- Uma BARCA? – Reclamei.

- Sim, e não reclame, purpurina, é 10.000 vezes melhor do que o busão. – Taus deu de ombros.

- Não têm barcas para o céu, não? – Perguntou Dan. – Eu pensei que tivesse.

- Se têm não sei, prefiro ir de nuvem mesmo. (N.A.: FEEL LIKE GOKU!!!!!!) – Respondi.

- E você ainda tem coragem de fugir de lá... – Dan e Taus menearam a cabeça, decepcionados. Não respondi nada, realmente, viver no inferno parecia bem pior. Como será que era o limbo?

Me peguei olhando para Carlos, cochilando de boa na lateral da barca, com uma expressão despreocupada. Espero que ele realmente nos ajude. Não que eu possa falar nada, estava reclamando da barca sendo que quem remava eram Taus e Dan. Mas eu posso. Sou maravilhosa. Ah, não, “oso”.

Até agora não faço a mínima ideia de onde saiu a barca, o rio, e pra onde estávamos indo. Quer dizer, pro inferno, claro, mas não sei como o cenário de livro de ciências viraria no inferno. Acho que seria melhor eu copiar Carlos e ser realmente útil depois. Lô. Aguente.

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Bem, acho que minha melhor escolha seria fingir que não vi e ignorá-lo. E isso eu tinha vontade, porque ele era feio que nem o capeta. Espera, ele É o Capeta. Enfim, apesar de não conseguir vê-lo direito, ele era uma mistura da forma demoníaca de Taus (feia) com a de Dan (enorme e unicórnia, de acordo com a criancinha daquela vez, mas tem dois chifres, ok?)

- Então, queridinha, gostando da estadia? – Repetiu, seu bafo só aumentando o cheiro desesperador de enxofre do ambiente. Continuei quieta.

- Eu te fiz uma pergunta. – Atravessou seu braço pela cela e agarrou meu rosto, pressionando-o com a mão forte e áspera e as unhas pontudas. Senti minha pele rompendo e um rastro de líquido quente se espalhou pelo meu rosto.

- O atendimento é meio ruim. – Respondi, piscando o olho para tentar tirar o sangue dele. O Senhor Capetão deu uma risada rouca, e seus olhos vermelhos cruéis brilharam. O medo era desesperador.

- Não fale assim, estou fazendo um servicinho especial para você. É uma convidada VIP, não temos muitos visitantes aqui.

- Claro, ninguém quer visitar um lixo fedido que nem esse.

- Queridinha, gosto de mulheres com senso de humor, mas não acho que vai escapar inteira se continuar assim. – Não havia nenhum traço de ódio ou ameaça na minha voz, na verdade, foi essa ausência que me deu mais medo. Engoli em seco, o que só aumentou a ardência da minha garganta.

- Bem, acho que você já entendeu o recado. Estou indo, queridinha. Aproveite.

Ouvi seus passos pesados se afastando e fiquei totalmente aliviada. Ele era assustador demais, muito pior do que aquele sorriso do chão. Quis chorar, mas eu já estava seca, completamente seca. É aquele calor que te deixa sem forças, sem querer, muito menos se importar, com mais nada.

Eu já estava tonta o suficiente para ver as coisas girarem quando um par de olhos em minha frente me chamou atenção.

--x—

Já havíamos passado pela fronteira Terra / Inferno na barca e eu e Taus paramos de remar. Não precisava, a água, que virara chamas crepitantes, fazia o trabalho. Odiava aquela vista. Odeio. Jurei nunca ter que voltar a vê-la, mas lá estava o enxame de fogo. As paredes claustrofóbicas cobertas por chamas vermelhas e negras, o cheiro de enxofre e podridão, o calor horrível, e pior, o motivo de todos meus pesadelos e tormentos: Os gritos. Os gritos desesperados vindo de todos os lados, em todas as intensidades, em todos os tons.

Estremeci, Taus me olhou de canto de olho e acariciou minha perna, consoladora, eu sorri, sabia que ela odiava isso tudo tanto quanto eu.

Acordamos Carlos, que se espreguiçou e coçou os olhos, ainda sonolento. Ele olhou em volta com um olhar ameaçador, uma coisa que nunca imaginaria aquele simpático jogador de futebol fazendo. Jurava que seus olhos castanhos claros ficaram mais vermelhos que o fogo à nossa volta. Ele se inclinou para fora da barca, estendendo a mão para o rio de fogo antes que eu e Taus pudéssemos alertá-lo. Mas, para a nossa surpresa, não se queimou ou nada do tipo, sua mão se arrastava pelo rio à medida que a barca ia em frente, deixando um rastro preto, tão preto que não parecia ter fundo. Eu e minha prima nos entreolhamos, erguendo a sobrancelha, o Limbo era realmente estranho.

O moreno se cansou de brincar com a água de fogo (?) e sacudiu Sam, acordando-o também. Esse colocou a mão no cabelo, sentindo falta de um penteado esdrúxulo ou algum lacinho. Se estirou pela barca e sentou ao lado de Taus, apoiando a cabeça no seu colo. Esta apenas deu um sorriso fraco e bagunçou seu cabelo. Perder a irmã deve ser difícil, acho que ainda se culpa pelo que aconteceu.

Há quanto tempo estávamos viajando? 1h30, talvez. Já era hora DAQUILO, Taus também concordava. Sim, estava certo, podíamos ver de longe um sobra preta, apesar de pequena, por enquanto. Carlos também notou, e ficou apertando as mãos, ancioso. E AQUILO também notou. Antigamente eu e Taus não teríamos problemas, mas tenho certeza que ELE já havia reportado que somos foragidos, não faço a mínima ideia de como íamos passar.

Quanto mais perto chegávamos, melhor conseguíamos ver as três cabeçorras babando e espumando, de algum jeito – muito ninja, devo dizer – elas pareciam ter sorrisos sádicos e cruéis.

Ah, sim, esse é o bichinho de estimação predileto do Senhor Capetão. O Cérbero.

Senti um suor escorrendo pelas minhas costas, sem saber se era o calor ou o medo. Talvez os dois, o pior é que eu só poderia me transformar na minha forma real quando estivéssemos bem perto, porque a barca não aguentaria meu peso por muito tempo.

Algo se iluminou atrás de mim, de canto de olho percebi um borrão preto.

- Deixem comigo...