Com ajuda de Lion e principalmente de Jonas, conseguimos levar Dan até a enfermaria. - Enquanto eu vigiava para que não descobrissem seus chifres. - Ele suava, o corpo tremia todo, toda hora gemia, parecendo ter medo de algo. A enfermeira achou que ele poderia estar com febre alta e alucinações, o quadro dele era muito confuso, derramou um pouco de um tipo de analgésico em sua boca e deixou-o de cama.

Já estava ficando de noite, Dan continuava desmaiado, depois de implorar muito pra enfermeira – ela deve ter tido alguma lembrança de seu passado, pois me olhou com um ar sonhador – ela deixou eu passar a noite ali.

O maior obstáculo mesmo foi acalmar Lion, que ficou desesperado tanto com o desmaio repentino quanto com o fato deu passar a noite lá. Depois dos eternos rituais de “Qualquer coisa, me chama”, “Sabe que sempre estou ao seu lado” e “Mastigue pelo menos 20 vezes antes de engolir” ele voltou ao seu quarto acompanhado de seus novos amigos.

Quando já eram umas 23h, Dan já tinha parado de suar, mas ainda tinha uns arrepios ocasionais. Peguei uma manta grossa emprestada com Sarah – a enfermeira – e me encolhi numa cadeira do lado do leito onde meu amigo repousava.

As luzes do aposento foram desligadas meia-noite, sobrando só um abajur e sua luz fraca. Enquanto me ajeitava na cadeira – minha bunda já estava ficando quadrada - senti uma rajada de vento frio inesperada.

Pendurado na janela estava Sam e seu sorriso zombeteiro, olhava triunfante para Dan.

- Ora, ora… Então o demoniozinho corajoso finalmente perdeu suas forças… – Deu uma risada.

- S-Sam, foi você que fez isso? – Perguntei embasbacada. Espera? Por que ele sabia que Dan era um demônio? Aquilo cheirava mal.

- Não fui, mas gostaria que sim… – Umedeceu os lábios passando a língua lentamente por eles, com cara de psicopata (Uma coisa que eu já não duvidava que ele era).

- Então por quê veio aqui? – Aumentei meu tom de voz, mas não muito, estava numa enfermaria afinal…

- Só pra sentir um gostinho de vitória, mas como parece que eu sou incômodo pra você, Lô, me vou – Mandou um beijo e saiu pela janela, fechando-a atrás dele.

Não sei muito bem quanto tempo eu fiquei encarando preocupada a janela, - o quê o Sam queria com isso tudo? Entrar, fazer “Glu glu, pegadinha do Malandro!” e sair? Era estranho demais... - só sei que o sono venceu e adormeci. Só tornei a acordar quando o sol já havia raiado.

Quando abri meus olhos, incomodados pela luz, vi Dan olhando pela janela, cobrindo parcialmente os olhos com a mão.

- Já acordou? – Perguntei, ainda sonolenta.

- Acho que você não está lá em condições de perguntar isso… – Ele respondeu com um sorriso cansado.

- Quer beber alguma coisa, comer? Você não jantou ontem, deve estar com fome... – Disparei, aliviada.

- O que tem aqui na enfermaria?

- Ahn... – Levantei e vasculhei o lugar. – Chá, café e biscoitos.

- Me dá o café e os biscoitos então...

Com cuidado, peguei uma caneca, colocando-a na mesa de cabeceira ao lado de Dan e enchi com o café que eu tinha aquecido, espalhando um forte aroma no aposento. Achei os biscoitos e entreguei ao loiro, que com custo, havia ficado sentado. Decidi fazer um chá para mim, não demorou 2 minutos e eu já estava de novo na cola de Dan.

- Melhorou? Encher o tanque te deixou melhor?

- Calma mamãe, já estou melhor- Ele riu, realmente estava revigorado. Me senti o próprio Lion.

- Então filho, - Continuei. Bebericando o chá – Conte pra sua velha mãe o que aconteceu...

Ele apoiou a cabeça no encosto da cama e tornou a olhar pela janela.

- O pessoal lá embaixo estava tentando me chamar de volta, nada demais.

- Claaaaaaaaaro – Ironizei – Tipo, o papaizão lá dos demônios me possuiu pra eu voltar lá pro inferno, pft, que coisa tosca, o que eu fiz pra ter uma vida tão tediosa assim? – Assumi um tom debochado. – Seriamente, Dan, acha que é simplesmente assim? – Fiquei séria. – Não me faça de boba, por favor, e conte o que realmente aconteceu...

