— É imperativo que vocês descubram quem fez isso! Reforçamos nossas defesas, mas esses bandidos são muito ardilosos. – O Rei Edwin falava com autoridade na sala do conselho do palácio de Zugyara.

— Estamos aqui justamente para isso, vossa alteza. Começaremos nossa investigação imediatamente. – Nevra respondeu com o grupo atrás de si.

— Estão dispensados, podem sair e encontrar essa corja.

O grupo saído das Terras de Eel havia chegado em Zugyara em menos tempo que o previsto, mesmo assim o rei estava impaciente pela chegada deles, já que temia um novo ataque dos caçadores de humanos. Nem todos haviam sido levados no primeiro ataque, eles poderiam voltar para pegar o resto.

— Vamos nos dividir e interrogar os sobreviventes. Leiftan e Erika, vão para a enfermaria e falem com os feridos. Lance e Iduna busquem informações no mercado e na taberna. Eu, Mayuri e Matheus vamos investigar os arredores pra ver a rota que eles usaram para a invasão e fuga, tentar achar alguma pista e falar com os soldados que estavam de vigia na noite do ataque.

Os grupos se dividiram e seguiram para suas missões. Iduna andava pelo mercado, com Lance logo atrás. Ela observava o clima de animação típico de comércios de rua, mas também observava olhares de apreensão observando enquanto passavam. De repente, uma menina que corria pelo mercado, carregando um pedaço de pão e uma boneca, esbarrou em Lance, deixando o que carregava cair. Ela recolheu o pão rapidamente e correu para trás de uma barraca, se escondendo, mas deixou a boneca no chão. Logo após, um homem obeso corria por onde a menina veio. Ele ofegava e bufava. Observando os membros da guarda que acompanharam sua chegada, recuperando o fôlego, perguntou.

— Vocês viram uma pirralha passando por aqui? Aquela ladrazinha me roubou o pão. – Lance e Iduna se olharam e a moça respondeu ao homem.

— Não vimos ninguém. Mas se ela roubou um pedaço de pão, deveria estar com fome.

— Mas e o meu prejuízo, se eu ficar dando pão pra todos que não podem pagar, logo eu que passarei fome.

— Isso deve ser o suficiente para cobrir seu prejuízo. – Lance jogou uma moeda para o homem obeso, que a pegou e se foi, visivelmente contrariado.

Após o homem ir embora, Iduna observou a criança que continuava em seu esconderijo, olhando para os pés dela. Foi quando percebeu a boneca da menina que havia ficado ali depois da queda. A moça se abaixou, pegou a boneca e ainda abaixada a estendeu para que a menina viesse busca-la. A criança relutava em sair do esconderijo e Iduna temia espanta-la caso fosse até ela. Foi quando teve uma ideia, ela desenhou no ar o ideograma 風 (vento) e com uma lufada de ar, fez a boneca de pano e palha dançar pelo chão do mercado. A jovem manipulava o vento de forma que a boneca fosse dançando ao encontro de sua dona. A criança olhava maravilhada os movimentos e quando a boneca se aproximou da menina, ela a abraçou com carinho. Enquanto Iduna encantava o vento para conquistar a garotinha, Lance havia comprado algumas frutas numa barraca próxima. Ele as entregou a jovem para que ela desse a menina. Iduna estendeu o cesto na direção da criança que correu a seu encontro, com a boca salivando, ela colocou o pão no cesto e começou a devorar uma maçã. Enquanto a menina comia, Iduna notou uma atadura em seu braço, ela estava bem feita, por tanto alguém cuidava dela.

— O seu machucado, sua mãe que fez o curativo? - A jovem meio-kitsune perguntou.

— Não, foi o mano que fez. - A pequena respondeu. - O mano arrumava comida pra gente, mas quando os caras maus atacaram a cidade, o mano ficou machucado. Agora Totoro tem que conseguir comida pro mano.

— Então seu nome é Totoro, é muito fofo.

— Totoro não tinha nome, foi o mano que deu esse nome pra Totoro.

— Quer que eu cure seu machucado, Totoro?

— A tia pode fazer isso? - Os olhos da menina brilharam

— A tia pode sim. - Iduna disse sorrindo. Ela desenhou com os dedos o ideograma 癒 (curar) encima do curativo de Totoro, um brilho saiu de sua mão e depois de alguns segundos se apagou, ela tirou o curativo da menina que olhava seu braço sem nenhum arranham. A menina olhou com admiração a sua bem-feitora, foi quando ela agarrou a mão de Iduna, puxando-a com toda a força que ela possuía.

