empolgação era tão real que Taekwoon girou os olhos.

“Nem pense nisso”.

“Eu gostaria de viver para sempre...”

“Ele está morto e preso”.

“Eu poderia jogar video-game por toda a eternidade...”

“Escreva o seu livro de ficção e fale comigo a respeito”. Taekwoon estava concentrado passando os olhos pelas informações.

A casa pertencia a um casal, havia uma notícia anexada do jornal local, uma nota não muito grande, algo sobre um acidente no dia 31 de outubro que resultou na morte de uma menina, Kim Jiwon, seu irmão ficou ferido no acidente.

“Ele tentou salvá-la, e a levou para casa”. Sanghyuk disse adiantando as informações e capturando a atenção de Taekwoon que estava com os olhos cheios d’água sem perceber. “Ele achou que ela estava bem porque não havia ferimentos aparentes, mas era interno e ela faleceu caindo naquela escada”.

Taekwoon tinha certeza que Sanghyuk nunca havia entrado em sua casa.

“Eu... Como você...?”

“Você tem que barganhar por algo pra conseguir invocar um Deus, e também tem que ter algo para oferecer”.

“Ele se ofereceu para ficar no lugar dela...? Eu não entendo, Kim Jiwon está viva?”

“Assim como os pais dele”.

“Eles sabem que o filho deles continua lá?”

“Não, eles não tem memória do que aconteceu. É como se ele nunca tivesse existido”.

Taekwoon apertou o envelope.

“Espera, quando isso aconteceu?”

“30 anos atrás”.

Taekwoon olhou em pânico para o relógio que indicava que ele tinha 10 minutos para chegar no café que ficava no outro quarteirão. Era muita informação, e ele não sabia o que fazer com todo esse peso.

“Ah, mais uma coisa. Ele cometeu um erro, ele assinou o nome no contrato. Taekwoon, o seu nome é a sua existência, tenha isso em mente”.

Sanghyuk pegou o envelope e acenou antes de virar as costas e seguir na direção aposta. Taekwoon começou a andar sem prestar atenção, sua mão formigava e ele se lembrou de todas as vezes que subiu aquela escadas.

Mas houve uma vez em particular que chamou sua atenção, a vez em que sentiu que havia algo riscado ali.

Ele conseguia imaginar o cenário, a menina caída na escada e Ravi assinando o contrato apoiado no corrimão.

“Ravi!” Taekwoon basicamente gritou assim que o outro atendeu o telefone. “Eu estou bem, preste atenção, tire uma foto do corrimão! Porque sim! Rápido”.

Taekwoon estava gritando no celular, o sinal piscou de repente e a luz verde acendeu, um carro cortou rápido. Uma garota que vinha logo atrás gritou e assim que o moreno virou o rosto ele apenas conseguiu ver as luzes da cidade antes de ser atingindo.

E tudo virou um mar negro de luzes em neon passando.

Ele ainda escutou o aparelho se chocando contra o concreto, mas ele não sentiu quando seu corpo caiu e rolou.

N estava sentado no café com seus olhos em amarelo brilhando, ele terminou o café antes de se levantar e ir andando lentamente.

Sempre com um sorriso.

O som de seus passos era a única coisa que Taekwoon conseguia ouvir, seu corpo estava caído de lado no chão, seus olhos tentavam procurar de onde vinha o som, a cidade estava desfocada, ele não conseguia ver nada com clareza.

Tudo parecia nublado e desfocado, o som ao redor era um zumbido, menos os passos que cada vez ficavam mais próximos.

Mais próximos, até que entrou em seu campo de visão um calçado social negro e calças sociais e um brilho dourado junto a um sorriso.

N colocou o pé no ombro de Leo e o virou de forma que ele ficou com as costas encostadas no chão, dessa forma ele conseguia ver bem o resto do outro.

“Eu sou o Deus da barganha, então... barganhe”.