Back To The Dream.

Dentro da fortaleza inimiga.


POV. Lucia.

Abri os olhos lentamente. Minha cabeça doía um pouco, eu estava sentada no chão, com as costas junto à parede; eu estava de braços abertos, os pulsos presos nas paredes por correntes pesadas. Meus olhos demoraram a se acostumar com a sala escura iluminada apenas pela luz da lua que entrava pela enorme janela que havia ali.

No centro do cômodo estava um dos únicos móveis naquele lugar. Uma cadeira prateada que logo identifiquei como a cadeira que Andrew mencionara em sua narração. Com os olhos já acostumados a pouca luz, pude identificar que havia alguém sentado na Cadeira de Prata.

Ele estava de cabeça baixa o que me impediu de ver seu rosto. O rapaz estava muito quieto, mal era possível ver o movimento que a respiração fazia em seu peito; os pulsos e os tornozelos estavam presos a cadeira por correntes sujas de um vermelho escurecido. Eu iria falar, mas uma voz impediu-me.

- IDIOTAS! – gritou uma voz de mulher, de fora do cômodo. – TROUXERAM A GAROTA ERRADA!

- De-desculpe, milady... – uma vozinha amedrontada.

A mulher falou mais alguma coisa que não entendi e depois se fez silêncio, provavelmente ela havia ido embora. Eu tinha uma vaga impressão de já ter escutado aquela voz, mas não tinha certeza.

O rapaz levantou o rosto de expressão vazia, olhando para frente, para a porta. Então pude ver seu rosto iluminado à meia luz da lua.

Não chegava a ser idêntico, mas ele era bem parecido com Caspian... Talvez fosse o cabelo... A não ser por um detalhe: os olhos azuis.

Criei uma pontinha de esperança com relação à Susana, mas logo essa pontinha de esperança se desfez quando lembrei que Lilliandil também tem os olhos azuis.

- Rei Rillian? – perguntei. Ele desviou os olhos para baixo.

- Não mereço esse título. – disse ele. – Nem esse nome, se bobiar...

- Não fale assim, você...

- Eu entreguei o meu reino nas mãos do inimigo. – interrompeu-me. – Se fosse um rei de verdade teria reconhecido o perigo de longe... E fiz exatamente o contrario. Só o reconheci quando já estava envolvido. Eu mereço estar aqui. Ainda bem que meu pai não pode ver o que eu fiz...

- Ele não viu, mas ele sabe e não despreza você por isso. – falei.

- Você o conhece?

- Conheço. Ajudei-o a lutar contra os telmarinos para recuperar o trono e devolver a Narnia sua liberdade.

Ele finalmente olhou para mim.

- Eu já vi você... Em uma das dezenas de pinturas do castelo de Telmar...

- Também viajei com seu pai a bordo do Peregrino da Alvorada. – dei mais uma pista. Os olhos azuis de Rillian brilharam.

- Rainha Lucia! – sussurrou encantado. Eu sorri. – Eu ajoelharia se pudesse majestade.

- Me chame de Lucia, somos igualmente majestosos. – brinquei. Ele riu fraco.

- Mas não entendo... Se me lembro bem das historias, Aslam disse que você e seus irmãos não poderiam mais voltar à Narnia... Então, se me permite perguntar... O que está fazendo aqui?

- Aslam trouxe a mim, meus irmãos, seu pai e alguns amigos para ajudar você.

- E isso é bom ou ruim? – perguntou meio chateado.

- Depende do seu ponto de vista.

- Então é péssimo. – voltou a olhar para frente. Uni as sobrancelhas.

- Por quê?

- Um rei de verdade não precisaria de ajuda.

- Você está enganado. Seu pai precisou de ajuda para recuperar o trono que hoje você ocupa e o próprio Pedro precisou de ajuda para vencer a Feiticeira Branca há mais de mil anos atrás, eu estava lá, Rillian, eu vi!

Ele suspirou e ninguém disse nada por um tempo.

- Eu não lembro direito do meu pai... Como ele está?

- Está bem – respondi. – Mais ou menos, afinal, assim como todos, ele só irá sossegar quando você estiver bem... A salvo.

- Não queria que ele me visse nesse estado... – confessou.

- Entendo... Rillian... Pode parecer estranho, mas... A sua mãe... Quem é ela? – não resisti. Rillian suspirou.

- Uma das pessoas que mais me intriga é ela...

- Como assim?

- Eu me lembro do meu pai, vagamente, mas lembro do rosto dele e tudo o mais, mas a minha mãe, nada. Eu era muito criança quando fui separado dela, fui criado no castelo de Telmar por Drinian e Dr. Cornélios para assumir o trono de Narnia. Para falar a verdade, eu lembro apenas da voz... Só da voz... Não entendo porque me lembro do meu pai, mas não me lembro dela... É horrível.

