Até As Últimas Consequências
Sob os ponteiros do relógio: a decisão de um destino
As rodas da carruagem pareciam que seguiam o mesmo ritmo do coração de Lydia. Ela sabia que agora era a cartada final e, talvez, a mais difícil. “Não posso fraquejar”, pensou e passou a analisar passo a passo o que falaria para o senhor Chronos. Para a fairy doctor seria complicado encará-lo de frente, mas não iria arredar o pé até que aceitasse seu pedido. “Estou preparada para falar com a entidade mais implacável de todas? Afinal, ele é o Senhor do Tempo!”, indagou-se. O tempo escorria entre os seus dedos, assim como aconteceu com a vida de Edgar.
Sugestão de trilha: Misconduct (Code Geass R2 – OST)
Olhou para Raven e agradeceu aos céus por ter vindo com ela. O rapaz, que estava apoiado com a mão no queixo observando a paisagem, percebeu que a condessa o olhava. Muito gentil, virou-se e sorriu. Um sorriso tímido talvez, mas como a agradecesse que estava fazendo por Edgar. “Sim, Raven era definitivamente mais bonito quando sorria. Algo que acontecia raramente”, refletiu.
E para o espanto de Lydia, o cocheiro estacionou em frente ao Big Ben, o mais famoso relógio do mundo, o mais preciso de todos. A fairy doctor colocou a cabeça de fora da janela assombrada e perguntando-se como foram parar lá.
— Senhora! Aqui termina meu trabalho. – disse o cocheiro, abrindo a porta para que eles descessem.
— Tem certeza que Chronos está aqui?
— Absoluta, senhora!
Ela desceu da carruagem, assim como Raven que segurava o embrulho de veludo que continha a trama da vida de Edgar. E o cocheiro retirou-se.
Por um minuto parou em frente ao majestoso monumento. O vento tentava brincar com seus cabelos sem sucesso. O olhar fixo no relógio. “Não temos muito tempo”. Foi aí que ela ouviu:
— Milady, o que pretende fazer quando conseguirmos voltar no tempo?
Ainda com os olhos fixos para relógio, Lydia respirou fundo, mordeu os lábios e voltou-se para o mordomo:
— Assassinar Ulysses!
Raven arregalou os olhos, suspendeu por alguns segundos a respiração e depois, afirmou:
— Milady, pode contar comigo!
— Com certeza, Raven! Só assim protegeremos Edgar, Aurthur, até você e eu. Sem contar o condado e, inclusive, a Inglaterra.
— A senhora sabe que…
— Sim, Raven! Sei muito bem que posso sofrer consequências pelo meu ato. – respondeu convicta. – Mas, concorda comigo que está na profecia? Exterminar toda a linhagem do Príncipe da Calamidade…
— Sim, milady! Eu entendo!
— Bem, não temos muito tempo, Raven. Quem sabe Chronos nos devolva esse tempo e acabamos logo com isso.
Ajeitou os cabelos, arrumou a saia do vestido e endireitou a manta. Não estava no seu modo mais apresentável, principalmente pela sua posição. Mas… que diferença faz isso se a vida do seu grande amor ainda estava em jogo? E começaram a andar em direção à torre.
Conforme Raven e Lydia caminhavam, estranhamente, foi criado um túnel que terminava em uma porta entreaberta. Na altura do campeonato, eles não mais admiravam quando algo desse tipo acontecia. Raven a abriu e notou que havia uma longa escada em espiral.
Um olhou para o outro, acenaram com a cabeça e começaram a subi-la. E subiram tantos e tantos degraus, que em determinado momento, Lydia precisou parar para descansar um pouco.
Sugestão de trilha: And more... (Code Geass R2 – OST)
— Quer ficar mais um tempo, milady?
— Não, Raven! Vamos que o tempo está correndo… – respondeu ela.
No alto da torre se depararam com uma sala com relógios de vários tipos: cucos, solares, clepsidras, ampulhetas, entre outros. Mais adiante, eles avistaram um senhor sentado a uma mesa com uma lupa típica para relojoeiro. Ele analisava um dos mecanismos que estava aberto.
— Licença… – solicitou Raven.
O senhor levantou a cabeça e tirou a lupa. Parecia um idoso como outro qualquer, mas trajava de uma forma despojada. Era alto, magro e sua compleição física era ossuda. Seus longos cabelos brancos estavam presos por um laço. As mangas da camisa estavam dobradas até a altura dos cotovelos e o colete azul-cobalto davam-lhe um aspecto jovial. Mas o seu olhar desconfiado deixou Lydia insegura. O senhor continuou olhando para eles, sem dizer nada.
— Estamos atrapalhando algo? – indagou Raven.
— Até agora não! O que querem? – sua voz soou ríspida.
“Sabia que não seria fácil, mas como essa gentileza será um pouquinho pior…”, Lydia pensou de forma irônica. Ela então tomou coragem e adiantou-se:
— Senhor, viemos pedir um enorme favor!
— E a quem devo conceder? – indagou ainda com tom seco.
— Pois sim, sou Lydia Carlton Ashenbert, condessa Cavaleiro Azul e fairy doctor do Condado de Ibrazel. Este é meu leal mordomo, Raven. - E este último fez uma reverência.
— Bem… – continuou, agora apertando as pontas dos dedos de uma mão contra a outra: – gostaríamos de voltar no tempo… digamos, há exatamente dois dias e algumas horas…
— E por que eu concederia esse favor? – perguntou com uma ponta de curiosidade.
Lydia, ainda que de forma respeitosa, aproximou-se ainda mais.
