Ele estava em algum limbo, a cidade a sua volta parecia que estava em negativo , preta com linhas coloridas, era desagradável, mas mais desagradável era o pé do semi deus em seu ombro e seus olhos brilhantes.

Taekwoon esticou os dois braços no calcanhar de N até o fazer recuar o pé, quando conseguiu se sentou no chão de asfalto que não parecia asfalto, não parecia nada na verdade.

— Eu quero quebrar o contrato do Ravi.

— Uma alma por uma alma.

— Não.

— Não? – N ergueu a sobrancelha. – Então não tem contrato, então Ravi continuará na sua casa, mas talvez você precise me dar algo se quiser voltar.

— Eu não estou morto. – Taekwoon cruzou os braços. – Você está trapaceando.

— E quem está julgando? – N tinha um sorriso divertido.

— Você não é um semi deus? Então honre alguma coisa.

—/-

Ravi encarava o corrimão, ele pegou a câmera e tirou uma foto, mas era apenas o corrimão. O que deveria ter ali? Ele desapareceu e reapareceu sentado no corrimão, como sempre. Isso deveria significar algo, mas ele não conseguia se lembrar.

Ele fechou os olhos e tentou forçar alguma memória, o que ainda havia sobrado, uma garota, ela era o motivo de tudo.

Uma presença pesada faz com que Ravi olhe para a porta de entrada, ele vê o reflexo de alguém pelo vidral, mas não consegue identificar quem está ali, ele se aproxima cauteloso, e de repente um envelope entra pela fresta embaixo da porta.

— O que isso significa?

Nada. A pessoa do outro lado não responde.

Na noite do dia 31 de Outubro, na rodovia do km 678, com a forte chuva que deixou a pista escorregadia fez com que uma moto derrapasse, ao menos foi a informação colhida por um dos envolvidos no acidente que mais tarde, fatalmente levou a morte da adolescente, Kim Jiwon.

O casal de irmãos estava seguindo para uma festa de Halloween, quando o irmão da vítima perdeu o controle. Ele relatou que os dois estavam apenas com machucados superficiais, mas achou melhor retornar para casa, pois a irmã estava assustada.

Peritos relatam...

Seguia a matéria do jornal.

— Eu matei a minha irmã?

Os flases haviam mais sentido agora, a garota em seus braços, a porta de casa aberta, a chuva caindo, eles subindo os degraus e o súbito mal estar que fez com que ela caísse. E a barganha, ele chorou por um deus, qualquer deus que fosse misericordioso e o atendesse.

E ele pagou o preço, uma alma por uma alma, e o local em que ele assinou o contrato...

Ravi tocou no corrimão, ele sentiu o pequeno desnível, seu novo estava entalhado na madeira do corrimão.

Seu contrato havia um erro, ele precisava recuperar seu nome.

— N. Eu sei que você pode me ouvir.

Não era necessário acender velas ou fazer um pentagrama para sumonar um Deus. Era mais simples do que isso. Eles são criaturas que tudo escutam.

Um trovão caiu próximo da casa, N havia o escutado.

Ele precisava que Leo estivesse bem, ele prometeu que voltaria, ele não poderia ser tolo o bastante de vender sua alma. Deveria haver um plano, Leo sabia que seu nome estava ali.

Agora ele só precisava jogar de acordo, mas era como andar numa corda-bamba vendado.

A figura de N surgiu sentado no sofá, de pernas cruzadas e extremamente confortável, contrato em uma das mãos. Ele vestia seu sorriso arrogante de sempre.

— Onde está o Leo?

— No meu escritório, decidi ver o que você queria primeiro, a não ser que fosse pra saber só como estão as coisas, então elas estão ótimas e eu preciso ir. – Ele se levantou ajeitando a roupa.

— Você disse que eu preciso de uma alma, certo? Que alguém assine o contrato. – Ele abaixou o rosto, suas mãos tremiam e ele escutava o próprio coração bater, ele respirou fundo, ele podia sentir o ar escapar.

