Bem, não posso negar que a entrada de Sam foi triunfal, digna de deixar a Lady Gaga com inveja.

- S-Sam??!! – Me espantei. Acho que ia demorar um pouco pra me acostumar com isso.

Olhei para Dan e vi sua expressão fechar, acho que por pouco não tinha nuvenzinhas com trovões em cima de sua cabeça.

- O que você quer aqui? – Perguntou Dan, enojado.

- Nada, só que a Sarah teve que cuidar de algum retardado contundido (parece que ele estava escalando o trepa-trepa do parquinho e caiu) e pediu pra eu te dar esse remédio. – Ele estendeu um comprimido amarelo.

- E pra que você se vestiu de enfermeira, Sam?

- Ah, achei tão fashion que nem resisti... O que acham? – Virou de lado, fez uma pose e mostrou um orgulhoso “V” de vitória com os dedos.

- Ah, lindo, merece um troféu. – Disse Dan, sarcástico enquanto analisava o comprimido.

- Bem, preciso ir, vai que eu consigo fazer uns malucos pularem trepas-trepas para se tratarem comigo? – Rapidamente chegou perto de mim, sem tempo para eu reagir, e estalou um beijo em meu rosto (É, pelo menos foi o rosto.) e mandou outro para Dan, que olhava confuso. – Tchau, tchau meus amores!!! – Só faltava ele soltar estrelas e florzinhas.

Passado o bloco das perigues fora de temporada, eu e Dan nos entreolhamos.

- Por que será que eu tenho a impressão que vou cair morto quando tomar isso? – Dan me perguntou.

- Não sei, mas você teve uma bela cena pré-morte. Já pode descansar em paz. – Brinquei.

- Eh... Acho que vou tomar...

- Não é melhor perguntar disso para a Sarah antes? Posso sair e caçar ela.

- Mas aqui é perigoso, tem pervertidos travestis à solta. – Ele refletiu.

- Sem problemas, aposto que ele não vai fazer nada em plena luz do dia. Aqui... – Tirei de uma gaveta um cubo mágico que achei junto com os biscoitos. – Brinca com isso enquanto a titia vai ver se a pílula é segura.

- O que você pretende me dando isso? – Indicou o cubo mágico.

- Se você resolver esse treco já pode dar aula pro pessoal daqui. – Ri. Não era exatamente mentira, completar um cubo mágico sempre causa impacto. E inveja. Ainda vou aprender a resolver.

Saí e me despedi de Dan, que olhava intrigado para o objeto colorido. Segui pelo corredor e... Deus, onde era a saída mesmo? Ouvi dizer que para sair de um labirinto o necessário é se perder. Eu não levaria nem 2 minutos pra sair de lá. Mas o que eu faço? A academia era tudo, menos um labirinto. Tinha uma constituição boa e lógica, ou seja, um predador exemplar de pobres garotinhas confusas que nem eu.

Depois de me descobrir no banheiro, na sala de limpeza e no sótão, achei um infeliz pra me guiar pela escola. E tirei a sorte em dobro, ele era o retardado que se machucou no parquinho, então sabia onde Sarah estava. Fui lá e chequei que o remédio era seguro, o que deixou a enfermeira desconfiada, mas aposto que se ela tivesse visto Sam com as roupas dela entenderia minha preocupação.

Para achar o caminho de volta foi outro custo, devia ter deixado migalhas de pão pelo caminho, se bem que nem assim pra eu conseguir me guiar, porque né... Fiquei vagando pelos corredores desertos, desejando que alguma alma caridosa fosse me socorrer. Mas como eu já sei que tudo que eu desejo acontece ao contrário, quase explodi de felicidade quando consegui sentir o cheiro do café que eu tinha servido ao Dan (sou uma porca caçadora de trufas premiada, não sabia?).

Voltei feliz e animada por ter me guiado e pela boa notícia.

- Eeeei!!! O comprimido não está enven... Você montou o cubo? – Fiquei estupefata.