— Há mais ou menos 70 horas, meu marido foi morto…
— E? – indagou Chronos entre curioso e desconfiado.
— Gostaríamos de voltar no tempo para evitar esse evento!
Sugestão de trilha: Super Natural (Code Geass R2 – OST)
— Só isso? – perguntou ele.
— Sim… – respondeu ela.
“Foi mais fácil do que eu imaginava”, pensou ela. Mas, mal teve tempo de comemorar, quando escutou:
— Não!!!!
— Mas por que não??
— Pessoas morrem todos os dias!!
— Mesmo que a pessoa morreu abruptamente, sem direito à defesa e ainda não era tempo dela morrer?
— Escute aqui, mocinha…
— Não sou mais uma mocinha! – protestou ela – Meu nome é Lydia, senhor Chronos!
Ele respirou fundo e a analisou.
— Quem foi assassinado mesmo?
— Como já disse, é meu marido, o conde Cavaleiro Azul, Edgar Ashenbert!
— E eu com isso? Fale com Hades… com a Perséfone…
— Já falei! – replicou rápida como um gatilho.
— Então, fale com a Hell…
— Já falei com ela também! – Lydia retrucou novamente.
— A senhori… A senhora deve estar de brincadeira!
— E por que estaria? Que eu saiba sei que o senhor é ocupadíssimo! Não viria aqui apenas para fazer uma piada! – retribuiu.
— Já falou… – ele mal conseguiu completar e Lydia:
— Com as Moiras? Já! Inclusive a senhora Hécate e até com um demônio! Satisfeito?
— Saiba que a senhora é muito petulante!
“Hum, devia ter segurado minha língua. Ela tem estado mais afiada do que a de Edgar…”, refletiu.
— Senhor! – aproximou-se ainda mais – Não é uma questão de petulância! É de urgência!
— E por quê? – provocou ele.
— Vamos lá! Deixe-me explicar… Meu marido é responsável pelo Condado de Ibrazel, a Nação das Fadas, assim com a Terra dos Leprechauns e zela pela vida dos Sereianos. Sem contar que nosso Condado é um dos mais bem administrados e prósperos! Vale também ressaltar que ele é pai de um garotinho de seis anos, Aurthur. O meu marido sofreu horrores entre a pré-adolescência e anos que antecedem a idade adulta. E foi morto sem poder ao menos se defender! Fui clara?
— Hum… e por isso…
— Não! Tem mais!! Nós somos responsáveis pelo Condado para que não caia nas mãos de tirânicos com sede de poder e que podem assolar toda região, inclusive a Inglaterra! Com a morte do meu marido, tudo isso vai para água abaixo! Eu estaria vulnerável, assim como a vida do meu filho!
Chronos continuava impassível e ainda não estava convencido.
— Não é suficiente? – bradou ela.
Enquanto ele desviou o olhar para o lado, Raven aproximou-se dela com o embrulho de veludo, como quem dissesse: “Mostre a ele! Mostre!”. Ela acenou para ele como quem dissesse para esperar mais um pouco.
— Bem, quem a indicou para que a senhorita…
— Senhora! – repreendeu.
— Senhora – corrigiu ele – viesse aqui?
Sugestão de trilha: Showdown (Code Geass R2 – OST)
— As Moiras!
Ele apenas levantou a sobrancelha do olho esquerdo.
— Pois bem! Veja isto! – e retirou do embrulho de veludo, que estava nos braços de Raven, a trama de Edgar.
— Veja! A trama em nenhum momento ficou negra! E não há sinal de que ela seria cortada! Isso significa que ele não deveria morrer! – disse num misto de indignação e raiva. E finalizou: – É justo?
Ele que estava até o presente momento tomando uma atitude indiferente, tornou-se reflexivo. Levantou-se e foi em direção a ela, que ainda mantinha a trama de Edgar estendida entre as suas mãos. Chronos analisou de perto a teia e mirou profundamente nos olhos verdes da condessa.
— E o que faria se voltasse no tempo?
Ela, sem um pudor e nem temor, respondeu:
— Assassinar Ulysses, o responsável pela morte do meu marido e pela futura catástrofe!
— E a senhora se acha no direito de tirar a vida de outrem? – indagou de modo provocativo.
— Sim! – respondeu decidida – Está na profecia! Desde os tempos primordiais, a esposa do primeiro Cavaleiro Azul, Lady Gladys visualizou que um homem nasceria sob a marca da maldade e que iria dominar todos os seres mágicos. A família Ashenbert foi escolhida para exterminá-lo, assim como todos os ramos ligados a ele, incluindo o fairy doctor Ulysses. O Príncipe da Calamidade já foi eliminado, mas Ulysses quer continuar a “missão” de subjugar todos os elementais. Meu ato não é só pela profecia, mas principalmente porque a vida de Edgar é prioridade para mim. Um homem que tem seus sonhos roubados ainda criança torna-se duro e cruel. E não foi o caso de Edgar! Debaixo daquele cinismo que ele demonstrava quando o conheci, estava um menino perdido pedindo ajuda! E logo agora que ele conseguiu reerguer-se, obteve a felicidade e ainda a quis repartir com quem quer que fosse, teve sua vida tirada por um simples capricho de poder? É justo?
O olhar quase gélido de Chronos transformou-se complacente, próximo de benevolente.
— Está bem! Você realmente convenceu-me, Lady Ashenbert!
Lydia caiu de joelhos e só pode dizer entre lágrimas:
— Obrigada! Muito obrigada!!
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