— Finalmente decidiu usar o Leo? Eu acho que por você ele faria esse pequeno sacrifício. É claro que se você o enganasse e ele tivesse assinado de uma forma mais dramática teria sido mais divertido, mas, como sou um Deus generoso, eu aceito dessa forma. Dois corações tristes que nunca vão se juntar. É poético.

Era patético. Ele nunca mais iria vê-lo, eles nunca mais dividiriam aquela casa. Mas Leo cumpriu sua promessa até o fim, ele tocou a música, ele o fez companhia e de alguma forma, ele o fazia se lembrar de como era ser humano.

Ravi respirou fundo, ele gostava da sensação de voltar a sentir. Do nó na garganta, das borboletas no estômago, não era a presença de N que causa isso, era pensar em Leo.

Ele tinha sorte, quantos anos haviam se passado? Ele poderia ficar naquela casa por mais 100 anos, ele não teria sido essa pessoa.

Ele teria desistido.

— Eu posso vê-lo? Eu quero vê-lo. - Ravi não se importou de soar patético ou da sensação de lágrimas nos olhos. – Por favor.

N fingiu estar apiedado da situação e assentiu. Ele estalou os dedos e de repente eles estavam numa sala de papel de parede com arabescos, muitas estantes com livros e pergaminhos e uma mesa comprida em algum canto.

No teto havia uma pintura do céu, as nuvens se mexiam, haviam anjos e eles voavam carregando instrumentos musicais.

— Gostou? É impressionante, não? É um lembrete.

Ravi achou mais sensato não perguntar do que se tratava o lembrete.

— Ravi!

Ele se virou ao ouvir a voz de Leo, ele estava parado em pé próximo a uma das estantes. Ele foi a seu encontro, quase o jogando para trás ao abraça-lo.

— Ravi, você viu? Voc—

Ravi o beijou. Porque ele precisava. E porque ele precisava que o outro se calasse, ele poderia usar mímica e N seria capaz de reparar, eles estavam no escritório de um semideus.

N girou os olhos, em algum lugar do teto parecia ecoar um melodia de piano e violino. Haviam realmente anjos cantando para eles nesse momento?

— Ok?

— Ok.

Taekwoon segurou a mão de Ravi, os dois se viraram para N que estava sentado em sua cadeira com os pés sobre a mesa.

— Prontos?

Ele se ajeitou na cadeira e empurrou o contrato perfeitamente esticado sobre a mesa.

— Leo-sshi, pode assinar. – E esticou a caneta.

Taekwoon pegou a caneta, sua mão estava tremendo.

— Ravi nunca mais vai ficar preso naquela casa não é? Seu espírito vai se livre, certo?

— Absolutamente.

Taekwoon colocou a caneta contra a linha.

— E sem lembranças. – Completou.

Ravi arregalou os olhos e Taekwoon tirou a caneta do papel.

— Como assim?

— Eu vou libertá-lo, ele tinha um tempo útil, então ele vai viver e cumprir esse tempo, sem memórias da casa ou das pessoas que moraram lá.

Taekwoon encarou Ravi que estava de boca aberta.

— Ah claro. – N deu um tapa na própria testa. – E sem poder entrar naquela casa, nunca mais.

Taekwoon afastou a caneta.

— E o que acontece comigo?

— Você vai morar naquela casa, para sempre. Sua alma é minha pela eternidade. Nós podemos pensar num contrato novo depois de alguns anos se você estiver tão cansado de brincar de assombrar.

Taekwoon soltou o ar.

— Leo, tudo bem. – Ravi esticou a mão, mas Taekwoon assinou o papel rapidamente. – Leo!

— Não, chega. Você ficou lá o bastante. Eu quero que você seja livre.

Ele entregou a caneta para Ravi, era a vez dele.