- Ah... – Ele olhou sem interesse para o brinquedo montado jogado de qualquer jeito (não que um cubo consiga ficar com uma aparência desleixada, claro) em sua mesa de cabeceira. – Quando tava pegando um trem, um carinha no meu lado me ensinou os macetes, não é tão difícil.

Enquanto eu me deprimia pensando o quanto era lerda, burra e que não precisava mais existir na face da Terra – Que tipo de mundo precisa de alguém que não sabe montar o cubo mágico? – Dan levantou, se serviu de água e tomou o remédio.

- Vamos? – Ele apontou pra porta. – Acho que o café da manhã já deve estar sendo servido.

Como dessa vez eu estava com o Dan, não me perdi, mas desejei ter o feito, porque mal cheguei ao refeitório, senti uma coisa voadora e pesada me agarrar.

- NÃO ME AMA MAIS? ? ? – Lion me levantava com seu abraço de urso. – POR QUE NÃO ME LIGOU? ? PASSEI A NOITE EM CLARO PENSANDO EM VOCÊ!!!

99% dos alunos no aposento ficaram de boca aberta encarando a cena. O outro 1% eram: Bernardo, Carlos, Joshua (que se recuperou do episódio com Sam e começou a andar com Lion), Dan e Jonas, que já tinham se acostumado com meu irmãozinho.

Abracei-o e me desculpei, uma cena linda e reconciliadora que gerou um “Ownnn” dos alunos sonolentos (Já percebi que entrei em um colégio de retardados, não que eu possa dizer algo).

Com tantas emoções, nada mais justo do que um bom café da manhã, não? Cada vez menos pessoas nos olhavam risonhas, mas várias delas ficaram espantadas quando viram eu separar meu café em dois pratos: Um repleto de doce e outro transbordando de salgados. Nem sei o porquê de tanto espanto, sinceramente, nunca tinha visto nenhum café da manhã tão sedutor quanto o meu, modéstia à parte.

–-x—

Com a pança cheia, e, consequentemente, extremamente feliz, fomos convidados por Carlos para jogar futebol com ele e Jonas - este preferia Rugby, mas desde que ele pudesse sentir o ardor (lê-se fedor) da juventude, estava satisfeito.

Em geral eu não aceitaria, sou tão coordenada para esportes quanto uma barata sem cabeça engolida pela minha famosa galinha degolada, mas eu me sentia extremamente feliz essa manhã (apesar de todas as esquisitices que aconteceram). Estranho o meu bom humor... Será que aquele meu chá era de cogumelo? Hum, melhor parar de pensar nisso antes que eu me arrependa.

O time era eu, Lion e Jonas contra Carlos, Dan e Bernardo – que estava não só como peixe fora d’água, mas sim uma baleia encalhada num campo de minigolfe. Eu preciso explicar mesmo o que aconteceu? Basicamente, sempre que Lion passava a bola pra mim, – Jonas era o goleiro. – eu chutava pra frente e rezava para que entrasse. Não que estivesse dando certo, claro.

Os mais relaxados eram Dan e Bernardo, obviamente, Carlos fazia tudo. Enquanto Dan esperava que alguma bola chegasse perto do gol – o mais próximo foi 5 metros de distância, sendo que era só Carlos recebendo a bola- Bernardo olhava o jogo com uma cara de paisagem, provavelmente pensando em um jeito de hackear seu Pokemón e fazer o Pikachu evoluir.

Não sei direito como aconteceu, esses tipos de situações são as mais nebulosas. Só sei que em um ponto do jogo Sam apareceu (sabe-se lá de onde), roubou a bola de Carlos – Está bem, ponto pra Sam – chutou, isolando ela, gritou “Vida Loka!” e saiu correndo.

Como eu disse, foi um momento totalmente: “Que porra foi essa?”.