Ele me encarou com aqueles profundos olhos escuros e eu retribuí o olhar, teimosa. Depois de um tempo disso ele coçou os cabelos e suspirou, como quem não tem opção.

- Devido a uma série de fatores, eu fugi do inferno, o que é estritamente proibido, e por meses fiquei fugindo pelo mundo. Se eu entrasse em uma igreja, eles perderiam meu rastro, mas como eu próprio sou um demônio, não posso entrar numa igreja, então continuei vagando por aí. – Ele fez uma pequena pausa e tomou um gole do café. – Foi aí, que eu descobri aqui. Estava assistindo uma missa de longe, com esperança de descobrir algo, e quando fui tomar um café num bar, no final dela, reconheci uns padres que estavam lá. Eles pareciam bravos. Parecia que uma academia só para garotos tinha demolido uma grande igreja pra se instalar no terreno...

- E você veio até aqui para ver se conseguia escapar estando em uma terra santa, só que sem igreja. – Completei. Ele assentiu, mordendo um biscoito.

- Acabou que descobri que aqui era um bom lugar, ainda conseguem dominar um pouco minha mente, mas não fazem a mínima ideia de onde estou...

- Vejo que o serviço de inteligência e rastreamento dos capetas não é um dos melhores... – Observei ele rindo e ri também, mas não era mentira, dava pra adivinhar fácil, fácil onde Dan se meteu...

- E então... O que aconteceu enquanto eu tava desmaiado? – Eu deveria contar sobre Sam? Tipo, era importante, já que ele sabia que Dan era um demônio, mas não sei, ele tinha acabado de se recuperar e da última vez ficou muito nervoso...

- Não, nada – Tentei disfarçar. Ah, rosto, não deixe tão evidente que eu menti, por favor!!!

- Ei – Ele falou depois de um tempo em silêncio. – Por que você não contou a verdade sobre o Sam ao Lion? – Gelei ao ouvir o nome. Que susto, menino!!! Eu quase pensei que ele tinha suspeitado. Era uma pergunta estranha, mas valia...

- Não queria deixá-lo preocupado... – Ah!! Ele estava tentando me afastar do assunto sobre ele, danado...- Aliás – Voltei com o assunto – O que é essa série de fatores?

- Série de fatores? – Se fez de bobo.

- É, as que fizeram você fugir do inferno. – Teimei.

- Ah, não quero te enfiar nessa confusão...

- Não quer mais me enfiar na confusão?!! Mas eu já estou enterrada até a cabeça nela! Duvido que tenha alguma informação mais relevante do que você já me contou...

- Está bem... – Ele cedeu. – É que é mais pro lado sentimental da coisa. – Fiquei surpresa, acho que ia descobrir um pouco mais sobre o passado de Dan. – Sabe aqueles meus desenhos?

- Sim, sei.

- A garotinha... – Ele parou, balançou a cabeça e continuou. – Eu era um demônio normal... Fazia meus afazeres, chutava uns humanos, eram todos podres. Sempre pensei que humanos eram podres, afinal, se fossem bons não teria ido pro inferno...

Parou e fechou os olhos, deu um grande gole no café.

- Mas um dia, uma mulher foi mandada pro inferno, batia na filha, era uma... – Se conteve para não soltar um palavrão. Internamente ri disso, no final, quem poderia imaginar que demônios eram educados assim? - Mas a garotinha veio junto, não tinha mais de três anos, eu não pude aguentar, todos meus amigos riam dela, tinha que resgatá-la. Mas fui impedido e jogado num quarto por 2 dias. Até agora não sei o que aconteceu com ela e acabei descobrindo que aquilo era um erro bem comum... Por isso resolvi fugir e ver se tem alguma coisa que eu possa fazer por aquele que vão pro inferno sendo inocentes.

Agora eu entendi por que ele não tinha me contado antes, ele realmente se incomodava de lembrar disso, o caderno de desenhos estava de prova. Agora, como consolá-lo?

- Hum... Entendi... – Murmurei. – Ah!! – Fiz uma pose do estilo “Eureca” – Vou te ajudar a encontrar uma solução, ok? – Dei um sorriso.

- Trato fechado, parceira. – Apertamos nossas mãos.

Agora era só esperar a enfermeira dar alta. Olhei pro relógio, 7 da manhã, ela não demoraria em vir. Ouvi sons de salto no corredor. Como sempre, é só falar que o Diabo aparece.

- Enfermeira Sarah!! – Gritei, sem me conter – Dan está melhor, você pode dar alta?

- Claro, querida. – Respondeu uma voz. Mas não era a de Sarah.

Por trás das cortinas apareceu o Sam, vestido de enfermeira.

- O demoniozinho se recuperou?