Kim Wonsik.

Estava finalizado o acordo.

— Eu nunca vou me esquecer de você.

Eles se abraçaram, Taekwoon o apertou uma última vez enquanto lutava contra as lágrimas.

— Bom, tecnicamente você vai. – N avisou de onde estava, ele estalou os dedos e o contrato desapareceu. – Não foi do jeito que eu queria, mas... Adeus.

E em outro estalar de dedos e Taekwoon viu Ravi desaparecer, sem poder dizer nada, sem poder se despedir de verdade.

Ele abriu os olhos e estava em casa, deitado na cama do próprio quarto. Ele rapidamente jogou a coberta e desceu o lance de escadas, ele sentiu a marca na madeira, depois foi até as fotos que havia colocado, o desenho de Ravi ainda estava lá.

Não havia sido mentira.

Ele foi se arrastando e sentou na banqueta, seus dedos tocaram nas primeiras teclas, moonlight sonata, como da primeira vez. Ele esperou ouvir a risada de Ravi, mas depois de compeltar a canção, a casa continuou silenciosa.

Como sempre deveria ter sido.

Taekwoon viu o envelope com a notícia do acidente de Ravi e sua irmã. Ele queimou todas aquelas memórias.

—/-

— Você sabia sobre tudo, não? – Taekwoon perguntou enquanto Sanghyuk o ajudava a embalar a última caixa.

A casa estava voltando as origens, apenas com os móveis principais, eles começaram pela cozinha, por último o quarto. E agora terminavam com as poucas coisas que estavam na sala. As fotos foram as últimas lembranças a serem tiradas.

— Eu sou naturalmente curioso, hyung.

— E eu não sou seu Hyung de verdade, não é? – Taekwoon passou a fita protetora e Sanghyuk cortou a sobra da fita.

— Existem coisas que é melhor não saber, essa é uma delas. De qualquer forma, o seu contrato acabou.

Taekwoon sentou na varanda de casa com o gato no colo.

— 1 ano e meio, passou tão rápido.

— Bom, e o outro contrato?

Taekwoon ficou brincando com o gato.

— Está lá. Você disse que o nome é a coisa mais importante, Wonsik esqueceu o dele e ficou vivendo como Ravi por todos esses anos, foi bom conhecê-lo, mas... as coisas não precisavam ter sido desse jeito.

— O que você assinou?

— Você não disse? Tem coisas que é melhor não ficar sabendo.

— Divirta-se em Jeju, você merece umas férias e uma mudança de visual.

— Ah isso? – Taekwoon tocou nos fios loiros. – Estava muito depressivo. Jeju vai fazer bem, eu preciso de novas fotos e de um novo céu. Você vai tomar conta dele pra mim?

— Claro que sim. – E pegou o gato.

— A gente se vê?

— Sempre que você precisar.

Taekwoon apertou a mão de Sanghyuk e entrou no carro com a última caixa. O resto ficou a ser despachado para seus pais, tudo que ele precisava estava em seu carro, a mala com roupas, comida, e o desenho de Ravi no porta-luvas.

Ele saiu com o carro sem olhar para trás.

Se alguém dissesse que há um ano atrás, ele teria alugado uma casa amaldiçada, Taekwoon teria rido, mas ele alugou e fez amizade com um fantasma que estava preso na casa por conta de um contrato feito com um demônio semideus, ou qualquer coisa do gênero.

Para libertar Ravi, ele precisava ceder sua alma pela eternidade, na condição de que Ravi assinasse seu nome para recebê-la de volta.

Ravi recebeu a alma, pois havia recuperado seu nome que estava o tempo todo entalhado no corrimão.

Sanghyuk apareceu na vida de Taekwoon anos atrás, e agora que ele estava pensando a respeito, ele não se lembrava muito bem de como eles haviam se conhecido, apenas que ele chegou e sempre apareceu de repente, com bons conselhos e indicações.