A ideia foi que eu e Bernardo buscaríamos a bola, afinal, éramos os jogadores mais produtivos *sarcasmo*. Mas como o jovem disse que não queria, sobrou pra Dan.

Se Bernardo estava querendo fugir de “responsabilidades”, se deu mal.(Mas acho que ele estava fugindo de mim mesmo, não sei por quê) Substituiu Dan no gol. Deu um goleiro perfeito, devo ressaltar.

-x-

Maldição! Como pode uma criatura do tamanho de Sam chutar uma bola tão longe? Já tínhamos até entrado na floresta delimitando o limite do colégio, mas nada de bola. Será que tinha chegado até na rua? E por que tínhamos que buscá-la sendo que eles têm outra bola? Está bem, Lorene, não podemos desperdiçar bolas, afinal, tantas criancinhas na Etiópia precisando de bolas e a gente deixando as nossas largadas por aí? Feio, muito feio.

Eu e Dan provavelmente procuramos por meia hora até finalmente achá-la no meio da rua, fora dos limites do colégio.

Fomos calmamente buscá-la, mas senti um bafo quente em minhas costas.

Virei assustada e me dei de encontro com chamas, chamas fortes que crepitavam misteriosamente no asfalto.

- Zarathos? Viemos te buscar. – Uma voz se fez ouvir, mas eu não via ninguém.

Dan olhou ao redor desconfiado.

- O que vocês estão fazendo aqui? Como sabem daqui? – Gritou, tentando esconder o pavor.

- Um passarinho nos contou. – Riu-se a voz, grossa, ameaçadora.

Outra bola de fogo passou zumbindo sobre minha cabeça, enquanto eu agachava.

- Ei, Lorene... – Dan sussurrou. – Vamos fugir e correr pros limites do colégio, ele não devem conseguir nos atacar lá. 1...2..

No três disparamos, mas algo se agarrou ao meu pé, como se fosse um couro grosso. Pensei que meu coração fosse parar. Nunca senti tanto medo antes.

Com um grito fui arrastada pelo chão. Dan, que estava na minha frente percebeu e segurou minha mão, mas não tinha força o suficiente. Seja o que fosse o que agarrou o meu pé, com certeza passou um bom tempo na academia.

- Ei, Lorene, feche os olhos e só abra quando eu mandar. Rápido! – Disse urgente. Fechei os olhos e não demorou muito para eu sentir um calor emanando de onde Dan estava.

- Há! Sua verdadeira forma? – Debochou a voz. – Não ache que um demônio de uma classe inferior que nem você vá me derrotar só com isso, por favor.

Ah, sinceramente? Foda-se que o Dan me mandou manter os olhos fechados. Eu mal conhecia ele e já tinha desobedecido-o milhares de vezes. E agora não era exceção.

Abri os olhos e vi que na minha frente havia um ser imenso. Grande e largo como um armário, pele de puro couro preto, olhos vermelhos como rubis. E chifres, chifres enormes e pontudos, que no final quase se encontravam. O que deixava um pouco cômico.

Mas esse “monstro” não me dava medo algum, não mesmo. A aura tranquila do demônio deixava claro que era Dan, talvez alguém dissesse que eram todos demônios, mas eu tinha certeza de que esse era meu amigo. (Estou falando pela aura, claro, que pela situação nem a maior das loiras confundiria Dan com alguma outra coisa/pessoa.) (P.S.: Eu acho)

Com um movimento rápido, libertou minha perna com suas garras. Dan já devia ter previsto que eu ia abrir os olhos sem ele pedir, já que na minha frente apareceu uma pequena inscrição em fogo, escrita: Fuja pros limites da Academia, que depois eu vou.

Ia fazer isso, claro, de nada adiantaria eu ficar parada que nem um poste, só atrapalhando.

Quando eu já estava virando pra correr que nem uma desesperada, eis que me passa uma mãe com sua criancinha:

– Olha, mamãe, unicórnio!! – Disse a garotinha apontando pro Dan. O que têm dado pra essas crianças hoje em dia?

