Uma capa preta se agitava na minha frente. Carlos chegou a me olhar sorrindo, como que me acalmando. Mas foi muito medonho. Sua boca era costurada com uma linha preta grossa e sua pele era totalmente cinzenta, os olhos escuros, e, preso ao seu pescoço, uma corrente com um peso redondo enorme na ponta. Não faço ideia de como ele aguentava aquilo.

Desceu do barco normalmente, e a água de fogo que estávamos navegando formava discos negros debaixo de seus pés a cada novo passo que ele dava. A corrente, se arrastando atrás, fazia um barulho irritante.

O Cérbero não deu muita bola ao fato do maníaco por futebol ser um ser do Limbo totalmente estranho e assustador e continuou rosnando exibindo as três arcadas dentárias dignas de comercial da Colgate. Carlos também não deu muita bola ao fato de um cachorro monstruosamente enorme de três cabeças e não-sei-quantos dentes estar correndo para cima dele. É, impressionante. Até para mim, linda(o), maravilhosa(o) e absoluta(o). Taus soltou um assobio baixo de admiração ao meu lado que me irritou um pouco, mas ok.

Quando eu pensei que [finalmente] Cérbero ia mastigar a cabeça do nosso novo companheiro, este estendeu as mãos sobrepostas para o monstro em sua frente e da sua palma um pequeno círculo negro apareceu. Grande coisa. Em que Kit Mágica Para Baixinhos ele conseguiu?

Ok, a esfera rapidamente foi se expandindo, e dava para ver que, tanto no interior quanto exterior dela, o ar negro rodava rápido, como uma grande tempestade. Quase sem eu perceber a esfera engoliu o Cãozinho do Sr. Capetão e ficou minúscula novamente, do tamanho de uma bola de gude, que Carlos enfiou em suas vestes escuras.

Ok, ponto para ele. Quero um kit de mágica igual. Estou um pouco, SÓ UM POUCO, OK??? feliz por ele ter vindo. Salvar Lô não parecia tão improvável assim.

Enquanto voltava para nossa pequena barca, Carlos se transformava no de sempre, os cabelos pretos escorridos deram lugar aos castanhos claros cacheados, o mesmo com os olhos, a pele cinzenta voltou ao seu bronzeado e sua boca descosturou. A capa preta foi se desintegrando e os pés voltaram aos All Star normais no momento que ele saltou do meu lado.

- Ah... Desculpa? - Ele deu um sorriso amarelo quando nos percebeu encarando-o estupefatos.

---x---

Bem, não posso dizer que eram olhos difíceis de reconhecer. Muito menos gostar. Mas Sin me olhava pesarosamente, como que com pena deu estar naquele estado deplorável. Uma coisa irônica. No mínimo.

- Er... Não é um dos melhores lugares no mundo, né? - Ela meio que tentou falar algo que consolasse.

- Bem, considerando que é o lugar que todos têm medo de acabar parando, tormento de bilhões de pessoas... Não.

Ela balançou a cabeça concordando. Fiquei encarando ela um tempo com as sobrancelhas erguidar inquisidoramente.

- Entendi, entendi. - Ela suspirou. - Vamos acabar com isso logo.

Ela passou a mão de leve nas barras e elas apagaram, se abrindo depois.

- Consegue se levantar?

- Se conseguisse já tinha corrido que nem uma mula desvairada para longe daqui.

- Então vamos fazer assim. - Ela encostou a mão na minha testa. - Relaxe, não vou te fazer mal.

- MAIS MAL???

Ela revirou os olhos e falou umas palavras que nunca ouvi na minha vida. Tudo ficou muito escuro.

- EEIIIIIII!!! O QUE FEZ COMIGO??? ONDE ESTOU????

- Na mesma porcaria de lugar. - Respondeu Sin quando senti luz batendo no meu rosto novamente. Sin havia levantado a mão. E crescido. Muito. - Pronto.

Ela me segurou pela camisa e colocou no bolso de sua blusa.

- O quêê??? Você me encolheu?

- Não reclama, é mais seguro do que qualquer outra opção. Se quer algo melhor se resolve aí.

Bem, eu não podia discordar e aproveitei para me acomodar confortavelmente no bolso frio de seda de Sin.

Consegui sentir ela andar apressada, e, conforme passávamos nos lugares, podia ouvir risadinhas ou gritos. Num momento de silêncio resolvi que era hora de esclarecer as coisas.

- Por quê está me ajudando, Sin?

- Xiu, quieta.

---x---

Já tinhamos passado pelo Cérbero-que-agora-era-uma-bola-de-gude há um bom tempo e não faltava muito para chegarmos no porto. Tenho certeza que íamos ser super bem recebidos, mas isso não vem ao caso. Acho que dá pra transformar todo mundo em bola de gude.

Olhando agora eu nunca diria que o pacato Carlos (que estava desenhando no barco com um canivete) pudesse ser tão forte assim. Ele me olhou ao perceber que eu o observava, chegou mais perto.

- Eu não entendi direito o que aconteceu entre você e a Renny e queria saber... - Ele pediu com uma careta, como que se amaldiçoando por ser tão direto. Eu olhei para o lado, não era legal lembrar do que aconteceu. Mesmo por pouco tempo foi horrível, mas eu devia explicações para Carlos.

- Eu e a Lorene éramos namorados. Pelo menos eu acho que sim, mas acabou que a Sin fez ela pensar que eu a estava traindo e tudo ferrou-se. - Conseguia sentir minha garganta se fechando conforme minhas palavras saíam.

- E você não a traiu, certo?

- Não!!! Claro que não!!! Eu sou completamente apaixonado por ela!! - Minha voz saiu estridente e Carlos deu uma risadinha.

- Então tudo vai dar certo. - Ele deu um sorriso meio cansado. - Não se preocupe...

- Talvez. E você? Obrigado por ficar ao lado dela e me ajudar depois com o mal entendido.

- Bem, comecei a falar com ela por causa de Lion. Nossa, nem imagino a pilha de nervos que ficaria se soubesse que a Renny sumiu. - Eu ri junto com ele ao imaginar a cena. - Enfim, nós caímos na mesma sala e ela me salvou da torta da Mitsra e...

- Sorte a sua.

- É. No final ficamos amigos. Ela é divertida.

- Muito. - Concordei desanimado. - Não vejo a hora de vê-la.

- Ela deve sentir o mesmo.

- Você também está na lista.

O clima ficou bem pesado, afinal, eu e Carlos não tínhamos nada em comum além da Lorene. E era meio triste lembrar dela agora. E, apesar de tudo, eu estava com inveja dele. Muita inveja.

Mas o moreno de repente levantou os olhos alarmados e se ergueu de leve. Procurei pelos outros.

Taus havia sumido.

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