- Imagino... – que coisa confusa! Por que Rillian não lembra da mãe? E que historia é essa de ser separado dela? Tem alguma coisa errada nessa história toda. – Eu soltaria você... Se pudesse. – falei.

- Acho que não valeria muita a pena.

- Por quê?

- Por que lá fora ela tem um exercito de soldadinhos e nós somos só dois. – explicou.

- Acho que o jeito é esperar o resgate...

- Ou não. – interveio. Esperei que ele continuasse. – Porque trouxeram você para cá?

- Não faço ideia. Eu estava com Susana quando ela foi atingida e perdeu a consciência, eu soei a trompa dela, mas acho que Caspian e os outros devem ter chegado depois que trouxeram... – comecei a pensar. – Porque ela não trouxe a Susana quando teve a oportunidade? – perguntei a mim mesma.

- Susana... Gosto desse nome. – falou Rillian, não dando a mínima para o que eu disse. - As histórias contam que a Rainha Susana é, ou era, dona de uma beleza estonteante e pelo que eu vi nas pinturas do castelo... As histórias não mentem... – ele falava mais com sigo mesmo. – Dr. Cornélios me contou que depois da coroação, depois que você e seus irmãos foram embora, meu pai se passava horas olhando para a pintura dela na sala do trono... Contou que meu pai se apaixonou pela Rainha Gentil... – ele riu um pouco. – E eu não o culpo. – uni as sobrancelhas. – Cheguei a pensar na possibilidade de ela ser minha mãe, mas é praticamente impossível... Afinal, ela e o meu pai pertenciam a mundos diferentes e Aslam em pessoa disse que ela nem o Grande Rei poderiam voltar a Narnia...

- Rillia, se é que posso perguntar... Como pode não se lembrar da própria mãe? – voltei ao assunto.

- Ah... Vários fatores... O tempo... E o feitiço que aquela mocreia jogou em mim... Tudo isso contribuiu. Eu não lembro de praticamente nada antes da minha chegada à Telmar.

- E nesse tempo em que você viveu em Narnia, ninguém contou o que aconteceu com seus pais?

Ele balançou a cabeça negativamente.

- Eu não lembro.

- Estranho...

- Muito, mas eu acostumei.

Ri de leve.

- Sua hora... Falta muito para acabar? – perguntei.

- Não. Quando você acordou tinha acabado de começar. Mas me fale, quem está em Narnia, ou melhor, quem está vindo... Resgatar-nos? – rolou os olhos nessa ultima parte.

- Bem... A Susana, o Edmundo, o Pedro, o Eustáquio, a Jill, Nicolas, Natalia, Julia, Caspian e Andrew.

Rillian me lançou um olhar surpreso.

- Andrew está vivo?!

- Er... Está.

- Graças à Aslam! – ele comemorou. – Vivo! Andrew está vivo! Nem acredito! – ele gritou para alguém fora do cômodo. – OUVIU ISSO, SUA LOIRA DESGRAÇADA?! ELE ESTÁ VIVO! – Rillian gargalhava, sorria de orelha a orelha. – Desculpe, não aguentei. – pediu a mim.

- Tudo bem. – ri.

- Eu tinha alguma coisa para contar... – ele pensou, mordendo o lábio inferior. – Ah, tá, lembrei... Quê que era mesmo? Sim! Seguinte: pelo que eu sei, a Dama possui um aliado... Ou aliada, não tenho certeza. – contou aos sussurros. A vontade de rir sumiu dando lugar ao receio.

- Aliado?!

- Sim. Ele ou ela que vingança contra um dos Reis e Rainhas, a princípio achei que fosse contra você, mas acho que não é... Não sei de muita coisa, mas a Dama está mais forte agora. – falou.

- Isso é péssimo... – sussurrei preocupada.

- Horrível... Mas, bem, não podemos fazer nada por enquanto.

- Você está aqui já há algum tempo, não existe nenhum meio de sair daqui?

- Não levando a cadeira e a parede junto. – falou irônico. Encarei-o. – E eu não vou sair e muito menos soltar você estando como cavaleiro.

- Será que uma pancada forte na sua cabeça não faz você voltar ao normal? – provoquei mordendo o lábio. Rillian me encarou.

- Não. Nem tente.

Nós rimos. Silêncio.

- O que será que ela quer comigo? Não vai me matar se fosse já teria feito... Rillian o que posso fazer... Digo, quando você voltar a ser o cavaleiro?

Rillian permaneceu em silêncio por um tempo.

- Não há nada a fazer... – ele sussurrou fitando o vazio. Fiquei insegura. O único jeito é esperar pelos outros, e como Rillian pensava, isso era humilhante.