A mãe, que antes estava distraída mexendo no celular, olhou pra cena. Ah, ela com certeza não achava que o loiro era um unicórnio. É, não achava MESMO. A mulher saiu correndo em disparada, carregando a filha como um saco de batatas.

Elas não estariam seguras, pensei, e saí correndo atrás delas. A senhora apertou o passo, mas ela estava com a filha nas costas e acabei a alcançando.

- Ei, moça, calma!!! – Falei, esbaforida.

- Calma? CALMA? QUEM É QUE VOCÊ ESTÁ MANDANDO FICAR CALMA? – Surtou. Deus, até agora não sei se TPM é uma emoção segura para situações perigosas. Sei lá, acho que se precisar matar alguém, sim. Nem vai presa.

- Olha, passe por dentro dessa escola, é mais seguro, eu te juro! – Supliquei. – Vai ter um monte de menino pra guiar e te ajudar lá, então, por favor... – Enquanto isso eu podia ouvir barulho de explosões em minhas costas. Será que estava tudo bem com Dan? – Vai! – Apressei, e a mulher, sem opção, se embrenhou na floresta de pinheiros do colégio.

Segui ela. E corri, corri com todas as minhas forças pra onde Dan estava, precisava avisá-lo que ele já podia se refugiar também.

- Dan! – Gritei – Dan! Dan! Dan! Dan! – Olha, deu uma música, não, eu tenho que me focar. Vasculhei a rua, nada de Dan. Continuei correndo e foi quando o vi caído no chão, em sua forma humana.

Saí correndo do limite do colégio, no meu jeito mais suicida de ser. Me agachei ao lado do meu amigo, enquanto ouvia uma risadinha da Voz, que já achava que tinha ganhado.

Dei uns tapas na cara do garoto.

- Ai. – Ele murmurou, sem mexer os lábios. – Continua fingindo que eu estou desmaiado. – Continuei, esperando sua próxima ordem. – Vamos sair nós dois correndo, quando eu disser “Vai!”.

Dan passou de morto vivo à perereca saltitante tão rápido que até eu tomei um susto.

- Vai! – Correu desembestado, mais rápido que mulher atrás de liquidação. Segui, tentando, em vão, acompanhar o seu ritmo.

Bem, o metidinho de voz grossa não gostou muito da ressurreição do seu ex-companheiro, e, com um grito de raiva, ficou lançando bolas de fogo na gente (falta de originalidade, não?). O bom é que o maldito tinha a mira pior do que a minha, e conseguiu só chamuscar parte de minha camisa.

Chegamos no colégio, mas não paramos de correr, sim, aquela terra era santa, todo o fogo ricocheteava numa parede invisível, protegendo a floresta e toda a estrutura do local.

Provavelmente corremos por uns 2 minutos com todas as nossa forças, tal era o nosso desespero, só paramos quando as árvores cobriram todos os indícios do fogaréu.

Em sincronia, nos jogamos na grama atapetada e apoiamos nos grossos troncos, recuperando fôlego. Depois de alguns minutos consegui balbuciar:

- Dessa vez conseguimos... – Dei uma risada fraca.

- É... – Concordou Dan, cansado demais pra falar mais de uma sílaba.

Depois de mais tempo de tenro silêncio, sem motivo, explodi em gargalhadas. Aí, não deu outra, contaminei o loiro também, que chegou a rolar no chão, apertando a barriga.

Não sei o que deu em mim, só sei que foi bom o suficiente pra espantar aquele medo que estava nos envolvendo desde que encontramos a Voz. Ah, mas como eu estava errada...

- Ai, ai... - Limpei as lágrimas. – Bem, vamos volt...

- O que foi, Lorene?

Uma fenda tinha se aberto no chão, não era uma simples fenda. Era um sorriso. Um sorriso negro como a noite. Em cima dele, nos encarando, dois olhos completamente vermelhos.