Ele ficou quase um minuto naquela posição, até finalmente soltá-la e encará-la satisfeito.

– O-o que você fez? – Perguntou Zara, franzindo o cenho completamente confusa. Ele sorriu de canto, olhando-a carinhosamente.

– Precisava me testar. – Ele disse, recebendo um olhar indagador em resposta. – Testar se você ainda me fazia perder o ar, depois de todo esse tempo. – Explicou, fazendo-a ficar sem reação.

– Desculpa... – Pediu Zara, mesmo sem saber o motivo de estar se sentindo tão culpada.

– Não precisa se desculpar, nem se preocupar. Eu vou ficar bem. – Falou satisfeito. – Não dói mais. – Concluiu, fazendo-a sentir um certo alivio. – Ah, e eu já sei sobre seus treinos de dobra de fogo, não se preocupe. Acho que estou superando bem. Fico feliz que tenha conseguido aprender com ele.– Falou assustando-a um pouco, mas logo sorrindo-lhe sinceramente. Então era aquilo, Airon era seu amigo novamente. Aquele bandido que tentou roubar Tuí.

Quando voltou para o pátio do templo caminhando lado-a-lado com Airon, Avalon estava sem camisa, deitado no chão e usando a camisa dobrada de travesseiro, enquanto encarava o céu azul, limpo.

Zara corou assim que deu de cara com aquela cena, o que fez Airon rir e empurrá-la na direção do irmão.

– Airon! – Chamou Zara antes que o rapaz desse as costas. Avalon levantou-se de súbito, assustado com o grito da garota. – De que horas você vai? – Perguntou sorrindo para ele.

– Posso pensar em ir amanhã. – Ele disse sorrindo de volta, antes de voltar-se de voltar para seu caminho até a cabana. Quando Airon já estava fora do alcance de visão, Zara voltou-se para Avalon que já estava colocando a camisa.

– Treino? – Perguntou Avalon, um pouco sem jeito. Zara sorriu-lhe e assentiu.

– Treino. – Confirmou e logo voltaram a treinar.

No dia seguinte, de manhã bem cedo, Airon estava pronto para partir. Não tinha malas ou bagagens, além de pouca comida e água que Gumo insistiu que levasse. Usava seus trajes da Nação do Fogo e tinha Vivi ao seu lado.

Estavam, os sete, diante do poço de onde vieram. Avalon estava brevemente deixado para trás, enquanto Gumo e Zara despediam-se do amigo. Mal podiam acreditar que fazia quase quatro anos que haviam se conhecido.

– Vai ficar tudo bem, Zara. – Garantiu Airon, com um ar mais sábio que deixou a amiga orgulhosa. Ela lhe sorriu, assim como Gumo, e abriu os braços para um último abraço.

– Quando nos veremos de novo? – Ela perguntou abraçada ao rapaz. Ele sorriu satisfeito e a apertou um pouco mais.

– Antes do que imagina. – Ele sussurrou olhando para Gumo que lhe sorria amigavelmente.

Despediram-se todos, e Sozen pôs-se pronta para levar o rapaz para a praia, e pouco antes de montar no grande Tigre-Leão, já muito mais alto que todos ali, Airon virou-se para Zara com um sorriso maroto.

– A propósito, esquecida, feliz aniversário. – Disse com um sorriso amável, fazendo a garota surpreender-se. Havia esquecido seu próprio aniversário. Todos olharam para a mesma, tão surpresos quanto ela, enquanto a garota sorriu animadamente ao amigo.

– Como esquecer, certo? – Ela disse com os olhos brilhando com algumas poucas lagrimas emocionadas, mas que não se deixaram escorrer. – Fica me devendo um presente. – Disse brincando e vendo o rapaz gargalhar charmosamente, como sempre, montando em Sozen que não e demorou a pular para dentro do poço.

– Seu aniversário, Zara?! – Perguntou Gumo, impressionado com a velocidade com a qual o tempo passava. – Quantos anos faz hoje? – Ele questionou abraçando-a animado.

– Eu... Acho que quinze... – Sussurrou com um sorriso de canto.

Avalon aproximou-se dos três com uma expressão confusa, e ao mesmo tempo curiosa.

– Quinze?! É uma data importante! – Falou Gumo alegremente. – Não pude preparar a festa, nem sabia! – Ele falou um pouco triste, antes que a amiga colocasse a mão em seu rosto e lhe sorrisse compreensiva.

– Não preciso de uma Gartéia para saber que está feliz por mim, Gumo. – Falou amigavelmente, fazendo-o sorrir um pouco. – Além do mais, não estamos no Polo Norte. – Concluiu, começando a pensar em seus pais e em seu pequeno irmão.