— Vem, tia, vem comigo, por favor. Vem logo. - Sem entender bem, Iduna seguiu Totoro, com Lance logo atrás delas, sem entender também o que se passava. Depois de algumas vielas e ruas com pouco movimento, Totoro tirou umas tabuas de uma parede falsa, abrindo um caminho para um cômodo escondido em uma casa abandonada. Ao entrar, um rapaz jovem, encostado em uma parede e com uma tala e faixas na perna observava a entrada daqueles estranhos assustado.

— Totoro! O que é isso? Quem são essas pessoas? Eu disse pra não confiar em ninguém! - O garoto esbravejava com a menina, que não se importou com isso e disse.

— A tia a boazinha, ela faz mágica. Ela fez o machucado da Totoro melhorar. Ela pode curar sua perna. - A menina vira para Iduna e pede. - Tia, por favor, cura a perna do mano. Por favor, tia.

— Parece ser sério. Por que não foi pra enfermaria do reino, rapaz? - Lance perguntou ao rapaz.

— E ficar esperando o ataque dos caçadores de humanos? Não, obrigado.

— Você acha que eles vão voltar? - Iduna perguntou.

— Eu tenho certeza. Eu estava lá quando eles invadiram a primeira vez. Me fingi de morto pra proteger a Totoro e eu. Eles quebraram minha perna pra ter certeza que eu não tava vivo. Consegui controlar a dor, mas agora não posso cuidar da Totoro. - Ele olhava sua perna enfaixada com uma expressão angustiada.

— A tia pode te curar, né tia? - A menina olhava para Iduna cheia de expectativas. A soldado da guarda tentou não transparecer, mas estava preocupada, mesmo assim disse a ela.

— Sim, a tia vai conseguir curar seu mano. - Ela se aproxima do rapaz, que se encolhe, relutante. Se abaixa ao lado da perna ferida – Isso pode doer um pouco, aguente firme. - Ela disse ao rapaz. Ela desenhou o ideograma 癒 (curar) na perna do rapaz, uma luz mais forte saiu das mãos da jovem e envolveu a perna do rapaz. Ele tinha uma expressão de dor, mas segurava o máximo para não assustar a garotinha. Após alguns minutos, Iduna terminou. Ela estava visivelmente cansada e Lance percebeu isso. Não disse nada. O rapaz se pôs de pé, admirado por não sentir dor.

— Agora nos diga tudo o que sabe sobre a noite do ataque dos caçadores. - Lance disse, jogando uma maçã para o rapaz.

— Quem são vocês, afinal de contas?

— Somos a Guarda de Eel. Aliados do Reino de Zugyara. Viemos investigar os caçadores de humanos. Não é o primeiro ataque deles. Eles atacaram outros reinos, eu mesma fui vítima de um ataque nas Terras de Jade. - Disse Iduna, tentando estabelecer confiança com o rapaz. - Primeiro, acho que devemos nos apresentar, eu sou Iduna, este é Lance.

— Eu sou o Eloy, essa é a Totoro. Eu sou humano, vim da Terra a uns 2 anos e meio. A Totoro é de Eldarya, mas vivia na rua quando cheguei aqui. Eu cuido dela desde então. Os caçadores chegaram a umas 2 semanas. Eles sabiam exatamente quem atacar, eles conheciam os humanos. Pra mim, ou eles espionaram o reino por algum tempo antes do ataque, ou alguém do reino deu informações. Até mesmo as duas opções juntas. Quando me fingi de morto, ouvi eles falando que as informações que tinham não falavam de uma resistência tão forte da guarda da cidade. Ouvi uma ordem de reagrupar e um deles disse que quando voltassem, seria pra pegar todos os humanos e leva-los para ‘aquela maldita montanha de gelo’.

Iduna e Lance se entreolharam, ele fazia alguma ideia de quem eles falavam, mas precisariam investigar mais. A jovem guardiã foi até o rapaz novamente e lhes deu algumas moedas de ouro.

— A Guarda de Eel pode ajudar vocês. Fique com esse dinheiro e compre uma passagem em alguma caravana que vá para Cidade de Eel. Peça refúgio lá e certamente vão acolher você e a Totoro. – Iduna sorria para o jovem rapaz que pegou seu ouro com relutância.

— Agora temos que ir, temos que investigar mais lugares. – Lance disse. A guardiã e o chefe da Obsidiana saíram do esconderijo e Iduna vacilou, quase caindo. O rapaz a segurou. – Você está fraca, foi aquela magia de cura, não foi?

— Eu estou bem, só preciso descansar uns minutos. – Iduna disse, se sentando em um degrau próximo.

— Você não pode se forçar além do seu limite.

— Aquele garoto precisava de ajuda, eu tinha o poder pra ajudar.