Ele não tinha certeza do que o garoto era, mas depois de viver com um fantasma e negociar com um demônio, ele não duvidava do sobrenatural.

Ele deixou o carro com Jaehwan, seu amigo estava feliz que Leo havia se mudado da casa e nunca mais havia mencionado Ravi. O que era bom, porque Taekwoon não gostava de falar sobre isso, ainda dóia.

E talvez fosse doer para sempre.

Tudo em Jeju era o cenário perfeito para fotos, ele tirou tantas fotos que descarregou a câmera, continuou tirando do celular, mas até seu aparelho estava descarregando. O céu era azul, as nuvens eram tão brancas que pareciam pinturas.

Taekwoon se perguntou se os anjos continuavam a tocar para ele.

A brisa agradável o levou até uma das montanhas, onde sentou num banco de madeira e ficou absorvendo tudo que podia, as cores, as pessoas, tudo emanava vida. Ali ele se sentia protegido, como se nenhuma força do exterior pudesse achá-lo.

Considerando que foi Sanghyuk quem recomendou o lugar, ele podia imaginar que havia algo de verdade em pensar dessa forma.

Felizmente ninguém confere os documentos quando se assina um contrato, essa era a última vez que ele fazia algo do gênero, mas era a primeira vez que ele havia engando um semideus. E eles esperava que fosse a última.

Jung Leo, estava no contrato.

Ele nunca cedeu sua alma a N, ele nunca teve que cumprir sua parte da barganha por conta disso, mas Ravi estava livre.

E era tudo que realmente importava.

— Ei, com licença, eu ouvi dizer que tem um templo dos anjos por aqui, você sabe pra onde fica?

Taekwoon virou o rosto e encarou a figura de um rapaz de cabelos prateados, usando um chapéu preto. Ele não tinha maquiagem nos olhos ou desenhos ou tatuagens pelo corpo, mas...

Era o mesmo rosto, mesmo olhar, mesmo sorriso, mas ele parecia tão mais vivo.

— Eu não tenho certeza, estou esperando meu celular carregar para voltar a explorar. – Disse erguendo o carregador portátil.

— Ah você não é daqui? – Ele riu. – Me desculpe.

— Nah tudo bem, você também veio sozinho?

— Sim! – E de repente ele já estava se sentando a seu lado. – Eu não conheço ninguém para explorar comigo, é ruim para as fotos.

— Bom, eu sou fotógrafo e... prazer, Jung Taekwoon.

— Kim Wonsik. – Eles apertaram as mãos.

— Agora você não precisa mais explorar a ilha sozinho. – Taekwoon disse enquanto Wonsik parecia refletir se se levantava ou não.

— Você faria isso por mim? Sério?

— Claro que sim.

Wonsik tirou o chapéu e colocou na cabeça de Taekwoon que ficou confuso.

— O sol está muito forte, o seu cabelo é loiro, parece que atrai o sol, melhor se proteger.

Eles começaram a andar depois de quinze minutos jogando conversa fora. Ravi que não era Ravi tinha o mesmo tamanho. Taekwoon tentava não lançar muitos olhares para ele.

— Por que você está procurando pelo Templo dos Anjos?

— Achei que precisava vir até aqui. E você?

— Eu também, acho que faz parte do inexplicável.

— É o inexorável da vida. – Wonsik olhou na direção de Taekwoon, que ficava muito bem com seu chapéu. – Talvez nós dois também.

Eles seguiram por um caminho estreito, mas se mantiveram lado a lado, falando sobre as pequenas coisas da vida, até acharem o pequeno Templo, que era na verdade uma construção caída, ficava no topo da montanha e dava vista para a imensidão do céu, esse era o Templo dos Anjos.

Eles fizeram uma prece e agradeceram. A vida era estranha, mas de alguma forma colocou os dois no mesmo caminho, eles continuaram andando lado a lado.

O destino é inexorável.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.