Ela soltou um suspiro profundo, virando-se para Muraoka com um olhar um tanto apreensivo.

– Mas queria estar... – Sussurrou Gumo por fim. Conhecia bem sua amiga. – Logo vai estar com eles de novo, Zara, você vai ver. – Ele disse, puxando a garota para um abraço reconfortante que quase a fez chorar.

Pensar que não via a sua família a dois anos, era no mínimo desagradável.

Dispensou por algum tempo aquele pensamento, e recebeu os parabéns dos outros dois, esperando pelo retorno de Sozen. Se aquele era o dia de seu aniversário, então no dia anterior fazia um ano que havia conhecido Sozen.

A manhã parecia estar passando devagar demais, e Zara tinha medo de ser deixada sozinha, tinha medo dos pensamentos que lhe teimavam invadir a mente. Não queria chorar.

Na Tribo da Água do Norte, quando uma garota completava seus quinze anos recebia uma cerimônia chamada Gartéia. Tratava-se da entrega de presentes dos amigos e da benção dos pais. Era apresentada aos jovens solteiros e recebia o título equivalente à sua função dentro da Tribo. Mas o mais especial era a celebração em si. Sentavam-se todos num jardim e cantavam as cantigas da tribo, melodias que eram muito especiais para Zara.

Quando Sozen retornou Zara estava na cabana, com Muraoka, enquanto a nômade do ar lavava alguns pratos. O tigre-leão a encontrou sem mais dificuldades e parou em pé com o enorme rosto negro à altura do dela. Zara a encarou e acariciou a sua juba com carinho.

– Parabéns para nós, Sozen, mesmo que atrasado. – Disse com um sorriso meio tristonho. O tigre-leão lambeu-lhe a face, delicadamente, antes de virar-se para a porta e parar abruptamente, demonstrando estar chamando pela garota.

Zara trocou um breve olhar com Muraoka antes de seguir Sozen com uma mão na omoplata do animal. Sozen caminhava vagarosamente, o que permitiu que a jovem avatar observasse melhor a elegante curvatura do corpo do felino.

Foi guiada até o templo, por dentro dos corredores até o ponto mais alto, diante da última porta possível de se alcançar. Sozen virou-se para Zara e se sentou, ficando com o rosto mais alto que o corpo inteiro da garota. Curvou um pouco a cabeça e pôs uma pata à frente, como um gatinho inofensivo.

Zara lembrou-se claramente do gesto e sorriu melancolicamente, enquanto ajoelhava-se e colocava uma mão no chão, repetindo a ação feita há um ano.

O tigre-leão então deitou-se majestosamente com a cabeça sob as patas, enquanto a brisa agradável balançava-lhe a juba. Ali em cima, o mundo parecia ter sumido, e não havia sinal de que houvesse sido seguida, caso contrário Sozen saberia. E se Sozen permitisse, Zara permitiria.

A jovem avatar aproximou-se do enorme corpo negro e o abraçou, mergulhando a cabeça na juba macia de Sozen e finalmente permitindo-se chorar.

Chorou como há muito tempo não chorava. Sentia-se cheia e vazia ao mesmo tempo. Repleta de responsabilidades, mas na total ausência de respostas. Sentia falta de seus pais e de seu irmão, sentia falta de Roen e de Yue. Queria viver em sociedade, sentia falta das pessoas, das risadas, do mundo a fora. Queria parar de se esconder, não precisar salvar ninguém ou ser responsável por ninguém. E aquela angústia a dominava como nunca.

Todo aquele espaço por preencher, todo aquele dever por fazer, e ela sentia que não conseguia dar conta de nada.

Quando as lágrimas finalmente acabaram e a torrente de pensamentos finalmente cessou, Zara viu-se sentada confortavelmente, apoiada no corpo forte de Sozen, sentindo a brisa em seu rosto.

Estava com a cabeça levantada, pendendo levemente para o lado direito, de onde vinha a brisa.

– Lua cheia... cheia de graça... – Zara começou a ouvir uma voz feminina e aconchegante cantarolar. – Vem de noite pra nos tocar. Toca o coração da menina, a menina que só quer amar. – Cantava. Era uma canção típica da Tribo da Água do Norte. Zara estava cansada demais, por tanto chorar, que sequer quis saber quem cantava tão belamente.

– Lua cheia... cheia de paz... – Começou Zara, a cantar em conjunto com a outra voz. – Trás me vida, para cantar. Trás me dores para curar, e a doce água para me guiar. Oh bela noite, que consigo trás o luar. Lua... Concede-me o perdão, pois não sei perdoar. Ensina-me que a vida, é feita para se viver, e que a água é a paz que nos trás dos céus. – Mal percebia, e Zara começava a sorrir de canto.