— Mas agora ficou nesse estado. Quando você usa magia, não costuma ficar assim tão fraca. O que houve?

— Magia de cura é diferente de magia elemental. Quando se invoca a força de um elemento, eu uso o maana pra manipular os elementos que já estão na própria natureza. Meu gasto de energia é só pra controlar o maana. Quando eu curo uma ferida, eu tenho que usar minha própria força vital para curar. É uma troca de energias onde eu dou a minha para quem perdeu.

— Então não faça isso tão imprudentemente.

— O garoto está bem, é o que importa. Eu já estou melhor, vamos continuar a investigar. – Iduna levantou e seguiu de volta para o mercado, mas Lance a deteve, segurando sua mão.

— Ao menos coma isso, pode te dar mais força. – Ele estendeu uma maçã que havia guardado na direção dela, que a pegou.

— Obrigada.

Eles voltaram ao mercado, mas não avançaram muito. As pessoas relutavam em falar, um clima de tensão e medo se fazia presente. Foram a taberna e ao entrar todos os olhares se voltaram para eles. O ambiente parecia bem menos amigável que o mercado. Eles tentaram uma abordagem diferente, não fizeram perguntas, apenas sentaram no balcão e pediram uma bebida. A taberneira serviu.

— Vocês são de fora da cidade, certo? Pelo que falam nas vielas, vieram investigar os bandidos que invadiram a cidade atrás dos humanos. Não sei o que querem aqui, mas tomem sua bebida e sumam. – Enquanto falava isso em um tom de voz mais alto que o necessário, a taberneira passou um pedaço de papel junto com o caneco de hidromel. Lance percebeu o recado, sinalizou para Iduna que deveriam beber o mais rápido possível e sair de lá. Assim fizeram e quando se afastaram um pouco, ele leu o recado.

“Me encontre em uma hora na torre do relógio”

— Será uma armadilha? - Iduna indagava.

— Não tenho certeza, mas é a melhor pista que temos. Vamos seguir.

Na hora indicada, Iduna e Lance estavam na torre, esperando, sem saber exatamente o que. De repente, uma figura encapuzada subiu as escadas, se aproximando deles. Ela tirou o capuz e se revelou como a taberneira.

— Preciso ser rápida, podem dar minha falta na taberna. Tem pessoas na cidade que estão ajudando os caçadores de humanos. Eles dão informações sobre quem é humano e quem e faery. Um desses informantes é o estalajadeiro. Ele abrigou vários humanos quando eles chegaram, mas ele é um preconceituoso para com os humanos. Ele os vê como raça inferior, já o vi fazer esse discurso na taberna algumas vezes. Ele hospedou os humanos apenas pelo dinheiro que ganhou do nosso rei. Deveriam investigar ele, certamente encontrarão esses bandidos através dele.

—Já viu esse estalajadeiro se encontrando com alguém suspeito? - Iduna perguntou.

— Sim. Um dia antes da noite do ataque ele encontrou um forasteiro, era um cara bem diferente. Um lobisomem de pelo branco. Ele tinha um brinco de outro na orelha esquerda e uma cicatriz no lado direito do rosto que ia da orelha até o queixo. Eu o via durante o ataque. Estava escondida na taberna, num alçapão que usamos para emergências. Pude ver pelas frestas da madeira do assoalho, era o lobisomem branco.

— Por que estava na taberna de madrugada? - Lance estava desconfiado.

— Eu fui encontrar meu namorado, ele é humano. Namoramos escondido. Ele foi capturado pelos caçadores. – Os olhos da taberneira se enchem d’água, mas ela segura o choro. – Vocês são minha última chance de trazer ele de volta.

— Qual o nome dele? – Iduna quis saber.

— Christopher. Ele é alto e magro, e tem uma tatuagem de peixes no braço direito.

— Faremos o possível para trazer todos de volta.

— Obrigada, muito obrigada. – A mulher disse, segurando as mãos de Iduna e com olhar esperançoso. Em seguida saiu da torre apressadamente. Os guardiões esperaram mais um tempo antes de sair. O relógio soava alto dentro da torre. Quando as 6 badaladas da tarde tocaram, eles foram para o ponto de encontro, conversando sobre todas as informações que obtiveram pelo caminho.

— Preconceito contra humanos. Acha que pode ser um grupo de extermínio? – A jovem indagava preocupada.

— Não tenho certeza, mas pelo que foi relatado, eles deixaram muitos feridos. Se fosse para exterminar, pra que deixar sobreviventes? Os outros podem ter mais informações sobre isso. Vamos encontra-los.

Os dois seguiram para o ponto de encontro, torcendo para que os companheiros tenham conseguido êxito em suas buscas.